Crescimento da Vila

-----Angeja teria crescido cerca de 30% no número de fogos durante todo o século XIX, mas apenas 6% no número de habitantes, portanto muito abaixo do crescimento geral do país, sobretudo no respeita à população.

-----Para o aumento do número de fogos terá sobretudo contribuido a extinção dos morgadios, iniciada em 1835, a qual levou a uma maior divisão e, até em alguns casos, pulverização da propriedade e começo da desagregação da família patriarcal com a consequente construção da pequena casa familiar de adobe, com o seu pequeno pátio ou quinteiro ou aido, onde se criavam galinhas e porcos e se preparava o estrume. E ainda, a partir de meados do século, alguns dos emigrantes começavam a enviar remessas, o que permitiu à família residente erguer construções as quais, ainda que modestas, contribuíram para o pequeno aumento do número de alojamentos.

-----Quanto ao crescimento da população nota-se uma oscilação acentuada entre os números indicados nas diversas "estatísticas".

-----Na de 1828 (Dec. 28/7/1835), há um notório decréscimo o que poderá ser sinal de uma maior e acidental mortalidade havida nos finais do séc. XVIII e inícios do século passado. Com efeito, nessa época, a barra de saída da Ria de Aveiro para o mar fechou-se por assoreamento. As águas da Ria e dos rios que nela desaguam subiram muito o seu nível; a parte baixa da vila, tal como sucedeu em Aveiro, e os campos marginais foram inundados pelas águas salobras com as consequentes fomes e doenças que marcaram acentuada mortalidade.

-----Uma parcela deste mal só veio a ser sanada após a abertura da barra em Abril de 1808. Logo se deu o abaixamento quase imediato das águas da Ria e do Vouga, o gradual enxugamento do Campo de Angeja o qual, no entanto, ficou ainda por longo tempo marcado pelos efeitos nefastos da água salobra e do assoreamento.

-----As doenças ainda persistiram, causando mortes, entre os mais fracos, para além do que era normal na época. E entre as que mais afectaram a população angejense, além da fome, porque os campos ficaram improdutivos e impróprios para pastagens ao longo de todo o verão, constam-se o paludismo que os campos de arroz ajudaram a difundir, a varíola e a tuberculose que atingiram frequentemente a população.

-----Também se citam as que marcaram a mortalidade infantil, como o sarampo, a tosse convulsa e a difteria, as quais matavam frequentemente as crianças já debilitadas pelas condições socioeconómicas da época.

-----Em 1853 a colera morbus deixou um rasto de morte e de pavor na população, registado pelo pároco, Pe. João Estrela, no Livro Paroquial de Angeja:

"O colera morbus acometeu esta frequezia em Agosto de 1855. Este açoute de Deus fez 70 vítimas nesta freguezia. Tive dias de administrar a Santa Unção onze vezes: Pricipiou a 22 de Agosto e desapareceu em 25 de Outubro do mesmo ano de 1855."

-----A partir dos anos sessenta, embora permaneçam as doenças habituais, deveria fazer-se sentir uma ligeira melhoria das condições de vida, ainda que tenham persistido alguns dos factores que marcaram a sua gente. A vida era predominantemente rural e geradora de pobreza. Muitos dos seus habitantes eram rendeiros porque boa parte das melhores terras pertenciam às familias absentistas; ou então eram jornaleiros, trabalhando ao dia, se sol a sol, por conta dos proprietários ou a par deles. Os impostos que pesavam eram indirectos e atingiam por igual ricos e pobres. Efectivamente, os reais, incidindo sobre o consumo - carne, vinho, azeite, aguardente, etc, actuavam como incitadores de pobreza, enquanto as contribuições sobre a propriedade eram insignificantes e só atingiam os que detinham a sua posse e os seu rendimento, em pouco concorrendo para o bem comum.

-----Angeja é, desde há quase dois séculos, uma terra de emigrantes. Partia-se sobretudo para Lisboa, para o Brasil e para os Estados Unidos da América do Norte.

-----Eram estes os destinos mais frequentes porque é deles que vêm mais constantes notícias na imprensa, assim como se regista que aqueles que singravam em breve chamavam parentes aos quais abriam oportunidades para lhes darem, por vezes, continuidade nos empreendimentos.

-----A maioria partia jovem e analfabete ou de poucas letras como era hábito no mundo rural. Tendo, porém, deixado a lavoura não era esta actividade que os seduzia nem nela ingressavam a não ser eventualmente numa primeira fase de adaptação. Breve se iniciavam na alfabetização, entrando e percorrendo toda a carreira comercial. Talvez a maior parte tenha singrado dado o seu apego ao trabalho e a sua honradez.

-----Grande número por lá ficou: uns ceifando pela morte nas agruras das doenças; outros casando ou mandando ir a mulher, que ficara na terra, para se ocuparem na vida em comum. Assim se desnvolviam famílias que nunca deixavam esquecer a sua Angeja. Assinavam e liam jornais da vila e da região, em busca de notícias e lembranças de pessoas, lugares e coisas; vinham às festas de devoção comum, onde conviviam e exibiam os êxitos; alguns regressavam definitivamente para um final de vida entre os familiares e amigos, por vezes mesmo alardeando posses adquiridas, quase sempre em benefício de necessidades da terra que nunca esqueciam.

-----É muito elucidativo o texto de um correspondente de Angeja ao notificar que a Direcção da Associação de Instrução e Recreio Angejense, eleita para o ano de 1951, na sua primeira reunião, para além de saudar todos os habitantes da vila, desejava "também levar uma saudação amiga a todos os filhos da nossa terra que lá longe, por terras do Império, do Brasil, das Américas e por todo esse mundo de Cristo mourejam, sabe-se com que sacrifícios, o pão de cada dia, o pão da velhice, (...) vão os nossos desejos de boa sorte e de que jamais se esqueçam da sua terra natal que espera agradecida o seu auxílio (...). Angejenses, lá longe por onde andais, trazei sempre no vosso coração a imagem da nossa querida Angeja (...). Conservai-a no vosso amor e na vossa saudade (...)"

Vias de Comunicação

-----Durante séculos, Angeja poucos contactos manteve com o resto do país, pela precaridade dos meios de comunicação.

-----O inicío do Fontismo chegou, porém, cedo a esta região. Efectivamente o laçamento em 1850, de estreita ponte de madeira sobre o Vouga, deixou a passagem por onde dez anos depois seguiria a estrada de Aveiro a Albergaria e Viseu.

-----Pouco depois o caminho-de-ferro passava pelas terras do Campo de Angeja, ligando Lisboa a Gaia, e a estação de Cacia, a pouco mais de 3 Km, já servia a população da vila.

-----Em 1867, a Câmara Municipal de Albergaria, sendo vereador por Angeja, João Bernardino Henriques Ferreira, decidiu fazer o "lanço de estrada de Nageja ao limite do concelho de Estarreja" e mandou "lançar pregões para os habitantes das freguesias de Angeja e Frossos concorrerem com três dias de jornal de carro com pedra para os depósitos", no referido local.

-----Abriam-se assim, com mais fáceis contactos, outras perspectivas para a sua gente, quer no domínio económico quer no da instrução e do alargamento de relações sociais, quer ainda no do aproveitamento de novos inventos.

Instrução

-----Durante a primeira metade do século XIX formara-se em Angeja uma elite de letrados, o que revelava a existência de famílias de posses.

-----"No ano de 1849, contavam-se nesta freguesia 7 doutores, a saber: o desembargador Manuel Maria Souto e Silva que foi Juiz da Relação de Goa, na Índia; Dr, Domingos José de Sá Pinto, natural de Montemor, veio para aqui juiz de fora e aqui casou; Dr. José Narciso, natural desta freguesia, foi juiz de fora em Tomar; o doutor Agostinho António Marques de Resende, natural da freguesia de Avanca; Dr. Manuel Caetano Soares Ferreira, foi mestre de Lógica em Aveiro (...), natural desta freguesia; Dr. António Ferreira Souto e Silva, natural desta freguseia, foi diversas vezes administardor do concelho; Dr. Manuel Homem Correia Teles (...) foi juiz de fora em Almodovar e casou aqui com uma senhora desta freguesia."

-----Além disso "havia nesta freguesia quatro clérigos, a saber Pe. Manuel Julião Marques Ferreira, Pe. António Ribeiro das Neves, da Ordem de S. António de Serém, Pe. Manuel Alberto Nogueria ordenando na cidade de Pernambuco (Brasil), mas natural e baptizado em Angeja, Pe. António Joaquim Soares Ferreira (...). Estão vivendo em Lisboa dois padres des ta freguesia."

-----Estas citações feitas não implicavam vulgarização do ensino, numa povoação onde a dificil vida dos pequenos propritários, rendeiros e assalariados impunha um aproveitamento do trabalho de todos, até das crianças, na árdua vida do campo.

-----A primeira escola primária, com o professor pago pela Câmara Municipal. surgiu, em casa improvisada, nos anos cinquenta e a feminina nos anos oitenta do século passado, embora a Câmara Municipal de Albergaria-a-Velha decidiu "solicitar ao governo um subsídio de 6 contos de reis para edificação de três escolas" sendo uma na vila de Angeja, pois que as duas escolas existentes funcionavam precariamente em edifícios alugados e assim se mantiveram até que a iniciativa local as construiu com um pequeno subsídio do governo.

-----Foram sobretudo dois abastados emigrantes, regressados do Brasil que com iniciativa e abnegação contribuíram para o grandioso edifício das escolas primárias de Angeja erguido no início do século, onde ainda continuam a funcionar. Domingos Nunes Ferreira foi o grande animador e impulsionador da ideia, coadjuvado pela população da vila que subscreveu a totalidade da avultada verba necessária à construção. Seu tio António Nunes Ferreira mobilou a nova escola.

O Telégrafo

-----Em 23 de Agosto de 1889 foi inaugurada a ESTAÇÃO TELÉGRAFO-POSTAL DE ANGEJA, destinada a servir a vila e diversas povoações próximas, de um e outro lado do Rio.

-----Montada a aparelhagem, "mal constou que o telégrafo funcionava, encheu-se imediatamente a estação de indivíduos que desjavam expedir telegramas".

-----Deitou-se fogo de artifício e a "philarmónica" com enorme cortejo de pessoas percorreu já de noite as ruas da vila com entusiásticos vivas.

A Iluminação Pública

-----Vila extensa e ordenada ao longo de duas pricipais estradas, que se entroncavam no centro, das quais irradiavam diversas ruas e vielas orladas de casario, Angeja não tinha, no início do século XX, iluminação pública. Nem mesmo aquelas frouxas luminárias dos candeeiros de petróleo, que existiam na sede do Concelho, aí apareciam.

-----É então que alguns dos mais destacados angejenses fazem apelo ao seu espírito de iniciativa e aos seus cabedais. Na sessão de Câmara Municipal de Albergaria-a-Velha, o vereador Manuel Maria Ferreira Souto comunica que "Angeja pela sua extensão e desenvolvimento se torna credora do benfício da iluminação pública" e, "atendendo a que a Cãmara não tem meios para as despesas", como localmente se obteve o dinheiro indispensável à obra, solicitava que a Câmara concedesse licença para canalizar o gás pelas ruas da vila e instalar o gasómetro junto à estrada real, em frente à Igreja.

-----A inauguração da iluminação pública foi a 19 de Março de 1905, um domingo, com largo regozijo da população, apesar da chuva. Ás 18 horas foram acesos todos os candeeiros que rasgaram a escuridão brumosa com a luz branca do acetilene. Enquanto a "Philarmónica Angejense" percorria as ruas da vila, estralejavam foguetes e o povo vitoriava os conterrâneos que mais haviam contribuído para a obra: Manuel Pereira sa Silva, industrial, ausente em Manaus, António Nunes Ferreira e Domingos Nunes Ferreira, regressados do Pará e os vereadores Ferreira Souto e José Pereira da Silva.

-----O consumo dispendioso da iluminação exigiu constantes subscrições em Angeja, Lisboa, Pará e Manaus, principais focos de gente da terra. Em 1911, a Câmara de Albergaria, presidida pelo Dr. Jaime ferreira, concedia 120.000 reis para ocorrer às despesas, mas o sorvedouro não tinha fim.

-----O consumo, o envelhecimento da instalação e o termo do período áureo da emigração acabaram com esta iniciativa luminosa. O gasómetro, canos e outros acessórios foram postos em leilão junto à Igreja, em 6 de Junho de 1924.

-----A energia eléctrica, com iluminação pública e particular só chegaria em 11 de Agosto de 1935, dia da Festa de Nossa Senhora das Neves, com a presença das autoridades do estilo e porto de honra no palacete, também inaugurado, do vereador Dr. Eduardo Souto.

Teatro

-----O teatro é uma actividade de longa tradição entre o povo de Angeja, onde teve épocas de frequente e brilhante actividade. As primeiras notícias que del me chegaram vêm do início do século actual, embora, naturalmente, a tradição o coloque muito antes.

-----"A Voz d'Angeja", no seu número 41, de 4 de Maio de 1907, ao associar-se à "Homenagem ao benem´rito Snr. António Nunes Ferreira refere que, entre os números dessa colectiva manifestação, haveria "no edifício do nosso theatro (...)" um bodo para 100 pobres e "Às 9 horas da noite récita de gala no nosso theatro pelo Grupo Dramático Angejense, com a peça em 3 actos "Um Erro Judicial", cançonetas e uma comédia em 1 acto "A medicomania".

-----O mesmo jornal, no nº 43, revela que o desempenho do drama foi muito bom por parte de todos os amadores, "merecendo especial referência" Amadeu Santos, Francisco Capella, F. Santos e Alberto P. Almeida. A récita repetiu-se com variantes no dia 30 do mesmo mês.

-----Suponho saber onde era o edifício do teatro, que não passava de uma improvisação, como outras que aconteceram ao longo de muitos anos e eu (António Homem de Albuquerque e Pinho) ainda conheci, pois, antes da divulgação da televisão, eram frequentes as récitas dos Amadores de angeja, com fama em toda a região.

-----Então, naquele ano de 1907, no dia de Natal, após a missa das dez horas, "organizou-se um bello cortejo que, apezar do péssimo tempo, pois chovia abundantemente, seguiu para a cadsa do theatro, temporariamente instalada n'uma das salas que o Snr. Comendador Almeida possue na sua quinta da Barca".

Uma Nova Locomoção

-----O primeiro dos novos meios para uma melhor deslocação individual numa zona pouco acidentada foi a bicicleta. Pelo seu modesto preço rapidamente se difundiu na vila e por toda a região, como se deduz da publicidade nos jornais locais e nos das redondezas.

-----O automóvel e a moto começaram também a ser usados, embora, sobretudo o primeiro, fosse uma raridade nas primeiras dezenas de anos, mesmo nos estratos mais abastados da sociedade. "A Voz d'Angeja", em 1907, já anunciava à venda no "Armazém de António Dias Gomes" as "motocyclettes Triumph". Mas o primeiro automóvel chegou, por encomenda, para Manuel Pereira da Silva, natural de Angeja, regressado rico, havia pouco, graças a uma activa vida comercial e industrial em Manaus.

O Abastecimento de Água

-----No final do século passado dada a grande extensão da vila, os poços e os cursos de água eram a base do abastecimento para usos domésticos, com os inconvenientes conhecidos e sentidos pelo povo.

-----As três fontes existentes, quase sempre com pouca água, tornavam-se insuficientes para as necessidades correntes.

-----Foi então que José Nunes de Pinho, emigrante regressado com meios de fortuna, eleito vereador à Câmara de Albergaria, aí se bateu pelo conveniente abastecimento de água à zona central. A habitual "falta de forças do cofre municipal", eufemismo então muito usado, levou aquele homem generoso e de iniciativa a mandar pesquisar e canalizar a água até ao chafariz que fez construir na praça e constitui um belo motivo de alindamento, com a sua coluna central cilíndrica de mais de três metros. terminando por um pináculo cónico, da qual jorravam as bicas para o largo tanque circular que dava de beber aos animais.

Artesanato

-----Dedicada essencialmente, às actividades ligadas ao campo, a gente de Angeja desenvolveu, ao longo dos séculos, criativas manifestações de um artesanato activo. No Foral de Angeja, já se dá conta de vários dos seus produtos, entre os quais panos, curtumes, ferrarias, cestaria, etc. e voltamos a encontrá-los nas Actas da Câmara nos séculos XVIII e XIX.

-----Ainda no primeiro quartel deste século continuavam a manifestar-se artesãos e até famílias, voltadas para essa útil e artística forma de criação, como consta na imprensa da época e na memória do povo.

-----A fabricação de adobos nos areeiros da Afeiteira era fonte de abastecimento para a construção de muros e paredes não só na freguesia mas em povoações próximas. Bastantes casas eram erguidas com paredes de adobos oriundos dos areeiros de Angeja.

-----Lagares de azeite, aproveitadores da muita azeitona produzida na freguesia e alambiques, para destilação de bagaços e borras do vinho, estavam em actividade em épocas adequadas.

-----No lugar do Fontão, ao longo da ribeira, ainda no princípio do século existiam dezenas de moinhos onde se moía o milho, o trigo, o centeio e se descascava o arroz. Hoje apenas uma dezena estará em actividade. O burro conduzido pelo dono carregava o cereal à porta do freguês e trazia depois a farinha a que o moleiro havia retirado a maquia como forma de pagamento. Também no Fontão em fornos artesanais as padeiras faziam e fazem ainda o pão e a regueifa depois vendidos nos mercados e feiras da região aos inúmeros apreciadores.

-----Na imprensa local há ainda referências a funilaria, tanoaria e serralharia indispensáveis no viver corrente da população.

-----Mas a actividade mais famosa na vila e em todos os mercados e feiras em redor era a Fábrica de Loiça Vermelha de Angeja, localizada na Alameda da Várzea. Tudo começou no século XIX, com Francisco Correia Vidinha, no seguimento de uma tradição da família Vidinha, proveniente de Ovar. Mais tarde, Gracinda Marques Vidinha veio a adquirir a fábrica e a ampliá-la, tendo-lhe sucedido na direcção Armistícia Glória Vidinha que continuou a arte familiar.

-----Todos os produtos eram ainda artesanais e de barro vermelho. A diversidade era grande: telhas, beirais, vasos, cântaros, alguidares, moringues, potes de jardim, tijelas e outras peças de uso doméstico.

-----A perfeição e beleza das peças fazia com que fossem vendidas, para além da região, mesmo em Coimbra, Viseu, Lamego, Vizela, etc.

-----A actividade cessou há mais de uma trintena de anos, com todos os inconvenientes representados na perda de uma tradição.

Publicidade, Índice de Vida

-----Os anúncios nos periódicos constituem um apropriado meio para a avaliação da importância e variabilidade da vida comercial no primeiro quartel do século actual quando se iniciava uma mutação no viver do mundo rural.

-----Em 1907, "A Voz d'Angeja" apresenta toda a quarta página e um pouco da terceira com anúncios, apontando, para uma alternância do comerciar no mercado e na feira, em dias certos, para o estabelecimento de porta aberta, sempre à mão. Vêm dez anúncios, dois de um quarto de página, fazendo crer pela minúcia da multiplicidade de artigos à venda, que são os maiores e mais abastecidos supermercados da vila.

-----"Estabelecimentos de Fazendas (...) mercearia e ferragens de José Maria Martins dos Santos, rua Direita" e "Armazém de Mercearia, Azeite e Aguardente (...) de António Dias Gomes" na esquina da rua dos Pinheiros com a Rua Direita, são os maiores. Ambos vendem tudo e especificam em letra miúda todo o seu vastíssimo recheio, dando destaque ao depósito de tabacos, às máquinas de costura, aos cofres e, já então, às "bicyclettes e motocyclettes".

-----Outros anúncios mais modestos referem um "Viveiro de Plantas Franco-Americanas", de Emílio Souto & Irmão, na Rua da Pereira, uma "Oficina de Funilaria", a "Alfaiataria Progresso Angejense", de Guilherme Dias Capella, um Armador, M. Bismarck e outro "Estabelecimento de Fazendas (...) o conhecido José Carvalho".

-----Uma vintena de anos depois, "O Despertar de Angeja" apresenta 13 anúncios de tamanho mais equilibrado. Dos anteriores estabelecimentos só subsiste, chamando-se agora "Loja do Alcaide (fundado em 1900) Estabelecimento de Primeira Ordem" de José Maria Martins dos Santos, o qual, além de atributos anteriores, é também agente de seguros e correspondente bancário.

-----De novo, surgem dois concorrentes: "A Primorosa Comercial" de Paulo Dias Capela e a "Loja Nova" de Manuel Dias F. Capela, esta na Praça da República e a anterior na "Rua do Comércio (antiga Rua Direita)".

-----Aparece ainda todo um conjunto de novas actividades: "Farmácia e Perfumaria Confiança", a "Casa Ezequiel, garage de automóveis, motos e bicicletes", significando a entrada de veículos motorizados, o que não impede que continue uma "Alquilaria Angejense de Baltazar Matos Marinheiro ou tereza Cabeçuda" a querer marcar a permanência do pausado mundo rural o qual está presente na "Tanoaria de João P. da Costa Almeida". Ainda há a "Loja das Louças", de Gracinda Marques, aberta três dias por semana, com "louça grossa, preta e encarnada".

-----Em terra de emigrantes vêm duas aliciadoras agências de passagens e passaportes, uma das quais era de Francisco Gaspar, ourives ambulante que também tinha loja local.

-----Destas situações se deduz que Angeja manteve, desde o início do século, actividade comercial para além dos tradicionais mercados domingueiros e da feira dos 26. Ela circunscrevia-se à zona central, a Praça e a Rua Direita ou do Comércio, chegando à Rua da Pereira. Porém, apesar de se conservar cada vez mais vivo e aformoseado o Centro, as diferenças em relação à actualidade são sensíveis pelo número de estabelecimentos de todo o género que hoje se distendem até aos extremos da vila.