"Agora o braço não é mais o braço erguido
num grito de gol.
Agora o braço é uma linha, um traço,
um rastro espelhado e brilhante.
E todas as figuras são assim: desenhos de luz, agrupamentos de pontos, de partículas,
um quadro de impulsos, um processamento de sinais.
E assim - dizem - recontam a vida.
Agora retiram de mim a cobertura da carne, escorrem todo o sangue, afinam os ossos em fios luminosos
e aí­ estou, pelo salão, pelas casas, pelas cidades,
parecida comigo.
Um rascunho.
Uma forma nebulosa, feita de luz e sombra.
Como uma estrela.
Agora eu sou uma estrela."
(elis)

clarice ou elis ouesse sentimento

domingo, 15 de maio de 2005

*.....................'..............*...........................................*.........*
....................... *.................... *...........'......... '............. *
.....*......'........................*............(..............*
...................*.....................'..............'............*.....*..............*



Há um céu de tanta estrela. Brilham pontos que tu não podes reconhecer. São os últimos sinais de vidas estranhas, distantes. Sei que outrora soubeste quem elas eram, pois podia imaginá-las em sentido e gosto.
A imagem do passado, no entanto, nos renova: outros seres somos.
Esse ponto que insiste em lembrar-te o que eras, move-se aos seus olhos; é uma lei - moto-contínuo. Seus cílios não conseguem recolher o instante exato da partida, da ruptura. Não chores ainda não.

...............................*...........*........................................*..........................*
......................................*..........*....................................................................*


Revelo-te em solidariedade que também queria ser herói: o príncipe e o mago. Caminhava à noite nos becos escuros de Recife, porque queria saber de onde vinham as vozes dos corais. Esperava que os arcanos noturnos tomassem meus olhos, e eu, cego de tanta luz, enxergasse além do que vejo hoje.
Era sonho. Mal sabia.
Entretanto, a imagem de sonho, como essa, hoje, de céu arcaico, transformou minhas trilhas em longas planícies. Terra estrangeira e desconhecida que preciso desvendar. Sem planos ou teoremas.
Podes também seguir sem medo, os desertos estão longe de nos alcançar.

*..............................................*........................................*..........................*
...*..........*.....................................................................*


Ando fazendo as mesmas coisas que sempre fiz. Carregando as rochas montanha acima, vendo-as descer.
Remexendo as antigas cartas e tocando os antigos fantasmas de promessas irrealizáveis.
Em tudo o que faço, existe agora, porém, a flecha que não indica o alvo, mas revela o atirador.
Tu talvez não me compreendas, ou talvez seja a tua estranha compreensão que me faça ver esses elementos. És mais soldado de guerra do que eu. E levanta-te muito cedo para ver o sol.
Sei que o sol é, para mim, uma promessa ainda muito mais remota.
Tu ainda sabes o quanto é tortuoso respirar, enquanto eu já naturalizei esse processo. Ingênuo que me tornei ao longo de tantos flashes e luzes.

*.....*........................................*..............................................*
................................*..........*
..................*

Nossa conversa prossegue. Enquanto mantenho corpo aceso para a madrugada e tu despertas o teu para as manhãs.

*......*..........................................................................*
...............................................................................................................*
.....*................................*.....................................................................*

Já percebeste que as estrelas são sempre as mesmas, porque sempre buscamos a história de cada um delas e somos muito poucos para percebemos a imensidão do universo?
É, esses fragmentos são os papéis de bala que caem de nossas mãos: nas ruas, os garotos abandonados nos assaltam. Tomam de assalto nossa calma visão do cosmos.

É porque as teias se cruzam que as estrelas nos tocam -
.....................* o passo seguinte.

Esse sentimento de MATEUS às 14:26:48. Comentários [0]
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segunda-feira, 9 de maio de 2005

Sereias cantam sob a ponte. Ouço o seu canto e me lanço às águas turbulentas. As crianças riem de meu ato.
- "Elas não virão?"
- Não, não virão.
Sereias e outras feras marinhas esperam o meu corpo para o banquete.

...

Esse sono

"Yo quiero que me enseñem un llanto como un rio." (Lorca)

Vê tua praia, é também uma praia distante.
E o movimento dos objetos é o movimento dos corpos. E os corpos são objetos cada vez mais doloridos e distantes.
Na beira do mar, há uma sereia que sem cessar canta seu canto monótono, há como escutá-la? Há como negá-la, enquanto corpo sem vida, objeto, uma boca sem voz? As estrelas deste mar são estrelas doentes, maceradas pelos vermes marinhos. Olhe, os cavalos do mar são pequenos instrumentos do silêncio infernal das ondas.
Escute a doença das pedras salgadas, escute os lamentos deste vento incapaz de chegar aos olhos e cabelos, escute quanta loucura em potencial guardam estas nuvens. Aproxime-se de tudo isso, aproxime desta esfera real.

Essa praia, esse mar, essas ondas em movimento alucinatório te fazem cerrar as pálpebras.
Eu te confidencio isso - mas cuidado com este código:
Essa praia é teu corpo, esse mar são seus olhos, e as ondas são o feitiço do teu cabelo sob a influência dos sopros destes deuses maquiavélicos.


...

Aprendo a nadar; os pulmões jamais se recuperarão.

Esse sentimento de MATEUS às 16:19:14. Comentários [1]
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Vivemos em constante inverno: os corações viram gelo. Por isso, também rezo. Sei que estou em campo minado. E luto contra o sentimento dos que querem se lançar. Combato-o com o pequenino coração - esse sentimento - o amor.


Credo

Ah, companheiros que eu dou a mão em silêncio. Ah, companheiros que eu imagino muito melhores do que eu.
Ah, companheiros, queria-lhes contar que já estou cansado de tanta fome e tanto choro. Já me molharam todas as roupas estas lágrimas. E não sei mais o que gritar.
Depois de tantos ruídos produzidos na loucura de nossas teias, devo tomar um tranqüilizante e dormir.
Ah, companheiros, estou aqui, o corpo meio retorcido, meio quebrado, esperando que me peguem no braço. Que me coloquem, como um bêbado, nas costas, e me carreguem daqui.
Só quero que me levem para casa.
Companheiros, quero tomar leite. Branco, branco, branco - quero minha cama, depois dormir.
Ah, companheiros, quero encontra-los em sonho. Vou estar limpo, vou estar forte, e vamos caminhar sem vacilos. Vamos lutar sem medo.
Ah, companheiros, acho que vou morrer logo. Talvez com um tiro, talvez com uma doença contraída nos campos de batalha. Mas vou morrer tão logo eu acorde.
Por isso, companheiros, choro pela morte de cada dia. E não me alimento mais, guardo os alimentos para os que ficarão nessa guerra.
Tremo por eles, e já sofro. Meus companheiros.
Mais este pedaço de pão, mais este pedaço de lenço molhado de lágrima e sangue, mais este pedaço de papel com a canção e o poema que te animaram, mais estas fotos da luta passada, mais estas bandeiras pesadas, vermelhas, mais estas palavras, todas estas coisas que te entrego e que guardava na palma da mão, todos estes segredos, eu te dou porque é meu companheiro, e só a tua presença ainda me mantém vivo. Tudo que deve conservar para os próximos. Quem sabe um dia?
Ah, companheiros, quem sabe um dia esta febre se acaba e acordamos sem estas cargas que tanto nos curvam, quem sabe um dia vamos poder jogar fora estes objetos de amor e afetos e, libertados, de tanto amor e afeto, poderemos ser felizes. Mesmo sem o amor e o afeto de tantos outros companheiros oprimidos.
Ah, companheiros, estou só, mas tenho a vocês.
Vocês que são invisíveis, e o são para fugirem da repressão, dos homens absurdos, violentos. Vocês que são calados, porque todos estes meses de perseguição os fizeram prudentes, e o silêncio os protege. Vocês que quase não me ouvem, mesmo quando grito as palavras mais doloridas, mesmo quando eu grito os sons mais terríveis, mesmo quando eu grito para vocês. Mesmo quando digo "companheiros" e vocês passam por mim, ignorando que estou sozinho e triste, e precisava de suas mãos - mesmo que em silêncio.


...

O impossível é manter vivo tão frágil corpo - o amor.
Soprar em seu peito o ar quente.
Impossível porque o essencial é invisível aos olhos.


Esse sentimento de MATEUS às 16:16:00. Comentários [0]
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Credo
(Milton Nascimento e Fernando Brant)

Caminhando pela noite de nossa cidade
Acendendo a esperança e apagando a escuridão
Vamos, caminhando pelas ruas de nossa cidade
Viver derramando a juventude pelos corações

Tenha fé no nosso povo que ele resiste
Tenha fé no nosso povo que ele insiste
E acorda novo, forte, alegre, cheio de paixão

Vamos, caminhando de mãos dadas com a alma nova
Viver semeando a liberdade em cada coração
Tenha fé no nosso povo que ele acorda
Tenha fé em nosso povo que ele assusta

Caminhando e vivendo com a alma aberta
Aquecidos pelo sol que vem depois do temporal
Vamos, companheiros pelas ruas de nossa cidade
Cantar semeando um sonho que vai ter real

Caminhemos pela noite com a esperança
Caminhemos pela noite com a juventude


Esse sentimento de MATEUS às 16:10:08. Comentários [0]
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domingo, 10 de abril de 2005

"Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa"
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner

Acontece, meu anjo, de o medo nos recolher. Camisolas brancas, em nossos leitos, e flores amarelas brotando de nossos dedos, tornando mais ásperos os contatos, os apelos e olhares.
Acontece sempre. Acontece, às vezes.

Não temos muitas armas para combater essas cores. Temos palavras e eu confesso que nunca acreditei demasiado em tuas palavras. Os gritos já haviam me ensurdecido. Contudo eu tentava. Essa chama que erguia meu peito, meu tronco, num tango infernal, me mantinha ao teu lado e ao lado daqueles a quem eu devotava meus dias. Dias mudos.
Dias tristes.

Nunca ouvi direito as tuas vozes, sei que elas já estavam em muitas bocas. Sei que elas já estavam me resgatando de chuvas ácidas, no entanto, tão desafinado sempre fui, que misturava os sons e me entontecia sem descobrir a origem desse coral. Graves e agudos se combinavam em harmônicos que eu desconhecia. Notas formavam frases que eu não sabia ler.

Seguia por fé, de olhos cerrados, de punhos cerrados, de coração vermelho. Andei, portanto, entre pântanos e desertos, sabendo que ouviria os gritos dos animais assustados. Eu, também assustado, mordendo os dentes. Desenhando labirintos entre a ponta de um dedo e outro. Abrindo, em minhas costelas, clareiras para salvaguardar os infantes que se refugiavam da noite.

Inocente. Porque de olhos fechados, vermelho. A arrogância só era armadilha para os animais maiores que apareciam.

Acontece. Sempre acontece. O temor existia entre um desenho de luz e o canto das sereias; no intercurso em que se alimentavam as artes, o temor crescia. Entretanto, são de atropelos e tumultos que as linhas se fazem, e por elas andamos, como bailarinos ou bêbados. Seguimos.

Minhas pinturas abstratas: esses icones e cones. O salto dos triângulos - Clarice - e o salto dos losangos - Elis - me desprendiam do solo,

"Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres.
Meu grão, perdido por acaso,
Nasce e cresce na terra descuidada."

Cora Coralina

Não podia, porém, juntar as figuras geométricas e buscar a identidade no som das sereias, e das vozes muitas. Preso às minhas próprias correntes, às flores amarelas que me adornavam, eu não acordava. Havia pesadelos. E os dias presentes.

Agora a sintaxe das frases forjava a cada instante a adversativa do instante seguinte.
O futuro já criava o passado e, de repente, eu via as linhas. Sem entender, juntava-as. Urgente, correndo, pois a areia se derramava no tapete.
Os outros, os outros existiam, eles estavam em mim. Soprando em cada fresta de meu corpo uma parte da esfinge.
Por milênios, assim, brisas foram engendrando minha esfinge e, diante da pergunta, qualquer resposta me abriria as portas da cidade. Os habitantes sem nome desse local já eram meus conhecidos, estiveram zelando pelo meu sono, quando tive sede por descansar na estrada. E pelo dia presente.

Aprendo hoje - esse aprendizado estava escrito nos dias de amanhã e será escrito há tempos remotos - a afinar minha voz. Posso gritar, mas também dizer sim. As palavras, recitá-las. Combater com elas. Acreditar em sua materialidade.

Era em Elis, depois em Clarice, depois em Angela, depois em outras tantas pessoas, maiores que os próprios nomes, que eu ia reconhecendo o nome desse sentimento, não por pura invenção, mas por revelação.
Não ouvia antes, aprendi a andar sob pontes.
Não via antes, aprendia a tocar grãos, juntá-los.

Sua voz, meu anjo, estava comigo já aos oito anos. Sua voz me beijava, enquanto eu dormia. Vinha pela boca de minha mãe, pelos braços de meu pai. Depois era a confusa voz estridente dos outros garotos e garotas. Depois estava em sua forma pura, na voz de Elis. Nas palavras puras de Clarice. Em minhas promessas e segredos. No frio da noite.

Meu anjo, sua voz eram as asas que eu imaginava acolhendo os que eu via tão sós, em seus quartos e masmorras. Em minhas lágrimas, tecendo.

Sei, sem medo, porque até o medo era o anúncio de tua vinda e a falta de carinho, a promessa de tua existência, que seria, um dia, em algum tempo, pronunciado. Sem medo, sei agora que pode assumir a forma que nossos corpos e palavras quiserem.


Estou ouvindo Elis.
E lembro-me de Legião Estrangeira, de Clarice.
O amor.

Sim. Te chamei até agora de anjo, porque caminhava ao meu lado em silêncio, porque assumia a forma que eu desejava que assumisse. Espelho do anjo que eu era.
Agora sei. Agora sim:
Meu amor. Teu nome coincide com o que sinto. Pulsa em mim. Um fremir de asas.

O amor é esse sentimento.
O amor é essa voz. Tua (a metamorfose contínua de mim e de ti).
O amor é sim.
É sempre.
Sempre, sempre, sempre

Esse sentimento de MATEUS às 23:59:56. Comentários [3]
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domingo, 3 de abril de 2005

Estava tão acostumado aos meus passos, habituado aos meus campos e paragens, que agora me encontro estranhamente feliz - nesses vales verdes ao som dessa generosa música:

"Não penso ter a vida inteira
Para guiar meu coração
Eu sei que a vida é passageira
Mas o amor que eu tenho, não"


Tento compor novas sinfonias desse desconhecido material; me embaraço, ainda sou um aprendiz: o mago, observando fora da cena. Leve pulsar.
Como uma criança, soletro os fios delicados dessas palavras, às vezes se quebram. Recomeço do silêncio-da-seda.

Sorvetes, cavalos-marinhos, caixinhas e mensagens

Recomeço do silêncio-da-vida, tecendo.

De sorvetes, cavalos-marinhos, mensagens
de bilhetes, beijos e astros,
de semióticas, caixinhas, e greves;

De lágrimas e álcool,
palavras e silêncio,
emoção e razão,
palavras e vazio,
do sim e do não,

de tudo isso e de cada um desses elementos dessa estranha alquimia,
compusemos em outras formas - o amor.
Nosso amor.

Assim, hoje, encontrei essas gotas para transmitir: "eu te amo".

Depois veremos o amor se reescrevendo em linhas do passado e do futuro. Nas linhas de nossa mão, sob outras formas.

Depois veremos como será (ou foi) a metamorfose. Por enquanto, vamos viver.

Esse sentimento de MATEUS às 02:04:52. Comentários [2]
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sábado, 12 de março de 2005

Palavras para este dia e para os dias que se passaram sem que eu dissesse essas palavras

Eu sei que tenho nas mãos esse sentimento. Por mais que eu fira minhas mãos, e camadas e mais camadas de pele se desprendam delas, sei que, nelas, esse sentimento respira fragilmente. Quase um sopro, um suspiro.
Sei também que, às vezes, recolho as mãos, envergonhado. Porque elas, embora pareçam grandes, são muito pequenas e seus ossos são muito delicados para que eu suporte o peso de outras mãos; das que se erguem, antes que a água venha cobrir todo o rosto, das que se erguem, antes que as balas e cacetetes derrubem o corpo, das que se erguem, depois que os pássaros e as promessas já partiram. Mas, às vezes, sei que as mostro. Criança corada da correria - abro as palmas, junto-as: o sentimento bate como um coração pequenino. Um fremir de asas - quero respirar. Espero.

Sem pudor, eu tenho pedido. O sim. Um sim de diversas cores e feitios. Sussurrando, eu tenho dito: sim. Contudo, esse gesto é como aquela ponte carcomida entre uma ponta e outra do abismo. Lá embaixo, estão as pedras e as sereias. Por ela, hoje, passo. Me arrisco.
Mas há outros caminhos, outros gestos e palavras. Há terra firme por onde as florestas, que acendem desejos e gritos, se fazem.
Entre a ponte e seus abismos e a floresta e seus perigos, tenho sempre escolhido, com ou sem entendimento. Ontem, um não; hoje.

Tenho livros em minha mão e não posso lê-los. Porque o sentimento tem crescido de tal forma que me impede que os segure. Vivo, aflito, por tantos olhos que querem ver o que as mãos não podem suportar. Na realidade, porque sou um crente, tenho acreditado que o sentimento, ao crescer, libertará minhas mãos desse fardo de carregá-lo.
Minhas mãos livres para que eu possa tocar as outras - mãos. E o sentimento, crescido, esparramar-se-á pelo chão, criando raízes no mundo.
Porque o tempo ainda virá.

No entanto, hoje, o sentimento que me tem tantas vezes erguido, também me tem derrubado. E, sobre o "sim", horrores tem se construído. Por isso, disse há alguns dias essas palavras:


As sombras não revelam naturezas

Às vezes, a brisa do mar suaviza os dias - que correm em alucinado turbilhão. Às vezes, passam as horas e não se percebe o que tem passado por tantas portas abertas. Essa entrega.

Entretanto, a mão tenta ocultar a fissura dos lábios, enquanto cabelos brancos inventam um veneno natural. Mais crimes foram cometidos.

Sobre meu corpo.

Tinjo novamente minhas roupas dessas lágrimas convulsivas. Também é esse meu crime: sobreviver. Mas ainda é o menor dos crimes, saber-se vivo em meio aos mortos. Afinal, são tempos de guerra. Há rapazes estremecidos, há urgência do socorro sonoro.
Mas ainda é o menor dos crimes, porque posso passar o resto dos dias junto às mulheres carpideiras, soluçando baixinho sobre os corpos destes homens - assassinados ainda bebês.

A própria morte, no entanto, tolhe a voz. O proibido, o proibido mesmo, é esquecer.

Essa noite não vou descansar. Eu esqueci. E a profunda tristeza que agora me anula na esperança inútil, não vai passar. Mais uma marca.

E eu só queria, mas às vezes esqueço, salvar meus alunos desse terror:

Terrível esta noite, estes gritos flébeis na escuridão das ruas
Não passam nunca os assombros. Não passam os gritos?



Disse, porque no presente, no agora, estão contidos o passado e o futuro. As palavras se repetem, porque elas se renovam, enquanto envelhecem.

Os dias passam.
Talvez os dias passem, porque as palavras prontas para os dias de hoje ainda estão para serem pronunciadas nos dias ulteriores.
Talvez os dias passem, e nós, minha querida, meus queridos, não nos encontremos nesses dias, posto que as palavras destas manhãs e tardes e noites ainda estejam para serem inventadas. Pois,
A vida, a vida só é possível reinventada.

Sim.
Sim, eu entendo que para esta sexta não existam versos. Eles já estão escritos. Estão em livros de 1930, de 1940, de séculos atrás; estão reescritos em folhas de cadernos, em arquivos fechados, na memória, que se fecha também sem alimentos.
Sei que esta sexta já estava escrita em promessas e em apelos das mãos. No amor delicado dos planos e dos beijos. Nos telefonemas, nos recados, mensagens em alto mar.
Sei que havia bordado esta sexta; e que havia desfeito o novelo e se postado de Penélope, nas varandas.
Esta sexta, no entanto, foi como a promessa sem tempo de realizar-se. Uma sexta do passado, feita de outros retalhos e mais suspiros.

Também queria os versos desta sexta e também os tenho tecido falando da urgência e dos sentidos. Todavia, é preciso não esquecer que, entre os versos e o tempo, há a guerra.

Peço. Lutemos juntos. Entrelacemos as mãos.

Esse sentimento de MATEUS às 01:34:05. Comentários [1]
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terça-feira, 1 de março de 2005

Essa noite vou descansar. Em meio ao caos, vou deitar esse corpo.
Ainda há terremotos, ainda há explosões. Entretanto, posso abrir os olhos.

Posso ver no chão de meu quarto os fios, entrelaçados, desfeitos.

As folhas secam, mas a água ainda existirá.
As águas existirão, mesmo com todas as lágrimas que derramei, porque as pontes já foram construídas.
Pelas pontes, venham os rios. Venham as gentes. Meus braços já não estão mais presos e podem dizer sim.

Esse sentimento de MATEUS às 00:32:25. Comentários [3]
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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2005

Vamos dançar, meus queridos?


A Dançarina

"Um dia, veio à corte do Príncipe de Birkasha, uma dançarina e seus músicos. ...e ela foi aceita na corte...e ela dançou a música da flauta, da cítara e do alaúde.

Ela dançou a dança das chamas e do fogo, a dança das espadas e das lanças; e ela dançou a dança das flores ao vento.

Ao terminar, virou-se para o príncipe e fez uma reverência. Ele então, pediu-lhe que viesse mais perto e perguntou-lhe: 'Linda mulher, filha da graça e do encantamento, de onde vem tua arte e como é que comandas todos os elementos em seus ritmos e versos?'

A dançarina aproximou-se, e curvando-se diante do príncipe disse: 'Majestade, respostas eu não tenho às vossas perguntas. Somente isso eu sei: a alma do filósofo vive em sua cabeça, a alma do poeta vive em seu coração, a alma do cantor vive em sua garganta, mas a alma da dançarina habita em todo o seu corpo.'"


Extraído do livro "O Viajante" de Khalil Gibran
Tradução: C.Offner


Esse sentimento de MATEUS às 05:35:06. Comentários [7]
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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2005

"Tenho um pouco de medo: medo ainda de me entregar pois o próximo instante é o desconhecido" (C.L.)


Mas você nasceu em mim: parto difícil. Celebro-te em aleluia. Ao libertar a criança que teimava em não respirar, menina, regressou. Ainda mais bela.
Caminha agora, minha menina, de pés descalços sobre os cacos de vida.


As sem razões do amor
(Drummond)

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no elipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.



Aprende os malabarismos das festas, e cuida bem de tuas mãos, porque está escrito nelas em linhas de amor e razão: dá-me a tua mão.
Dá-me tua mão: amo.
Só o silêncio pode falar dos anjos: conta-me o que sabe. Você que é feita de silêncio e grãos de luz. Desenhos de luz.


"A coragem de viver: deixo oculto o que precisa ser oculto e precisa irradiar-se em segredo.

Calo-me.

Porque não sei qual é o meu segredo. Conta-me o teu, ensina-me sobre o secreto de cada um de nós.
Não é segredo difamante. É apenas esse isto: segredo.

E não tem fórmulas."
(C.L.)


Devora-me ou te decifro. Devora-me e te decifro. Perdidos, incansavelmente. Crianças sujas. Sem pecados ou culpas.


"O que te escrevo é um "isto". Não vai parar: continua.

Olha para mim e me ama. Não: tu olhas para ti e te amas. É o que está certo."
(C.L.)


Parabéns. É tua, a festa.

Vamos viver.

Sim


Esse sentimento de MATEUS às 00:56:51. Comentários [2]
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sábado, 22 de janeiro de 2005

Para fugir dos animais, fiz uma roda de fogo, no meio da floresta: lá estou me queimando.
Para que o minotauro não alcançasse a saída, criei portas dentro do labirinto: lá estou me perdendo.
Há água em meu pulmão, e a ferida em minha perna são as correntes que eu mesmo prendi, acreditando que fossem flores. Em transe.

Não estou me afastando, lanço esses hierógrifos, essas garrafas, esses sinais de fumaça para me aproximar.

Acho que estava alcançando a tua mão.

Mas esqueci: eu calei.
Para me resgastar do fogo: há de se queimar. Para me libertar das portas: há de se perder. Há de bater firme, violentamente, em meu peito e coração para reanimá-lo, sentindo o gosto do sal. Na ferida, há de tocá-la, ver o sangue.

Eu espero demais; meu corpo, minha alma esperam demais; entretanto, eu quero tanto...
respirar


Esse sentimento de MATEUS às 02:22:30. Comentários [6]
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terça-feira, 18 de janeiro de 2005

Ontem
(Carlos D. de Andrade)

Até hoje perplexo
ante o que murchou
e não eram pétalas.

De como este banco
não reteve forma,
cor ou lembrança.

Tudo foi breve
e definitivo
Eis está gravado

não no ar, em mim
que por minha vez
escrevo, dissipo.



Eu tenho destruído minhas igrejas. Uma após uma. Levantado e profanado os meus túmulos e dogmas religiosos. Santo e herege. Por milênios, tenho sido o anjo do bem e o anjo do mal.
O sentimento que me tem erguido - temo - também me tem, tantas vezes, derrubado.



1º Vida:

Um beijo entre "ó metade arrancada de mim/ ó metade adorada de mim" e eu só.
O menino no porão,
reza para que nenhum punhal feito de escuridão
arranque a flor que brotara em seu coração.
Perdido, cego de tanta luz, ele mesmo a arranca e a guarda no bolso (depois descobre que a matara).

2º Vida:

É tarde, não há como recolher desses destroços qualquer alegria. O melhor, o melhor é não sentir.
O garoto, no cinema, prepara, como um bicho-da-seda, o seu próprio casulo: um pouco de silêncio.

3º Vida:

Tempos de guerra. Ele faz "molotovs" em casa e as distribuí em caixas de bombom. Sorri como antes. Quer explodir qualquer coisa. Seus olhos estão mais fechados do que antes e, no banheiro, retira as centenas de esparadrapos que escondem suas centenas de feridas pelo corpo. A mais profunda parece ser a da perna. No entanto, há maiores.

4º Vida:

Há luz no lado de fora, porém há também no lado de dentro. É sol, dentro e fora da casa.
O mar se acalma; as portas se abrem.
Não há mais o medo, porque o medo é essa esperança de que é possível ainda salvar-se (ainda há a esperança de perder-se).

***

Desce um anjo, perdido também na sua virgindade de sabores, e anuncia o Apocalipse (faltam mais quantos para que se cumpra a profecia?).


O fim no começo
(Carlos D. de Andrade)

A palavra cortada
na primeira sílaba.
A consoante esvaecida
sem que a língua atingisse o alvéolo.
O que jamais se esqueceria
pois nem principiou a ser lembrado.
O campo - havia, havia um campo?
irremediavelmente murcho em sombra
antes de imaginar-se a figura
de um campo.

A vida não chega a ser breve.


Esse sentimento de MATEUS às 21:02:55. Comentários [3]
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domingo, 16 de janeiro de 2005

Quer tomar um sorvete, querido?

Vamos tomar um sorvete. É frio, mas ainda é tempo. Para os sorvetes e para as conversas.
Vou perceber que é tão frágil como eu e fecha os olhos esperando que o sabor permaneça além dos dentes e da saliva. Mas derrete. Escorre por nossos lábios o sentimento de que o contato é só uma ilusão. Nossos corações viram gelo e depois não há nada que os desgele.

Estou só pensando.
Nas palavras e nas coisas que as palavras querem dizer. Há de se perguntar: por que calar?
Tenho construído pontes; sob elas, sereias cantam o seu silêncio. Eu te alcanço e te perco. Me encolho e me expando. Não há por que temer, mesmo parados, o tempo nos recolhe. Seja em 1/4 de século, seja num átimo de segundo. Não há por que sonhar, tudo em volta é um sonho. Basta acordar.
Basta ver. Basta aprender a ver. Encontrar o sublime nos prédios e ruas decadentes Olhar além do olhar. Permitir-se olhar. Soltar o corpo.

Entre a luz e o som, entre a razão de suas velocidades: entre o cálculo preciso das promessas (de felicidade), encontra-se o mágico. De perto, de perto, bem perto, há o toque mágico e a palavra sussurrada faz-se profecia: o amor se descortina.
Então você não é mais você. Esperas. Lá vem o cavalo branco, lá vem as fadas e os duendes. Lá vem o gosto do trágico e do cômico (pediste mais de um sabor em teu sorvete?). Vem os magos e as bruxas, e o nojo... o nojo, meu querido, passa. Como o gosto meio amargo do chocolate (e da vida), tudo passa. É preciso colher o instante tal qual o menino que recolhe latas de suco e cerveja no chão, porque desse instante há de se fazer o nosso sustento. Miserável sim. Mas nosso sustento. Enquanto os olhos enxergam essas coisas que atravessam a íris, nosso corpo se alimenta. Todos temos fome de conversa e beleza.

É inevitável. Portas surgem, inúmeras portas e cada uma delas é uma promessa; posso, podemos ser exatos, buscar a correta. O eremita senta-se no chão e calcula as estrelas. Por milênios vai existir, já que nenhuma das portas ele está pronto para desvendar. De fato, ao abrir uma porta, sua existência será efêmera. O tempo se esgota a cada porta que se abre. A areia é derramada. Porém há de se perguntar (rapidamente): as portas já não estão prontas? Mesmo que não estejamos, mesmo que nossos cabelos estejam desarrumados e nossos olhos, embriagados (de lágrima e álcool), elas já não estão ali, esperando redondas?

Nossos rostos são mais finos do que parecem. Eles não escondem seus ossos e sua futura morte.
Dá-me tua mão e caminharemos pelo vale da sombra e da morte; nossos passos serão a luz e o caminho há de se abrir em flores para que passemos esquecendo nossas dores e medos.

Esse sentimento de MATEUS às 20:46:44. Comentários [3]
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Samba Dobrado
(Djavan; Elis canta)

Vai ser pior ainda
Quando amanhecer
Tudo que se tem pra cantar
Não dá pra embalar
Nem pra devolver
O direito de escolher
A música melhor pra se dançar.

Quem faz parte dessa cena
Pode rodar
Pra cumprir a mesma pena
Não é preciso ensaiar
Tá combinado
Basta aprender sambar dobrado.




Esse sentimento de MATEUS às 15:34:41. Comentários [0]
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quarta-feira, 29 de dezembro de 2004

Para o amor existir é preciso não ter mais tempo. É estar entre segundos.

É necessário estar vazio para amar. Pois eu tenho compreendido muito pouco e tenho dado muito pouco. Quase o nada. Porém, tem existido amor perto de mim. E sendo tão pequeno, tão frágil, eu tenho fingido desconhecê-lo. Não sei lidar com as flores, bruto que sou.

As pessoas que me amam não tem mais nada. Eu ainda tenho muito (tu não compreendes, mas eu sei que também tens muito, por isso teu amor não é esse grão quase invisível, não é essa pétala - ansiosa, esperando o não sabe o quê de natureza - teu amor é ainda ilusão, pode conter-se em si mesmo, sem exigências, porque é um amor de juventude, de frescor entre manhãs que se iluminam pelo sol; tu não sabes, mas eu sei, tu não me amas) e por isso não posso amar e temo que esse "muito" (um excesso de cor e gosto) que me enche, que me aprofunda em labirintos e mares, nunca me deixe, como uma promessa sem tempo de esgotar-se, sem dia final para cumprir-se.

Esses amores, que me cercam, me fazem sentir um malabarista sem habilidades para a cena, para a luz. Fazem-me sentir o eterno Mago do Tarot.
Decerto, o amor assim me constrange, desajeitado que sou; contudo, quando os vejo de perto e percebo o quanto de angústia e solidão há neles, o quanto há de pedidos de socorros, me desespero. Não sei salvar ninguém de si mesmo.

Não sei nadar, e o mar revolto - de onde esses grãos vieram corajosamente - me assusta, de modo que passo ao longe, cruel que me torno.
Temo, entretanto, que minhas palavras sem sentido (porque também estou perdido sem horizonte) façam mais mal do que meu silêncio.
Então eu calo.

De olhos baixos, mãos caídas, eu calo. Há fuzilamentos nas esquinas, eu olho de minha janela e silencio. O amor não nasceu para existir.

Esse sentimento de MATEUS às 12:37:08. Comentários [5]
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sábado, 18 de dezembro de 2004

Fui arrancando cada uma das partes que compunham a mensagem anterior. Eram vulgares, como eu sou. É melhor assim. O silêncio não me salvará mais, uma vez que algumas palavras já foram lançadas e não há como apagá-las; no entanto, quero esquecer que eu tentei.
Que eu tentei mais de uma vez. E talvez seja loucura minha, mas eu acreditei.

Queria voltar atrás e desistir dessas inúmeras tentativas. Não queria ter chegado a hoje de novo, e chorar de novo pelas mesmas coisas que eu já aprendi a chorar há tanto tempo.

Não há volta. Não sairei dessa roda, mesmo que mentisse, ou morresse.

Vou ter que partir. Contudo, já sei que serei sempre eu em todas as paradas e em todas as chegadas e partidas. Já sei.
...
Mas se o trem for adiante? Se ele, além dos trilhos, partir?


Não posso dizer que "nada me prende a nada", porque estou preso por mil cordões, e mesmo que eu faça explodir todos esses fantasmas, outros virão; jamais me libertarei.

Não tenho mais nada a descobrir. Nada. Embora estrangeiro nenhum alcançe minhas paragens, não existem mais fronteiras, e estou só, porque todos são estrangeiros.
Todos me enganam. Ou espero que me enganem.

Mas, no fundo, eu é que sou estrangeiro em meu país. Eu é que caminho sem olhar para o chão, sem perceber o deserto que me constitui. Choro porque o pesadelo não é o dormir, mas o acordar.

eu.

(Por que deveria odiar as pessoas? Porque elas são mais reais do que eu sou? Afinal, no que sou mais real, elas também me odeiam. Odeiam quando eu falo do mundo de opressões e explorações. Elas também vivem suas fantasias e por isso, repousamos todos meio mortos, como espantalhos num mundo alheio à nós)

Esse sentimento de MATEUS às 21:25:19. Comentários [0]
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domingo, 21 de novembro de 2004

Tanto eu não compreendo, no entanto... no entanto tenho que prosseguir.

E preciso fazer tanto pra preencher o resto que resta de vida (ou tumulto).

Porque quando paro. Às vezes, paro. Vem só esse soluço, esse embargo, que eu não sei nem mais chorar. Ou pedir.

Duvido que seja só a solidão, ou só o sentido das coisas sem sentido, esses desajustes e despreparo, ou qualquer coisa como o mundo de fora e as pessoas de fora. Duvido que algum dia, algum momento, vou encontrar alguma resposta além das vagas afirmações ou raras (e, por isso, geralmente, procuradas) invenções. Duvido sempre.

Esse sentimento de MATEUS às 00:25:21. Comentários [0]
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domingo, 14 de novembro de 2004

É um tempo de guerra, encoberto por máscaras de paz - assim disse a um conhecido.
A sensacão, na realidade, é como acordar e descobrir-se acorrentado, pés e mãos; esticado, como numa câmara de tortura. Acordar e ver que não há ninguém ao seu lado, de fato, nunca houve. Saber que fora você mesmo que se acorrentara e saber-se, mesmo assim, inocente.
Sou inocente, só os fortes têm desculpas.
Só os que têm as mãos invisíveis e controlam os outros, podem inventar desculpas.

É importante nunca esquecer que esse é um tempo de guerra, mesmo que isso seja só um segundo de respiração para quem ergue a cabeça acima do mar e, em seguida, volta a dormir em suas profundezas.

Pesadelos.

Esse sentimento de MATEUS às 21:35:27. Comentários [0]
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quarta-feira, 10 de novembro de 2004

Estas palavras também não são de um passado distante, há um ano me perseguem.

***

"eu tenho mais de mil perguntas sem respostas
estou ligado num futuro blue
(...)
os meus pais nas minhas costas
as raízes nas marquises
(...)
eu tenho mais de vinte anos
(...)
o sangue corre pelos muros, pelas veias de um jornal"
(elis canta)


"O meu olhar é nítido como um girassol" (Caeiro)

Eu vou passar o resto da minha vida dormindo. Sonhando os meus terrores, sonhando os meus abismos. Vou passar o resto da vida chorando nos quartos solitários, e soluçando baixinho; me sufocando com o calor do travesseiro.

Não posso suportar a corrente, esse contínuo andar, esse passo mutável e incorrígivel, vou me esmagar à força destes mundos paralelos: deste meu olhar, deste meu caminhar. Esse desconcerto, esse descompasso.
Vou me matar.

Como quero me matar. Matar. Qualquer coisa. Que me paralise, que me escandalize. Quero qualquer coisa. Como um grito. Como um grito: Sarah. Como um grito de reconhecimento: você! Um grito arranhado, metálico. Um grito qualquer.

Quero chorar. Eu ontem gritei. Me arrebentei nos gestos de "Não me peguem no braço!/Não gosto que me peguem no braço./Quero ser sozinho./Já disse que sou sozinho!" Mas ninguém me entendia. Ninguém entendia que sob meus gritos, sob meus soluços, sob minha angustiante tremedeira, havia algo como um abraço, um pedido. Ninguém me compreendia; eu só, sozinho.

Não vou olhar, não vou olhar mais.

"Minha dor é velha
Como um frasco de essência cheio de pó."
(Campos)

Meu deus, eu não consigo. Olhe pra mim e verá uma cena confusa, patética, me verá assim... Sempre assim, óbvio. Estas lágrimas são só uma forma, alguém me recolha.

vou fugir, fugir. Fugir dos cartazes, das palavras, das imagens. Vou assim quando terminar meus planos, compromissos, laços com esta história. Vou assim que deixar de rezar, assim que deixar de pedir. Vou fugir, fugir para sempre. Para uma ilha, para um beco, para o sangue. Dos companheiros.

eu.


Esse sentimento de MATEUS às 12:48:01. Comentários [0]
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quarta-feira, 3 de novembro de 2004

"No mar sem hipocampos

Assim que anoiteceu, saiu para pescar. Peixes não, estrelas.
Afastou-se da casa, atravessou um campo até o seu limite.
Na linha do horizonte, sentado à beira do céu, abriu a caixa das frases poéticas que havia trazido como iscas. Escolheu a mais sonora, prendeu-a firmemente na rebarba luzidia.
Depois, pondo-se de cabeça para baixo, lançou a linha no imenso azul, deixando desenrolar todo o molinete.
E, paciente, enquanto a Lua avançava sem mover ondas, começou a longa espera de que uma estrela viesse morder o seu anzol."
(Marina Colassanti)

Porque estou esperançoso.

Esse sentimento de MATEUS às 23:16:27. Comentários [0]
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segunda-feira, 25 de outubro de 2004

A única forma de sobrevivermos é começarmos pelo início:
"Estás preparado para essa vida de solidão?"

Como numa teia em que um desenho, aos nossos olhos embriagados, acende, cada passo de hoje é o dia de ontem. É, querido.
Depois, porque os fantasmas andam de um tempo a outro sem marcas, escolhes.

Agora. Porque não soubes respirar, perdes aquilo a que devotava suas melhores intenções.

***

Qualquer coisa ilumina meus olhos. Por isso, busco. Nem sempre entendo a ansiedade da busca, mas permaneço. Entre um passo e outro, recomeço.
O sentimento. O sentimento que espero, ou que me espera, não sei bem, surge sem atropelos, convulsionando a minha vida. Será que entendo? Pondo-me a galope, me faz levantar desse sono, desses planos bem traçados, bem marcados e me ergue.
Estou aqui.
Pois o sentimento, esse pelo qual tenho levantado tantas vezes, também me tem - temo - derrubado. São respirações.

***

Em silêncio, eu te diria: ansiedade, ou esperança. Há uma diferença entre uma e outra? Um filme ou uma palavra riscam o fósforo na câmara escura. Nesse átimo de segundo (às vezes, inocente, creio que os segundos são maiores que os segundos; que o tempo, de fato, é uma subjetiva escolha), quero olhar para tudo que me cerca. ver de perto o musgo e saber sua cor, não pela imaginação, mas pelo toque. Agitado como uma viciado por ópio. Esse sentimento... e respiro fundo. Todos essas mensagens em alto mar, todos sinais de fumaça e esses códigos secretos são para te dizer: toque esse sentimento comigo, porque ele me sufoca. Quero reparti-lo contigo e com todos que me rodeiam. É tão pequeno, tão frágil - instável - no entanto, olhe: ele é esses dois pontos. Esse pó branco. Essa luz que vem antes da revelação. E mesmo tão quase nada, constróe monumentos, essas pontes. Em silêncio, eu te diria: estou aqui porque o sentimento esteve comigo e agora estou vazio, querendo descobrir novamente o elo. O que me liga à minha vida, a que deixei antes da explosão, ou a que me liga novamente a ele.

***

Foi ele, quase agora, que me fez levantar, e me impediu de esquecer. És tu. Foi às cegas que me levantei. És tu. Foi cheio de esperança ou ansiedade que pensei. És tu. Foi assim: és tu.

Esse sentimento de MATEUS às 02:20:10. Comentários [0]
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sábado, 9 de outubro de 2004

Bálsamo.

Agarro-me em você, como quem espera um resgaste em alto mar.

Bálsamo.

Leio Clarice, é como se eu rezasse.

Bálsamo.

Enquanto penso, sei que muitos estão morrendo sem saber o porquê. Luto. Tão pouco.

Bálsamo.

Esperava outras palavras, mais palavras que ocupassem minha mente, como vivesse.

Bálsamo.

Saber que o abraço não vai se apagar entre a luz e o pó, se entendesse.

Bálsamo.

Só queria (mas não queria novamente esse futuro do pretérito - escolheria?) ...

Bálsamo.

Outros também estão agitados nos seus quartos, por que estamos sós?

Bálsamo.

amo sem o sal.

Bálsamo.

sem o toque, sem a cena, sem o público,

Bálsamo.

amo de olhos fechados, vidrados - sou um amor sem objeto. Obscura forma informe.

Bálsamo.

Também envelheço.

Bálsamo. Meu corpo. Bálsamo. Minha alma.





Esse sentimento de MATEUS às 02:14:28. Comentários [4]
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A" LUCIDEZ PERIGOSA


Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizer vendo claramente o vazio. E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior que eu mesma, e não me alcanço. Além do que: que faço dessa lucidez? Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano - já me aconteceu antes. Pois sei que - em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade - essa clareza de realidade é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias. Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis. Eu consisto, eu consisto, amém. " (Lispector)

Esse sentimento de MATEUS às 01:52:14. Comentários [0]
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segunda-feira, 27 de setembro de 2004

"Só um copo"

Hoje eu estava sedento de conversa e de beleza.
Queria parar nas ruas do Centro, que atravessei rapidamente, e conversar com os transeuntes. Perguntar-lhes como vai a vida. Falar do demasiado sol para tão poucos desejos. Convidá-los a beber um suco, ou uma cerveja, ou quem sabe um pouco de cachaça (aliviar as dores - procurando bem, todos têm as suas), esquecer que somos estranhos e compartilhar uns momentos de compreensão.
Queria, depois que voltei de minhas inúmeras reuniões, assistir um filme. Talvez um para chorar e esquecer, como "Olga". Talvez um para rir e também esquecer. Ir a uma matinê de um lugar que não existe e comungar com outros o prazer de ouvir Elis Regina, abraçar uns desconhecidos nas experiências, porém conhecidos nos sentimentos.
Entre uma canção e outra, declamar algum poema. Um poema bem bonito, ou um trecho de Clarice, em que a palavra "amor" estivesse oculta em cada linha, respirando profundamente a nossa devoção às palavras. Depois à noite, rodeado de amigos espontâneos (produzidos sem dores ou expectativas, alegrias ou ressentimentos), ir à uma casa noturna, qualquer uma, dançar a dança do próprio corpo, que é desajustado, porque vive amarrado ao pé da cama, e dançar a dança dos outros corpos. Saber que, mesmo com a ferida na perna, a algo pelo qual devemos continuar seguindo, algo que nos faz olhar para as pessoas e também sorrir, que é a consciência de estar vivo (ainda que num mundo torto e opressor).

Hoje, em que eu parei para pensar no sentido das coisas, queria vivê-las bem de perto. Porque para pensar as coisas é necessário senti-las. Afastar um pouco os óculos (não esquecer que eles também são necessários) e aproximar-se do real. Do instante zero, do gelo que o silêncio produz.
Pegar a coisa viva, senti-la na ponta da língua. Fazer os movimentos de G. H. e Alberto Caeiro; saber-se vivo pelo contato com o fantástico, com o imaginário. Sei que isso também é uma fuga. Contudo, a revolta também não o é? E os revoltados, ainda que limitados por sua ação individual, não devem ser defendidos contra os opressores? Porque não reivindicar a fuga, quando ela responde à opressão que nos disciplina, que nos submete, que nos faz seguir os compromissos, como autonômos?

Às vezes, é preciso afrouxar a gravata, largar os papéis e participar do mundo (nunca esquecendo que mundo é esse). Quis então ligar para os conhecidos, marcar algo para fazer. É claro que há as imposições do dinheiro, do tempo, do dia seguinte em que se acorda cedo e se trabalha, no entanto, queria sair. Sair dos muros desse quarto quente, sair dos muros desses ônibus fechados, sair dos muros dessa minha rotina.
Sei o que faço, e não esqueço que, para além de ser um operário levantando paredes, construindo edifícios, cimentando os tijolos dessa luta maior que eu, tenho que olhar a paisagem e construir também minha casa de campo. Quero distribuir as riquezas e não as misérias.

Por isso, queria hoje matar minha sede. Principalmente, de beleza. Não queria usar as pessoas, seus corpos, por exemplo. Queria me integrar. Participar do dia, de cada segundo e do que é feito cada segundo; da noite, de cada espaço em que o escuro vai preenchendo de sossego ou de medo.

Queria contar tudo isso. Porque tudo isso foi uma vaga, um marejar dos pensamentos, um passeio pelas possibilidades. Porque também faço contato, como a maioria. Alguns fazem pelo "sim" (que é mais generoso, mas também mais arriscado nessa sociedade - sobre quantos "sim" não se construiram o horror?), eu, como outros, faço pelo "não". O "não" também abre portas. E queria contar tudo isso, porque fiquei aqui. Porque os
sentimentos de contato, quando são represados, vão marcando o caminho. E um pouco
dos sentimentos não vividos vão ficando para trás. Eu não queria voltar para casa sabendo que serão esses os sentimentos que reconherão minha trilha.

Talvez outro dia?
Talvez algum.

Esse sentimento de MATEUS às 00:31:55. Comentários [0]
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sexta-feira, 24 de setembro de 2004

Eu sei que sinto dor. E que essa dor é como aquela ferida aberta na perna. As pessoas não tocam nela, algumas nem mesmo a olham. Eu vivo em torno dela e não entendo como é possível viver normalmente sabendo que ela está lá.
Ninguém diria que é possível viver normalmente em meio a uma guerra. Ninguém diria que é possível amar em meio a morte. Por que, então, as pessoas esquecem?
A ferida grande demais está em mim, mas também está nos outros. Está em minha mãe, assustada nesses últimos anos. Está na minha irmã. Está nos meus alunos, nos que se revoltam, e nos que calam; principalmente, nestes.
Por isso, às vezes, me volta essa vontade, esse desejo de fuga. Tenho à noite, nas noites agitadas por tantos pensamentos, o ímpeto de voltar ao casulo que já comecei a construir em outros anos, em outros tempos.
Então me fecharia, como uma conclusão. Diria "bom-dia" e "boa tarde" e "boa noite", mas não precisaria sorrir. Falaria dos fatos e informaria o essencial do cotidiano esmagador. Não precisaria tentar. Mergulhado na opressão, eu entregaria meu corpo aos tubarões e às ondas. Meu medo de ter os pulmões cheios d'água cessaria. O medo é ainda essa esperança de que é possível salvar-se.

Eu também uso as pessoas, porque não sei abraçar a todos. Porque não sei amar, também as uso. Mas choro pela morte das crianças na cidadezinha do interior. E queria mais que olhar os mendigos do centro, e suas feridas. Porque eu acreditei quando me disseram que era necessário "amar a todos como a si mesmo", acreditei na bondade. Fiz-me mais cristão do que os que dizem "amém".

E também não sei compreender, porque já estou aqui mutilado. Por quê? Por que tento evitar a mutilação dos outros? Por que lhes quero abrir os olhos? Para verem a ferida do mundo? Para tocarem nesse pouco de sangue que ainda nos restou?

Se o teu amor me fortalecesse para abrir aquela porta, entrar por ela. Se ele fosse essa seiva contínua do "sim". Essa fortaleza contra tanta incompreensão, minha e dos outros. Se eu pudesse pegá-lo e distribui-lo àqueles que eu encontrei algum dia e aos quais eu entrego hoje meus dias, eu também diria "sim". E saberia que amo.
Entretanto, porque essas condições são portas e mais portas, labirintos e mais labirintos, sei que não amo. Então, se não amo, o que estou fazendo aqui?

Por que continuar?

Esse sentimento de MATEUS às 02:44:12. Comentários [0]
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quinta-feira, 23 de setembro de 2004

"Solidão. Que poeira leve..."

Hoje era meu aniversário. Hoje e não ontem, ou amanhã... Era hoje.
Nesse "era" cabem todos abraços, todos os encontros, todas as lágrimas, tudo que eu alimento, sozinho, para, um dia, doar indistintamente a todos.
Nesse "hoje" cabem todas as promessas, todos os fantasmas, todas as esperanças de que esse "um dia" virá mais cedo do que eu imagino e a certeza de que nunca virá.
Então continuo.

Hoje era meu aniversário.
Lembro-me do poema de Álvaro de Campos, em que as coisas mortas preenchem "o dia em que comemoravam os meus anos".
Lembro-me de Clarice... E sua lembrança me preenche inteiro.

Essas coisas eu não posso falar a ninguém, porque ninguém me ouviria. Mas hoje era meu aniversário. Estava eu preparado para falar de Álvaro de Campos e Clarice.

Mas minha irmã me ligou e me desejou, do modo torto como todos em casa sentimos, parabéns. Pobre irmã, ela também sabe da morte. Hoje era dia de meu aniversário e eu estava preparado a prestar homenagens à morte.

Hoje havia viagens, hoje havia livros, hoje havia meus prazeres e dores. Hoje, só hoje.
Porque hoje era meu aniversário.

Amanhã será outro dia.

Quando?

...

Até quando?

Esse sentimento de MATEUS às 01:33:23. Comentários [0]
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segunda-feira, 20 de setembro de 2004

Sou um desesperado. A alegria assume em mim sempre um quê de fantástico, como se eu me agarrasse em teias de aranha acreditando que estou seguro.
Ainda estou sob o êxtase de ontem: as luzinhas do cinema que são meus olhos nunca se apagam, ainda que tente fechá-los.
O problema é que eu me entonteço muito facilmente, como se estivesse sempre entornando. Como se estivesse em carne viva.
Ah, os rostos se apagam!
Ah, as pessoas envelhecem!
Sou inteligente e isso é uma flor amarela - não tem importância nenhuma.

Esse sentimento de MATEUS às 01:23:31. Comentários [0]
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domingo, 19 de setembro de 2004

Pela terceira vez, estou aqui escrevendo, depois de muitos meses sem fazê-lo. Infelizmente, essa máquina não quer que eu publique essas palavras e por isso tem destruido texto após texto. O primeiro, original, tinha minutos, horas de reflexão e sentimentos e lágrimas; o último, alguns minutos. Neste, eu dizia que a máquina queria me salvar de meu testemunho, pois meu primeiro texto sugeria um certo testemunho, e poderia ser lido no meu velório.

Retomando esse segundo texto, eu dizia que no original eu falava sobre o meu ser pequeno burguês, sobre o meu conhecimento vago da literatura. E nele dizia que o sentido se entrevia nas portas, abrindo-as e fechando-as e nós corríamos atrás dele como numa cena de filme. Disse, aliás, que hoje o meu dia havia sido uma "cena de filme", não um filme glorioso, mas um que jamais se repetiria. Então eu agradecia a Elis, por me sensibilizar, a Clarice por me tocar (mesmo que eu não a compreendesse e a adoresse por fundar sua inteligência no fato de que estamos aqui e não sabemos o que fazer, como agora que tenho que retomar o que perdi nas duas últimas vezes, sabendo que jamais essa tentativa será como as duas anteriores, sobretudo, como a original), a Angela, por ser minha amiga real (e pelo fato de eu poder dizer "amiga" sem pudores, porque me constitui como um pequeno burguês mais difícil que o comum e sempre tive medo das palavras, e não usava "amor" e "amizade") e a Marcela (até lhe confessei outro segredo, mas agora pela terceira vez cansei-me de contá-lo) por me ouvir, mesmo que eu não compreenda porque faz isso. Por me dar a mão em silêncio.

Falei que hoje é um dia. Falei que queria salvar meus alunos. Que era necessário lutar contra o capitalismo. E era preciso sensibilizar-se. Ler muito e ouvir música. Tudo agora muito banal, porque já me exauri nas repetições e, como se desaguasse, eu sequei. Esse texto não é a terra molhada que foi o primeiro. Escrevo agora com rancor da máquina. Talvez ela tenha querido mesmo me salvar de mim. Disse, no original, que hoje foi um dia de presente, porque era único e os astros me favoreciam, porque é mês de meu aniversário, talvez se o texto tivesse sido publicado, eu de fato morresse amanhã (hoje, porque já é de madrugada).

Perdoei os erros de meus companheiros na luta. E disse que é terrível arrancar os espinhos dos outros, quando em si mesmo flechas percorrem todas as veias e nosso sangue escorre sem parar. Que é como pedir a um miserável que dê seu único pão. Mas, por enquanto, é preciso os sacríficios. Que em dia de velório não se comemora aniversário, portanto, é preciso escolher diante do mundo atual, da sociedade atual, porque é preciso conhecer pessoas, mas é preciso lutar (estou banalizando).

O importante é que queria deixar registrado que eu parei para pensar e é necessário sempre parar para pensar. E agir sem parar.

Esse sentimento de MATEUS às 03:02:20. Comentários [0]
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terça-feira, 13 de julho de 2004

Às vezes, tenho medo de pisar em campo minado. De andar sobre terras que foram, outrora, covas para assassinados. Por isso, caminho onde existe a luz de minhas velas, onde posso controlar a intensidade de luz e sombra.
Fora desses pastos, há a lama e o pântano e o arrepio dos gritos dos animais. Procuro então me desviar de estradas desconhecidas. Quem me garante que não atropelarei almas andarilhas, quem me garante que não provocarei mais crimes sobre meu corpo e corpos alheios?
É sim uma fuga. Mas não são portas abertas para a fuga, as portas que abrimos nessas festas? Não são os labirintos que nos libertam do peso de nossas certezas e nos permitem, aliviados, aceitar nossa perdição? "Estamos perdidos, minha querida".
A falta de diálogo e de carinhos é a promessa de que um dia haverá a saída, de que não nos acostumamos com a morte, ainda que, em cada esquina dos muros de pedra, esqueletos mudos enfeitem nossa busca.

Esse sentimento de MATEUS às 14:45:07. Comentários [0]
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quinta-feira, 20 de maio de 2004

Portas, portas, portas...

Às vezes, com os olhos molhados de sono, espero o labirinto passar.

Esse sentimento de MATEUS às 13:28:57. Comentários [0]
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quarta-feira, 28 de abril de 2004

Eu entendo que os compromissos não significam os compromissos.
Que as conversas não precisam se repetir nos outros dias.
Mas eu, como toda a humanidade, vivo de convenções ao telefone.
Nem sempre sou eu a ouvir: "Respira, Criança".
Às vezes, também digo:
"Respira, Criança"

A realidade suposta é menos cruel do que a anunciada em palavras.

Esse sentimento de MATEUS às 14:07:52. Comentários [0]
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quinta-feira, 22 de abril de 2004

Definitivamente esta não é minha vida e não te consoles com minhas promessas. Estou bêbedo dessa lucidez dos atores. Sei meus espetáculos, e minha vaidade não seja a tua deixa para abondonares o teu caminho. Não te darei a mão.
Não dou a mão a ninguém. E se me vires no Centro com alguma prostituta, não perguntes se eu a amo, porque eu já abandonei essa opressão.
Ainda tenho a sede implícita, ainda tenho a fome dos milênios em que estive acorrentado e tu me dizias: "és meu escravo e de ti farei o que bem entender a minha imaginação".
Mas se foi meu senhor e se hoje se metamorfoseia em jovem moça ou senhora experiente e me dizes meia duzias de mentiras e me sorri e me agrada, não esqueças: eu nunca esqueço.
Há de novos terremotos fazerem a terra tremer e há de ocorrer ainda muitas pilhagens para que eu abandone estas memórias das noites em claro e dos dias em falso e perdoe todo horror das tatuagens que não saem do meu corpo e há de haver muito autoflagelação antes que eu diga: "esta máscara já não me serve mais" e eu tire então essas roupas e mostre minha pele e arranque meu ossos e componha, nessa pesquisa arqueológica, o esqueleto do novo ser que que há de surgir.
Porque as horas passam e não adianta tuas flores ou camisolas, teus cheiros ou tuas rosas, em mim está impregnado o gosto do trabalho forçado.
Ainda que o saiba, não consigo amenizar também o peso de teu fardo e de como ele lhe foi imposto como forma de vida. Sei que és mais livre do que eu e não te perdoo, embora o entenda, por só esses poucos dentes quebrados em tua boca enquanto eu e outros exibem dentaduras duplas e faces mutiladas.
Ah, amante. Nesse quarto a meia luz, vou deixar de te dizer as palavras mais horrendas para saberes que o amor é esta parede e abajour e não há horror maior do que amar as coisas que nunca dizem "amor".
Pois sabes dessa minha dependência, sabes desse socorro sonoro que nas madrugadas te orbitam: todos falsos. Poderia passar sem ti, poderia dizer que essa nossa conversa em nada avançará sobre os mares e o sal das águas em nada avançarão sobre nossas línguas.
Mas pensar pra quê, pensar nessas cores? O azul precisa tanto do amarelo, quanto eu preciso de tua teia para compor minha blusa, mas recordar esta blusa e dizer-lhe em nome é já estar cansado e adormecer antes da última sílaba. Nem chego a existir.
Definitivamente não é minha vida, é o sono e o pesadelo de não poder te matar ainda esta noite e não poder ingressar na noite. E esperar. Esperar que a noite feita de punhais e balas ressuscite essa esperança de vida, que não é esta, e tu. Tu estás enganada.

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segunda-feira, 12 de abril de 2004

Estou agora muito triste, pensei que anjos existissem...
.
Talvez seja melhor não sentir.
.
Não me pergunte como eu estou levando as coisas: já estou chorando.
.
Triste triste triste, porque três pontos seguidos expressam toda a minha vida.
.
Queria ter alguém ao meu lado agora para me aliviar dessas cargas que me curvam as costas, embora eu saiba que elas intensificar-se-ão depois.
.
Acho que já estou confundindo as formas de viver.
.
Preciso fugir/beber/gritar/representar/escrever?

Esse sentimento de MATEUS às 21:12:41. Comentários [3]
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terça-feira, 6 de abril de 2004

A canção de amor

Não sou um artesão compondo em cada rua do Centro uma história de amor e perdição, dizendo a cada transeunte o quanto de tristeza cabe em meu olhar? E em cada pequeno passo desviando-me das poças como quem anda sobre a corda bamba de um circo?
Não sou o jovem repórter entrando nas vielas à procura de um crime, da pintura mais forte nos muros, das letras mais reveladoras de um bilhete? Não sou esses seres que cantam a melodia de Prufrock?
...
Mas a dúvida, nesses tempos fluídos, é uma tempestade em que me dissolvo amargamente.

Então como que vindo da voz mais rouca dos vendedores de óculos e peixes, anuncio que sobrevivi. Criei uma vida sobre aquela que eu enterrava. Sabes como começa?

Naquela mesma tarde em que me lançara a dizer a eterna frase "esta tarde", arrumei meus cabelos, ajeitei minha blusa branca
e caminhei para o sol. Porque este era demasiado longe, parei para tomar uma água de côco. De repente, descobri que o sol já não me esperava. Também havia perdido essa inocência, dos que acreditam que a vida se faz espontânea e gratuitamente. De que se faz num rompante.
Então, sem a promessa do sol de que minhas tardes seriam quentes e alegres, e com essa tristeza de pensar que não teria mais com que sonhar, resolvi caminhar para a vida (sem a tranqüilidade remota do branco que me distanciava de qualquer ponto entre o mal e o bem, entre o corpo e o espírito). Era o espaço a se completar, como uns passos que se dão sobre moldes de pés marcados no chão. Numa dança assim: são dois pra lá, dois pra cá.

Mas porque a vida não é como desses cortes que nos aparecem na perna sem que percebamos, a sua presença era um choque com meus modos anteriores e eu devia dizer: abandono o meu passado e aqui, nesse colégio, nesse pátio, nesse centro de laranja e lama, fundo minha pedra. Devia dizer pura e simplesmente: abandono o passado. Abandono meu passado.
Mas porque a própria raiz do passado nunca começa onde o olho nu alcança, tinha - para que esse ritual se desenvolvesse - tornar algumas palavras mágicas e as pronunciar em alto e bom som para romper o encanto.

""Ousarei" E ... "Ousarei?""

"Ousarei
Perturbar o universo?"


Eu, o de dentes pontiagudos, e unhas afiadas, aceitaria aqueles moldes pré-fabricados? Encaixaria meus pés nas botas dos homens duros e fortes e cederia ao universo, perturbando-o?
Eu, o sempre qualquer coisa, mas o sempre, diria em voz tímida: "gosto de suas cores", renunciando, assim, a todo requinte de cores e gestos, que em tantos anos de luta conquistei?
Eu me curvaria ao universo, só, tão somente, para poder perturbá-lo?

Ousarei. Subir as escadas e sentar-me na poltrona azul.
Meu novo papel é agora todo o universo.
Adeus sol. Adeus tarde.

Esse sentimento de MATEUS às 15:42:15. Comentários [1]
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quarta-feira, 31 de março de 2004

"O que desejo ainda não tem nome. - Sou pois um brinquedo a quem dão corda e que terminada esta não encontrará vida própria, mais profunda. Procurar tranqüilamente admitir que talvez só a encontre se for buscá-la nas fontes pequenas. Ou senão morrerei de sede. Talvez não tenha sido feita para as águas puras e largas, mas para as pequenas e de fácil acesso. E talvez meu desejo de outra fonte, essa ânsia que me dá ao rosto um ar de quem caça para se alimentar, talvez essa ânsia seja uma idéia - e nada mais. Porém - os raros instantes que às vezes consigo de suficiência, de vida cega, de alegria tão intensa e tão serena como o canto de um órgão - esses instantes não provam que sou capaz de satisfazer minha busca e que esta é sede de todo o um ser e não apenas uma idéia?" (Clarice Lispector, Perto do Coração Selvagem)

Eu estava atrasado para o compromisso, então eu disse "isso não é importante"; disseram-me que era só seguir em frente, disse então "essa estrada não vai levar a nada". Era porque, sendo possível a paralisia, era-me terrível aceitar as muletas.

Brinquemos.
A lua está no céu: falemos de flores.
Caem gotas de chuva: desenhemos triângulos.

Há, às vezes, o inofensivo desastre das perguntas. E, um dia, aparecem cicatrizes em nosso rostos, e as marcas da noite passada no escuro surgem em nossas peles. Esqueçamos.
O esquecimento já não é um esforço, é puro hábito. Passemos por isso como autonômos. Finjamos?

"Oh, não perguntes: (...)
Sigamos a cumprir nossa visita"


Para mim é possível dizer o que significa essa luz. Cegos por ela, podemos nos olhar. Não de frente. Pois, desviando as curvas e frestas de nossos corpos, inundados por tanto amarelo, podemos fazer o exercício de clarice: limpemos os óculos.

Existem também nossas correrias. A cidade real sobre nossas costas.
Sigamos a cumprir nossas promessas.

"Meu bem, façamos de conta
(...)
Façamos, meu bem, de conta"


Ah, poderia ainda falar muito sobre esse bosque e essa casa, sobre as paredes internas, as partes ocultas, que revelamos entre sorrisos. Os porões e sotãos.

E dar a essa casa o Nome. Seu chão seria mais firme que as demais, como seres que se constróem, consumindo a si mesmos. Para as visitas, comporíamos então no capacho da entrada em multicolorido som nossas letras: aamoor.

Mas. Mas porque não suporto o próprio "mas", dormindo de dia e castigando-me à noite, tenho que te revelar nosso primeiro segredo entre quatro paredes: não agüento a espera batendo lenta e permanentemente em meu coração, não agüento a espera anunciando cada intervalo de nosso diálogo, não a agüento pondo mofo nas paredes e, nos venenos mais sutis, alimentando os cupins e outras fera da casa. Não a agüento, sobretudo, disfarçando-se sob a capa de um ódio calado. A espera é o próprio mal. É o grito e o próprio suícidio.

Amanhã... Comecemos. Ainda queres ouvir este tu?

Esse sentimento de MATEUS às 21:31:26. Comentários [0]
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segunda-feira, 29 de março de 2004

Devo me culpar por deixar que as horas passem por mim sem que eu o perceba?
Devo me punir por descobrir sempre novas verdades que logo envelhecerão?
Devo me sentir mal por envelhecer nessas tardes alegres e vazias?
Devo me permitir outros passos e outros erros diferentes que me consumiriam mais ainda?
Devo me ocupar dessas palavras como uma confissão que não confessa nada?
Devo prosseguir?

Esse sentimento de MATEUS às 21:30:28. Comentários [2]
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segunda-feira, 22 de março de 2004

Em nosso nome, amanhece. No morro um galo cantou. (Lispector)

O medo de que alguém marque em minha vida é o mesmo medo de te ver em letras, que reconhecem o seu nome, neste espaço.
Por isso, as cores. As cores são o desvio do olhar sobre a paisagem, com suas formas e gostos. O amarelo, o vermelho, o branco.
É a presença do outro admitida em mim que me assusta. É sua lembrança como a de um fantasma que nos ronda a noite, na cama, sozinhos. É essa promessa de uma felicidade realizável que me atormenta e me faz assim egoísta.
Pode haver felicidade para além do arco-iris? Um pote de ouro? Um outro.
Quero a impessoalidade destas palavras, o simbólico já gasto das cores, a neutralidade dos não-signatários. Quero essas coisas, porque essas coisas são minhas. Nelas, posso ser algo que não a morte, que não o vício, que não o tormento constante.

E:
"Eis-me aqui, um velho em tempo de seca,
Um jovem lê para mim, enquanto espero a chuva
." (Eliot)

Gostar do sol - acho - é não esperar mais a chuva, porque já se tem medo dela.

Mas eu sempre cedo. Porque ainda espero algo, não como a chuva, mas como um sim.

Esse sentimento de MATEUS às 13:30:18. Comentários [1]
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