Caso você não visualize a animação corretamente, clique aqui para fazer o download do plugin do Flash.
Caso você não visualize a animação corretamente, clique aqui para fazer o download do plugin do Flash.

Montanhas de perguntas
Entrevista para André Gravatá

Foto Arquivo Revista INFRA/Alexandre Placido
Vilma Peramezza é uma das pioneiras em coleta seletiva. À frente do Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, primeiro condomínio híbrido, comercial e residencial da América Latina a olhar para os seus próprios porões. Ali transitam mais de 30 mil pessoas por dia, período em que se acumulam seis toneladas de lixo. Mestre em Filosofia do Direito pela São Francisco, turma de 68, é uma das produtoras do média-metragem Fazedor de montanhas, dirigido pelo espanhol Juan Figueroa, que acaba de estrear na Mostra Internacional de Cinema e chama a atenção para a complexidade do tema lixo, como metáfora da consciência humana. Vilma é uma voz lúcida no coração da metrópole. Questiona conceitos pré-fabricados, denuncia a indústria de exploração humana em torno do lixo e derruba a ingenuidade de alguns mitos.
A tal da sustentabilidade

Hoje em dia, o termo sustentabilidade está em questão. Não o conceito, mas a própria palavra. De repente, algumas dessas palavras caem no gosto das pessoas e todos as repetem, sem saber o que significam. Para mim, a tal da sustentabilidade é ainda cheia de mistérios. Não há nada que não se resolva num processo, ouso dizer, dialético - usando uma expressão do meu tempo de escola, já que a gente era muito versada nessa história. Fico velha e continuo achando que esse raciocínio é válido. Não há nada que seja absoluto. Você tem uma coisa que se transforma em outra, e vai se transformando em outra. Acho que o mais importante da palavra sustentabilidade é que a gente pense, realmente, na possibilidade de gerar coisas que se mantenham nesse processo, quase como uma bola de neve, que vai crescendo, vai aumentando... Sempre voltada para um progresso positivo. Quando a gente fala em bola de neve, vem uma imagem na cabeça: ela se auto-amplia, vai girando e girando.
Acho que a vida da gente é mais ou menos isso, a gente vai crescendo, vai andando e acrescentando coisas.
Em termos econômicos, que é o que a gente mais ouve, nós estamos vivendo um momento especialíssimo. Nos últimos 50 ou 60 anos, fomos quase todos dominados pelo raciocínio econômico - até mesmo o marxismo, que prometia libertar o mundo de algumas amarras, era fundamentado no raciocínio econômico. Agora ninguém sabe exatamente o que vai acontecer, mas é lógico que a gente vai continuar vivendo, o mundo não vai acabar e nós vamos encontrar outras soluções. Então, será que o capitalismo se sustentaria se ele fosse só usado como modelo, e ele mesmo se regulasse? Será que a Terra tem condições de sobreviver sem que o ser humano, atuante sobre ela, pense nessas decorrências provenientes da forma como a tratamos?

Transformações permanentes

Na minha infância, havia o garrafeiro, que recolhia os vasilhames e, às vezes, até pagava por eles. Isto foi o começo da separação. A palavra reciclagem é mais recente. Você pode ter a reutilização, que é uma coisa, ou a reciclagem, que é uma transformação, mesmo. É uma indústria que está surgindo, gerada pelo lixo. Uma indústria de difícil continuidade porque quem compra esse material quer pagar pouco. só que os processos são caros. A reciclagem não é auto-sustentável, economicamente.
Quando me lembrei do garrafeiro, pensei no lixo gerado no Conjunto Nacional: pelo menos podemos diminuir o volume e vender o que for reciclável. Mas o dinheiro que conseguimos não dá nem 10% do que custa levar o lixo. Depois, começamos a idéia de separação, na origem. Então, o que a gente tem é uma coleta seletiva, não reciclagem. Cada um separa o lixo do reciclável no momento do descarte. Há uns 15 anos, percebemos que quem poderia ser o multiplicador dessa ação é o próprio funcionário do lixo. Vimos que a maior parte deles não tinha instrução primária completa. Foi quando começamos a investir o dinheiro do reciclável na alfabetização dessas pessoas.
Temos coleta seletiva aqui, desde 1990. "Poxa, mas que coisa moderna!", podem falar. Mas por que comecei a fazer? Porque eu pago, você paga, todo o mundo paga para levar o lixo. Tem gente que fica achando que fazer coleta seletiva é até uma forma de ganhar dinheiro - corre uma idéia falsa de que o que você vende paga alguma coisa. Nós gastamos cerca de R$ 14 mil reais por mês para levar o que sobra. Metade é para o transporte e a outra vai para o aterro sanitário. Conseguimos separar 15% do lixo, que é um índice altíssimo. Separamos papel, latas, garrafas... Se você junta tudo isso, é um volume incrível. Já deixamos de mandar não sei quantos Conjuntos Nacionais para o lixão. Quando você vende isso separado, prensado e tudo, dá R$ 1.500. Você acha que isso paga o trabalho que a gente tem? Não! O lixo custa muito caro!

O lixo e a indignidade humana

Quando você separa o lixo, acha que é um herói! Também põe nas costas dos catadores de papel, como se eles fossem heróis. Dizem: "Não, mas hoje ele está ganhando algum dinheiro!". Sim, ele ganha R$ 200 ou R$ 250 por mês. De que jeito? Quais as condições de trabalho que ele tem? O transporte dele é de graça, porque é o lombo dele, como se fosse um burro de carga. Se uma empresa for contratar alguém para trabalhar nas condições em que trabalha um catador, é impossível! Todas as normas de saúde, de higiene, de tudo... são desrespeitadas. Alguém pode contratar uma pessoa para carregar nas costas, todo o dia, não sei quantos quilos, a pé? Criou-se um pouco de charme em torno dessa história para você não ficar muito culpado. Por isso que o problema do lixo é mais complicado do que parece.
Além disso, você pode ver que, em São Paulo, à noite, há uns caminhões meio estranhos, com umas grades altas e cheias de sacos de lixo. O que será que é isso? Normalmente, o veículo é muito danado, até sem placa. São os caminhões que pegam o lixo que os prédios amontoam. Esse é um comércio clandestino. Esses caminhões são chamados de morcegueiros. À noite, eles circulam por aí e existe toda uma rede de poder em cima disso. Se a prefeitura passar e tentar pegar aquele lixo, não vai conseguir. Tem sempre alguém tomando conta. Existe uma logística clandestina.

A sabedoria dos questionamentos

Aproveitando este momento histórico, em que tudo está em questão, é necessário que se pense um pouco sobre a palavra sustentabilidade para criar visões críticas. Tirar dessas visões o maior proveito possível, sem achar que a sustentabilidade é a solução para todos os males. Acho que ela é um problema, uma questão, para que, a partir daí, a gente possa discutir vários processos - transporte, energia... Vocês, que são jovens, têm de se perguntar o que vão deixar para os seus filhos. É importantíssimo que a gente tire desafios desses momentos de crise.
A sustentabilidade seria uma forma de transformar alguma coisa e ainda continuar se mantendo, sem se desgastar. Isso é mais uma questão do que uma resposta. O que é um planeta sustentável? Uma empresa sustentável? Uma vida sustentável? Será que a gente pode permanecer sempre ou a gente vai se transformando e, nessa transformação, a gente vai se gastando e se consumindo? Existe um fim para isso? Nós, como seres vivos, somos sustentáveis enquanto comermos e respirarmos. Chega uma hora em que somos seres insustentáveis e morremos. Então, será que nós também não podemos nos enganar ao chamarmos alguma coisa de sustentável, com uma ilusão de que determinada empresa ou atitude é menos predadora que outras? Será que, hoje, o marketing não engana de um monte de jeitos? Será que essa palavra não pode virar uma palavra de marketing? Não quero que vocês tenham respostas prontas para tudo isso. Fiquem com o que disse um autor chamado Rainer Maria Rilke, que no livro Cartas a um jovem poeta, escreve a um jovem amigo, falando: "Você ainda é muito novo para chegar às respostas. Fique, por enquanto, com as perguntas".



 

Receba nossa e-news e veja conteúdo exclusivo do site.

Caso você não visualize a animação corretamente, clique aqui para fazer o download do plugin do Flash.
 
 
Envie para um amigo Imprimir  
 
Copyright © 2008 - Editora Novo Meio Ltda. - Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução total ou parcial deste website, em qualquer meio de comunicação, sem prévia autorização.
Sobre a OFFLINE | Nossa Equipe |