19/01/2009 - 18:04

Colina do Sol: acusados inocentes são libertados após 13 meses


Fritz Louderback na saída da prisão na última quinta-feira (Foto: Tadeu Vilani)

Veículos de comunicação divulgaram em notas de pé de página - este iG nem isso fez - a libertação de Fritz Louderback e de sua esposa, Barbara Anner, na quinta-feira passada. Eles ficaram presos desde 11 de dezembro de 2007 (mais de treze meses!) sob a acusação de integrarem uma quadrilha de exploração sexual de menores na cidade de Taquara, no Rio Grande do Sul. O assunto foi tratado aqui em abril de 2008. É uma espécie de reedição ainda mais grave do sinistramente célebre caso da Escola Base. Envolveu também o encarceramento sem culpa de cidadãos brasileiros e estrangeiros. Só que, neste caso, o inferno dos acusados persistiu mesmo depois que já havia mostras claras de sua inocência – até suas supostas vítimas manifestaram-se pedindo sua libertação, mas a polícia e o Ministério Público e mesmo a Justiça resistiram enormemente a reparar seus erros. A imprensa até agora não o fez de maneira clara e honesta.

No caso de Colina do Sol, mais uma vez a imprensa associou-se aos métodos aparentemente inescrupulosos de autoridades policiais e promoveu o linchamento de inocentes, acusados dos piores crimes, sem direito à adequada defesa, sem que as suas alegações de inocência fossem registradas com correção. Como diz abaixo Richard Pedicini, ele próprio uma das vítimas de acusações falsas no episódio da Escola Base, não é mais possível crer nas convicções anunciadas pelos órgãos de comunicação sobre seus princípios de dar voz a todos os lados envolvidos numa investigação. Esse princípio básico raramente é garantido aos cidadãos comuns na imprensa brasileira. A imprensa tende geralmente a aderir ao que divulgam as autoridades, a quem tem poder, especialmente à polícia. Na verdade, o jornalismo policial brasileiro deveria passar por uma profunda modificação. Sua situação faz lembrar os episódios do filme “A Troca” (dirigido por Clint Eastwood), sobre um caso manipulado pela polícia de Los Angeles, em 1928. Como caso que se vê a seguir, sendo manobrada pelas autoridades da segurança pública, os meios de comunicação não servem aos leitores nem à sociedade. Não combate os problemas da criminalidade, mas antes é parte ativa da calamidade em que se transformaram.

Confira abaixo, na carta de Richard Pedicini (cujo sofrimento como acusado injustamente no caso Escola Base o impulsiona a se tornar um vigia a denunciar atentados perpetrados pela associação entre poderes policiais e a incompetência dos meios de comunicação). Graças a Pedicini esse atentado aos direitos do cidadão denominado caso Colina do Sol não cairá no esquecimento:

“Prezado Mario Vitor,

Não há dúvida de que você se lembra do caso Colina do Sol. Você pode até ter lido meu artigo no Observatório da Imprensa em novembro.

Esse texto discutia a divergente cobertura dada ao que os policiais e ao que os acusados afirmavam. Agora, estamos enfrentando os problemas de um estágio diferente: a cobertura dada às pessoas que estão presas e àquelas que já foram libertadas.

Dois dos acusados no caso, o aposentado norte-americano Fritz Louderback e sua esposa, Barbara Anner, foram soltos na última quinta-feira [15 dezembro]. André Herdy, presidente da Federação Brasileira de Naturismo, preso com sua esposa, Cleci Ieggli da Sivla, devem ser libertados no começo desta semana, segundo seu advogado me contou.

O iG cobriu as prisões, e cobriu quando o habeas-corpus foi negado.

O iG ainda não cobriu a libertação, seja porque ‘não é notícia’, ou porque a defesa não tem a mesma publicidade que a polícia. A próxima soltura, de André e Cleci, dá ao iG a oportunidade de dar a informação em tempo preciso. Um olhar sobre os erros - até os crimes – cometidos pela cobertura da Associated Press (AP), pode permitir que o iG evite os mesmos pecados.

A AP publicou um artigo afirmando que,

‘A polícia também diz que centenas de fotos de garotos envolvidos em atos homossexuais foram encontradas nas casas do casal e de seus amigos brasileiros que também foram acusados’

O tempo verbal ‘diz’ é a chave aqui – isso foi o que a polícia “disse”. Desde então, o Instituto de Criminalística confirmou que não havia conteúdo pornográfico nos cinco computadores apreendidos e examinados. Um relatório sobre 47 fitas de vídeo preencheu um parágrafo afirmando que seu conteúdo era: ‘Cenas cotidianas, algumas incluindo naturismo, sem erotismo ou pornografia, muito menos qualquer coisa que sugira erotismo infantil.’

As mentiras foram ditas na frente das câmeras de TV, enquanto a verdade foi declarada ’sigilosa’. Sigilo, no entanto, nunca parece prevenir a imprensa de aprender e publicar acusações.

Nós enfrentamos aqui o problema da persistência no erro, a dificuldade de reparar reputações, de corrigir mentiras uma vez que essas já foram espalhadas.

Eu não tenho nenhuma resposta fácil para isso. Em seu período como ombudsman do iG, e anteriormente da Folha, você sem dúvida considerou a questão longa e difícil, e acumulou conhecimento muito maior que o meu.

Me parece que sobre as acusações factuais, a AP deveria, no mínimo, forçar a polícia a repetir a mentira, numa gravação, com uma fonte identificada. O artigo está lotado de erros factuais – os americanos não foram ‘acusados de abusar sexualmente de 12 garotos entre 6 e 14 anos’, mas 10 garotos entre 13 e 20 anos. (A promotora pública foi descuidada ao fazer as acusações, à medida que a imprensa as repetia. Ela chamou uma testemunha de 14 anos como se fosse um adulto e o fez chorar.)

Mais importante que usar velhas mentiras, é a falta de publicação de verdades importantes. Em abril, as ‘vítimas’ pediram ao júri a libertação dos acusados. (Você pode assistir um vídeo aqui, eu sendo preso, e atingido por um conselheiro tutelar nos últimos segundos). Dizem que ‘um homem morder um cachorro’ é notícia, ‘crianças tentam proteger supostos molestadores da polícia’ é certamente o caso. O ato atraiu atenção local, mas não nacional.

Estou preocupado com a teoria do problema geral, mas também sua aplicação neste caso específico. Eu escrevi para o Terra sobre reportagem mal-apurada sobre o caso, e eles pareceram sentir que os advogados teriam que provar que as antigas acusações da polícia eram falsas, sendo que é obrigação do Terra, pelo menos, fazer com que a polícia reafirme suas mentiras antes de publicá-las novamente.

Se não fosse pelo sigilo, os advogados poderiam fazer isso facilmente. Mas há muito tempo, eu não estava sob sigilo, e ninguém se preocupou em me ouvir. O problema, penso, não é tanto a defesa estar amordaçada pelo júri, mas a imprensa se fazer de surda para qualquer coisa que não seja uma acusação contra pessoas indefesas.

Há importantes questões, e eu penso que sejam centrais para seu papel. Eu acredito que esse é o caso para estudá-las. Eu posso te oferecer solenes razões – isso é muito mais grave que o caso da Escola Base, e ninguém pode negar meu direito de fazer essa afirmação. Eu posso oferecer outras, frívolas: André Herdy, que deve ser libertado nesta segunda, se encontrou com o autor da Lei Gabeira, que você citou no alto de sua coluna hoje.

Eu tenho profundas dúvidas sobre a eficiência da doutrina do ‘outro lado’ na imprensa brasileira. Pessoas que foram ‘mal-compreendidas’ pela imprensa não querem “seu lado” seja contado, eles querem que a verdade seja revelada com a mesma ênfase, a mesma clareza, e o mesmo ‘doa a quem doer’ que caracterizam as mentiras.

Eu não espero que aconteça isso neste caso, e não espero ver isso nesta vida. De qualquer jeito, como o iG se deu ao trabalho de anunciar o habeas corpus negado, também deveria noticiar os que foram concedidos. À medida que a negação foi cercada por informações acusatórias, talvez fosse mais justo publicar as solturas sob o fato de que suas ‘vítimas’ levaram faixas em frente ao forum pedindo por sua liberdade.

Atenciosamente,

Richard Pedicini”

Procurado por este ombudsman, o Terra declarou que não quer se manisfestar sobre o caso no momento.

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3 comentários para "Colina do Sol: acusados inocentes são libertados após 13 meses"

  1. 22/01/2009 - 14:33 Enviado por: Ana Alice

    Acredito que do mesmo jeito que a imprensa erra condenando antecipadamente pessoas que ainda não foram julgadas, também pode errar inocentando envolvidos em um processo ainda não finalizado. Sim, porque a sentença do caso Colina do Sol ainda não saiu, o processo não está finalizando e ainda existem diligências pendentes. Inclusive uma cópia do disco rígido de um dos computadores apreendidos foi enviada a Brasília para ser analisada por peritos americanos. O computador foi tão “bloqueado” que não se conseguiu ver seu conteúdo ainda. É um caso complicado, que envolve até compra de testemunhas, e a imprensa não fica sabendo de todos os detalhes devido ao segredo de justiça. Assim, abrem-se brechas para que os jornalistas condenem ou inocentem, erroneamente.

  2. 26/01/2009 - 04:20 Enviado por: Silvio Levy

    A sentença não saiu porque não ha nada que incrimine os reus, senão ja teria saido. A diligencia por peritos americanos ja voltou sem encontrar nada prejudicial. O “computador bloqueado” e as “testemunhas compradas” sao acusacoes que a policia fez para prolongar o processo mas não tem fiapo de prova. A campanha de calunias e mentiras continua - pudera, agora é a carreira do delegado e da promotora que estao em jogo.

  3. 04/02/2009 - 01:22 Enviado por: Mario Celso de Moraes

    A imprensa se degradou nos últimos tempos. É uma imprensa analfabeta, ignorante, voltada ao sensacionalismo imbuído de frases populescas prontas, pra comover ignorantes. Não existe a imprensa investigativa em nosso meio. O que existe é tão e somente a pauta, a primeira mão da noticia velha. Enquanto isso a corrupção, os desvios, a falência das instituições e outras tragédias se destacam em nossos lares, todos os dias, em todos os horários do dia. Eu não respeito a nossa imprensa, salvo rarissimas exceções.

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