1. PRIMEIRO PERÍODO(1540-1759)
A vinda dos jesuítas para Portugal
deve-se à iniciativa de D. João III a quem o Doutor
Diogo de Gouveia, responsável pelo Colégio de Santa
Bárbara em Paris, indicara a existência de um novo
grupo de clérigos que considerava "aptos para converter
toda a Índia". Sto. Inácio de Loiola acedeu
ao convite do rei português e enviou para Portugal, em 1540,
dois dos seus primeiros companheiros: o navarro Francisco Xavier
e o português Simão Rodrigues. O primeiro partiu
no ano seguinte para a Índia, enquanto o segundo ficou
na Europa, lançando as bases da Província de Portugal,
erecta como primeira província de toda a Ordem em 1546.
Graças a numerosos benfeitores,
com destaque para a família real, o crescimento da Companhia
de Jesus em Portugal foi extraordinariamente rápido. Em
1542, foi fundado o Colégio de Jesus, em Coimbra, para
formação dos membros mais novos da Ordem. Seguiu-se-lhe,
em 1551, em Évora, o Colégio do Espírito
Santo e, em 1553, a casa professa de S. Roque, centro das actividades
apostólicas na capital. O primeiro colégio em que
os jesuítas deram aulas públicas foi o de Santo
Antão, em Lisboa, inaugurado em 1553. Em 1559, foi fundada
a Universidade de Évora e, progressivamente, a actividade
pedagógica dos jesuítas foi-se estendendo às
principais cidades do País: Braga(1560); Bragança(1561);
Funchal(1570); Angra(1570); Ponta Delgada(1591); Faro(1599); Portalegre(1605);
Santarém(1621); Porto(1630); Elvas(1644), Faial(1652);
Setúbal(1655); Portimão(1660); Beja(1670); Gouveia(1739).
A par da abertura de novas casas, o
número de jesuítas em Portugal foi quase sempre
aumentando: eram 400, em 1560; 620, em 1603; 662, em 1615; 639,
em 1639; 770, em 1709; 861, em 1749; 789, em 1759.
Os jesuítas portugueses foram
educadores, confessores e pregadores dos reis e da corte mas dedicaram-se
com igual entusiasmo a um vasto leque de outras tarefas. A comprová-lo
está o apelativo de "apóstolos" que desde
cedo mereceram pela dedicação ao ensino do catecismo
e pela abnegação com que se entregaram aos ministérios
sacerdotais e a obras caritativas. Ocupavam-se dos encarcerados,
visitavam os hospitais, assistiam os condenados à morte
e, indiferentes aos perigos, excediam-se em generosidade por ocasião
de epidemias e calamidades.
No campo da educação,
chegaram a dirigir 30 estabelecimentos de ensino que formavam
a única rede escolar orgânica e estável do
País. O ensino era gratuito e aberto a todas as classes
sociais porque a Companhia só aceitava iniciar uma nova
escola quando existisse uma dotação ou fundação
que assegurasse os meios necessários para o seu funcionamento.
Em meados do século XVIII, o número total de alunos
rondava os 20.000, numa população de 3.000.000 de
habitantes.
A expansão em Portugal foi acompanhada
desde o início por grande empenho missionário.
Em 1542, S. Francisco Xavier desembarcou em Goa com dois companheiros
e, depois de percorrer vastas regiões da Índia,
esteve em Malaca e nas Molucas, chegando ao Japão em 1549.
Veio a falecer em 1552, quando se preparava para entrar na China.
A evangelização do Oriente continuou, a cargo de
sucessivas levas de missionários que diversificaram as
regiões alcançadas: Macau(1565); império
do Grão Mogol(1579), China(1583), Pegu e Bengala(1598),
Cochinchina(1615), Cambodja(1616), Tibete(1624), Tonquim e Sião(1626),
Laos(1642).
Em África, os jesuítas
estavam no Congo, em 1547, e em Angola, em 1560; em 1557, chegavam
à Etiópia e, em 1560, penetraram em Moçambique,
na região do Monomotapa. Em 1604, iniciaram a missão
de Cabo Verde donde passaram à Guiné e Serra Leoa.
A primeira expedição ao
Brasil, em que ia como superior o P. Manuel da Nóbrega,
data de 1549 e foi seguida por numerosas levas de missionários.
Contabilizando todas estas expedições,
chegamos a 361, distribuídas por 215 anos, sendo 75 no
século XVI, 190 no século XVII e 96 no século
XVIII, numa média de 16 missionários enviados cada
ano. Nas regiões novamente evangelizadas foram-se formando
novas províncias ou vice-províncias que, juntamente
com a Província de Portugal, formavam a denominada Assistência
de Portugal que, em 1759, contava 1698 jesuítas, dos quais
789 estavam na Europa e os restantes espalhados pelo mundo.
Inseridos no Padroado português,
os religiosos da Companhia partilharem espontaneamente a mentalidade
da época, segundo a qual o apoio das autoridades civis
constituía o caminho mais seguro e eficaz para a cristianização.
Ao mesmo tempo, contudo, sempre se dispuseram a ultrapassar sem
receio as zonas directamente controladas pela administração
portuguesa, tornando-se até exploradores de regiões
inóspitas e desconhecidas. São quase lendárias
as figuras do P. António de Andrade e do Ir. Bento de Góis:
o primeiro viajou até ao Tibete, sendo o primeiro europeu
a atravessar o Himalaia; o segundo foi o primeiro explorador português
do caminho terrestre da Índia para a China através
da Ásia Central.
A todas as regiões que missionaram,
os jesuítas levaram a preocupação pedagógica
que os caracterizava. Principalmente no Brasil, fundaram uma
rede de colégios, seminários e escolas primárias
e oficinais com ensino gratuito sustentado por explorações
agro-pecuárias e outras propriedades legadas para património
dos centros de ensino. No campo científico, os missionários
da Companhia efectuaram observações que vieram enriquecer
o conhecimento das regiões que percorreram. A linguística
foi outro campo em que se tornaram beneméritos. A preocupação
de aprender as línguas dos povos que evangelizavam levou-os
a elaborar gramáticas e dicionários e a publicar
obras de catequese e outras nas mais variadas línguas.
Em dois séculos de apostolado
missionário, sofreram o martírio mais de 150 jesuítas
portugueses. Entre eles, foi canonizado S. João de Brito,
mártir no Maduré(Índia).
Toda esta actividade foi bruscamente
interrompida por decisão de Pombal, em 1759, ao ser decretada
a expulsão dos jesuítas de todos os territórios
portugueses. As causas desta decisão parecem encontrar-se,
sobretudo, em motivos de natureza ideológica e política.
A Companhia de Jesus era um obstáculo ao projecto político
que se pretendia implementar: um sistema que Carvalho e Melo considerava
mais moderno, centralizado no Estado, mais fácil de controlar
ad arbitrium principis. Era o sistema absolutista e regalista,
iluminado, que Pombal queria impor sem escrúpulos quanto
aos meios a usar e indiferente face à resistência
das forças sociais do País.
Dominando o sistema de ensino, em Portugal
e no Ultramar, vinculados por uma ligação especial
a Roma e possuidores de um grande influxo cultural, os jesuítas
formavam um corpo facilmente visto como ameaça para um
sistema absolutista que ambicionava controlar todos os aspectos
da vida social, incluindo uma Igreja mais submetida ao Estado.
Se a esta moldura ideológica, juntarmos a apetência
pelo património considerável na posse dos jesuítas,
teremos reunidas as condições para o desencadear
da perseguição. A campanha anti-jesuítica
montada por Pombal levou à formulação de
uma série de acusações publicitadas em toda
a Europa em sucessivas edições da obra Dedução
cronológica e analítica. Entre essas acusações,
encontravam-se: a resistência dos jesuítas à
aplicação do Tratado de Madrid, celebrado entre
Portugal e a Espanha para a delimitação de fronteiras
na América do Sul; a oposição, no Brasil
setentrional, às leis que regulavam a administração
das aldeias de índios; o exercício de actividades
comerciais proibidas a religiosos; a decadência dos jesuítas
portugueses; a difamação do rei no estrangeiro;
e a participação pelo menos moral no atentado contra
D. José e na revolta popular do Porto ocorrida em 1757.
Apesar deste acervo de acusações, o único
jesuíta a ser objecto de julgamento formal foi o P. Gabriel
Malagrida, italiano, acusado de heresia e condenado à morte,
em 1761, num processo que aproveitou a debilidade mental de um
ancião enfraquecido e já transtornado.
Os meios usados para a expulsão
foram implacáveis. No total, cerca de 1100 jesuítas
foram desembarcados nos Estados Pontifícios; morreram nas
prisões cerca de 70 e uns 40 durante as viagens; encontravam-se
ainda 45 encarcerados em S. Julião da Barra quando, em
1777, foram libertados, após a queda de Pombal.
A luta de Pombal contra a Companhia
de Jesus não se limitou aos domínios da Coroa portuguesa.
Prolongou-se, em conjunto com as cortes bourbónicas, até
alcançar o fim pretendido: a extinção da
Companhia de Jesus, em 21 de Julho de 1773, por breve do papa
Clemente XIV.
2. SEGUNDO PERÍODO(1829-1834)
A 7 de Agosto de 1814, a Companhia de
Jesus foi restaurada pelo papa Pio VII. No entanto, só
por iniciativa do governo de D. Miguel, é que os jesuítas
regressaram de novo a Portugal. Em Agosto de 1829, chegaram a
Lisboa oito jesuítas que traziam como superior o P. Filipe
José Delvaux, belga. Abriram um noviciado e iniciaram
actividades apostólicas entre a população
da capital e dos arredores. Em 1832, D. Miguel entregou-lhes
o Colégio das Artes, em Coimbra, mas, devido à guerra
civil, as aulas só tiveram início em Fevereiro do
ano seguinte. A 9 de Maio de 1834, o exército liberal
ocupou Coimbra e os jesuítas foram presos e escoltados
até Lisboa. Estiveram presos no forte de S. Julião
da Barra até serem embarcados para Itália. Igual
sorte tinham já sofrido os jesuítas de Lisboa quando,
em Julho de 1833, D. Pedro IV entrou na capital e os mandou embarcar
em navios para Itália e Inglaterra.
Para além do reinício
de actividades educativas e pastorais que não tiveram continuidade,
este período de regresso efémero, que contou com
a presença de 24 jesuítas, ficou também marcado
pelo empenho dos religiosos na assistência aos feridos da
guerra civil e às vítimas da epidemia de cólera
ocorrida em 1833. Sob o ponto de vista legal, é de referir
o decreto de 30 de Agosto de 1832 que restabelecia oficialmente
a Companhia de Jesus, em termos que, embora não revogassem
completamente o conteúdo dos decretos pombalinos, o P.
Delvaux não hesitou em classificar de "verdadeiro
prodígio".
3º PERÍODO(1848-1910)
O protagonista do segundo regresso dos
jesuítas a Portugal foi o português Carlos João
Rademaker, entrado na Companhia de Jesus em Itália, em
1846. Tendo vindo para Portugal, foi encarregado de trabalhar
em prol da restauração da Província Portuguesa.
Nesse sentido, em 1858, deu início ao colégio de
Campolide, contando com a colaboração de mais dois
jesuítas: o Ir. Martinho Rodrigues, sobrevivente da missão
do tempo de D. Miguel e um irmão espanhol. Nos anos seguintes,
foram-se juntando novos elementos, vindos principalmente de Itália,
e abriu-se o noviciado, no lugar do Barro, perto de Torres Vedras.
Em Setembro de 1863, constituiu-se oficialmente a Missão
Portuguesa que teve como primeiro superior o P. Francisco Xavier
Fulconis, italiano. No Outono desse mesmo ano, os jesuítas
encarregaram-se do Orfanato de S. Fiel, na Beira Baixa, que transformaram
em colégio de renome.
No início de 1880, a Missão
contava nove comunidades com 137 jesuítas. Estavam reunidas
as condições para que fosse restaurada a Província
Portuguesa da Companhia de Jesus, o que veio a acontecer por decisão
do P. Geral Pedro Beckx, em decreto de 25 de Julho desse ano.
Os dois colégios, Campolide e
S. Fiel, além de importantes como estabelecimentos de ensino,
tornaram-se também centros de intensa actividade científica.
Em S. Fiel, foi fundada em 1902 a revista Brotéria,
assim denominada em homenagem ao naturalista português Avelar
Brotero. Eram os professores dos colégios que dirigiam
a revista, publicando nas suas páginas artigos de investigação,
com destaque para as áreas da botânica e zoologia.
Entre esses sábios, são de recordar Joaquim da
Silva Tavares, Cândido Mendes de Azevedo, Carlos Zimmermann,
Afonso Luisier, Camilo Torrend e António de Oliveira Pinto.
Outros nomes são dignos de referência pela sua acção
apostólica: Carlos Rademaker, Bento Schettini, Luís
Gonzaga Cabral, António de Menezes e Alexandre Castelo.
No campo missionário, importa
lembrar, principalmente, a difícil missão da Zambézia
para onde foram enviados, entre 1880 e 1910, 118 jesuítas,
dos quais 41 ali morreram. Também a Índia, Macau
e Timor foram objecto do zelo missionário dos jesuítas
da Província de Portugal.
Toda esta actividade foi interrompida
violentamente, em Outubro de 1910, quando, pela terceira vez na
sua história em Portugal, a Companhia de Jesus foi de novo
expulsa e espoliada dos seus bens. O ambiente de perseguição
que já se manifestara nos últimos anos da monarquia
teve como corolário a decisão do governo provisório
da República que, a 8 de Outubro de 1910, restaurou a lei
pombalina de 1759. Depois de algumas semanas na prisão,
no dia 4 de Novembro de 1910 estava consumada a expulsão
dos jesuítas de Portugal. Os membros da Província
Portuguesa eram, então, 360.
4º PERÍODO: DO EXÍLIO À ACTUALIDADE
Consumada a expulsão, a política
do P. Luís Gonzaga Cabral, provincial, teve duas vertentes:
em primeiro lugar, conservar na Europa o núcleo central
da Província, constituído pelas casas de formação
e algumas residências; em segundo lugar, reforçar
as missões da Índia que, por se encontrarem em território
inglês, podiam ser mantidas e, simultaneamente, procurar
novos campos de actividade, principalmente no Brasil.
Depois de terem encontrado abrigo temporário
na Holanda e na Bélgica, as principais casas estabeleceram-se
em Espanha: o noviciado, juniorado e filosofado em Santa Maria
de Oya, na Galiza; o colégio para alunos portugueses em
La Guardia, no lado espanhol da foz do rio Minho; a Escola Apostólica
em S. Martinho de Trebejo(Cáceres); a redacção
da Brotéria e do Mensageiro do Coração
de Jesus em Pontevedra.
O exílio não foi impedimento
para que a Província Portuguesa mantivesse e até
aumentasse os seus efectivos: eram 380, em 1925, com 179 sacerdotes,
84 irmãos e 117 estudantes. Passado o ímpeto persecutório,
começaram a reabrir-se cautelosamente, a partir de 1923,
algumas residências em Portugal. As casas de formação
e o colégio de La Guardia regressaram em 1932. A Constituição
de 1933, abolindo as leis de excepção por motivos
religiosos, e o decreto de 12 de Maio de 1941, reconhecendo a
Companhia de Jesus como corporação missionária,
normalizaram a situação jurídica dos jesuítas
em Portugal.
Ao longo dos anos quarenta e cinquenta,
os principais centros da presença dos jesuítas adquiriram
a localização que, substancialmente, ainda mantêm.
Nos anos setenta, apesar da diminuição de efectivos,
incrementou-se a presença ao Sul do Tejo com a inserção
em zonas operárias ou carenciadas onde os jesuítas
se responsabilizaram por várias paróquias: Portimão,
Mexilhoeira Grande, Santo André, Corroios, Paio Pires,
Pragal e Charneca da Caparica.
Em paralelo com o que acontecera em
tempos mais distantes, os últimos decénios viram
os jesuítas portugueses ocupados num amplo leque de actividades:
educação e ensino, formação espiritual,
trabalho paroquial, missões, meios de comunicação
social, presença na cultura e na investigação.
Como no passado, surgiram figuras de relevo em vários
campos do conhecimento: Luís Gonzaga de Azevedo, Francisco
Rodrigues, Serafim Leite, Domingos Maurício e Mário
Martins, na História; Eugénio Jalhay, na Arqueologia;
João Mendes e Manuel Antunes, na Literatura e na Cultura
Clássica; António Durão, António de
Magalhães, Paulo Durão, Diamantino Martins, Cassiano
Abranches e Júlio Fragata, na Filosofia. A Brotéria
continuou a ser publicada regularmente, tanto na série
científica como na cultural, e surgiram novas revistas
de investigação: Revista Portuguesa de Filosofia,
Economia e Sociologia e Revista Portuguesa de Humanidades. A publicação da
Verbo. Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura resultou
da colaboração entre a Editorial Verbo e as instituições
culturais da Companhia de Jesus.
No campo missionário, a Índia
Portuguesa contou sempre com a presença de jesuítas
enviados de Portugal, até à anexação
pela União Indiana, em 1961. A Macau, os jesuítas
regressaram em 1930; em 1941, estavam de novo em Moçambique
e, em 1961, em Timor. Em Angola, teve início o movimento
Afris cujos estatutos foram aprovados em 1963. Foi sobretudo
em Moçambique que a acção missionária
teve maior incremento, ali trabalhando, em 1974, 78 jesuítas.
A descolonização abalou
profundamente a missionação, ocasionando perseguições,
a destruição e ocupação de muitas
estruturas materiais e o regresso à Europa de muitos missionários.
Superados os tempos mais difíceis, criaram-se condições
para um renascimento missionário baseado numa colaboração
mais alargada com jesuítas de diferentes nacionalidades,
com outros religiosos e com grupos de leigos.
Nuno da Silva Gonçalves, SJ.