Clarice Lispector + vírgula + Benjamin Moser

Postado por Helena Aragao em 27 de novembro, às 20:55 e arquivado em Notícias  |  Comentário (1)
Benjamin Moser no lançamento da biografia no Rio. (Foto: Adriano Facuri)

Benjamin Moser no lançamento da biografia no Rio. (Foto: Adriano Facuri)

A notícia vem se espalhando há alguns meses. Uma biografia sobre Clarice Lispector começou a chamar atenção lá fora. E dá-lhe crítica no New York Times, resenha na Economist e, do lado de cá, os brasileiros orgulhosos dando ênfase à possível popularização da escritora enigmática mundo afora. Hoje mesmo, saiu a novidade de que o livro já está cotado entre os 100 mais importantes do ano na lista do NYT. Escritor norte-americano, biógrafo de uma escritora misteriosa, poliglota com seis línguas no currículo… É engraçado como as “classificações” vão nos fazendo formar imagens das pessoas na cabeça. Imaginei um sujeito difícil, hermético, uma mescla dos enigmas de Clarice com a distância de um estrangeiro sisudo. Mas aí veio o convite: Rio Scenarium, bar-sensação de samba na Lapa, amigos e, junto com um deles, o tal escritor. Benjamin Moser veio ao Brasil lançar Clarice, e queria bater ponto em um de seus bares prediletos.

Olhando assim, de primeira, o sujeito parecia o típico gringo de férias que acaba que conhecer o Brasil: com uma caipirinha na mão, um jeitão meio desengonçado para acompanhar a música e um sorrisão largo. Mas o primeiro diálogo que presenciei já disse muito de sua relação com o país.

“Você sabia que o Rio Scenarium está entre os 10 melhores bares na lista do Guardian?”, perguntou-me ele, em um português perfeito moldado pelo sotaque norte-americano. Não, eu não sabia. Mas diante da quantidade de gringos por metro quadrado, dava para imaginar. “Já estive aqui dezenas de vezes”, suspirou ele, para em seguida descrever o lugar em minúcia. Ao longo da noite, entendi tudo: a relação de Benjamin com o Rio Scenarium é uma versão em miniatura da que ele tem com o país. Sim, o biógrafo gosta do bar mais “clichê-gringo” do Rio de Janeiro. Mas conhece-o muito bem – melhor do que muito brasileiro -, volta sempre que pode e aproveita tudo que há nele, até mesmo seus maiores estereótipos. Afinal, às vezes as coisas se tornam estereótipos por serem muito boas – vide a caipirinha que não saía de sua mão.

Benjamin e seu look vibrante: biógrafo levou gente às lágrimas na leitura durante lançamento

Tudo isso fez com que a declaração a seguir não soasse nem um pouco arrogante. “Já estive em 22 estados brasileiros. Venho ao Brasil desde os 19 anos. Tenho uma relação muito especial com o país. Não é uma relação que vejo os estrangeiros terem com a cidade – vai muito além do futebol e do samba, apesar de eu adorar tudo isso. Mas acho que vai além da relação que muitos brasileiros têm com o país. Não é uma coisa ufanista, nacionalista, nada disso. Tenho vontade de apresentar para o mundo minha visão da cultura e da produção intelectual brasileira, porque tem coisas fantásticas que merecem ser mais conhecidas”.

Ouvindo isso tudo, não pude deixar de ficar feliz por Clarice ter ganhado uma biografia definitiva logo das mãos de um cara como este.

capa clarice post Conversar sobre a escritora com Benjamin, aliás, é uma delícia. Na mesa do bar, surgiu alguém opinando que  Clarice estava longe de ser uma de suas preferências literárias – e logo me identifiquei. Sou da turma que acha a história de vida da autora mais cativante que suas obras – tanto que li as duas biografias brasileiras sobre ela e, de suas obras, não fui além de A hora da estrela e A paixão segundo GH. Se tinha medo de ser execrada ao falar isso público (vamos combinar que certos fãs de Clarice são meio exaltados), deixei de ter no exato momento em que me vi numa animada conversa sobre isso com o próprio biógrafo. Clarice é tão profunda que gostar ou não gostar é o de menos. “Fiz questão de ressaltar a relação da literatura que ela produziu com seus momentos de vida”, explicou Benjamin. O biógrafo também mergulhou fundo na pesquisa sobre a impressionante trajetória dos primeiros anos de vida de Clarice (aliás, dá para ler um trecho desta parte aqui). Trouxe novos elementos para fuga de seus pais – como a sífilis da mãe depois de um estupro, que não não vi citada nas outras biografias.

Por tudo isso, acho que o título da biografia, Clarice,, é perfeito não só para Clarice (a motivação principal é Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, que começa com uma vírgula e acaba com dois pontos). É perfeita também para Benjamin. Clarice + vírgula, de certa forma, é a abertura de uma conversa, de uma carta que Benjamin começou a escrever com o livro, mas que provavelmente nunca vai ter fim.

***

Não pude ir no lançamento do livro ontem na Livraria da Travessa (amanhã tem em Recife, na Livraria Cultura). Mas Cristiane Costa, jornalista que conduziu o debate com o biógrafo, me contou uma história bem bacana sobre a conversa. Lá pelas tantas, alguém da plateia pediu a palavra e fez uma pergunta para o escritor. Apresentou-se: era Gilles, cabelereiro conhecido da cidade que foi maquiador de Clarice. Ao saber disso, Benjamin o interrompeu e falou: “Você é o Gilles? Então espera que vou ler um trecho em que te cito no livro”. O maquiador ouviu a leitura às lágrimas.

Bookmark and Share

Leia também:

» Clarice Lispector no New York Times
» Clarice, Nabokov e ‘Crepúsculo’
» Essa década, esse ano e aquele Tolstói

Este post e seus comentários podem conter opiniões que não refletem o ponto de vista do Livreiro.

Um comentário para “Clarice Lispector + vírgula + Benjamin Moser”

  1. Laísa disse:

    Adoro Clarice Lispektor…com toda certeza vai ser um sucesso!

Deixe um comentário    ( Faça login no Livreiro)