ZUENIR VENTURA - Beltrame candidato?

Uma das razões de José Mariano Beltrame ser hoje uma das personalidades mais queridas e respeitadas do Estado do Rio, recebendo aplausos por onde passa, é evidentemente o unânime sucesso das UPPs, mas é também a sua recusa em se meter em política ou deixar que a política se metesse em seu trabalho de pacificação das favelas. Sua conduta, suas escolhas e seus critérios foram sempre técnicos. Não se sabe de um comandante da PM ou de um delegado da Polícia Civil que tenha sido nomeado por indicação de deputados e vereadores ou para atender aos interesses deste ou daquele partido. Tão diferente daqueles tempos em que a Chefia de Polícia servia de trampolim para que seus ocupantes eventuais, com a promiscuidade e o apoio da banda podre, se candidatassem a uma vaga no parlamento. Alguns foram parar na Assembleia Legislativa ou na Câmara Municipal e depois até na cadeia. Outros conseguiram se livrar das grades.

Por isso, causa preocupação ouvir dizer que o governador Sérgio Cabral pensa em lançar Beltrame candidato à sucessão do atual prefeito no ano que vem. É possível que seja apenas uma especulação sem fundamento. Afinal, Eduardo Paes não há de querer abrir mão da reeleição, transferindo para outro a glória que lhe cabe como prefeito, que é comandar os festejos da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Tudo indica que ele vá desejar isso para ele. De qualquer maneira, em nome da paz — a candidatura do secretário seria um golpe nas UPPs — aguarda-se um veemente desmentido das partes envolvidas. Em recente entrevista a Paula Cesarino e Plínio Fraga, Beltrame respondeu assim à observação de que haveria muita pressão para que ele viesse a ser candidato: “Essa mosquinha ainda não me pegou, não.” O “ainda” não chega a tranquilizar. Eu preferiria que a frase terminasse por um “jamais me pegará”.

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A propósito, com a morte de Hélio Saboya, o Brasil perde um grande advogado e o Rio de Janeiro, um dos mais íntegros secretários de Polícia Civil. Na sua gestão (1987-90), em meio a uma onda de sequestros, a sociedade aprendeu que era possível lutar com rigor contra a barbárie sem desrespeitar os direitos humanos. Como Beltrame, ele achava que o crime se combatia com inteligência, não com truculência. Se hoje o sistema de segurança pública dispõe de um instrumento moderno, responsável pela elucidação de muitos casos
e a prisão sem tiros de perigosos bandidos, isso se deve a uma criação de Saboya, o Disque-Denúncia. É o próprio Zeca Borges, atual responsável pelo DD, quem reconhece a importância de seu amigo: “Ele emprestou seu prestígio ao projeto, foi positivo nas negociações com as autoridades e conclamou a população a colaborar.” O Rio de Janeiro deve muito a ele.

Francisco Bosco - O ensaio como poema

A poesia é antes uma forma de ler do que uma forma de escrever, e ainda antes uma forma de viver do que uma forma de ler. A forma de ler que define a vida do poeta é sem finalidade imediata: não se lê para escrever um poema — quando se escreve, todo o lido está em jogo, disponível, é a soma dos recursos que sustentam um pensamento ativo. É possível que Hesíodo tenha pesquisado os mitos para escrever “Os trabalhos e os dias”, ou que Camões tenha estudado as navegações para compor “Os lusíadas”, ou que Wordsworth tenha se debruçado sobre a revolução francesa, para criar uma das partes de seu “Prelude” — é possível, mas de modo algum necessário. Pois mesmo os poemas longos como estes podem prescindir da leitura-como-pesquisa: a imaginação que os erige parece estabelecer uma relação do pensamento com a vida mediada, como disse acima, pela totalidade das leituras do poeta.

A felicidade da poesia, da forma poética, isto é, da forma de ler poética, e, finalmente, da forma de viver poética passa por essa temporalidade específica da atividade de ler, que propicia portanto uma forma de ler intransitiva: ler por ler. É certo que para todo escritor a leitura é em algum nível comprometida com a escrita — mas aí é que se especificam as temporalidades. Um poeta lendo pode sempre de repente escrever um poema, mas, justamente, o tempo de passagem da leitura à escrita é este “de repente”, ou seja, ele não precisará ler uma dezena de outros livros com o objetivo imediato de escrever o poema cuja possibilidade se lhe abriu enquanto lia. Para o poeta, entre a ideia e a realização há apenas o pensamento — com todos os textos de que ele é feito — e o trabalho da forma, que já é o processo da realização.

Isso tem grandes consequências. Pois a leitura dirigida para a escrita pode ser experimentada como uma infelicidade. O ritmo do poema, do viv e r p o é t i c o , é f u n d a m e n t a lmente diferente do ritmo do estudo. Com efeito, para Agamben o que define este último é uma alternância entre passividade e ação: o estudo é uma tensão irredutível em direção à realização, mas esta é indefinidamente adiada pela leitura. Na forma de vida do estudo a leitura é portanto uma atividade tensa, voltada para a ação — verdadeiro objetivo do processo —, que ela entretanto a um tempo possibilita e impede. Este último par define a tensão da leitura no contexto do estudo. E quanto maior for o tempo que precede a escrita, isto é, o tempo da leitura, maior é a experiência de estar impedido de agir, mesmo que seja por aquilo que ao mesmo tempo promete e fortalece a ação. Daí decorre, ainda segundo Agamben, “a tristeza do letrado”: pode ser amarga uma estadia prolongada nessa tensão.

O advento histórico do ensaísmo marca uma possibilidade de a reflexão teórica reconfigurar a forma de vida do estudo, conciliando-se ao viver poético: com efeito, lendo Montaigne temos muitas vezes a impressão de que seus ensaios não foram fruto de leituras intencionais, mas que toda sua cultura — clássica, sobretudo — acorre a seu pensamento no momento da escrita, como se dá na escrita poética. E se é certo que o ensaio, historicamente, assimilou formas longas e sob a égide do estudo, não é menos certo que a via de uma ensaísmo poético — no sentido das formas de ler e viver que a poesia propicia — permanece aberta. E também não parece ser por acaso que Adorno, ao falar do ensaio como forma, afirme tratar-se de um gênero “que não começa com Adão e Eva”; em certo sentido, nada começa, a ordem da linguagem é a secundariedade, a perda irrevogável da origem, mas o ensaio, assumindo a consciência histórica dessa incompletude, permite à reflexão teórica radicalizar a exploração das formas breves, e com isso aliviar a forma de viver do estudo.

Pois a forma breve esvazia a tensão do ler-para-escrever. O ensaio viabiliza a escrita do ensaio como poema — “de repente” — e n c u r t a n d o a distância entre a ideia e a realização e liberando a leitura de suas coerções finalistas. Ler por ler é a única forma de leitura que garante a efetivação da afirmação de Borges, que dizia nada ler sem alegria. Pois ler no contexto do estudo obriga muitas vezes a que se leia sem alegria, visando à futura alegria da realização, da escrita. Liberar a leitura de suas finalidades imediatas é tornar a própria leitura uma realização. A forma breve, portanto, a um tempo duplica e multiplica a ação: permite que
tanto o ler como o escrever sejam realizações — vinculados, é certo, mas à distância — e, diminuindo o tempo de adiamento da escrita, permite que esta se efetive mais vezes.

Barthes dizia preferir as variações à profundidade, e que só tinha duas alegrias escrevendo: ao começar e ao terminar (no fim da vida chegou mesmo a dizer que só a tinha ao terminar). Daí que quando propôs-se escrever um “romance” sua maior dificuldade era passar da forma breve, descontínua, à forma longa da narrativa. Tratava-se, em suas próprias palavras, de um problema “psicoestrutural”. O elogio do ensaio como poema e a atenuação do ritmo do estudo devem ser também entendidos como questões psicoestruturais, isto é, precedidas da rubrica “para mim”. Trata-se de cada “para mim”, ou seja, cada escritor, achar a forma de escrever, ler e viver que convém à singularidade que o define.

Deficientes visuais poderão "ver" Carnaval com as mãos

VANESSA CORREA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Maquetes dos carros alegóricos e miniaturas das fantasias de três escolas de samba de São Paulo ajudarão deficientes visuais a ver o Carnaval 2011 com as mãos.
Quarenta e cinco pessoas com dificuldade de visão participarão do projeto "Carnaval paulistano - só não vê quem não quer" e ficarão em um camarote especialmente adaptado no Sambódromo.
Cada um deles receberá um CD de áudiodescrição, com explicações detalhadas sobre os desfiles.
E para essas pessoas, o Carnaval vai começar já nos ensaios das escolas Rosas de Ouro, Mocidade Alegre e Camisa Verde e Branco, onde poderão manipular pandeiros e tamborins.
Na concentração das escolas, poderão tocar em carros alegóricos e fantasias, tanto as em tamanho reduzido quantos as reais.
Estudantes de arquitetura e moda da FMU já começaram a desenhar as miniaturas do Carnaval.
Também participam da iniciativa a prefeitura, a São Paulo Turismo e a Fundação Dorina Nowil para Cegos.
Os participantes serão selecionados por sorteio.
As inscrições vão até dia 14 e devem ser feitas pelo e-mail carnaval2011@fundacaodorina.org.br.

QUADRINHOS

Chiclete com Banana Angeli

Piratas do Tietê Laerte


Geraldão
Glauco

Publicado em 12.abr.1997

Daiquiri Caco Galhardo


Níquel Náusea Fernando Gonsales


Mundo Monstro Adão


Macanudo Liniers

José Antonio Ramalho - Entenda a migração do Windows Vista para o Windows 7

Dificuldade: Média

Tenho instalado no meu notebook Dell Inspiron o Windows Vista Premium. É possível instalar o Windows 7 sem a necessidade de formatar a máquina? Vale a pena?
RICARDO COSTA

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A instalação do Windows 7 sem formatar a máquina é possível, desde que a nova versão seja igual ou superior à do Windows Vista instalada. O processo de instalação do Windows 7 permite que seja feita uma atualização (em que não se formata o disco) ou uma instalação personalizada (é necessário formatar o equipamento).

2
Se estiver executando o Windows Vista, pode escolher a opção Atualizar caso esteja instalando uma versão correspondente ou superior do 7.

3
Veja quais edições do Windows Vista podem ser atualizadas diretamente para o Windows 7: Windows Vista Home Basic pode ser atualizado para Windows 7 Home Premium e Windows 7 Ultimate; Windows Vista Home Premium pode ser atualizado para Windows 7 Home Premium e Windows 7 Ultimate; Windows Vista Business pode ser atualizado para Windows 7 Professional e Windows 7 Ultimate; Windows Vista Ultimate pode ser atualizado para Windows 7 Ultimate.

4
Ainda é preciso lembrar que a migração indicada só vale se as duas versões estiverem no mesmo idioma.

DÚVIDAS? ESCREVA PARA
atalho.tec@uol.com.br

Plantar maconha é objetivo de game

Inspirado em FarmVille e na cultura hippie dos anos 60, Pot Farm já conta com mais de 1,2 milhão de usuários

Jogo para Facebook rende, pelo menos, US$ 150 mil mensais, mas criadores não revelam suas identidades reais


BRUNO ROMANI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Nas verdejantes planícies do Facebook, não brotam apenas frutas, verduras e legumes. Há também pé de maconha sendo cultivado e colhido na rede social.
Isso acontece graças ao Pot Farm, um game nos moldes do popular FarmVille. Nele, os usuários plantam e vendem a erva para crescer e avançar no jogo.
Diversas espécies de maconha, com custos e lucros diferentes, estão disponíveis. O visual faz referência à cultura hippie californiana dos anos 1960/70. Na hora de montar o seu avatar, é possível, por exemplo, criar um personagem que lembra o cantor country Willie Nelson (famoso por ser um defensor da legalização da erva).
Pot Farm já atraiu 1,2 milhão de membros em menos de um ano de existência, mesmo sendo proibido para menores de 21 anos. Parece pouco frente aos 58 milhões de fazendeiros do FarmVille no Facebook, mas isso já garante algum dinheiro nos bolsos de seus desenvolvedores e de Mark Zuckerberg.
Segundo o jornal californiano "East Bay Express", Pot Farm rende mensalmente, pelo menos, US$ 148 mil. A estimativa usa como base de usuários o número de 1,5 milhão e calcula que, em jogos sociais, cerca de 2% dos usuários gastam dinheiro real para acelerar a jogatina e abocanhar habilidades. O item mais barato custa US$ 5.
Talvez seja essa a razão para o Facebook ainda não ter removido o jogo, embora a política para desenvolvedores da empresa diga que estão proibidos aplicativos que "promovem ou têm material que faz referência a, facilita ou usa atividade ilegal".
O que é possível saber é que, quando o game é jogado dentro da rede social, itens como cachimbos -que aparecem no site do game- são vetados. E não há imagens de gente queimando a erva.
Os criadores do jogo não revelam suas identidades e dificilmente concedem entrevistas. O único canal de comunicação é uma conta no Twitter, na qual Reef Floyd, um vovô fictício que parece um sobrevivente do festival de Woodstock. A Folha não conseguiu falar com ele.
Em uma rara entrevista, Floyd disse ao site Social Times: "Nos anos 60, eu plantava maconha com os amigos. Outro dia, estava falando com um deles e pensamos: "Deveríamos fazer um jogo disso". Estávamos vendo a explosão dessas coisas de rede social e tal e meu amigo soltou: "É uma revolução, bicho, tipo os anos 1960".


CityVille é o maior aplicativo do Facebook

THÉO AZEVEDO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Lançado no início de dezembro pela Zynga (mesma desenvolvedora de FarmVille), na semana passada CityVille já acumulava cerca de 84 milhões de usuários ativos, o que faz do jogo social o maior aplicativo na plataforma do Facebook. No game, cujo conceito faz lembrar o clássico SimCity, o objetivo é construir uma cidade e transformá-la em metrópole.
Em CityVille, graças à integração com a rede social, é possível visitar a cidade de outros usuários e, por lá, cumprir diferentes tarefas.
Com isso, o jogador ganha pontos de reputação e, consequentemente, bônus diversos. Tudo gira em torno dos pontos de energia, gastos em atividades como construção e coleta de impostos.
Outra novidade é o lançamento no Orkut de Guerra Tribal pelas mãos da Mentez, a mesma empresa de Colheita Feliz. O game consiste em construir uma tribo, recrutar tropas e atacar tribos de amigos na rede social. Conforme vence as batalhas e conquista territórios, o jogador recebe os devidos impostos.

No Brasil, a tradição alimentar de comer formigas pode estar ameaçada

The New York Times
Alexei Barrionuevo e Myrna Domit
Em Silveiras (Brasil) 


  • As formigas fêmeas conhecidas como içás, ou formigas rainha, na zona rural de Silveiras, no dia 21 de dezembro de 2010 As formigas fêmeas conhecidas como "içás", ou formigas rainha, na zona rural de Silveiras, no dia 21 de dezembro de 2010
Jorge da Silva pegou uma formiga gigante do chão lamacento, arrancou suas asas, pernas e mandíbula e a jogou na boca como se fosse pipoca.
“Tem gosto de hortelã”, disse Silva, 58 anos, com um som crocante saindo de sua boca.
Usando botas de borracha, Silva perambulava pelos morros acima de sua cidade de 6 mil habitantes com uma vara e um balde de plástico. Ele estava à caça da obsessão de Silveiras e uma rara iguaria gastronômica no Brasil: a içá, ou formiga rainha.
As fortes chuvas de primavera em outubro e novembro fazem com que as formigas deixem o solo e por algumas breves semanas Silveiras entra em um frenesi de caça à formiga. Os moradores as estocam, limpam as içás e as congelam em garrafas de um e dois litros para que durem até o ano seguinte.
Mas neste ano a caça à formiga foi menor do que o habitual, dizem os moradores, e o número de formigas está diminuindo. Os principais culpados são os pesticidas usados nos eucaliptos que são plantados para produção de celulose para papel e outros produtos, disseram moradores e autoridades locais.
“Com a urbanização e o veneno que estão colocando no solo, não nos resta muito tempo”, disse Vera Toledo, 67 anos, uma escritora e antropóloga cujo marido é natural de Silveiras.
Gerações de povos indígenas usavam as formigas para substituir as proteínas de peixes e macacos, disseram os moradores. Hoje, os moradores de Silveiras –e as pessoas que dirigem centenas de quilômetros por ano para comprar as formigas– as prezam não apenas por sua proteína, mas também como afrodisíaco e fonte de antibióticos naturais.
Os moradores desta cidade a 207 quilômetros de São Paulo mantiveram viva a antiga tradição indígena de cozinhar e servir as formigas com pratos tradicionais brasileiros. Essas não são formigas comuns correndo sobre restos de alimentos açucarados, como a minúscula variedade americana. As içás são grandes –com até 2,5 centímetros de comprimento– e gordas, e a picada delas é dolorida.
Mas a mudança da paisagem representa uma ameaça às formigas, argumentam os moradores. Graças ao crescimento econômico do Brasil, a plantação de eucaliptos provou ser altamente lucrativa para alguns proprietários de terras em Silveiras, que perdeu seu lugar como grande produtora de café e carne bovina e que já teve uma população de mais de 30 mil habitantes.
Os moradores não tentaram transformar as formigas em um grande empreendimento comercial. No norte da Colômbia, os moradores locais exportam suas “hormigas culonas”, ou formigas rainha de traseiro grande, para a França, Reino Unido e outros países, onde são cobertas em chocolate.
As formigas cortadeiras no Brasil vêm da mesma família Atta das colombianas, disse Marina Saiki, uma bióloga do Zoológico de São Paulo. Mas apesar dos moradores daqui dizerem que um dinheiro extra seria bem-vindo, muitos parecem mais preocupados com a preservação da tradição –e da população de formigas– para si mesmos.
Ocílio Ferraz, um entendido local em içás de Silveiras, se dedicou a manter o banquete vivo. Um autoproclamado ambientalista, ele tem resistido aos esforços de exportá-las, preferindo receber os visitantes em seu restaurante, onde ele tem uma cozinha especial dedicada a fritar as içás.
Ferraz, 72 anos, diz que recebe telefonemas diários pedindo pelo fornecimento de formigas para cidades distantes. Ele disse que pensou a certa altura em exportá-las, mas desistiu porque as leis brasileiras para exportação de alimentos são complicadas demais. Além disso, ele disse: “Eu não acho que o fornecimento seria bom para a qualidade da tradição”.
Hoje ele mostra o jogo americano, pratos, copos, avental e pinturas na parede de seu restaurante, todos exibindo a formiga rainha. Outros artistas estão projetando brinquedos.
Lentamente, Ferraz conseguiu quebrar o estigma que costuma cercar a ingestão de formigas, que era vista como uma tradição reservada às famílias mais pobres.
“Muitas pessoas se diziam embaraçadas em comer as içás”, ele disse.
Mesmo assim, ele disse, todo outubro e novembro “a cidade inteira fica cheirando a formiga frita”.
Hoje os moradores estão mais abertos a respeito de seu apreço pelas formigas crocantes.
“Eu sou fanática por içá”, disse Maria José Camargo, 29 anos, ao provar algumas formigas no restaurante de Ferraz. “Eu adoro. Vale a pena economizar dinheiro o ano todo para gastar nas içás. Meus filhos são pequenos demais para pegá-las, mas quando crescerem, eles certamente vão pegar içás.”
Nos morros, Silva, o caçador de formigas, está ensinando Dudu da Silva, 12 anos e sem parentesco, como capturar as formigas. Com os dedos, Silva pega as içás uma por uma e as joga no balde.
As formigas picam Silva com frequência, cujas mãos geralmente ficam ensanguentadas após um dia as pegando. A certa altura, uma menininha que o observava trabalhando começou a chorar de dor quando uma formiga picou seu pé.
No restaurante de Ferraz, os caçadores de formiga vendem sua caça por em média US$ 15 por litro. Ele cobra aproximadamente US$ 12 por um prato grande de içás fritas em gordura de porco com farofa, para dois.
Apesar das formigas venderem rapidamente e serem uma aparente fonte de orgulho, algumas famílias de Silveiras ficam divididas com a prática. Edson Mendes Mota, o ex-prefeito de Silveiras e atualmente seu secretário de desenvolvimento, disse não ligar para elas, apesar de sua esposa ter uns oito quilos delas no freezer.
“Minha esposa gosta, meus filhos gostam, a cidade inteira gosta”, ele disse.
Mota apoia a crescente indústria de eucaliptos da cidade, que se transformou em inimiga das formigas. Os proprietários de terras têm o direito de plantar as árvores altamente lucrativas, apesar de o plantio ser regulado, ele disse.
“Nós precisamos nos unir, sentar e discutir o fato de que uma nova geração daqui não mais conhecerá as tradições de nossa cidade”, disse Mota.
Alair Duarte, o presidente da câmara municipal, disse que propôs limitar o plantio de eucalipto a certas áreas, para que as formigas possam continuar se reproduzindo.
“Se não fizermos isso rápido, não restará mais içás”, disse Duarte, que cresceu comendo as formigas içás cruas. “Antes de pensarmos em exportar as içás, nós precisamos preservar o que temos aqui.”
Se as içás estão em perigo aqui, alguns moradores dizem acreditar que ainda há um local onde o plantio de eucalipto não está matando as formigas.
“As pessoas dizem que há muitas içás nos cemitérios, porque elas comem os cérebros das pessoas”, disse Osmar da Silva, 43 anos, um vendedor de içás. “Mas é lenda”, ele disse, apesar de ter admitido, “eu nunca tive coragem de entrar em um cemitério para procurar lá”.

Tradução: George El Khouri Andolfato

ROBERTO DaMATTA - Nas altas esferas

Todo escritor é médium. Fala sempre com os mortos e está em contato permanente com as altas (e baixas) esferas quando orienta o seu pensamento para o lado espesso do mundo. É quando exerce mais claramente sua função mediadora ou, como dizia Thomas Mann, lunar. Esse espaço situado entre a Terra e o Sol, alcançável apenas pelo pensamento e pelo destemor de pôr em contato real e ideal, verdade e beleza. Pensar e escrever são como Esaú e Jacó. Gêmeos, eles se fazem em antagonismos e complementaridades que, quase sempre, deixam o coração aos saltos e as mãos tremulas.
As altas esferas revelam seus detalhes - just one of those things - brasileiros. O ministro da Justiça, que eu não quero confundir com o Nelson Jobim, diz que é "ridículo" noticiar as férias do ex-presidente Lula e família, num forte do Exército; já o superministro do Exterior, Marco Aurélio Garcia, classifica arrogante e agressivamente, como "insignificante" revelar que os filhos de Lula têm passaporte diplomático, o tal passaporte vermelho que dá direito a "trazer tudo" - sonho de quem visita os chamados "países adiantados", hoje caricaturas de si próprios. Um outro comentarista diz que esse fato mostra a "vaidade" do ex-mandatário supremo da nação que, pelo visto, continua mandando prá cacete.
Meu filho desencarnado, ex-comandante da Varig, morto subitamente aos 42 anos, cuja viúva e filhos tiveram a sua pensão sequestrada pelo governo Lula, desce das altas esferas. [Não estou escrevendo à meia-noite, mas numa bela manhã de sábado, o sol entrando alegremente pelas janelas. O espírito do meu saudoso filho manifesta-se por meio do meu pensamento e surge cristalino na nevoa minha amargura.] "Papai, o Brasil não consegue ler a si mesmo, nem com a ajuda dos mortos".
O espírito acentua que os "detalhes" dos ritos do poder - revelados com a astúcia e o humor de sempre pelo Luiz Fernando Veríssimo, lido por meio do seu i-pad astral (no "Nosso Lar", revela, além da arquitetura do Oscar e da burocracia do Estado Novo, todos usam produtos da Maçã...) - teriam que incluir a coroa, pois o que se viu não foi a posse de uma presidente, mas o coroamento de um rainha, ungida sucessivamente pelos santos óleos do Judiciário, do Legislativo (com direito a discurso de boas-vindas do grande Sarney) e, finalmente, do ex-presidente Lula que continua, como se sabe, a ser majestade, conforme confirmam os seus fieis seguidores, dispostos a morrer pelo chefe.
"Papai - reitera - não deixe de ler o Wiki- Leaks sobre a Varig. Mas, antes disso, eu quero dizer o quanto você está certo em ser o primeiro a falar da matriz hierárquica brasileira. Pelo menos é o que ouço do prof. Sergio Buarque de Hollanda, preocupado com a filha no Ministério da Cultura ("tem muita cultura no país", ele me diz, piscando um olho) e de Gilberto Freyre, hoje engajado na leitura de Weber e mortificado por não o ter usado em suas reflexões sobre o Brasil. É essa matriz aristocrática que produz mal-estar e alergia diante da igualdade. Vamos bem quando somos diferenciados, reagimos mal e pulamos a cerca quando voltamos ao mundo dos comuns. Esse mundo que, no Brasil, tem o estigma da inferioridade social. Como você diz, separar o papel da pessoa é um dado básico das democracias liberais. 
De fato, neste Astral igualitário e tendente à anarquia em que vivo, o que conta, além da ética e do olhar de São Pedro, é um formidável sentido de suficiência e de limite: do que podemos ou não fazer, receber ou pleitear. Quando terminam o papel e a lei, entra a ética! Aqui, Papai, você estaria em casa! Um beijo e a saudade eterna do filho que te ama muito..." [Eu me peguei olhando para o sol]. 
Em estado de choque espiritual, aquela circunstância que acomete quem fala com as altas esferas, procurei a informação sobre a Varig. Com que clareza o político-eleitoreiro aprofundou o câncer da empresa. Com que desfaçatez os protagonistas das altas esferas prolongaram a agonia da Varig, levando-a sucessivamente às unidades de tratamento intensivo, para depois martelar os pregos no seu caixão. E com que avidez suas duas concorrentes entraram - não sem ajuda palaciana e pessoal (que bota de lado os escrúpulos) - no seu mercado e em seu nome tomaram o seu espaço. "Por que um governo liderado por um presidente do Partido dos Trabalhadores deveria subsidiar uma empresa mal administrada que atende à elite (o pobre não tem dinheiro para voar)?", diz uma autoridade do governo Lula ao americano tranquilo cujo despacho vazou no WikiLeaks. Isso em meio ao mensalão que desmascarou o partido que não roubava nem deixava roubar, segundo o mantra de um José Genoino prestes a voltar às altas esferas. 
Dizem que tudo que acontece é porque tem que acontecer. Não poderia ser de outro modo, mas eu, biblicamente, vos digo: não aceitem isso sem reação! Revoltem-se! Ser humano é ser contraditório: é remar contra a corrente. É ir para o lado oposto dos tempos e dos costumes. É não aceitar o destino. O fuzilado grita "viva a vida" ao receber no peito a primeira bala; e o moribundo pensa nos estertores do amor quando seu anjo da guarda, envergonhado, vem buscá-lo. Eu não aceito a morte do meu filho e outras coisas que me aconteceram. Estou cheio de fel? Ledo engano: minha resistência me trouxe energia e compreensão. O não aceitar me fez redescobrir o amor e o detalhe que o Veríssimo não percebeu: a coroa de rainha do Brasil que vocês colocaram na cabeça de dona Dilma! Saravá! E possa eu saber mais e melhor o significado do suficiente! 

 

CELSO MING - Medo de mergulhar

Durante muito tempo, os economistas do PT imaginaram que a simples criação de um mercado interno de massa resolveria quase todos os problemas do crescimento econômico e do emprego.
Pois agora temos uma razoável economia de massa e, no entanto, as soluções não vieram tão mecânica e espontaneamente. O investimento é um desses problemas.
Uma das apostas era a de que o baixo nível do investimento no País, equivalente a cerca de 18% do PIB, seria rapidamente corrigido quando o consumo entrasse em velocidade cruzeiro. "É aumentar o consumo que o investimento vai atrás", diziam. Quem acreditava em que as coisas funcionam assim deve estar abalado em suas convicções.
O investimento é baixo no Brasil por um grande número de razões. Porque a poupança é insuficiente; os juros são altos demais; a infraestrutura ainda não tomou jeito; a carga tributária ficou insuportável; o câmbio não ajuda; persiste grande instabilidade por falta de firmeza nas regras do jogo; as agências reguladoras foram desvirtuadas; o PT no poder vê com desconfiança as iniciativas destinadas a aumentar o índice de privatização da economia; as reformas estruturais estão emperradas; e, também, porque não foi superada a vacilação permanente a respeito da função do capital estrangeiro no Brasil.
No momento, o governo Dilma lida com duas contradições básicas ligadas ao investimento. A primeira delas está relacionada ao tratamento a dar ao capital estrangeiro. O Brasil precisa atrair recursos destinados a complementar o capital nacional nos investimentos de centenas de bilhões de dólares no pré-sal, nas obras do PAC, nos projetos destinados à Copa do Mundo e à Olimpíada; na ampliação e na construção de portos, aeroportos e estradas e por aí vai. No entanto, teme-se que a entrada maciça de capitais concorrerá para a excessiva valorização do real, cujo principal efeito é tirar competitividade do setor produtivo brasileiro.
Ao coibir a entrada de capitais especulativos, por exemplo, o governo também tira previsibilidade dos capitais de longo prazo, na medida em que deixará o investidor estrangeiro exposto ao risco de rápida desvalorização do real cuja principal consequência é tirar competitividade ao setor produtivo.
Há algumas semanas, por exemplo, o governo federal criou incentivos tributários às aplicações estrangeiras de longo prazo. Mas, a todo o momento, também sugere que qualquer entrada de capitais tem o lado ruim de trabalhar no sentido de valorizar a moeda brasileira.
Incompreensível é o ranço antiprivatizante. Qualquer convocação do setor privado para participação de atividades hoje atribuídas ao Estado é vista como reles privataria. E, no entanto, é impossível continuar a ordenha do Tesouro na proporção a que foi submetido nos últimos quatro anos. O governo acaba de desistir de criar uma estatal de seguros. Agora, para escândalo dos mais conservadores do PT, além de estudar a privatização de aeroportos, anuncia estudos destinados a abrir o capital da Infraero. Para isso, é claro, terá de manter azeitado o mercado de ações e mantê-lo atraente ao capital estrangeiro, mas isso pode trazer dólares demais...
O governo Dilma não pode mais vacilar. Terá de perder definitivamente o medo de mergulhar nas águas do desenvolvimento e isso exige a quebra dos padrões que mantiveram as esquerdas atreladas a valores do passado.

CONFIRA
Reservas internacionais brasileiras
Aí está a evolução das reservas externas nos últimos sete anos.
Correção
O geólogo e professor da Unicamp Alfonso Schrank flagrou um erro no texto publicado dia 4. Ao contrário do que saiu, terras raras não são minerais. Minerais são combinações de elementos. Terras raras são elementos. Exemplos: gadolínio e térbio são terras raras. A monazita é um fosfato de tório e terras raras leves. Para formar esse mineral, é preciso combinar oxigênio, fósforo, tório e terras raras em proporções rigorosamente equilibradas.

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE

Novo rumor
Corre pelo mercado financeiro que Luciano Coutinho estaria saindo do BNDES para assumir a Petrobras.

Cabo de guerra

Um mês depois de reaberta, a sede da Igreja Mundial do Poder de Deus, no Brás, continua a incomodar a vizinhança. Alega-se que o templo desrespeita ordens judiciais, que preveem, por exemplo, reforma do prédio e combate à atuação de camelôs.

Luis Carlos Franco, morador da região, encaminhou novas queixas ao Ministério Público. Ele diz que, de seu apartamento, vê "vidros quebrados, furos no telhado ou remendos com madeira e reboco caindo de paredes". E, segundo ele, funcionários orientam vendedores ambulantes sobre nova entrada do prédio em vez de reprimi-los.

Cabo 2

O MP, que conseguiu o fechamento do templo por cinco meses, entrou com pedido para cassar liminar que o mantém aberto. "As instalações são tão provisórias que são usados banheiros químicos ", diz a promotora Mabel Tucunduva.

Cabo 3

A assessoria da igreja diz: "Decisão judicial se acata e se cumpre. Se está determinado, está sendo cumprido".

Turbulência

A visita do senador norte-americano John McCain à Dilma para fazer lobby pró-caça F-18E/F confirmou a maior restrição ao jato da Boeing. Dificilmente haverá transferência de tecnologia, tópico inegociável pelo Governo para renovar frota de combate da FAB.

McCain afirmou ter "intenção de fazer com que o Congresso e Obama ofereçam garantias de que haja completa transferência de tecnologia, caso o Brasil opte pelo F-18". Ou seja, os pontos não estão totalmente definidos nos EUA. E, se a aeronave for escolhida, haverá ainda muita negociação.

Holofote

Salvador Dalí e Louise Bourgeois serão duas das principais exposições programadas para este semestre em SP. As duas no Instituto Tomie Ohtake entre abril e junho.[17 E 18/12]

Água na boca

Um Amigo Romano, do italiano Luca Spaghetti, sai em maio pela editora Rocco. Personagem de Comer, Rezar, Amar, best-seller de Elizabeth Gilbert, o escritor narra detalhes de sua célebre amizade.


Insuficiente

Enquanto as chuvas deixam a Lapa debaixo d"água, a subprefeitura da região enumera medidas que elencou para conter enchentes: 645 funcionários para limpeza quinzenal de bueiros, poços de visita, galerias pluviais e córregos da região. E também comanda a Operação Cata Bagulho para "evitar o descarte irregular de entulho nas ruas".

Palavras

De Marina Silva sobre as chuvas que assustaram São Paulo anteontem: "Os eventos são naturais, mas a exposição de pessoas, principalmente a população mais pobre, é fruto da omissão do Estado".

Em processo

Chico Buarque já tem meia dúzia de músicas prontas para o próximo disco que deve lançar até julho. Nomes ou temáticas das canções são mistério até para alguns amigos. Se alguém chega em sua casa, ele chega a esconder rabiscos e fecha computador.

No palco

O documentário Estamira, de Marcos Prado, será adaptado para o teatro. Em fase de captação de recursos, a história da doente mental que vive no lixão será montada e interpretada por Dani Barros.

Transformação

A Hermès adere à reciclagem reutilizando parte do material descartado pelos designers da grife. Para tanto, criou-se a Petit H.


Na frente

Luiz Villaça já tem novo longa no forno. Será a adaptação de Primavera, romance de Mario Benedetti. Coprodução Bossa Nova, Nia Filmes e Salado Media.

Ale Youssef bateu o martelo. Abrirá a filial do Studio SP no Rio. E já manifestou sua vontade de que seja no centro da cidade.

Alexandre Ottoni e Deive Pazos, criadores do blog Jovem Nerd, participam da Campus Party. De 17 a 23, no Centro de Exposições Imigrantes.

Mônica Salmaso e Banda Mantiqueira se apresentam no aniversário da cidade, dia 25, no Memorial da América Latina. De graça.

Helena Montanarini pilota o curso Como Encontrar Seu Estilo na Escola São Paulo. A partir do dia 31.

Renato Prieto estreia a peça A Morte é Uma Piada. Sexta, no Frei Caneca.

Flávio Moura será responsável pela produção dos eventos de dez anos da Flip.

O show de Amy Winehouse terá camarote super VIP na Arena Anhembi. A produtora We Clap organiza festa open bar para 1.500 convidados.

Interinos: Débora Bergamasco, João Luiz Vieira, Marilia Neustein e Paula Bonelli.


Na cela com Battisti


Eduardo Suplicy visitou Cesare Battisti anteontem na Penitenciária da Papuda, em Brasília. O senador levou cartas de amigos ao ex-ativista, condenado à prisão perpétua na Itália por terrorismo.

Como Battisti recebeu a decisão de Lula mantê-lo no País?Ficou muito aliviado. E está com expectativas enormes de ter uma vida normal no Brasil. Quer se dedicar à escrita.

O que ele achou da vitória de Dilma?

Espera que a presidente confirme a decisão de Lula. Também comentou que assistiu ao programa Roda Viva com José Eduardo Cardozo, em que o ministro se manifestou favorável à decisão de Lula. Mencionou especificamente a parte em que Cardozo disse que a decisão de extraditar é do chefe do Executivo.

O sr. levou o Renda Mínima?

Há bastante tempo eu dei a ele o meu Renda Básica de Cidadania e a cartilha do Ziraldo.

Como ele está sendo tratado?Com muito respeito. Foi atendido por uma dentista, e quando teve hepatite recebeu todos os cuidados. Aproveita o tempo para ler e escrever muito. Só não sei se é nova obra.

Battisti reclamou de algo?

Está triste porque o Supremo ainda não autorizou a sua liberdade. E espera que a decisão não demore.

O que ele tem a dizer sobre acusações de que executou cidadãos comuns?

Reconhece que em 1976 foi membro do grupo Proletários Armados pelo Comunismo. Mas afirma que nunca matou. A sua condenação é baseada em depoimentos de ex-companheiros beneficiados pela delação premiada. Ele me disse: "Nunca um juiz na Itália me perguntou se matei alguém"./PAULA BONELLI

Câmbio, desligo - Míriam Leitão

O ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore diz que o Brasil não escapará de ser um país com moeda forte. Uma razão é que precisa da entrada de capital. O economista Márcio Garcia alerta que a compra de dólares pelo Fundo Soberano pode trazer prejuízos, ao contrário do que diz o ministro Mantega. O também ex-presidente do BC Gustavo Loyola pensa que há limite nas intervenções no câmbio.

Bom, o assunto do momento é câmbio, não há como fugir. Felizmente, o tema tem ângulos demais. Liguei ontem para os três economistas acima, com as mesmas perguntas: existe limite entre medidas aceitáveis e intervencionistas demais para atuar no câmbio? O quão bem sucedido o Brasil pode ser em barrar a entrada de capital, já que tem déficit em conta corrente?

Todos acham que as medidas estão dentro do aceitável, e que se o país barrasse a entrada de capital teria sérios problemas por causa do déficit, que está indo para US$ 100 bilhões.

Loyola acha que existe sim esse limite entre as regras aceitas e as que podem afugentar o capital, mas pensa que os mercados hoje são muito mais tolerantes do que já foram no passado em relação ao assunto:

— O capital está mais propenso a aceitar desaforo, ele sabe que existem muitos países piores do que nós nesse ambiente pós-crise, mas enquanto ficar em elevação de impostos ou medidas prudenciais não há problema. Há medidas que podem gerar incerteza. Deveriam ser evitadas ameaças e também entrevistas de autoridade no meio do expediente bancário para anunciar medidas que na verdade nem foram anunciadas.

Foi isso que o ministro Mantega fez na semana passada. É regra elementar que desse assunto só se fala com o mercado fechado, como foi aliás o que o BC fez dias depois, numa entrevista convocada para as 8h30m.

O professor Márcio Garcia, da PUC-Rio, acha que Mantega está calculando errado o custo de investir no mercado futuro de dólar. Mantega disse em entrevista que “se não houver valorização (do real) e nós fizermos swap reverso não haverá perda. Pode até haver ganho.”

— O mercado de dólar futuro não é o preço do dólar no futuro. É preciso calcular também o custo do diferencial de juros. Se isso não for entendido, o Fundo Soberano pode ter prejuízo de 10%, mesmo se o dólar permanecer no mesmo valor. Vender dólar futuro, como faz o investidor estrangeiro, equivale a tomar dinheiro emprestado nos Estados Unidos e aplicá-lo às altas taxas brasileiras. Ou seja, se a taxa de câmbio não se alterar, dá lucro ao investidor estrangeiro. Assim, comprar dólar futuro, equivalente a emitir swaps reversos, que é o que fará o FSB, causará, sim, prejuízo — explicou Garcia.

Pastore afirmou que o real está no mesmo patamar de valorização que estava na época de Gustavo Franco na frente do Banco Central, no início do Plano Real, com a diferença que agora o regime é flutuante: — O Brasil não escapa de ser um país que vai viver com moeda forte. Entre outras razões porque não tem poupança e quer crescer, para isso precisará de investimentos externos. Mas de fato o câmbio está mais valorizado do que deveria estar por inúmeros motivos.

Estamos vivendo um momento de exagero causado pela crise americana, pela crise europeia e pela decisão chinesa de manter sua moeda desvalorizada.

Isso afeta uma parte da indústria, sim, porque vaza para o exterior uma parte da demanda doméstica.

Mas em relação a termos de troca, nós estamos no melhor momento histórico, pelo aumento dos preços dos produtos exportados pelo Brasil. Temos um cenário contraditório: o câmbio valorizado e em dezembro um superávit de US$ 4 bilhões.

O que se deve fazer ou não se deve fazer para lidar com uma situação tão mais complexa do que no passado? Márcio Garcia não acredita muito em medidas que barrem um tipo de capital. Acha que é muito difícil separar os dólares na entrada, porque eles se fundem e os bancos são especialistas em contornar as barreiras desse tipo. Loyola lembra que a acumulação de reservas, que é uma das ferramentas usadas pelo governo, tem custo alto. Quanto? — Fazendo aqui uma conta de padaria: como temos quase US$ 300 bilhões de reservas, ou R$ 500 bilhões, levando-se em conta que o diferencial de juros é em torno de 10%, o custo de emitir dívida em real e comprar dólares é de R$ 50 bilhões ao ano. Na verdade, é menos porque uma parte desse enxugamento da liquidez da compra de dólares é feito através do recolhimento compulsório, que tem custo menor.

Pastore acha que todas essas medidas são legítimas, inclusive a acumulação de reservas porque certamente o câmbio estaria muito mais valorizado se o Brasil não tivesse acumulado US$ 46 bilhões no ano passado, US$ 150 bilhões em três anos.

Enfim, todas as medidas têm custo, todas as medidas juntas não garantem o fim da valorização, alguns setores empresariais estão ganhando muito apesar do dólar fraco. O que fica claro é que é preciso ter uma estratégia de longo prazo para enfrentar a nova realidade.

O que Pastore lembra é que a Alemanha se preparou para viver com câmbio valorizado e reduziu todos os outros custos de produção. O remédio de reduzir os gastos para abrir espaço para queda de juros aparece também na maioria das receitas sobre como enfrentar o problema.

Ontem, o jornal “Financial Times” simulou na coluna Lex uma carta de Ben Bernanke respondendo às críticas de Mantega. O texto lembra ao ministro brasileiro que há três anos, quando a economia americana entrou em crise, o capital fugiu do Brasil, o dólar subiu e a economia brasileira parou. O câmbio, como qualquer moeda, tem dois lados.

Uma CPI para um problema de 500 anos - Rosângela Bittar

A posição da educação na agenda de 2010, durante a campanha eleitoral, foi uma: primeiro lugar em preocupação dos candidatos, assunto preponderante nos discursos, promessa de prioridade total nos planos. Inúmeros programas da propaganda gratuita de rádio e televisão, tanto do governo quanto da oposição, foram ancorados nesta questão, uma das principais para a população, ao lado da saúde e da segurança. Depois das eleições, a educação caiu do galho. Em sua primeira manifestação após eleita, a presidente Dilma Rousseff já disse um ligeiro "a educação está encaminhada"... e passou aos assuntos seguintes.

Como o ministro da área foi um dos mantidos no cargo, não houve sequer aquela abordagem de fôlego renovado que as autoridades imprimiram às suas cerimônias de posse, aqueles votos de recuperação de erros passados e certeza de acertos futuros.

Este início, mais do que anódino com assunto de tamanha relevância, só reforçou um projeto do ex-governador, ex-ministro da Educação, ex-reitor da Universidade de Brasília, ex-petista, senador em segundo mandato Cristovam Buarque (PDT-DF). Ele havia apresentado, em 2007, uma proposta de criação de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Educação, conseguiu um número folgado de assinaturas, a mesa do Senado promoveu sua aprovação mas, quando os trabalhos iam começar, o ministro da Educação, Fernando Haddad, convenceu a base governista a retirar as assinaturas e negar seu apoio à medida.

Segundo Cristovam, o ministro não compreendeu que sua iniciativa não era contra o governo Lula nem a administração Haddad no MEC, mas uma forma de utilizar instrumento contundente para chamar atenção para a gravidade de um problema que tem, no mínimo, 500 anos.

Este ano, na reabertura da sessão Legislativa, em fevereiro, o senador pretende retomar o projeto pois considera insuficientes os sinais emitidos pelo governo de que promoverá a necessária revolução na educação.

"Tenho a sensação de que pelos passos iniciais vai continuar uma simples e ligeira evolução. Evolução que é tão simples e ligeira que continua deixando a gente cada vez mais para trás", diz. Na sua análise, isso ocorre por duas razões: "Os outros estão fazendo um esforço maior e vão deixando o Brasil para trás com relação a eles; e, depois, as exigências da educação crescem tanto que mesmo que a gente melhore um pouco ficamos para trás com relação às exigências".

Os exemplos são inúmeros, cita o senador, e refere-se a alguns deles: até poucos anos atrás uma pessoa que não soubesse ler conseguia fácil um emprego de empregada doméstica. Hoje, não consegue mais. A exigência aumentou. Hoje um garçom precisa saber mexer com um pequeno equipamento eletrônico, um computadorzinho.

Cristovam conta que estava em viagem a Maragogi (AL) quando foi apresentado a dois europeus que acabavam de desistir de fazer investimentos na região, no ramo da criação de cavalos, porque não encontraram mão de obra qualificada. Conversou com eles sobre o que seria necessário saber para desempenhar as tarefas de vaqueiro e ouviu, como resposta, algo que só reforça sua ideia de que a educação precisa passar por uma revolução: "Eles informaram que os cavalos custam de três a quatro milhões de reais, não podem ficar nas mãos de quem não saiba, por exemplo, ler em inglês as bulas de remédios, todos importados. Além disso, contaram que os cavalos são acompanhados com registros, de hora em hora, no computador, sobre o que comeram, o que beberam, remédios, quanto saltaram, quanto correram, para que sejam acompanhados da Europa".

Na transição de governo, Cristovam levou suas ideias de revolução da educação e deixou-as com José Eduardo Cardozo, o atual ministro da Justiça, que era um dos coordenadores dos trabalhos. Começou sugerindo que um bom sinal de mudança seria concentrar o Ministério da Educação na educação de base, deixando o ensino superior para um ministério próprio ou retomando a antiga ideia de absorvê-lo no Ministério da Ciência e Tecnologia, como fazem vários países.

"A primeira coisa para fazer a revolução é o governo federal dizer: eu tenho a ver com a educação de base. Hoje ele diz que isso é dos Estados e municípios".

Cristovam defende, como segunda providência, a criação de uma carreira nacional do magistério. Com esta e com um programa sério de qualidade educacional - que eleve prédios, construa quadras, melhore os equipamentos, vá fazendo horário integral - vai-se fazendo a revolução, sem necessidade sequer de mudanças na Constituição.

E onde entra a CPI nesse processo? Para o senador, é preciso dar força à ideia pelo entendimento das razões pelas quais a Educação está atrasada e dar divulgação a isso. Ele poderia fazer um estudo, mas ninguém tomaria conhecimento. Na CPI, as pessoas falarão sobre o assunto, debaterão com os parlamentares, apresentarão suas avaliações pela TV Senado. "Se eu estivesse no século XIX, ia pedir uma CPI da escravidão. Como estou no 21, quero uma CPI do analfabetismo, uma CPI da educação de base".

CPI - diz - não é para investigar só corrupção, até porque há dois tipos de corrupção, "a do comportamento do político e a corrupção das prioridades erradas, que rouba mais o país".

A CPI, reafirma Cristovam, não é contra o governo, que não é o culpado. "Somos todos nós os culpados". O senador recomeça a coleta de assinaturas em fevereiro, na reabertura do Legislativos, e como toda CPI precisa de um fato determinado a justificá-la, a ementa será "o Brasil está ficando para trás, está ficando indefeso, está ficando em risco".

Uma coisa avançou na educação brasileira, diz Cristovam: a consciência de que ela está ruim.

O senador se diz muito esperançoso com Dilma. "Ninguém foi guerrilheiro à toa". Lula, a seu ver, é um gênio. "Mas a formação dele é sindical, fez a política da reivindicação e do atendimento às reivindicações. Não é da transformação, da construção do novo. Ele atendeu bem às reivindicações das famílias mais pobres, dos empresários, dos banqueiros. Mas não fez um retrato do Brasil daqui a 20 anos".

Toque de recolher - Dora Kramer

Nada de inusitado na proibição dos livros de Paulo Coelho no Irã. Gestos como esse são inerentes a ditaduras.

Diferente no episódio foi o Brasil cumprir sua obrigação de protestar e condenar a violência, considerada "abominável" pela ministra da Cultura, Ana de Holanda, que anunciou pedido de providências oficiais ao Itamaraty.

Diante de ataques aos direitos humanos e agressões à liberdade - morte de dissidentes em Cuba, fraude eleitoral no Oriente e matanças na África -, no governo Lula o Brasil não apenas calou como celebrou as ações dos regimes autoritários. Em pelo menos duas ocasiões, confraternizou publicamente com os ditadores e desdenhou da posição dos opositores.

Comparou os dissidentes cubanos a bandidos comuns e igualou os protestos da oposição iraniana contra a roubalheira eleitoral do regime ao choro de perdedores em partidas de futebol.

Manifestou-se a ministra, falta se posicionar a presidente Dilma Rousseff: pessoalmente seria o ideal, como fez no caso da condenação por apedrejamento da iraniana Sakineh Ashtiani, mas se o fizer por intermédio do Ministério das Relações Exteriores já terá dado um passo a mais para reposicionar o Brasil no cenário internacional como uma democracia guardiã de princípios universais.

Condição que o antecessor subtraiu ao País quando subordinou valores a interesses de maneira equivocada e, sobretudo, perversa, contando para isso com a colaboração de um chanceler obcecado pelo ofício da bajulação.

Diga-se em defesa de Celso Amorim que não foi o único. São inúmeros os exemplos de exorbitâncias decorrentes da subserviência de auxiliares do ex-presidente Luiz Inácio da Silva, que, receosos de suas reações e curvados à sua popularidade, preferiam fazer suas vontades a cumprir a Constituição e preservar as respectivas biografias.

Amorim é apenas o caso mais patente. O fecho de sua gestão diz tudo: a concessão indevida de passaportes diplomáticos aos filhos maiores de idade e a um neto de 14 anos do então presidente, dois dias antes do encerramento do mandato, sob a justificativa de que atendia aos interesses do País.

Tanto não atendia que o Itamaraty calou a respeito. Sabe-se ali que o ato resultou do afã de cumprir ordens e agradar ao chefe que deixava o cargo consagrado, construindo um cenário de preservação de poder em perspectiva.

Quando a subserviência se sobrepõe a tudo o mais é que se deteriora a proposição fundamental do Estado de Direito: o respeito à legalidade, a observância a quesitos como probidade, impessoalidade e igualdade dos cidadãos perante as regras que regem a vida em sociedade.

No momento em que sai de cena o objeto do servilismo, se sobressai o burlesco da situação. Amorim foi para casa com esse troféu, outros a partir de agora provavelmente - vai depender de a presidente Dilma Rousseff conduzir-se por lógica diferente - dar-se-ão conta das oportunidades que deixaram passar de se dar ao respeito.

Para ficarmos nos episódios finais, temos o ministro da Defesa, Nelson Jobim, a classificar como "ridículas" as críticas à concessão de área militar para o ex-presidente tirar férias com a família.

Com perdão da deselegância do termo, ridículo é um ministro de Estado se prestar ao exercício da adulação com o dinheiro público para servir ao ex como se a prerrogativas presidenciais ainda tivesse direito.

Que o ar fica mais respirável, o ambiente mais ameno e saudável na ausência de Lula, não resta a menor dúvida.

Em boa medida pelo recolhimento (temporário?) dos bajuladores.

Corda. Pode ser só impressão, mas parece que o PMDB pediu para participar do núcleo da coordenação política do governo porque sabia do veto.

Com o objetivo de colecionar contenciosos para o dia de amanhã.

A desejar. O ministro das Relações Institucionais, deputado Luiz Sérgio, é em Brasília - como dizer de maneira educada? - praticamente uma unanimidade.

Papel secundário - Merval Pereira

A trégua entre PT e PMDB obtida ontem com a intervenção do chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, não quer dizer que tenham sido superados os problemas de convivência entre os dois principais partidos da base aliada governista, e nem que tenha se chegado a um acordo político que contente o PMDB.

Ao contrário, ao negar a presença mais for te do PMDB no chamado “núcleo duro” do governo Dilma, sob a alegação de que os demais partidos da aliança também reivindicariam um lugar nesse grupo decisório do Planalto, ficou delimitada a influência que o governo admite para o PMDB, isto é, igual a todos os demais aliados, sem levar em conta o tamanho e o poder de fogo das bancadas do PMDB na Câmara e no Senado.

Havia a certeza no PMDB de que chegaria um momento em que o partido teria que decidir que atitude tomar: ou usaria sua força para arrancar nacos de poder ou se vincularia a uma agenda de poder.

Ao retirá-lo do seu núcleo estratégico de decisão, o governo jogou o PMDB para a fisiologia pura e simples, não lhe dando alternativa que não seja a de demonstrar sua força política no plenário do Congresso.

Mesmo nesse terreno, no entanto, o PMDB vem perdendo de goleada para o PT, que ampliou seu espaço no Ministério em cima dele e ainda ressaltou essa face do maior aliado, justificando seu apetite com a defesa de administrações eficientes e honestas em cargos anteriormente ocupados por indicações de peemedebistas, como nos Correios.

Mesmo que o resultado “oficial” da reunião tenha sido uma aparente trégua na disputa por cargos, e a reafirmação do apoio ao deputado petista Marcos Maia na presidência da Câmara, as conseqüências desse alijamento do PMDB do centro de decisão governamental surgirão naturalmente no decorrer das votações, não sendo razoável que o maior partido do país se considere atendido em suas expectativas de poder no estágio em que as coisas estão.

Outra questão chave é saber qual será a função do Michel Temer neste governo.

Ainda na campanha eleitoral ele teve que dar umas cotoveladas para ser incluído no grupo que decidia, formado apenas por petistas ilustres, praticamente os mesmos, por sinal, que estão hoje nesse “núcleo duro” que define os rumos políticos do governo.

Temer foi recebido com todas as honras, mas apenas depois que reclamou de sua exclusão, e foi-lhe dada a função de coordenador do grupo, com os demais membros subordinados a ele.

Uma maneira de apaziguar os ânimos do PMDB, mas claramente um arranjo fictício, pois o vice-presidente não tem poder de comando político.

A não ser que use as armas que possui, como o poder de negociação parlamentar, para se contrapor eventualmente a uma decisão do “núcleo duro” petista.

Esse é um dos receios do comando governista, que vê essa possibilidade como uma ameaça à estabilidade política da base aliada, uma colcha de retalhos formada por um grupo de dez partidos sem nenhuma ligação programática entre si, e que só está unido sob a proteção que fazer parte do governo garante.

Se, no entanto, a influência de Temer no Congresso fosse usada pelo governo em seu benefício, seria possível designá-lo para tarefas delicadas e, aí sim, promover a pacificação do PMDB.

Não há, no entanto, até o momento, sinal de que a presidente Dilma tenha intenção de usar o vice-presidente além do papel inócuo que o cargo reserva a seus titulares, o que lhe dá uma posição meramente decorativa no “núcleo de poder” do Planalto.

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Há sinais claros de mudanças, de estilo, mas também de conteúdo na nova gestão do Ministério das Relações Exteriores.

O episódio da censura aos livros do escritor brasileiro Paulo Coelho foi uma boa oportunidade para o Itamaraty demonstrar isso, e a condenação da censura pelo ministro Antonio Patriota não ficou apenas na retórica, o que já seria uma mudança importante.

Ele anunciou que mandou que a embaixada brasileira em Teerã se inteirasse da questão para que possa tomar a atitude mais adequada.

A própria presidente já havia prenunciado essa mudança quando não se furtou a condenar o apedrejamento de iranianas por adultério.

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A discussão sobre os passaportes diplomáticos está sendo distorcida com a nítida intenção de desculpar os filhos do ex-presidente Lula, em operação muito comum no lulismo: espalhar a versão de que todo mundo usa e abusa de tais privilégios, e, portanto, criticar os Lula da Silva só pode ser preconceito.

A questão é maior que isso.O passaporte diplomático existe para viagens a trabalho e, portanto, não é aceitável que qualquer autoridade, seja ministro, deputado, senador, use o privilégio quando viaja de férias, o mesmo valendo para sua família.

E a autorização para que o Ministro das Relações Exteriores dê um passaporte diplomático para alguém que não esteja entre as autoridades previstas na lei não lhe dá o direito de entregar o passaporte para quem lhe aprouver.

Seu poder não é discricionário, mas limitado pela lei, que prevê essa possibilidade “no interesse do país”.

Quando Pelé viaja para fazer propaganda do país, está justo que use seu passaporte diplomático.

Mas é difícil imaginar em que situação um bispo da Igreja Universal ou os filhos de Lula viajarão “no interesse do país”.

A lista dos aquinhoados deveria ser divulgada, com a justificativa de cada concessão.

EDITORIAL - FOLHA DE SÃO PAULO

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Chuva de problemas

Passou da hora de prefeitura e Estado investirem em mais planejamento e obras de longo prazo para combater as enchentes em São Paulo

São muitas e conhecidas as justificativas para os transtornos provocados pelas chuvas que todos os anos castigam São Paulo: o alto grau de impermeabilização da metrópole, o lixo espalhado nas ruas, o esgoto despejado de forma irregular, a ocupação ilegal de áreas de risco, a opção coletiva pelo transporte individual e -como sempre faz questão de ressaltar quem quer que seja o prefeito- índices pluviométricos extraordinários. Mas nada explica tão bem as mazelas de verão quanto a falta de planejamento de longo prazo e de investimento em obras de prevenção às enchentes.
O tratamento errático e insuficiente dispensado ao problema transparece na análise dos gastos da Prefeitura de São Paulo no ano que passou. Gilberto Kassab (DEM) investiu abaixo do previsto na construção de piscinões e na canalização de córregos.
Dois reservatórios nas praças da Bandeira e 14 Bis, fundamentais para combater as cheias crônicas do vale do Anhangabaú, estão programados há pelo menos dois anos, mas não saíram do papel. O mesmo destino teve obra prevista para a região da Vila Madalena. Na zona sul, a canalização do córrego Ponte Baixa já contava com R$ 20 milhões orçados, mas não recebeu um centavo -e, em dezembro, uma mulher morreu na área, arrastada pelas águas.
Houve, é verdade, elevação das verbas para manutenção de piscinões. Mas o fato de o maior gasto relacionado às chuvas ter sido com "obras de emergência" para combate a enchentes revela a inversão de prioridades: quando a tragédia está consumada, resta amenizar os transtornos. Boa parte desse dinheiro foi, na realidade, para a região do Jardim Pantanal, com seus 10 mil habitantes cercados de água por todos os lados.
No plano estadual, a situação não é menos criticável. Existe um plano de macrodrenagem, mas a promessa de Geraldo Alckmin (PSDB) de que os alagamentos da marginal Tietê ficariam no passado, depois de gastos de mais de R$ 1 bilhão para rebaixar a calha do rio, fracassou. E a construção da Nova Marginal, ao ampliar a área impermeabilizada, não contribui para aliviar o problema.
O fato é que as grandes obras para conter as consequências nocivas da temporada de chuvas patinam em São Paulo. Desde o verão passado, quando 12 pessoas morreram, a região metropolitana ganhou três piscinões -ritmo lento para problemas tão prementes. Neste ano, foram mais cinco mortes na capital e 17 em outros pontos do Estado.
Tão exasperante quanto o calvário cotidiano de milhões de cidadãos é a reduzida perspectiva de melhora. Um plano de combate às enchentes encomendado pela prefeitura em novembro do ano passado para ajudar a "priorizar os investimentos" deve ficar pronto apenas em 2012. Infelizmente, não há sinais divinos de uma moratória nas chuvas até lá.

EDITORIAL - FOLHA DE SÃO PAULO

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Tiros no Arizona

A disputa ideológica que divide o eleitorado norte-americano amplificou os já trágicos efeitos dos disparos realizados no último sábado durante o encontro entre uma deputada e seus eleitores, em Tucson, no Arizona.
Seis pessoas morreram e outras 14 ficaram feridas quando um homem de 22 anos abriu fogo contra partidários da democrata Gabrielle Giffords, que discursava num supermercado. Atingida na cabeça, ela continua internada.
O presidente Barack Obama tem tratado o episódio com razoável cautela, mas políticos e aliados do governo não hesitaram em sugerir que o discurso radical de setores da direita teria incentivado o atirador a puxar o gatilho.
Durante as discussões sobre a reforma da saúde e, mais tarde, na campanha eleitoral para a renovação do Congresso, Obama e seus aliados não raro foram apresentados pelos conservadores como inimigos da pátria, partidários de políticas ora caracterizadas como socialistas, ora como fascistas.
Uma propaganda veiculada no ano passado pelo comitê de Sarah Palin, candidata a vice-presidente na chapa republicana em 2008, utilizava imagens de alvos de tiro para instar eleitores a derrotarem postulantes democratas no pleito legislativo. Entre os nomes na alça de mira estava o de Giffords.
Acuados nos últimos meses, democratas agora exploram politicamente a infeliz peça publicitária. Afirmam que a "retórica do ódio" promovida por seus adversários fugiu ao controle e pode ter contribuído para o tiroteio de Tucson.
Projetos radicais, em regimes democráticos, são em geral fortes candidatos ao fracasso eleitoral. Como o processo político exige negociação e acomodação de interesses, a tendência é de convergência para o centro. Se nesse contexto o conservadorismo de Palin já parecia passar do ponto, o episódio do atirador ofereceu a seus rivais a chance de associá-la a posições ainda mais extremadas -tornando sua eventual candidatura à Presidência em 2012 muito improvável.
Seria um novo exagero, contudo, creditar os disparos no Arizona apenas ao acirramento do debate ideológico. Nos Estados Unidos, como se sabe, tragédias desse tipo têm se repetido, tristemente, em variadas situações.

HÉLIO SCHWARTSMAN - A segunda morte do latim

SÃO PAULO - Não bastasse os cientistas terem perpetrado o paradoxo de extinguir um animal extinto -em atenção às regras de batismo da paleontologia, o simpático brontossauro cedeu lugar ao mais rude apatossauro-, agora o novo delegado-geral de São Paulo, Marcos Carneiro, comete o desatino de matar uma língua morta ao proibir o latim nos boletins de ocorrência. "O tempora, o mores", diria Cícero.
Pode parecer piada, mas a morte de línguas é um problema real. Ninguém sabe ao certo quantos idiomas existem hoje no mundo. As estimativas vão de 4.000 a 10.000, mas 6.500 parece um bom palpite.
Tanta variação é possível porque as fronteiras entre língua, dialeto e falares regionais são tudo menos claras. A discussão tem muito de política. "Uma língua é um dialeto com um Exército e uma Marinha", como assevera o aforismo ídiche.
De todo modo, idiomas podem ser divididos em três grupos em relação a suas perspectivas de sobrevivência. São chamados de "moribundos" quando já não são aprendidos pelas crianças. De 20% a 50% estão nessa situação. Diz-se que estão "ameaçados" quando se encontram em vias de deixar de ser aprendidos por jovens. E são considerados "seguros" quando não se enquadram em nenhuma das categorias anteriores. Só 10% das línguas são robustas o bastante para se encaixar na última definição; 90% do total não chegarão ao ano 2100.
Além de delegados, o que mata um idioma é a urbanização e a lógica da utilidade. Se é mais ou menos fácil que populações isoladas permaneçam falando uma língua, a questão se complica nas cidades. No início, os filhos consideram o idioma dos pais, falado só pela família, inútil e o aprendem a contragosto. Os netos, contudo, já nem tentarão e, no espaço de duas ou três gerações, a língua perece.
Com ela, vão-se para sempre informações preciosas sobre o modo de vida e a visão de mundo de um povo. Fecha-se uma janela para a natureza humana, o que é triste.

VALDO CRUZ - Sob nova direção

BRASÍLIA - Dilma Rousseff tomou posse com o fantasma da desvalorização cambial rondando o seu gabinete, ciente de que ele pode ser a sua grande dor de cabeça na economia. Muito mais do que inflação e equilíbrio fiscal.
Nessas áreas, avalia que sua equipe já tem a receita pronta e testada para fazer as correções de rumo. A prioridade passa a ser, então, evitar um rombo nas contas externas e a perda de competitividade da indústria brasileira.
Não por outro motivo, nomeou seu amigo Fernando Pimentel para comandar o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. E logo na primeira semana de trabalho baixou medidas para conter a valorização do real.
Ao ser convidado, Pimentel recebeu a missão de colocar sua pasta de novo no centro do debate econômico. Uma mudança em relação ao governo Lula, quando o Ministério do Desenvolvimento ficou praticamente relegado a segundo plano, sem poder decisório.
Dilma deixou claro ao ministro que não vai assistir passivamente à deterioração do saldo da balança comercial, indicador de como o setor produtivo perde espaço para seus competidores externos.
Ela não deseja ter sua gestão marcada negativamente com a volta dos deficits na balança comercial. Risco ainda distante no cenário, mas que pode se tornar real caso haja queda nos preços das commodities brasileiras -que sustentam nossas exportações.
O primeiro objetivo é inverter a curva declinante do nosso comércio externo. De um saldo positivo de US$ 20 bilhões em 2010, a expectativa é que ele caia para US$ 10 bilhões neste ano. Mantido esse ritmo, um sinal de alerta acenderá no gabinete presidencial.
O risco dos riscos é cair na tentação de corrigir a inércia recente com medidas protecionistas. Pimentel diz que não, que a ordem é aumentar a produtividade da indústria. Vêm aí reduções de impostos para o setor. A conferir.

RUY CASTRO - Presença nas tragédias

RIO DE JANEIRO - Uma coisa que o ex-presidente Lula detestava era ser associado a qualquer coisa desagradável. Temia que sua presença numa catástrofe, natural ou não, fosse interpretada como ele sendo o responsável por ela, e que isso lhe custasse um ou dois pontos nos seus quase 90% de aprovação popular. Devia saber o que fazia -porque passou ao largo das tragédias e saiu invicto do governo.
Foi pena, porque, com isso, deixou de prestar solidariedade a seus eleitores vitimados no acidente da TAM, nos vazamentos da Petrobras, nas enchentes de Santa Catarina, Goiás, Rio e muitas outras. Se a omissão não lhe afetou a popularidade, sua presença no teatro dos acontecimentos talvez até lhe rendesse dividendos políticos.
Por muito menos -por ter levado alguns dias para visitar New Orleans, em 2005, quando a passagem do furacão Katrina provocou a inundação que arrasou a cidade-, o então presidente George W. Bush quase foi crucificado. Pois Lula nunca cogitou molhar os pés em situação parecida.
A primeira vez que vi um governante arregaçar as mangas e comparecer em pessoa a uma crise foi em 1961, quando Carlos Lacerda, governador da Guanabara, foi negociar no centro do pátio com os presos amotinados na penitenciária Lemos de Brito, no Rio. Entre os detentos ao seu redor estava Gregorio Fortunato, ex-chefe da guarda pessoal de Getulio Vargas e que mandara matar Lacerda em 1954, no episódio da rua Tonelero. Como toda a minha geração, eu não gostava de Lacerda, mas tive de admirar sua presença ali -era o que um homem faria.
A presidente Dilma já deu a entender que, em algumas coisas, seu estilo de governo será diferente do de seu mentor. Espera-se, portanto, que, até por ser mulher, ela compareça às catástrofes. Para sentir mais de perto o quanto as vítimas delas precisam de ajuda.

ANTONIO DELFIM NETTO - O tempo chegou

Provavelmente não há nada que tenha confundido mais a discussão sobre os efeitos da taxa de câmbio supervalorizada do que duas expressões que definem conceitos ambíguos e simplificadores: o de "doença holandesa" e o de "desindustrialização".
Poderemos, talvez, vir a sofrer a primeira doença se não atentarmos para o que nos ensinam os países que não souberam aproveitar com inteligência sua abundância de recursos naturais relativamente escassos (como é o caso do nosso petróleo do pré-sal).
Mas não se trata de uma fatalidade histórica. Poderemos, eventualmente, ser atacados pela segunda se continuarmos a repetir os erros do passado, usando a supervalorização do câmbio como instrumento oportunístico para combater a inflação, na esperança de que o sistema de câmbio flutuante garantirá, sem sobressaltos, o financiamento eterno dos deficits em conta corrente.
Enquanto a diferença entre a taxa de juros real interna e a externa continuar superior ao "risco Brasil", a taxa de câmbio nunca será o velho preço relativo que assegurava o valor do fluxo dos importados com o dos exportados.
Continuará a ser o que é hoje: um ativo financeiro nos milhões de portfólios dos agentes que frequentam o imenso mercado internacional de moeda, cerca de 20 vezes maior que o valor dos de bens e serviços comercializados.
Em 2030, teremos de dar emprego de boa qualidade a 150 milhões de pessoas, o que não será possível sem o crescimento da indústria e dos serviços dela decorrentes que o câmbio valorizado está destruindo.
Parece claro que, vista do Brasil, a supervalorização do real teria sido um pouco menor se nossa política fiscal tivesse sido mais agressiva. Mas não se deve tomar a nuvem por Juno e sugerir que esse é o único problema.
Primeiro, porque a relação entre a política fiscal e o deficit em conta corrente tem múltiplos canais. Segundo, porque, por maior que tenha sido a sessão de tortura a que os economistas submeteram os dados, o que viram (além de indecisões) é que um aumento do superavit fiscal igual a 1% do PIB parece não gerar redução maior que 0,2% ou 0,3% do PIB, do deficit em conta corrente, depois de 2/3 anos.
É tempo de perder as ilusões e de pendurar-se em modelos abstratos.
Precisamos de um programa econômico sólido, que coordene as políticas fiscal e monetária e dê musculatura e coragem ao Banco Central para -com os cuidados necessários- dar um sinal claro e crível ao mercado de que caminharemos mesmo para a redução da taxa de juro real e resolver o problema do câmbio.


ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.
contatodelfimnetto@terra.com.br

Não deixe o cine Belas Artes fechar - NABIL BONDUKI

Milhares de paulistanos estão contra o fechamento desse cinema porque se sentem ligados ao local, que é uma referência cultural e urbana



A mobilização que a notícia do fechamento do Belas Artes gerou fala por si só: o cinema é um patrimônio da cidade de São Paulo.
Seu desaparecimento seria a perda de um pedaço de nossas vidas e criará uma lacuna que São Paulo, tão desprovida de memória e de lugares significativos, não pode deixar acontecer. Milhares de paulistanos estão contra esse crime porque se sentem ligados ao local, uma referência cultural e urbana.
Não se trata de preservar a arquitetura do edifício, mas seu uso, sua importância como ponto de encontro e espaço de debate cultural. A noção contemporânea de patrimônio é clara: a comunidade, além dos especialistas, tem um papel fundamental na identificação dos bens culturais a serem protegidos.
A noção de patrimônio mudou muito desde que o Estado Novo, por meio do decreto-lei nº 25/1937, criou o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e instituiu o tombamento. Na época, prevaleceu uma visão restrita, voltada para os bens com valor arquitetônico e artístico, chamada de "patrimônio de pedra e cal".
Nessa concepção, os critérios utilizados para a seleção dos bens a serem protegidos eram os de caráter estético-estilísticos, excepcionalidade e autenticidade, valorizando a arquitetura tradicional luso-brasileira, geralmente edifícios isolados, produzida no período colonial.
O foco era a criação de uma identidade para fortalecer a construção do Estado nacional.
A partir dos anos 1970, essa noção de patrimônio se alargou para abranger sítios urbanos, manifestações de outros períodos e origens culturais e para valorizar os espaços representativos da vida social e dos hábitos cotidianos da população. Em certas situações, esses podem ser mais relevantes que monumentos de valor arquitetônico.
Valorizando o contexto urbano e edifícios utilizados pela população, essa visão reserva à comunidade um papel ativo na identificação do patrimônio. O tombamento do cine Belas Artes está respaldado no Plano Diretor Estratégico (PDE), do qual fui relator e redator do substitutivo na Câmara Municipal de São Paulo (lei nº 13.540/ 2002). O PDE incorporou integralmente essa visão contemporânea de patrimônio.
Uma das diretrizes do seu capítulo de política de patrimônio histórico e cultural é "a preservação da identidade dos bairros, valorizando as características de sua história, sociedade e cultura" (artigo 89, inciso III); uma das ações propostas é a de "incentivar a participação e a gestão da comunidade na pesquisa, identificação, preservação e promoção do patrimônio histórico, cultural, ambiental e arqueológico" (artigo 90, inciso VII).
De modo coerente com o PDE, parcela relevante da comunidade paulistana identificou um bem que faz parte da identidade de um bairro, que é característico da história e da cultura da cidade, e se mobiliza para garantir sua preservação.
Não é uma questão nova: em 2003, ocorreu uma grande comoção, que impediu o fechamento do Belas Artes e do antigo Cinearte (atual cine Livraria Cultura). Como parte daquela luta, propus uma lei que permite aos cinemas de rua o pagamento do IPTU e do ISS com ingressos, a serem utilizados pela prefeitura em programas de inclusão cultural.
Aprovada a lei e passado o sufoco, erramos ao não propor proteção legal permanente para os cinemas.
Agora, não temos tempo a perder; em poucos dias, o Belas Artes poderá ser uma ruína. A Associação Paulista de Cineastas já pediu o tombamento, pedido que eu reforço por meio deste artigo.
O Departamento de Patrimônio Histórico deve elaborar um parecer técnico e o Compresp (conselho municipal do patrimônio histórico) deve convocar reunião extraordinária, antes do final de janeiro, para aprovar o tombamento e não deixar que essa nova catástrofe ocorra em São Paulo.

NABIL BONDUKI é arquiteto, professor de planejamento urbano na FAU-USP e primeiro suplente de vereador da bancada do Partido dos Trabalhadores na cidade de São Paulo. Foi vereador de São Paulo pelo PT (2001-2004) e relator do Plano Diretor Estratégico na Câmara Municipal.

Quem ainda tem medo de cotas na TV? - MARCO ALTBERG

Hoje, assistimos na TV por assinatura a mais produções independentes estrangeiras do que à nossa própria produção independente



Aprovado na Câmara dos Deputados após três anos de intensa discussão, o projeto de lei nº 29 seguiu em 2010 para tramitação no Senado, batizado agora de PLC 116. Afinal, do que trata o PLC 116? Entre outras medidas importantes, permite a entrada das empresas de telefonia no mercado de TV por assinatura. Beirando hoje 10 milhões de assinantes, prevê-se a triplicação desse mercado.
A concorrência obrigará uma melhoria dos serviços e seu consequente barateamento. Quem ganha com isso é o consumidor, "surrado" por serviços nem sempre eficientes, com canais internacionais muitas vezes mal adaptados ao mercado brasileiro, como se fôssemos o mesmo público da Argentina ou do Paraguai, constantemente obrigado a assistir ao lixo internacional.
O Brasil mudou, cresceu, se modernizou. A TV em geral e a TV por assinatura em particular devem acompanhar essa transformação.
Isso passa pelo conteúdo brasileiro, assim como foi anos atrás com a indústria fonográfica.
Não temos que provar mais nada a ninguém: nossos filmes são assistidos por multidões. Nossas produções independentes para TV -séries, animações, documentários, programas regulares e especiais- registram alto índice de audiência.
Não faz sentido supor que o assinante brasileiro não queira se ver em sua própria tela. Esse sentimento de vergonha e de baixa estima, felizmente, parece ter ficado para trás. Temos boas histórias, bons profissionais, bons artistas. Afinal, somos brasileiros e desejamos nos ver também na TV por assinatura.
Com cota ou sem cota. Quem tem medo de uma cota simbólica de mínimas três horas e meia por semana? Na verdade, para a produção independente a cota é de apenas a metade: uma hora e 45 minutos por semana. A outra metade, segundo o projeto de lei, é de conteúdo oferecido pelos canais.
Assistimos na TV por assinatura a mais produções independentes estrangeiras do que à nossa própria produção independente.
Queremos ter espaço para os nossos conteúdos. Essa discussão toda já aconteceu ao longo desses anos em que o projeto de lei tramitou na Câmara dos Deputados, com todos os agentes desse mercado: canais abertos, canais brasileiros e internacionais por assinatura, produtores independentes, operadores, teles, governo, agências reguladoras e entidades representativas do setor, o que resultou na sua aprovação pela Câmara.
Gostaria de conclamar todos aqueles que ainda tenham resistências ao PLC 116 -que será tratado na nova legislatura do Senado no início deste ano-a se apresentar ao debate às claras, de forma transparente, sem medo da defesa legítima de seus interesses, para que, uma vez aprovada a lei no Senado, possa seguir para regulamentação e atender a todos os envolvidos.
Lembrando que o projeto prevê um período de dois anos para que o mercado se adapte. Essa é uma construção coletiva e não deveria ser uma batalha de bastidores.

MARCO ALTBERG, 57, produtor e diretor, é presidente da Associação Brasileira de Produtoras Independentes de TV.

Painel - RENATA LO PRETE

RANIER BRAGON (interino) - painel@uol.com.br

Peneira

Em novo movimento que sinaliza inflexão ao legado de José Serra, o governador Geraldo Alckmin decidiu recompor os conselhos de administração de empresas, autarquias e fundações ligadas ao Estado. As mudanças, implementadas a conta-gotas, atingirão membros escolhidos pela gestão anterior cujos mandatos ainda vigoram e que devem receber notificações solicitando o desligamento antecipado.
Hoje há cerca de 220 conselheiros, entre secretários das pastas e representantes indicados pelo governo -nessa cota, incluem-se aliados do ex-governador. Cada participante tem direito a bonificações mensais que vão de R$ 3.000 a R$ 4.500.



Ordem natural Para o Bandeirantes, a exemplo do que ocorreu na montagem do primeiro escalão, as trocas são naturais e não configuram retaliação ou atitude hostil à gestão anterior.

Mínimo Alckmin recebe amanhã, no Bandeirantes, líderes das maiores centrais sindicais. Entre os temas, estará o novo salário mínimo regional, cujo valor será definido em abril. O encontro foi organizado por Paulo Pereira da Silva, da Força Sindical, e Antônio Neto, da CGTB.

Chuvas... Ontem, enquanto São Paulo acumulava problemas devido às chuvas, o prefeito Gilberto Kassab reuniu em almoço deputados federais do DEM-SP para pedir apoio a Marcos Montes (MG) na disputa pela liderança do partido na Câmara.

...e trovoadas As enchentes que pararam a capital levaram o ministro Fernando Coelho (Integração Nacional) a programar visita às obras da calha do Tietê amanhã e a telefonar a Alckmin. Hoje chega à cidade o secretário nacional da Defesa Civil, Humberto Viana.

Ditadura O Itamaraty estuda incluir um encontro com as Mães e Avós da Praça de Mayo na agenda que Dilma Rousseff cumprirá em Buenos Aires no dia 31.

Tensão O clima pesou ontem na reunião da bancada do PT no Senado. Marta Suplicy (SP), candidatíssima à vice da Casa, insinuou que o concorrente José Pimentel (CE) teria um perfil técnico que não combinaria com o cargo: "Sou um político, acima de tudo", rebateu Pimentel. A decisão foi adiada.

Curto circuito Na reunião de segunda com Dilma e aliados, Antonio Palocci deixou clara sua irritação com a versão de que o PMDB considerava ter sido "traído" por ele nas negociações do segundo escalão. Dilma aproveitou para dar um recado: o de que PMDB e PT devem parar de brigar "pelos jornais".

Panos quentes Foi o vice-presidente Michel Temer quem articulou a reaproximação do líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), com o ministro Alexandre Padilha (Saúde). O vice encontrou Padilha no sábado, em São Paulo.

Roupa suja Após Temer abrigar ontem em seu gabinete a reunião entre PT e PMDB, um observador ironizou: "É, o varal está lotado".

Verão 1 Abriu-se na Câmara disputa pelos mandatos-tampões de janeiro. Dois suplentes preteridos entraram com requerimento na Mesa pedindo que seja seguida a decisão do Supremo de que a vaga pertence ao partido, não à coligação.

Verão 2 A Mesa deve negar o pedido, o que pode levar o caso à Justiça. Devido a ida de titulares para cargos no Executivo, até agora 38 suplentes tomaram posse como "deputados de verão", para atuar apenas nas férias legislativas de janeiro.

com LETÍCIA SANDER e FABIO ZAMBELI

tiroteio

"Os tucanos jogaram bilhões pelo ralo com as obras da calha do Tietê e da nova marginal. Com as chuvas de verão, transbordou incompetência para todo lado."

DO DEPUTADO ANTONIO MENTOR, líder do PT na Assembleia paulista, em relação às enchentes que se abateram sobre São Paulo.

contraponto

Resumindo

Ao final da entrevista coletiva em que anunciou que por veto de sua equipe médica não iria à Brasília para a posse de Dilma Rousseff, como era a sua vontade, José Alencar perguntou ao grupo de repórteres que estava no Sírio-Libanês se alguém sabia o que significava a expressão "cortar o barato".
Abrindo o sorriso, o ex-vice-presidente esclareceu:
-É que um dos meus netos me disse agora há pouco: "Ih, vô, cortaram o seu barato!"

ELIO GASPARI - É dura a vida no Arizona

Jared Loughner é um desequilibrado, mas o problema da xenofobia americana está nos sadios



ESTÁ ENTENDIDO QUE Jared Loughner, que matou seis pessoas e deu um tiro na cabeça da deputada Gabrielle Giffords, é um desequilibrado. A discussão de sua personalidade não leva longe. É mais instrutivo olhar para a política americana a partir das ações de governadores, deputados e senadores que nada têm de loucos.
Políticos republicanos de seis Estados, entre os quais o Arizona, querem cassar a cidadania dos filhos americanos de imigrantes que entraram ilegalmente nos Estados Unidos. Só em 2008 nasceram 340 mil. A iniciativa é inconstitucional, mas, para o Tea Party, atrai votos.
A Constituição americana, como a brasileira, dá a cidadania a quem nasce na terra.
Numa nação de imigrantes, a intolerância de parte da sociedade já perseguiu negros, católicos, irlandeses, chineses, coreanos e japoneses. A bola da vez, há tempos, são os latinos. Eles formam a maioria dos 12 milhões de estrangeiros que trabalham no país sem a devida documentação. (Talvez 700 mil sejam brasileiros.)
O chefe do setor de cirurgia onde Gabrielle Giffords foi operada chama-se Peter Rhee, e o delegado local, David Gonzalez. Ambos descendem de imigrantes vindos de regiões vistas com desprezo pelos nativistas radicais americanos.
O diretor da rede escolar pública de Tucson quer fechar os cursos de história e cultura latinas. Entre os livros que pretende tirar dos currículos está a "Pedagogia do Oprimido", de Paulo Freire. Cidadãos do Estado organizam-se em milícias para patrulhar a fronteira com o México. Uma delas é filonazista.
Gabrielle Guifford combateu a legislação xenófoba, apoiou propostas racionais para resolver o problema e elegeu-se três vezes, num distrito conservador. Jovem, atraente, casada com astronauta, ex-republicana, dona de uma pistola Glock 9mm., motociclista batalhadora pela revogação das leis que obrigam ao uso do capacete, é tão americana como a torta de maçã.
O desequilíbrio de Jared Loughner expôs a teatralidade e a violência da recente xenofobia americana. Ela acordou no 11 de Setembro e ceva-se na Grande Recessão. Depois dos tiros de sábado, a cidade de Tucson e o Arizona atraíram para si a maldição que caiu no século passado sobre Dallas e o Texas, quando outro desequilibrado matou o presidente John Kennedy.
É dura a vida no Arizona. Qualquer estrangeiro de aparência suspeita pode ser parado na rua. Se não tiver os papéis, será deportado. A cadela afegã Target, festejada pela tropa por ter farejado um homem-bomba em Dand Aw Patan, foi levada para uma pequena cidade do Estado. Um dia, saiu para a rua. Não tinha chip, coleira nem registro. Era um quadrúpede ilegal e levaram-na para o canil público. O dono localizou-a pela internet, pagou a taxa devida e foi buscá-la. Tarde, ela fora posta para dormir, "por engano".

ERRO
Estava errada a informação publicada no domingo pelo signatário, segundo a qual Marisa, a mulher de Lula "contou que" solicitou a cidadania italiana a pedido dos filhos "no caso de se precisar". Uma tradução perneta, de 2005, de uma reportagem do "Corriere della Sera" transformou ""ninguém quer ir embora do Brasil, é só uma oportunidade, fez questão de precisar", em "é só uma oportunidade, no caso de se precisar". Nada a ver.