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O Brasil nos quadros do Sistema Colonial Mercantilista

 

O sistema colonial é o conjunto de relações entre as metrópoles e suas respectivas colônias em uma determinada época histórica. O sistema colonial que nos interessa abrangeu o período entre o século XVI e o século XVII, ou seja, faz parte do Antigo Regime da época moderna e é conhecido como antigo sistema colonial.

Segundo o seu modelo teórico típico, a colônia deveria ser um local de consumo (mercado) para os produtos metropolitanos, de fornecimento de artigos para a metrópole e de ocupação para os trabalhadores da metrópole. Em outras palavras, dentro da lógica do “Sistema Colonial Mercantilista” tradicional, a colônia existia para desenvolver a metrópole, principalmente através do acúmulo de riquezas, seja através do extrativismo ou de práticas agrícolas mais ou menos sofisticadas. Uma Colônia de Exploração, como foi o caso do Brasil para Portugal, tem basicamente três características, conhecidas pelo termo técnico de “plantation”:

_ Latifúndio: as terras são distribuídas em grandes propriedades rurais

_ Monocultura voltada ao mercado exterior: há um “produto-rei” em torno do qual toda a produção da colônia se concentra (no caso brasileiro, ora é o açúcar, ora a borracha, ora o café...) para a exportação e enriquecimento da metrópole, em detrimento da produção para o consumo ou o mercado interno.

_ Mão-de-obra escrava: o negro africano era trazido sobre o mar entre cadeias e, além de ser mercadoria cara, era uma mercadoria que gerava riqueza com o seu trabalho...

 

O sentido da colonização – A atividade colonizadora européia aparece como desdobramento da expansão puramente comercial. Passou-se da circulação (comércio) para a ­produção, No caso português, esse movimento realizou-se através da agricultura tropical. Os dois tipos de atividade, circulação e produção, coexistiram. Isso significa que a economia colonial ficou atrelada ao comércio europeu. Segundo Caio Prado Jr., o sentido da colonização era explícito: "fornecer produtos tropicais e minerais para o mercado externo".

Assim, o antigo sistema colonial apareceu como elemento da expansão mercantil da Europa, regulado pelos Interesses da burguesia comercial. A conseqüência lógica, segundo Fernando A. Novais, foi a colônia transformar-se em instrumento de poder da metrópole, o fio condutor, a prática mercantilista, visara essencialmente o poder do próprio Estado.

 

As razões da colonização – A centralização do poder foi condição para os países saírem em busca de novos mercados, organizando-se, assim, as bases do absolutismo e do capitalismo comercial. Com isso, surgiram rivalidades entre os países. Portugal e Espanha ficaram ameaçados pelo crescimento de outras potências. Acordos anteriores, como o Tratado de Tordesilhas (1494) entre Portugal e a Espanha, começaram a ser questionados pelos países em expansão.

A descoberta de ouro e prata no México e no Peru funcionou como estímulo ao início da colonização portuguesa. Outro fator que obrigou Portugal a investir na América foi a crise do comércio indiano. A frágil burguesia lusitana dependia cada vez mais da distribuição dos produtos orientais feita pelos comerciantes flamengos (Flandres), que impunham os preços e acumulavam os lucros.

 

Capitanias hereditárias – Em 1532, quando se encontrava em São Vicente, Martim Afonso recebeu uma carta do rei anunciando o povoamento do Brasil através da criação das capitanias hereditárias. Esse sistema já havia sido utilizado com êxito nas possessões portuguesas das ilhas do Atlântico (Madeira, Cabo Verde, São Tomé e Açores).

O Brasil foi dividido em 14 capitanias hereditárias, 15 lotes (São Vicente estava dividida em 2 lotes) e 12 donatários (Pero Lopes de Sousa era donatário de 3 capitanias: Itamaracá, Santo Amaro e Santana). Porém, a primeira doação ocorreu apenas em 1534.

Entre os donatários não figurava nenhum nome da alta nobreza ou do grande comércio de Portugal, o que mostrava que a empresa não tinha suficiente atrativo econômico. Somente a pequena nobreza, cuja fortuna se devia ao Oriente, aqui aportou, arriscando seus recursos. Traziam nas mãos dois documentos reais: a carta de doação e os forais. No primeiro o rei declarava a doação e tudo o que ela implicava. O segundo era uma espécie de código tributário que estabelecia os impostos.

Nesses dois documentos o rei praticamente abria mão de sua soberania e conferia aos donatários poderes amplíssimos. E tinha de ser assim, pois aos donatários cabia a responsabilidade de povoar e desenvolver a terra à própria custa. O regime de capitanias hereditárias desse modo, transferia para a iniciativa privada a tarefa de colonizar o Brasil. Entretanto, devido ao tamanho da obrigação e à falta de recursos, a maioria fracassou. Sem contar aqueles que preferiram não arriscar a sua fortuna e jamais chegaram a tomar posse de sua capitania. No final, das catorze capitanias, apenas Pernambuco teve êxito, além do sucesso temporário de São Vicente. Quanto às demais capitanias, malograram e alguns dos donatários não só perderam seus bens como também a própria vida.

Estava claro que o povoamento e colonização através da iniciativa particular era inviável. Não só devido à hostilidade dos índios, mas também pela distância em relação à metrópole, e sobretudo, pelo elevado investi­mento requerido.

 

Governo geral (1549) – Em 1548, diante do fracasso das capitanias, a Coroa portuguesa decidiu tomar medidas concretas para viabilizar a colonização. Naquele ano foi criado o governo-geral com base num instrumento jurídico denominado Regimento de 1548 ou Regimento de Tomé de Sousa. O objetivo da criação do governo-geral era o de centralizar política e administrativamente a colônia, mas sem abolir o regime das capitanias.

No regimento o rei declarava que o governo-geral tinha como função coordenar a colonização fortalecendo as capitanias contra as ações adversas, destacando-se particular­mente a luta contra os tupinambás.

A compra da capitania da Bahia pelo rei, transformando-a numa capitania real é sede do governo-geral foi o primeiro passo para a transformação sucessiva das demais capitanias hereditárias em capitanias reais, Por fim, no século XVIII, durante o reinado de D. José I (1750 - 1777) é do seu ministro marquês de Pombal, as capitanias hereditárias foram extintas

Com a criação do governo-geral, estabeleceram-se também cargos de assessoria: ouvidor­-mor (justiça), provedor-mor (fazenda) e capitão-mor (defesa). Cada um desses cargos possuía, ademais, um regimento próprio e, no campo restrito de sua competência era a autoridade máxima da colônia. Assim, com a criação do governo-geral, desfazia-se juridicamente a supremacia do donatário.

 

Tomé de Sousa (1549-1553) – O primeiro governador-geral foi Tomé de Sousa. Com ele vieram todos os funcionários necessários à administração e também os primeiros jesuítas chefiados por Manuel da Nóbrega. Começava, então, a obra evangelizadora dos indígenas e, em 1551, criava-se em Salvador o primeiro bispado no Brasil, sendo o primeiro bispo D. Pero Fernandes Sardinha. Com o segundo governa­dor viria ainda outro contingente de jesuítas, entre eles, José de Anchieta

Apesar de representar diretamente a Coroa, algumas capitanias relutaram em acatar a autoridade do governador-geral tais como as de Porto Seguro, Espírito Santo, Ilhéus, São Vicente e Pernambuco. Esta última, de Duarte Coelho, foi a que mais se ressentiu da intromissão do governo-geral. Recusando a autoridade do governador-geral o donatário de Pernambuco apelou para o rei, que o favoreceu reafirmando a sua autonomia.

 

Consolidação do governo-geral – Duarte da Costa (1553 – 1558), que viera em substituição a Tomé de Sousa, enfrentou várias crises e sua estada no Brasil foi bastante conturbada.Desentendeu-se com o bispo D. Pero Fernandes Sardinha e teve de enfrentar os primeiros conflitos entre colonos e jesuítas acerca da escravidão indígena. Além disso, foi durante o seu governo que a França começou a tentativa de implantação da França Antártica no Rio de Janeiro.

Esses problemas foram solucionados pelo terceiro governador-geral, Mem de Sá (1558-1512). Com ele, finalmente, se consolidou o governo-geral e os franceses foram expulsos.

 

Predomínio dos poderes locais – Todavia, apesar da tendência centralizadora do governo-geral, a centralização jamais foi completa na colônia. Vários obstáculos podem ser mencionados.  O primeiro deles estava na própria característica econômica da colônia. A sua economia era de exportação, voltada para o mercado externo. O comércio entre as capitanias era praticamente nulo. Além disso, as vias de comunicação inter-regionais eram inexistentes ou muito precárias.

Daí a predominância dos poderes locais representados pelos grandes proprietários. Até meados do século XVII, as câmaras municipais eram ocupadas e dominadas por esses grandes proprietários, que se autodenominavam "homens bons".

 

Evolução administrativa ate 1580 – D. Luís Fernandes de Vasconcelos, nomeado sucessor de Mem de Sá foi atacado por piratas franceses que impediram a sua chegada ao Brasil.

Nessa época, a preocupação com a conquista do Norte fez com que o rei de Portugal, D. Sebastião (1557 - 1578), dividisse, em 1572, o Brasil em dois governos. O norte ficou com D. Luís de Brito e Almeida e o sul com Antônio Salema tendo como capitais, respectivamente, a Bahia e o Rio de Janeiro

Em virtude do tamanho do Brasil, almejava-se com essa divisão maior eficiência administrativa. Entretanto, como esse objetivo não fora alcançado, a administração foi reunificada em 1578. O novo governador nomeado, Lourenço da Veiga, governou de 1578 a 1580. Nesta última data, Portugal foi anexado pela Espanha, dando origem à União Ibérica, que perdurou de 1580 a 1640.

 

A Base Econômica da Colonização

 

O Açúcar – Ao contrário dos espanhóis, os portugueses não tiveram a sorte de topar, logo de inicio, com minas de metais preciosos. Por isso, a fim de não perderem a posse da terra, foram forçados a optar pela colonização de base agrícola. E nisso Pernambuco foi um importante modelo.

Os portugueses não eram propriamente inexperientes na cultura açucareira pois já a praticavam nas ilhas do Atlântico (Açores e Cabo Verde).

O açúcar é de origem indiana. Na época das Cruzadas ele foi introduzido na Europa e chegou a ser produzido, embora em escala modesta, na Sicília (sul da Itália). Trazido da Índia, o açúcar es distribuído por Veneza. Devido á sua raridade e ao seu elevado preço, o açúcar era comprado e consumido em pequenas quantidades.

A grande revolução no mercado açucareiro ocorreu com a produção das ilhas do Atlântico, cuja distribuição na Europa foi dada à Holanda, que, assim, quebrou o monopólio veneziano. É nesse contexto que irá se dar a produção brasileira.

 

Forma de ocupação da terra: a grande propriedade – Desde a instalação das capitanias hereditárias, os donatários estavam obrigados a distribuir terras para promover o povoamento e iniciar a valorização econômica da colônia. Dava-se o nome de sesmarias às terras assim distribuídas. Ao sesmeiro (quem recebia a sesmaria) cabia a propriedade plena da terra, sem nenhum vínculo de dependência pessoal. Assim, o falo de receber uma sesmaria do donatário não convertia ninguém em vassalo desse donatário, como era comum no regime feudal.

Era dever do sesmeiro ocupar efetivamente a terra e fazê-la produzir no prazo máximo de cinco anos. O não-cumprimento dessa cláusula implicaria uma multa e, em caso extremo, na perda da sesmaria. Por isso, a sesmaria era concedida apenas àqueles que comprovassem dispor de recursos suficientes para tornar a terra produtiva.

Uma sesmaria tinha em médIa uma a quatro léguas (entre 6 e 24 quilômetros) e através dela a Coroa esperava atrair pessoas de posse e povoadores. E, de fato, os sesmeiros transformaram-se na camada dominante colonial dos "homens bons".

 

O engenho como unidade produtora – O engenho não era apenas o local de fabrico do açúcar. Por esse termo entendia-se a grande Iavoura, que era uma unidade produtora típica da colônia, em que se produzia não apenas o açúcar, mas tudo mais de que se necessitava.

De acordo com Antonil – jesuíta do inicio do século XVIII –, havia dois tipos de engenho: os engenhos reais, movidos á água, e os trapiches, que utilizavam tração animal (cavalos e bois).

O engenho era composto por casa-grande, senzala, casa do engenho e capela.

A casa-grande era a residência do senhor de engenho. A senzala era a habitação dos escravos. Um engenho de porte médio contava com cinqüenta escravos; nos grandes, a cifra subia para algumas centenas.

Muitos engenhos possuíam destilarias: local de produção de aguardente usada no escambo de escravos na África. Alguns existiam exclusivamente para esse fim: as engenhocas ou molinetes, de proporções menores e menos dispendiosas.

As terras do engenho eram formadas por canaviais, pastagens e áreas dedicadas ao cultivo de alimentos. A parte destinada ao cultivo da cana era dividida em partidos, explorados ou não pelo proprietário.

No segundo caso, as terras eram cedidas aos lavradores, que eram obrigados a moer sua produção no engenho do proprietário. Eram as chamadas fazendas obrigadas, nas quais o lavrador recebia apenas a metade da sua produção em açúcar e ainda pagava o aluguel pela utilização da terra.

Existiam também os lavradores livres, proprietários de suas próprias terras, que moíam a sua cana em qualquer engenho, mas ao preço de deixar nas mãos do senhor de engenho a metade do açúcar produzido.

Os lavradores livres e de fazendas obrigadas não eram camponeses, mas senhores de terras e escravos e, como tais, pertenciam à camada dominante da sociedade.

 

Especialização da economia: a monocultura – A agricultura canavieira tinha um caráter extensivo: o seu crescimento se dava pela incorporação de novas terras de cultivo e não     pela melhoria técnica.

A economia colonial, especializada na produção açucareira, era dependente dos estímulos externos, que faziam contrair ou expandir as áreas de cultivo. Nos períodos em que o mercado europeu mostrava-se particularmente favorável, a totalidade da área de cultivo era ocupada pelo canavial e toda energia voltava-se para o trabalho do setor principal, abandonando-se muitas vezes a cultura de subsistência. Esse fenômeno possibilitou o      surgimento de uma agricultura que passou a fornecer, nessas circunstâncias, os produtos alimentares aos moradores dos engenhos. A base desse setor de subsistência era a mandioca.

Ao mesmo tempo, desenvolvia-se a pecuária, cuja origem remontava ao governo de Tomé de Sousa, que trouxe algumas cabeças de gado e continuou a importá-las de Cabo Verde. Primitivamente o gado era utilizado como força de tração e transporte. Tração nos engenhos trapiches e transporte de lenha para os fornos e das caixas de açúcar até os locais de           embarque. Com o gradual aumento do rebanho, o gado começou a ser utilizado também como fonte de alimentação.

De inicio, o gado criado no próprio engenho. Com a multiplicação do rebanho, o senhor de engenho foi obrigado a separar o gado do canavial e, na etapa seguinte, a pecuária tornou-se uma atividade independente do engenho. Os seus criadores penetraram no sertão em busca de pasto. Saindo da Bahia e de Pernambuco, seguindo sempre as margens dos rios, o gado tomou duas direções: uma delas para o sul, pelo rio São Francisco em direção a Minas Gerais, e a outra para o norte, através de vários rios, atingindo o Maranhão.

A atividade criatória teve, assim, importantes conseqüências para a colônia, ao estimular a penetração no sertão nordestino, interiorizando o processo colonizador.

Constituição do Escravismo Colonial

 

O primado da fé – No século XVI, quando teve início o povoamento do Brasil, a sociedade portuguesa era ainda estamental. Aceitava-se, por principio, a sua divisão em nobres e plebeus. Os povoadores que aqui chegaram, em sua maioria de origem plebéia, viam a nobreza como modelo ideal e aspiravam atingir no Brasil essa condição.

Assim, na época em que se iniciava a colonização, os povoadores tinham como valores a fé, a honra e o interesse, nessa ordem. A fé era representada pela Igreja e pelo clero. A honra, pela nobreza. E o interesse, pelos comerciantes. A busca do interesse próprio, ou lucro, não deveria estar acima da fé e da honra. Exemplo: se um povoador escravizasse os índios buscando explorá-los sem se preocupar em cristianizá-los, e através da riqueza assim obtida procurasse igualar-se à nobreza, esse povoador seria considerado um homem cobiçoso. O interesse convertia-se, em tal circunstância, em cobiça – que era tida como um vício muito grave.

Oficialmente, o povoamento do Brasil não fui encarado como um empreendimento comercial. D. João III (1521-1557) disse, aliás claramente, que "a principal coisa que me moveu a mandar povoar as ditas terras do Brasil foi para [que a] gente dela se convertesse à nossa santa fé". Manuel da Nóbrega, numa carta a Tomé de Sousa, escreveu que a intenção de D. João III não foi povoar tanto por esperar da terra ouro nem prata que não os tem, nem tanto pelo interesse de povoar e fazer engenhos, nem por onde agasalhar os portugueses que lá em Portugal sobejam e não cabem, quanto por exaltação da fé católica e salvação das Almas".

Essas seguidas declarações não oram palavras vazias, Os jesuítas colocaram-nas em prática.

 

Jesuítas contra povoadores – Os jesuítas levaram a sério o caráter missionário que o rei de Portugal quis imprimir ao povoamento do Brasil. Com isso, muito cedo os jesuítas chocaram-se com os povoadores na questão da escravização do indígena.

Para se compreender a posição dos jesuítas, é preciso analisar com muita atenção os seus objetivos.

Os jesuítas não eram contrários à escravização do índio, mas se opunham à sua escravização indiscriminada, como pretendiam os colonos.

Para os jesuítas, a escravidão deveria ter um objetivo religioso e não econômico. Escravizar para cristianizar e não para obter apenas lucro. E, como os colonos pretendiam escravizar os índios tendo em vista exclusivamente o próprio interesse, tal atitude foi interpretada pelos jesuítas como expressão da cobiça que eles condenavam.

Porém, para cristianizar os índios, os jesuítas compreenderam muito rapidamente que, antes, era preciso dominá-los, através de meios violentos se fosse preciso.

O rei de Portugal colocou-se, em princípio, a favor dos jesuítas, pois a escravização indiscriminada dos índios pelos colonos era muito arriscada: a ameaça constante de revolta dos índios aconselhava prudência.

Manter tanto quanto possível não só os índios mas também os povoadores em paz e ordem, a fim de que os indígenas participassem do comércio e, finalmente, se convertessem à fé católica, vinha a ser o objetivo último e declarado do Estado português

Como os jesuítas, o rei não era contrario à escravidão, Concordou que a escravização se limitasse aos índios hostis e inimigos aprisiona­dos em “guerra justa”. E chamava-se "guerra justa" a que fosse feita com a som autorização. Os índios aliados foram declarados livres e os cristianizados não podiam ser escravizados.

Todavia. em reconhecimento à necessidade de braços para a lavoura, a legislação foi várias vezes alterada, mas permaneceu o fato de que o Estado estabelecia, de um modo ou de outro, restrições a livre escravização dos índios.

Os colonos sempre encontraram meios para burlar a legislação e escravizar ou manter no cativeiro os índios protegidos por lei. Mas a verdade é que a atuação enérgica dos jesuítas e as restrições legais continuaram como obstáculo perturbador aos objetivos dos colonos.

Apesar de tudo, o trabalho indígena foi amplamente utilizado no processo de montagem da economia açucareira. À medida que essa economia começou a se expandir, ampliou-se constantemente a necessidade de mão-de-obra, cujo fornecimento requeria alguma regularidade.

Tudo isso acabou pesando na decisão de substituir o índio pelo africano.

 

O tráfico negreiro – Estabelecer regras claras e restritivas de acesso à mão-de-obra indígena tinha o sentido de refrear a cobiça dos povoadores, entendendo-se por isso o estabelecimento de limites para a ação econômica, a fim de que o amor a Deus não fosse substituído pelo amor à riqueza.

A solução para esse problema, que obstruía os interesses dos colonos, mas também da burguesia comercial metropolitana, foi o tráfico negreiro, que articulou os interesses de ambos.

Mais ainda: o tráfico negreiro solucionou o problema em todas as frentes. Trazendo da África os trabalhadores necessários para o engenho, retirou-se dos jesuítas o principal de seus argumentos contra a escravização. O Esta­do português, por sua vez, abandonou a sua política indigenista em favor de uma política colonial.

De início, o tráfico negreiro era feito sob direta administração da Coroa ou mediante venda de licenças a particulares, cobrada segundo uma taxa estipulada por ‘peça’ de escravos, ou, ainda, pelo arrendamento de áreas defini­das. Porém, a Coroa não se empenhou nunca, com seriedade, em tomar a si o encargo de traficar diretamente, de maneira que esse comércio sempre esteve sob a iniciativa de particulares, destacando-se os portugueses de ascendência judaica.

Convém observar, entretanto, que o tráfico de escravos existiu em Portugal em período bem anterior a colonização do Brasil. Os dados cronológicos variam, mas sabe-se que em 1448 já havia um comércio regular de escravos em Portugal. Mais tarde, escravos foram vendidos também na Espanha.

Na África, as áreas de procedência dos negros os subdividiam em dois grandes grupos étnicos: os bantos, capturados na África equatorial e tropical, na Guiné, no Congo e em Angola, e os sudaneses, da África oriental, do Sudão, do norte da Guine e de Moçambique.

Entre os anos 1580 e 1590 existiam perto de 10 mil escravos africanos em Pernambuco e 4 mil na Bahia. Entre 1500 e 1600, o número total de africanos no Brasil não ultrapassava 50 mil. No século XVII, o número elevou-se para 560 mil e no século seguinte já eram 1 891 400 escravos africanos. Entre 1811 e 1870 a cifra caiu para 1 145 400, totalizando 3 646 800 escravos africanos trazidos ao longo de todo o período colonial. Até 1640, os portugueses eram virtualmente os donos absolutos do tráfico, quando então holandeses, ingleses e franceses entraram no negócio.

A substituição do escravo índio pelo africano ganhou impulso no final do governo de Mem de Sá, por volta de 1570, e já em 1630 tinha se tomado tem processo irreversível.

 

Escravismo colonial – À medida que o tráfico negreiro se intensificou e se transformou num elemento estrutural da colonização, a escravidão foi se convertendo em escravismo, portanto num sistema.

            O escravismo colonial, diferentemente do escravismo antigo, greco-romano, foi estruturalmente mercantil, porque a produção açucareira estava voltada ao mercado, almejando o lucro. Os escravos eram produtores de mercadorias a serem vendidas pelos senhores de engenho.

            Por outro lado, o próprio escravo era adquirido através do comércio entre senhores de engenho e traficantes que pertenciam a burguesia metropolitana.

            Portanto, o escravismo colonial estruturou-se como sistema integrando três camadas sociais: o escravo, o senhor de engenho e a burguesia metropolitana, na qual se inclui o traficante de escravos.

            Como o próprio nome indica, o escravismo colonial é um sistema que se baseia numa dupla exploração: a escravista e a colonial. E, conforme se observa no esquema:

    A exploração escravista refere-se à exploração dos senhores de engenho sobre os escravos. Teoricamente, os grandes beneficiários seriam os senhores de engenho. Ocorre, entretanto, que, tendo a exploração um caráter colonial, a maior parte da riqueza acabava se transferindo para as mãos da burguesia mercantil e, também, para o Estado metropolitano.

O sistema colonial – A relação comercial entre Brasil e Portugal foi regulamentada pelo Estado, de acordo com o espírito mercantilista. A mais importante medida estabelecida pelo rei foi o exclusivo metropolitano, conforme expressão da própria época, que obrigava o Brasil a fazer o comércio “exclusivamente” com Portugal.

            Privado assim da liberdade comercial, os senhores de engenho eram forçados a vender a sua produção açucareira aos comerciantes portugueses e a comprar deles, com exclusividade, as suas manufaturas.

            A principal conseqüência disso foi que a burguesia metropolitana tinha condições de impor tanto o preço de compra do açúcar, quanto o de venda de seus produtos manufaturados. Desse modo, ocorria uma dupla exploração colonial: a burguesia metropolitana comprava o açúcar a preço abaixo do mercado e vendia os seus produtos a preços acima do mercado. Por fim, esse mesmo açúcar era revendido tanto em Portugal quanto na Europa a preço de mercado, elevando ainda mais o lucro dos comerciantes portugueses.

            Portanto, o que chamamos de escravismo colonial era um sistema complexo de dominação composto, essencialmente, pelos seguintes elementos: exploração escravista e expropriação colonial apoiadas pela dominação política.

 
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