Revolução Federalista

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Revolução Federalista
Gumercindo tropa.jpg
Os principais lideres da revolução; Gumercindo ao lado de Aparício, ambos ao centro, na Revolução Federalista 1894.
Período 1893-1895
Local Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná
Resultado Vitória Governamental
Causas Descentralização do poder
Adoção de um sistema Federal e Parlamentar
Derrubar o então governador; Júlio de Castilhos.
Participantes do conflito
Rio Grande do Sul Maragatos
Voluntários Castelhanos(Uruguai)
Brasil Pica-paus
Líderes
Rio Grande do Sul Gaspar da Silveira Martins
Rio Grande do Sul Gumercindo Saraiva
Aparício Saraiva
Brasil Júlio de Castilhos
Forças
Rebeldes gaúchos Exercito brasileiro
Baixas
~10,000 entre militares e civis

A Revolução Federalista foi uma guerra civil que ocorreu no sul do Brasil logo após a Proclamação da República. Instada pela crise política gerada pelos federalistas, grupo opositor que pretendia "libertar o Rio Grande do Sul da tirania de Júlio de Castilhos", então presidente do Estado, e também conquistar uma maior autonomia e descentralizar o poder da então recém proclamada República.[1]

Empenharam-se em disputas sangrentas que acabaram por desencadear a luta armada, que durou de fevereiro de 1893 a agosto de 1895 e foi vencida pelos seguidores de Júlio de Castilhos.[2]

O conflito atingiu os três estados da região: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

Contexto[editar | editar código-fonte]

Pinheiro Machado, idealista da República

Durante o século XIX, o estado do Rio Grande do Sul esteve em permanente estado de guerra. Na Revolução Farroupilha (1835-1845) e na Guerra do Paraguai (1864-1870), a população gaúcha foi devastada. Nos últimos anos do Império, surgiram na região três lideranças políticas antagônicas: o liberal Assis Brasil, o conservador Pinheiro Machado e o positivista Júlio Prates de Castilho. Os três se reuniram para fundar o Partido Republicano Rio-grandense, que fazia oposição ao Partido Federalista do Rio Grande do Sul, fundado e liderado pelo liberal monarquista Gaspar Silveira Martins. Em 1889, com a Proclamação da República, essas correntes entraram em conflito, de forma que em apenas dois anos o estado teria dezoito governadores.[3]

A Constituição Estadual de 1891 e um panorama de Júlio Prates de Castilhos[editar | editar código-fonte]

Júlio de Castilhos, fundador e líder do Partido Republicano Rio-Grandense
Gaspar da Silveira Martins, fundador do Partido Federalista do Rio Grande do Sul

Júlio Prates de Castilhos nasceu e cresceu em uma estância gaúcha e estudou Direito em São Paulo, onde teve contato com as ideias positivistas de Auguste Comte. Depois de formado, retornou à sua terra e passou a escrever no jornal A Federação, atacando o Império, a escravidão e seu adversário político Gaspar Silveira Martins. Foi deputado constituinte em 1890-1891, e acreditava em uma fase ditatorial para consolidar a República e defendeu uma forte centralização do poder no ditador republicado. Derrotado na constituinte nacional, implantou essa ideia na constituição estadual, meses mais tarde, em um texto que redigiu praticamente sozinho, ignorando sugestões da comissão de juristas destacada para a tarefa, e aprovou-o, em julho de 1891, em uma assembleia estadual controlada pelo Partido Republicano Rio-grandense, liderado por ele e de orientação positivista.[2] A constituição estadual previa que as leis não seriam elaboradas pelo Parlamento, mas pelo chefe do Executivo, que poderia ser reeleito para novos mandatos. Como o voto não era secreto, as eleições seriam facilmente manipuladas pelos adeptos de Castilhos, o que lhe garantiria permanecer no poder indefinidamente.

No mesmo mês em que aprovou sua constituição, foi eleito governador. Em novembro, por ter apoiado o golpe de Deodoro e o fechamento do Congresso, foi deposto e substituído por uma junta de governo, que durou pouco e logo passou o governo ao general Barreto Leite. Castilhos retomou um governo paralelo e foi reeleito em um pleito sem concorrentes, tomando posse em janeiro de 1893. Nesse momento, o estado era o "ponto nevrálgico da República" e a resposta dos adversários era iminente.[3]

Um panorama de Gaspar da Silveira Martins[editar | editar código-fonte]

Gaspar da Silveira Martins, intelectual e bom orador, havia sido nomeado ministro por Dom Pedro II em um de seus últimos atos, em uma tentativa de salvar a monarquia. Preso e exilado na Europa, retornou em 1892, com o estado já sob o governo de Júlio de Castilhos e fundou o Partido Federalista do Rio Grande do Sul, que defendia o sistema parlamentar de governo e a revisão da constituição estadual. Com a posse de Castilhos, o caudilho Gumercindo Saraiva também retornaria ao estado, vindo de seu refúgio no Uruguai e liderando uma tropa de quinhentos homens. Um segundo grupo, comandado pelo general Joca Tavares, ocupou outra região do estado com uma força de três mil homens. Ameaçado, o governador convenceu o presidente Floriano Peixoto de que o levante era uma tentativa de Silveira Martins de restaurar a monarquia.

Pica-paus e Maragatos[editar | editar código-fonte]

Os seguidores de Gaspar da Silveira Martins, gasparistas ou maragatos, eram frontalmente opostos aos seguidores de Júlio de Castilhos, castilhistas, pica-paus ou ximangos.

Os defensores de Júlio de Castilhos receberam a alcunha de pica-paus ou ximangos, em razão da cor do uniforme usado pelos soldados que defenderam essa facção, que se assemelhavam às dos pássaros da região. Esta denominação se estendeu a todos os castilhistas, inclusive civis.

Já o termo maragato, que foi usado para se referir à corrente política que defendia Gaspar da Silveira Martins, tem uma explicação mais complexa:

"Na província de León, Espanha, existe uma comarca denominada Maragateria, cujos habitantes têm o nome de maragatos, e que, segundo alguns, é um povo de costumes condenáveis;[1] pois, vivendo a vagabundear de um ponto a outro, com cargueiros, vendendo e comprando roubos e por sua vez roubando principalmente animais; são uma espécie de ciganos. " (Romaguera).

Os maragatos espanhóis eram eminentemente nômades, e adotavam profissões que lhes permitissem estar em constante deslocamento.[2]

No Uruguai eram chamados de maragatos os habitantes da cidade de San José de Mayo, Departamento de San José, talvez porque os seus primeiros habitantes fossem descendentes dos maragatos espanhóis, que foram responsáveis por trazer para a região do rio da Prata o costume da bombacha.[4]

Na época da revolução, os republicanos legalistas usavam esta apelação como pejorativa, com o sentido de "mercenários". A realidade oferecia alguma base para essa assertiva — o caudilho Gumercindo Saraiva, um dos líderes da revolução, havia entrado no Rio Grande do Sul vindo do Uruguai pela fronteira de Aceguá, no Departamento de Cerro Largo, comandando uma tropa que incluía naturais daquele país. A família de Gumercindo, embora de origem portuguesa, possuía campos em Cerro Largo. No entanto, dar esse apelido aos revolucionários foi um tiro que saiu pela culatra. A denominação granjeou simpatia, e os próprios rebeldes passaram a se denominar "maragatos". Em 1896, chegaram a criar um jornal que levava esse nome.

O conflito[editar | editar código-fonte]

Início[editar | editar código-fonte]

General Silva Tavares, chefe dos federalistas.

As desavenças iniciaram-se com a concentração de tropas sob o comando do maragato João Nunes da Silva Tavares, o Joca Tavares, barão de Itaqui em campos da Carpintaria, no Uruguai, localidade próxima a Bagé.[5]

Logo após o potreiro de Ana Correia, vindo do Uruguai em direção ao Rio Grande do Sul, encontrava-se o coronel caudilho federalista Gumercindo Saraiva.

Eficientemente, os maragatos dominaram a fronteira, exigindo a deposição de Júlio de Castilhos, que havia sido eleito presidente do estado pelo voto direto. Havia também o desejo de um plebiscito onde o povo deveria escolher o sistema de governo.

Devido à gravidade do movimento, a rebelião adquiriu âmbito nacional rapidamente, ameaçando a estabilidade do governo rio-grandense e o regime republicano em todo o país.[5] Floriano Peixoto, então na presidência da República, enviou tropas federais sob o comando do general Hipólito Ribeiro para socorrer Júlio de Castilhos.

Foram estrategicamente organizadas três divisões, chamadas de legalistas: a do norte, a da capital e a do centro. Além destas, foi convocada a polícia estadual e todo o seu contingente para enfrentar o inimigo.

A primeira vitória dos maragatos foi em maio de 1893, junto ao arroio Inhanduí, em Alegrete, município sul-rio-grandense. Neste combate ao lado dos Pica-paus legalistas participou o senador Pinheiro Machado,[2] que tinha deixado a sua cadeira no Senado Federal para organizar a Divisão do Norte, a qual liderou durante todo o conflito.[6]

Principais combates[editar | editar código-fonte]

Os Maragatos vão ao Norte[editar | editar código-fonte]

Gumercindo Saraiva

Gumercindo Saraiva e sua tropa dirigiram-se para Dom Pedrito. De lá iniciaram uma série de ataques relâmpagos contra vários pontos do estado, desestabilizando as posições conquistadas pelos Republicanos.

Em seguida rumaram ao norte, avançando em novembro sobre Santa Catarina e chegando ao Paraná, sendo detidos na cidade da Lapa, a sessenta quilômetros a sudoeste de Curitiba. Nesta ocasião, o Coronel Carneiro morreu em fevereiro de 1894 sem entregar suas posições ao inimigo, no episódio que ficou conhecido como o Cerco da Lapa.[1] A obstinada resistência oposta às tropas federalistas na cidade de Lapa (Paraná), pelo Coronel Carneiro, frustrou as pretensões rebeldes de chegarem à capital da República.[5]

O almirante Custódio de Melo, que chefiara a revolta da Armada contra Floriano Peixoto, uniu-se aos federalistas e ocupou Desterro, atual Florianópolis. De lá chegou a Curitiba, ao encontro do caudilho-maragato Gumercindo Saraiva.

A resistência da Lapa impediu o avanço da revolução. Gumercindo, impossibilitado de avançar, bateu em retirada para o Rio Grande do Sul. Morreu em 10 de agosto de 1894, após ser atingido por um tiro desferido à traição enquanto reconhecia o terreno, na véspera da Batalha do Carovi.

Argentina e Uruguai[editar | editar código-fonte]

Ao longo da Revolução, os maragatos tiveram apoio constante da província de Corrientes, na Argentina e também no Uruguai. O que lhes permtiu contrabandear armamento através da fronteira, praticar incursões táticas em território estrangeiro afim de fugir de perseguições, bem como, refugiar-se nos países vizinhos em momentos de desvantagens frente ao inimigo.[7]

A paz[editar | editar código-fonte]

Panteão dos Heroes, onde jazem os corpos dos legalistas que combateram no Cerco da Lapa

A revolução federalista foi derrotada em 24 de junho de 1895 no combate de Campo Osório, quando o almirante Saldanha da Gama, possuidor de um contingente de 400 homens, 100 deles marinheiros, lutou até a morte contra os Pica-paus comandados pelo general Hipólito Ribeiro. A derrota causou grande comoção no lado Federalista e acelerou o processo de paz, que foi assinada no dia 23 de agosto de 1895, em Pelotas.[7] [1]

O presidente da República era então Prudente de Morais e o emissário do governo federal era o general Galvão de Queirós.

Balanço: A revolução das degolas[editar | editar código-fonte]

Cruz dos Degolados, homenagem do município de São Martinho da Serra aos mortos na revolução.

Este conflito propiciou pelo menos dez mil mortos e incontáveis feridos.

A prática da degola dos prisioneiros não foi rara em ambos os lados contendores, adquirindo o caráter revanchista. Por muito tempo foi atribuído ao Coronel maragato Adão Latorre a degola de 300 Pica-paus prisioneiros, às margens do Rio Negro, contidos em uma taipa, um tipo de cercado de pedras para gado, que ficou conhecido como Potreiro das Almas, nas cercanias de Bagé, hoje em território do município de Hulha Negra, em 23 de novembro de 1893, após a Batalha do Rio Negro.[1] O fato, porém, é desmentido por vários documentos históricos, como o Diário do General Maragato João Nunes da Silva Tavares, que refere o número de 300 como sendo as baixas totais do inimigo, entre mortos em combate e feridos.[2] O General afirma que o número de degolados foi de 23 "patriotas", membros das forças provisórias castilhistas, todos assassinos conhecidos no estado, pelas tropelias cometidos contra os Federalistas, particularmente no saque a Bagé no final de 1892 pelas forças dos Coronéis castilhistas Pedroso e Motta. Em 5 de Abril no Combate do Boi Preto há a degola de 250 maragatos em represália à degola do Rio Negro. O pica-pau Cherengue ou Xerengue rivalizava com Latorre em número de degolas praticadas.[5]

Muitas vezes a degola era praticada em meio a zombarias e humilhações. Embora não com frequência, poderia ser antecedida por castração. Conta-se, por exemplo, que apostas eram feitas em corrida de degolados. Na degola convencional a vítima, ajoelhada, tinha as pernas e mãos amarradas, a cabeça estendida para trás e a faca era passada de orelha a orelha. Como se degolasse uma ovelha, rotina nas lides do campo. Os ressentimentos acumulados, as desavenças pessoais, somados ao caráter rude do homem da campanha acostumado a sacrificar o gado, tentam explicar estes atos de selvageria.

Do ponto de vista militar e logístico a degola decorria da incapacidade das forças em combate de fazer prisioneiros, mantê-los encarcerados e alimentá-los, pois, ambas lutavam em situação de grande penúria.[5] Procurava-se, pelo mesmo motivo, poupar munição empregando um meio rápido de execução.

Uma outra visão da Revolução Federalista[editar | editar código-fonte]

Cerco de Bagé, trincheira na rua Sete de Setembro.

De 1893 a 1895 as terras do sul serviram de cenário aos violentos combates da Revolução Federalista, travados entre os partidários de dois oligarcas gaúchos: de um lado, os federalistas (maragatos), liderados por Gaspar Silveira Martins; de outro, os republicanos (chimangos ou pica-paus), seguidores do positivista Júlio de Castilhos. Os federalistas defendiam a instalação de um regime parlamentarista nos moldes do que existiu no Segundo Reinado. Já os republicanos defendiam um presidencialismo forte, centralizador, no estilo do governo de Floriano Peixoto.[2]

O confronto ultrapassou as fronteiras gaúchas, estendendo-se a Santa Catarina, ao Paraná e até ao Uruguai. Embora Floriano tivesse tropas federais nos estados sulistas, somente em 1895, no governo de Prudente de Morais é que seria assinado um acordo de paz na região.[2]

Referências

  1. a b c d e Miriam Ilza Santana (15 de outubro de 2007). Revolução Federalista (em português) InfoEscola. Visitado em 25 de setembro de 2012.
  2. a b c d e f g Revolução Federalista (em português) UOL - Educação. Visitado em 25 de setembro de 2012.
  3. a b Gomes 2013, p. 244
  4. Gomes 2013, p. 243
  5. a b c d e Rainer Sousa. Revolução Federalista (em português) Brasil Escola. Visitado em 25 de setembro de 2012.
  6. Pinheiro Machado e a "Divisão do Norte"
  7. a b MACHADO, Tiago. Revolução Federalista: implicações internacionais. Revista Semina, V7, n.1, 2009

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Barbosa, Fidélis Dalcin. História do Rio Grande do Sul (em português). Passo Fundo: Projeto Passo Fundo. 306 p. ISBN 9788583260431 Página visitada em 7 de dezembro de 2014.
  • Cavalari, Rossano. O Ninho dos Pica-Paus (em português). [S.l.]: Martins Livreiro.
  • Enciclopédia Rio-Grandense (em português). Porto Alegre: Sulina. vol. 1.
  • Escobar, Wenceslau. Apontamentos sobre a Revolução de 1893 (em português). Brasília: UnB.
  • Fausto, Boris. História do Brasil (em português). São Paulo: [s.n.].
  • Gomes, Laurentino. 1889 (em português). São Paulo: Globo, 2013. ISBN 978-85-250-5515-6
  • Goycochea, Luiz Felipe Castilhos. Gumercindo Saraiva na Guerra dos Maragatos (em português). Rio de Janeiro: Alba, 1943.
  • Hahner, June. Relações entre Civis e Militares no Brasil (1889-1898) (em português). [S.l.]: Pioneira.
  • Hoerner Júnior, Valério. Maragatos (em português). [S.l.]: Jurua, 2007. 130 p. Página visitada em 7 de dezembro de 2014.
  • Nascimento, Welci. Terra, gente e tradições gaúchas (em português). Passo Fundo: Projeto Passo Fundo. 118 p. ISBN 9788583260776 Página visitada em 7 de dezembro de 2014.
  • Schultz, John. O Exército na Política (em português). São Paulo: Edusp.
  • Bibliografia da História do Brasil

Ver também[editar | editar código-fonte]

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

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