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18/10/09 - 10h00 - Atualizado em 18/10/09 - 10h12

Ingleses do Wire revivem o pós-punk fugindo do rock ‘n’ roll

Banda inglesa dos anos 70 segue na ativa se reinventando.
‘Não queríamos fazer parte da tradição do rock’, diz vocalista ao G1.

Daniel Setti Do G1, em Barcelona

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O Wire se apresenta em Barcelona, na Espanha. (Foto: Daniel Setti / G1)

"Nós não gostávamos de rock ‘n’ roll!!! Não queríamos fazer parte daquela tradição, estávamos tentando criar algo novo".


Vindo de um integrante de uma banda tida como uma das mais influentes de um importantíssimo período do rock - o punk e o pós-punk do final dos anos 1970 -, a frase proferida em um restaurante em Barcelona é no mínimo intrigante. Ou provocadora, como gosta de classificar seu autor, Graham Lewis, 56, baixista e vocalista do Wire, o quarteto que formou em Londres em 1976 com Colin Newman, 55, guitarra e voz, o baterista Robert Grey, 58, e o guitarrista Bruce Gilbert, 63.

 

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Dos quatro membros originais, apenas Gilbert, sem mais paciência e fôlego para turnês, abandonou o barco. Mesmo assim, o fez só em 2004, quando a banda já acumulava quase três décadas de atividade. Interrompidas, é verdade, por um intervalo de cinco anos em meados dos 1980 e outro, mais longo, entre 1991 e 2003.


No momento, o trio remanescente divulga seu lançamento mais recente, o CD "Object 47", do ano passado. Para isso, conta com o reforço da guitarrista Margaret Fiedler McGinnis, americana radicada na Inglaterra que divide sua peculiar agenda entre uma movimentada atividade no indie rock (fez parte das bandas Laika e Moonshake e tocou com PJ Harvey) e os ofícios de artesã de xícaras de chá e advogada do departamento de direitos autorais da BBC. Ela encontrou tempo para embarcar na atual turnê européia do Wire, que incluiu passagem pela Sala Apolo, na cidade espanhola, na quarta-feira da semana passada, 7 de outubro. Antes de um vigoroso e compacto show, como se esperaria da banda (menos de uma hora e meia de duração), Smith e Newman conversaram com G1.

 

Punk intelectual

Quando se fala em Wire, a fuga dos padrões vai muito além das declarações como a feita por Lewis no começo do texto. Musicalmente, ela nasceu antes mesmo da formação da banda. Oriundos de concorridas escolas de arte londrinas - Lewis e Gilbert ainda exercem trabalhos em áreas como escultura e moda -, seus membros destoavam de contemporâneos mais famosos como Sex Pistols e Clash em tudo, e não apenas pela formação acadêmica de classe média.


No aspecto visual, preferiam gravatas e penteados discretos a camisetas rasgadas e alfinetes, escolha que foi imitada por seus próprios fãs ("que não cuspiam na gente, eram civilizados", ressalta Lewis); em letras de suas músicas, trocavam a anarquia e a raiva escancarada por ironia, introspecção ou abstração; à badalação e ao circo de moda e comportamento ao qual a palavra "punk" passou a ser associada, disseram "não, obrigado"; enxergavam a música como uma aguda e complexa forma de arte, procurando uma platéia que "entendesse o que é provocativo" - o que lhes conferiu imagem de arrogantes ("os punks nos odiavam completamente, éramos muito espertos, bem-vestidos e intelectuais", relembra Newman); e, no que possivelmente é o mais importante de tudo, se recusaram cegamente a repetir fórmulas que haviam dado certo.
 

A origem do mito

Tal inquietude se comprova com a audição de seus três primeiros e clássicos álbuns, "Pink flag", "Chairs missing" e "154", lançados, curiosamente por grandes gravadoras, entre 1977 e 1979. Um período assombrosamente curto não só pelo volume de trabalho, mas também pelas nítidas diferenças estilísticas entre cada um deles. "Nenhuma banda corre estes riscos mais, nem as que têm estrutura e dinheiro para isso", diz Newman. A trilogia lendária e heterogênea foi o marco inicial do status de "banda de culto" que o Wire carregaria desde então, cuja influência resvala em uma infinidade de nomes conceituados, de R.E.M. a Fugazi, passando por Cure ou pelos paulistanos do Hurtmold.


"Pink Flag" chocou por radicalizar ainda mais a fórmula de canções curtas inaugurada pelos Ramones. Traz 21 mini-canções em 37 minutos, e em cada uma delas os riffs de guitarra surgem repetitivos de uma forma bastante inovadora. O número de acordes usados nas músicas é inferior inclusive ao das composições do célebre quarteto novaiorquino.

 

Graham Lewis, baixista e vocalista do Wire. (Foto: Daniel Setti / G1)

"Vimos eles quando vieram a primeira vez a Londres e chapamos com seu primeiro disco", relembra Graham Lewis, que traz na bagagem álbuns solos e projetos paralelos como a banda P'O. "Foram uma grande influência", concorda Newman, igualmente autor de discos individuais e atualmente também ativo à frente da banda Githead e da gravadora que edita trabalhos do Wire (não por acaso batizada de Pink Flag). "Nós pensávamos que poderíamos fazer coisas como as dos Ramones, só que com mais ironia. O que eu realmente gostava era que eles basicamente tocavam música pop reduzida ao mínimo absoluto. Mas eu achava que isso poderia ser ainda mais reduzido, então resolvemos tentar tocar menos acordes. Os Ramones não eram uma banda idiota de rock, e sim uma banda com um conceito, e que foi completamente compreendido por nós".


O trabalho de estréia também contém a faixa "Three girl rhumba", que teve quase a totalidade de seu notável riff principal de guitarra copiado, sem autorização, pelo grupo de britpop Elastica no hit "Connection", de 1995. Colin Newman conta que só soube do plágio após sua mulher, a israelense Malka Spiegel (colega do marido no Githead), ter visto o Elastica no programa de TV britânico "Top of the Pops".


"Basicamente, achei bem constrangedor", rememora Newman. "Na semana seguinte ao programa, vi uma entrevista de uma das integrantes do grupo dizendo que havia falado comigo e que estava tudo bem. Eu disse 'o que? Vai se f...! '. A EMI negociou em nossas costas, e meu 'p... ' riff de guitarra foi parar num anúncio da Budweiser nos EUA. Recebi só algo como uns 5 mil dólares. Ainda estou p... da vida com isso. E eles eram uma porcaria!".
 

Bowie, Eno e a revolução

Já "Chairs missing", por sua vez, tem músicas mais longas, algumas até mais acessíveis para os padrões pop, como "I am the fly". Mas ao mesmo tempo, explora atmosferas estranhas criadas por sintetizadores e ruídos. Menos de um ano após sua estréia, portanto, o Wire passava a ter muito mais a ver com o rock experimental alemão de grupos como Neu!, ou com os discos que David Bowie vinha produzindo em Berlim com Brian Eno, do que com Ramones ou com o próprio repertório de "Pink flag".


"'Chairs missing' é o disco favorito do Bowie", confidencia Lewis, segundo o qual o próprio Camaleão do Rock teria sofrido forte impacto do Wire na mesma época. "Por volta de 1980, as únicas pessoas que, na minha opinião, estavam na mesma área de trabalho que nós eram Bowie e Eno. 'Low' e 'Heroes' [discos de Bowie produzidos por Eno em Berlim respectivamente em 1977 e 1978] são trabalhos incríveis! Eles estavam fazendo arte! Era a revolução. Eles, como nós, queriam mudar as coisas. Tudo não precisava ser do jeito que vinha sendo, se não gostássemos do que já existia".


Mais próximo ao pós-punk gélido e cinzento de grupos surgidos na mesma época como o Joy Division - "era bem intenso o que eles faziam", reconhece Lewis -, "154" foi lançado pouco antes da primeira e involuntária hibernação do Wire. "Havia tanta coisa rolando naquela época que nós precisávamos de uma séria ajuda para cuidar dos negócios", explica Lewis. "Nós não tínhamos isso, e o lance se desintegrou". O hiato, que só terminou em 1987 com o LP "The ideal copy", é lamentado até hoje por todos. "Foi um completo desastre, pensando em perspectivas honestas de uma carreira", endossa Newman. "Nós teríamos possivelmente sido enormes se não tivéssemos parado, selos como o Rough Trade e Factory, do Tony Wilson, queriam nos lançar". Segundo Lewis, o Wire estava "dois anos à frente do que todo mundo estava fazendo naquele período".
 

A continuar

Como explica Lewis, a banda de fato não fez uma turnê relendo seu álbum mais conceituado - uma das tendências dos festivais de música europeus atuais, aliás -, mas abriu uma exceção em um passado recente. quando tocou o repertório de "Pink flag" na íntegra durante um show. "Não teve nada a ver com nostalgia, soou incrivelmente contemporâneo e peculiar", recorda. "Todo mundo sabia que aquilo seria único".


Como que para provar sua não dependência do passado, o Wire já prepara material para um novo CD, a ser lançado em 2010. Se depender da animação de Colin Newman, os fãs não se decepcionarão, já que perguntado sobre qual seu disco favorito do Wire, ele não vacila: "aquele que ainda não gravamos".

 

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