A hidroxicloroquina, a censura, a resistência francesa, um manual para a reeleição de Trump e os bons alemães

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Publicado originalmente na France-Soir (em francês) em 30 de agosto de 2020


Em 1941, durante a ocupação nazista na França, na adega de Sorbonne, em Paris, nascia, a partir dos líderes Robert Salmon e Philippe Viannay, o jornal clandestino Défense de la France — France Soir.

Os jovens jornalistas da resistência francesa buscavam denunciar o governo fascista de ocupação. Eles entendiam a importância do combate à narrativa oficial. Driblando a censura, de modo heroico, em 1944, chegaram a distribuir 450 mil cópias diárias. O jornal trazia uma frase do filósofo Blaise Pascal: “Só acredito em histórias em que as testemunhas seriam mortas”. Este foi o destino de muitos.

Além das notícias, eles produziam, em suas gráficas, documentos para perseguidos judeus. Eles eram, sem dúvida alguma, bons homens. Certamente, sem eles, o número de 60 mil judeus franceses encaminhados para os campos de concentração seria maior.

Toda ditadura envolve o controle da narrativa. Essa é a regra. As pessoas não podem saber com clareza o que está ocorrendo. Foi assim durante a segunda guerra mundial. Com uma única narrativa, parte dos franceses, enganados, sustentavam o regime, aprisionados à cumplicidade com a ocupação, aceitando o que não era natural como natural.

Hoje há uma narrativa oficial nos países ocidentais. Envolve a maior ameaça do momento: o coronavírus. Já vitimou mais de 800 mil pessoas e derrubou a economia mundial em uma imensa crise.

Essa narrativa afirma que não há tratamento para a COVID-19. Diz que a hidroxicloroquina não é eficaz nem cientificamente comprovada. Afirma também que o medicamento é perigoso, com graves efeitos colaterais, desde arritmias cardíacas fatais até cegueiras provocadas pelo medicamento.

O problema dessa história é que ela possui falhas que podem ser facilmente desmontadas. A hidroxicloroquina é um fármaco com 65 anos. Com todo esse tempo de uso, muitos estudos já foram conduzidos sobre o medicamento.

Este estudo, por exemplo, de 2003, afirma que antes do uso por por seis anos contínuos, ninguém ficou com a visão borrada. Este outro, de 2019, afirma que apenas 0.68% das pessoas podem desenvolver visão parcial borrada entre 5 e 7 anos de uso contínuo.

Sobre riscos para o coração, este estudo, de 2018, diz que, na verdade, a hidroxicloroquina reduz riscos cardiovasculares. É exatamente o contrário da histeria generalizada que ouvimos por aí. O resultado é semelhante mesmo quando o medicamento é administrado conjuntamente com azitromicina, uma das propostas de tratamento para a COVID-19.

Ao mesmo tempo, a grande mídia tenta nos afirmar que há um consenso entre os cientistas, como se o uso desses medicamentos no combate à pandemia já fosse um assunto superado e finalizado. As vozes discordantes são caladas.

Ao ver essa incoerência, decidi continuar procurando, nas fontes, os fatos. Acompanhar estudos, ler os twitters de cientistas e jornalistas é como saber de conversas de bastidores. Neste contexto, fui acompanhando a história desde o começo. A grande maioria das pessoas decidiu não acompanhar, afinal, a ideia foi defendida por Trump, e ele só fala bobagens quando se refere a ciência.

Todos que dizem que funciona são censurados e atacados

O professor Didier Raoult, infectologista de Marselha, na França, foi quem propôs o tratamento com hidroxicloroquina e azitromicina, um antibiótico. Didier é cientista premiado em sua comunidade. Possui uma reputação internacional de alto nível. Ele já publicou quase 3 mil artigos científicos na Pubmed.

Ele é tratado, na grande mídia e em sites especializados, como um charlatão. O site “For Better Science” de Leonid Schneider, jornalista de ciência, de Frankfurt, foi um dos primeiros a produzir um artigo extremamente desabonador. Sim, Didier tem coisas que o desabonam, mas são coisas nada graves. Leonid se classifica como um jornalista científico independente e promete dar voz a bons cientistas contra o poder e o dinheiro.

Por uma coincidência, as matérias negativas aparecem, no Google, antes que o próprio verbete na Wikipedia da Raoult. Isso é equivalente a eu buscar Lewis Hamilton e as primeiras matérias serem análises profundas de seu erro grotesco no GP da China em 2007, construindo uma narrativa que afirma que Lewis não sabe dirigir um carro.

Não é isso que acontece. Ao buscar Lewis, primeiro vem seu twitter, logo em seguida, a sua página na wikipedia, onde somos informados que ele possui seis títulos mundiais de Formula 1.

“Cura milagrosa” é o termo pejorativo usado para qualquer um que se atreva a usar ou falar sobre esse medicamento. Nos EUA, o médico Vladimir Zelenko, de Nova York, foi implacavelmente rotulado como curandeiro. Seus vídeos no youtube foram censurados.

Simone Gold, médica dos EUA, é uma das líderes do grupo America’s Frontline Doctors. Esses médicos se juntaram e deram uma entrevista coletiva. Depois que o vídeo teve 17 milhões de visualizações, foi censurado pelo Facebook e Twitter. A alegação? Checadores de fatos disseram que eles desinformavam.

Sim, a situação bizarra atual é que jornalistas checadores de fatos dizem o que médicos e cientistas podem ou não podem falar em redes sociais. Logo na sequência, Simone foi despedida de seu emprego. Até o “jornal clandestino”, o site do grupo, perdeu a hospedagem.

O professor de Yale, Harvey Risch, cientista premiado e de alta qualificação, acompanhou as pesquisas, analisou e explicou que os medicamentos deveriam ser aplicados imediatamente. Salvaria muitas vidas, concluiu. Logo passou a ser atacado.

E quem compartilha seu artigo é acusado de espalhar fake news.

Hoje já chegamos ao ponto grotesco de termos até cientistas produzindo estudos sem assinatura, para evitarem a perseguição.

Cui bono?

Qualquer escola de investigação do mundo ensina a primeira pergunta, o ponto de partida: a quem interessa? No caso, a quem interessa desqualificar esse tratamento?

A primeira desqualificação veio pela falta de um teste clínico randomizado, duplo cego, revisado por pares e publicado em alguma revista conceituada.

Um RCT (Randomized controlled trial) significa fazer um estudo separando os pacientes em dois grupos iguais. Para metade, administra-se placebo, e para a oura metade, aplica-se a medicação. Esse é o “padrão ouro da ciência”. O discurso é que sem estes testes, não há uma comprovação científica.

Neste meio tempo, coisa incríveis aconteceram. As duas revistas mais conceituadas do mundo do meio médico, a Lancet e a New England Journal of Medicine, publicaram dois estudos fraudulentos. Desqualificavam o medicamento. É o maior escândalo da ciência moderna. Logo esses estudos foram retirados do ar.

Uma inédita inversão de valores entre esquerda e direita

A direita é obscura, trabalha com notícias falsas, é tradicionalmente anti-ciência, cria teorias de conspiração como infiltrações comunistas nas universidades e marxismo cultural, nega o aquecimento global, é anti-vacina e protege interesses das grandes corporações.

A esquerda se baseia em ciência, ouve especialistas, estudiosos, faz discursos apaixonados pró-ciência e denuncia os poderes maléficos do capitalismo: quando as corporações colocam todos os seus interesses de lucro acima de interesses do coletivo.

A direita, nos EUA, com Trump, e no Brasil, com Bolsonaro, está defendendo um tratamento com um medicamento genérico, barato, que não deixará ninguém rico e custa US$ 10 por paciente.

A esquerda está defendendo o discurso de só aplicar o medicamento se houver o nível máximo de evidências científicas, o “randomizado, duplo cego, revisado por pares, e publicado em uma conceituada revista médica”.

Este discurso é perfeito para defender os interesses das grandes indústrias farmacêuticas. A confiança cega na opinião dos cientistas, sem entender suas motivações e egos, deixou a esquerda acrítica.

É um discurso falso. Este artigo de Richard Smith, de 2005, explica que “as revistas médicas são uma extensão do braço de marketing das empresas farmacêuticas”.

Além disso, este artigo, de 2018, explica que esse “padrão ouro” não é tão reluzente quanto tentam nos explicar.

O tratamento proposto por Didier Raoult fala em aplicação de hidroxicloroquina e azitromicina logo quando os primeiros sintomas aparecem.

Hoje temos 84 estudos. A maioria deles observacionais, mais baratos de serem executados, sendo 49 revisados por pares. Para profilaxia pré exposição, pós exposição e tratamento precoce, temos 100% de resultados positivos para o tratamento com hidroxicloroquina. Para tratamentos em pacientes já com a doença avançada, onde nenhum antiviral faz muito efeito, temos 62% dos estudos recomendando o medicamento.

“Onde está o RCT positivo?” É a pergunta feita com o objetivo de encerrar o debate. Acontece que ninguém quer fazer esse estudo de tratamento precoce com hidroxicloroquina e azitromicina, proposto por Didier Raoult.

Custa caro e ninguém tem o interesse em patrocinar. Logo depois dos estudos fake publicados na Lancet e NEJM, o teste da NIH "padrão ouro", exatamente com a combinação, e em uso precoce da doença, foi cancelado.

Quer saber o resultado das eleições dos EUA? Olhe para a ciência.

Donald Trump fez a aposta neste tratamento. Mas todo mundo precisa provar, o tempo todo, que Trump está errado. Mais de 170 mil norteamericanos já morreram.

Trump insistiu diversas vezes. Se a "confirmação científica" vier antes das eleições, Trump vai surfar sobre todos os adversários e será reeleito, com facilidade. Seu discurso é fácil: ele vai dizer que a oposição resolveu deixar pessoas morrerem em vez assumir que ele estava certo em sua aposta.

Se não "provar", Trump será o pior líder do mundo na condução da pandemia e não será reeleito. 

A confirmação científica e reeleição de Trump está em uma gaveta da NEJM, mas o serviço de inteligência dos EUA é muito ruim e não sabe disso

O valor máximo para cientistas fundamentalistas hoje são: testes randomizados, controlados, revisados por pares e publicados em alguma conceituada revista de medicina.

A prova definitiva de qualquer um que deseja sustentar que a hidroxicloroquina não serve para nada é compartilhar o link do estudo de David Boulware, da Universidade de Minnesota, publicado na New England Journal of Medicine.

As pessoas ignoram os diversos estudos positivos observacionais e dizem que esse possui um valor superior de evidência.

Este é o último e único argumento dos anti hidroxicloroquina.

O estudo de Boulware é muito ruim, mas serviu para uma narrativa. É deficiente em testes de identificação do coronavírus, enviou o medicamento por correio, não tinha certeza sobre quem havia contraído o vírus e a comunicação com os pacientes era pela internet.

Sim. Uma pesquisa pela internet virou referência no mundo para falar se um medicamento funciona ou não.

Mesmo dando um resultado positivo, ele não era estatisticamente significativo. A conclusão, no estudo, é que o medicamento é inútil. Era sobre profilaxia pós exposição: quando uma pessoa em contato com alguém contaminado passou a tomar hidroxicloroquina para prevenir, nele mesmo, a doença.

Alguns tomaram o medicamento no dia seguinte após a exposição. Outros no segundo, ou no terceiro ou no quarto dia. Boulware juntou todos, fez a conta, e concluiu que não funciona.

O interessante de trabalhos científicos é que os pesquisadores são obrigados a abrirem todos os dados. Com eles abertos, Marcio Watanabe, um professor de estatística daqui do Brasil, da Universidade Federal Fluminense, no Rio de Janeiro, refez os cálculos e produziu um estudo que é uma bomba incendiária na política dos EUA.

Quem tomou o medicamento no primeiro dia após a exposição teve resultado muito positivo e estatisticamente comprovado. Isto é a confirmação no mais alto nível de evidência científica.

Watanabe enviou o estudo para o New England Journal of Medicine há mais de um mês. É uma revisão que altera o resultado desse estudo. Esta perdido por lá. Eles, ao que parece, de modo conveniente com a narrativa oficial, não prestaram atenção.

Ninguém quer fazer estudos randomizados. Nos poucos que existem, se você alterar o resultado, significa uma mudança completa de narrativa em favor do medicamento.

Fazer a New England assumir que mais um estudo publicado por eles, "de alta credibilidade", precisou ser alterado por conclusões falsas, significa uma reeleição fácil de Donald Trump. Afinal, ele estava certo em sua aposta. O anterior publicado na NEJM precisou ser retirado, de tão vergonhoso que foi.

Como os opositores de Trump vão dizer que o estudo exemplo definitivo, negativo, agora, com resultado alterado, deixa de ter valor?

Vão criticar o estudo e tentar dizer que ele não é bom? A narrativa explode como uma bomba.

Uma pressão de Trump, pública, faz a NEJM ter que responder e alterar o resultado. Não há riscos para Trump, é só matemática. O pedido de cientistas por essa revisão, até agora, foi ignorado. É o "game changer".

Trump assim traz a narrativa para ele, e finalmente, no mundo todo, em efeito cascata, o medicamento é implantado, salvando vidas.

Os bons alemães

Durante as eleições de 2018 no Brasil, com Bolsonaro, de tendências e atitudes fascistas, participando, algumas pessoas resolveram fazer alertas. O alemão Oliver Stuenkel, professor universitário de relações internacionais, escreveu um memorável artigo no jornal El Pais Brasil, da Espanha: "Por que votamos em Hitler". Ele explicou todos os erros do povo germânico na década de 30. 

Os alemães se veem, corretamente, com uma obrigação moral de ensinar, para o mundo, os erros, perigos e omissões que sofreram no passado. O fascismo, como explicava o imortal Bertold Brecht é "uma cadela que está sempre no cio".

Assim como os médicos e cientistas censurados no Twitter, Youtube e Facebook, eu também sofri censura. Meu artigo "Hidroxicloroquina: a narrativa que não funciona é a maior farsa da história recente da humanidade" foi censurado no site Medium.com. 

É um texto imenso. Leva uma hora para ser lido. Lá eu mostrava os fatos e explicava, em ordem cronológica, o que via e pensava diante dos fatos. Eu o publiquei em português e em inglês

Nos primeiros dias teve poucos acessos. Logo depois ele viralizou. 55 mil visualizações na versão inglês e 25 mil na versão em português. Foi lido por gente que importa.

Meu avô foi preso durante a ditadura do Brasil, ocorrida de 64 a 85. Militares o levaram, com metralhadoras, em uma viatura. Foi acusado de ser um rebelde. 

Hollywood faz diversos filmes onde tenta me convencer que os EUA são a terra da liberdade. Meu país tem um histórico de ditaduras. Os EUA não tem. (Talvez porque não exista uma embaixada dos EUA nos EUA).

Mesmo assim, no Brasil, nunca sofri censura. Em uma ferramenta digital dos EUA, fui censurado.

Stuenkel explicava onde os regimes autoritários poderiam levar. A censura é só o começo. Primeiro queimam-se livros, depois pessoas.

O também alemão Leonid Schneider, do famoso site "For Better Science", incapaz de responder com lógica meu artigo, ao ver que fui censurado, preferiu comemorar e satisfazer seu ego. Uma alemão comemorando a censura!

E com tranquilidade, afirmo: se Leonid estivesse preocupado com uma ciência melhor, estaria cobrando uma resposta da NEJM ao estudo de Marcio Watanabe. Não está.

Logo depois de censurado, um norteamericano de Atlanta, irritado com a censura do Medium, criou um website para hospedar meu artigo. Ele já havia previsto que seria censurado e fez uma cópia.

Um amigo me ligou dizendo que meu artigo correu nas altas cúpulas das indústrias farmacêuticas. "Vai explodir logo", afirmou.

Tive uma péssima memória histórica quando fui censurado. Me senti violado. Por ironia do destino, fui resgatado por um jornal que nasceu driblando a censura.

O France Soir o publicou em Francês. O jornal não é o mesmo de seus tempos de ouro. Hoje é apenas digital e com poucas pessoas. “Mas temos o mesmo espírito de resistência”, disse Xavier Azalbert, diretor de publicações do jornal.

Entretanto, foi um pequeno prazer ter um artigo meu publicado em um jornal onde Jean Paul Sartre, Robert Salmon, Pierre Lazareff e Philippe Viannay costumavam escrever.

Depois que a censura foi vencida, uma pergunta ainda permanece: Donald Trump quer ser reeleito?

Meu primeiro artigo sobre hidroxicloroquina:
Em inglês.
Em francês.
Em português


By: Filipe Rafaeli
Filipe Rafaeli is a communications professional, filmmaker and aerial acrobatics pilot. Anyone who wants to get in touch, comment, get news, I’m on twitter (@filipe_rafaeli)