Seqüestro de carbono e o setor turístico
EDITORIAL
Gazeta Mercantil
9/9/2005

 "Negócios limpos" contribuem com a descarbonização do turismo e do planeta. O turismo mundial movimentou US$ 5,49 trilhões em 2004. 215 milhões de empregos, 8,1% dos empregos mundiais, estão ligados à atividade do turismo. Globalmente, 73 milhões de pessoas são diretamente empregadas por essa pulsante indústria.

Em 2004, 760 milhões de chegadas turísticas foram registradas no mundo, 10% a mais que em 2003. A Organização Mundial do Turismo prevê que o crescimento de chegadas vai mais que duplicar, alcançando 1,56 bilhão em 2020. Com essa extraordinária expansão, estima-se que o turismo movimentará cumulativamente cerca de US$ 100 trilhões nos próximos quinze anos.

Grande consumidora de combustíveis fósseis, a indústria sem chaminé tem parcela de responsabilidade pelas mudanças climáticas, gerando ônus para a comunidade global. Em 2004 o consumo global de combustíveis fósseis cresceu 3,4%, o maior ritmo de crescimento em 16 anos.

Transformar ônus em bônus, aproveitando os mecanismos do ecomercado inaugurado pelo Tratado de Kyoto, é uma oportunidade que não pode ser perdida. Investindo no diferencial competitivo, companhias aéreas já oferecem pacotes para seqüestrar carbono. Em viagem de ida e volta entre Londres e Roma, uma distância de 2.886 quilômetros, cada passageiro paga US$ 9,35 para os serviços de seqüestro de 0,37 tonelada de carbono per capita emitida no trecho.

Numa viagem de ida e volta entre São Paulo e Nova York, cada passageiro é responsável pela emissão de 2,17 toneladas de carbono que custa aproximadamente US$ 26,34 para ser seqüestrado, a preços de hoje. Empresas aéreas já estão investindo no balanço energético positivo, disputando clientes, revelam pesquisas do Worldwatch Institute (WWI). O sistema de bônus de milhagem poderá ser adaptado para atender a um novo esquema de bônus de estabilização climática.

"Os países industrializados que devastaram a maior parte de seus recursos naturais na busca da prosperidade estão apressadamente investindo na sustentabilidade. Hoje a economia é entendida como parte do meio ambiente, e não o contrário", afirma Lester Brown, fundador do WWI. Brown sabe que 52% dos US$ 53 trilhões anuais gerados pelo PIB global ficam concentrados com 12% da população mundial "industrializada" que vive nos EUA, Europa e Japão. Sozinhos esses megamercados emissores movimentam 90% do turismo no mundo.

O fenômeno do aquecimento global é o mais alarmante – desequilibra os ecossistemas provocando impactos em diferentes áreas. Aparentemente distantes, mudanças climáticas e biodiversidade estão intimamente ligadas. O aquecimento global que degela as calotas polares também afeta a produtividade na agricultura e impacta a saúde pública, criando, por exemplo, condições para a proliferação do mosquito transmissor da malária, que afugenta o turista.

Os projetos de seqüestro de carbono, ainda presos a questões técnicas, acadêmicas e burocráticas, estão distantes do grande mercado. Ligando o seqüestro de carbono a produtos e serviços de uso corriqueiro, como passagens aéreas, massas de recursos são carreadas para esses "negócios limpos", ajudando a descarbonizar o turismo e o planeta.

É possível também seqüestrar carbono devolvendo-o à sociedade sob a forma de chocolate. O projeto Fazenda de Chocolate liga o seqüestro de carbono à preservação da biodiversidade da área chamada de Corredor Central da Mata Atlântica, visando o aumento das reservas legais (20% das áreas de mata protegidas por lei em cada propriedade rural) das fazendas de cacau do sul da Bahia através dos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Tratado de Kyoto.

O chocolate que movimenta uma economia global de US$ 60 bilhões/ano deriva do carbono seqüestrado pelas árvores do cacau. As áreas das fazendas de cacau da Bahia foram batizadas de hot-spots do chocolate por registrar recordes em biodiversidade no mundo, 456 diferentes espécies vegetais por hectare.

Desenvolvido pela Universidade Livre da Mata Atlântica (UMA), divulgado pelo WWI e adotado pelo Pnud como integrante dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), o projeto Fazenda de Chocolate está atraindo a atenção da indústria chocolateira para a produção in loco do chocolate, agregando valor ao cacau, gerando lucro social, econômico e ecológico de forma integrada e contribuindo para descarbonizar uma modalidade única de turismo, iniciada no Brasil, o ecoturismo do chocolate.