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Uma resenha do livro "Tu És Isso: Transformando a Metáfora Religiosa" de Joseph Campbell
Lázaro Curvêlo Chaves - Publicado em 09.11.2006

Joseph Campbell, eminente antropólogo e lingüista estadunidense, especialista em religião e mitologia comparada reconcilia e fortalece nossa Fé com esta Obra, fundamental a toda a pessoa adulta, de uma forma ou de outra interessada no fenômeno religioso.

Todas as religiões se utilizam de metáforas que, desgraçadamente, são entendidas e ensinadas como se fossem fatos concretos ou históricos. Isto faz com que o fiel, ao chegar à idade adulta, renegue a Fé de seus ancestrais por estar em flagrante e gritante contradição com o senso comum. Isto não é operacional. Nas palavras de Joseph Campbell: (...) “Metade da população mundial acha que as metáforas das suas tradições religiosas são fatos. A outra metade afirma que não são fatos de forma alguma. O resultado é que temos indivíduos que se consideram fiéis porque aceitam as metáforas como fatos, e outros que se julgam ateus porque acham que as metáforas religiosas são mentiras.”

Neste caso, as coisas não são tão preto-no-branco assim, mas seguramente Leis Naturais como as da gravitação universal, jamais foram revogadas por mais que haja quem presuma serem factuais as metáforas religiosas. Tampouco as devemos jogar no lixo como “mentiras”; encontrar núcleo vivo destas metáforas fortalece-nos muito mais a Fé do que o apego às suas exterioridades cristalizadas, cientificamente superadas ou, como as define Campbell, claramente infantis.

Dentre curiosas metáforas religiosas, ressalto, na nossa Fé: Enoch subiu ao céu em seu corpo físico; a Terra foi inundada e todos os que sobreviveram estavam num único Navio-Arca construído em madeira por Noé; Moisés abriu o Mar Vermelho e as pessoas caminharam a seco em seu solo; Josué abriu o Rio Jordão e as pessoas caminharam a seco em seu solo; Josué parou o sol no céu; Josué liderou tropas que derrubaram as muralhas fortificadas de uma cidade tocando instrumentos de sopro; Maria subiu ao céu em seu corpo físico; um homem morto e sepultado há três dias é ressuscitado e seu corpo, em avançado estado de decomposição, se refaz. Gente a caminhar sobre as águas. Santos a pregar para peixes que prestam atenção. Estas são poderosas mensagens ao inconsciente que trazem muita informação sólida sobre as pessoas que as deixaram para nós e contém um núcleo vivo absolutamente sensacional e rico, que Campbell ilumina com seus trabalhos.

A idéia de “subir ao céu” não remete a alguma revogação temporária da Lei da Gravidade permitindo a alguém que, sem dispor de propulsão ou traje pressurizado, viajaria pelas estrelas. Acreditar nisso é infantil: insulta nossa inteligência e apequena nossa fé. Por outro lado, jogar essa mensagem fora como se ela a nada se referisse é ainda mais irracional. Pensemos na espiritualização de uma pessoa, alguém que se devota mais a outrem e à contemplação da Criação que a seu próprio corpo. Isto é algo efetivamente muito sublime! “Subir aos céus” é um milagre. Não é fato físico ou, menos ainda, algum tipo de mágica. O milagre da transformação de nossos corações e mentes: é a isso que a metáfora religiosa sempre se refere.

“Morrer para o mundo e renascer nova criatura” é hoje uma metáfora bastante simples e muito usada. Por que é tão difícil vê-la retrospectivamente também, preferindo-se imaginar uma súbita revogação da Lei Natural em algum momento? Nossa Fé se fortalece e nos reconciliamos com a Tradição de nossos ancestrais ao entender a metáfora como tal e não como narração histórica literal – coisa que jamais se propôs a ser...

Campbell visita também o budismo e analisa o relato segundo o qual a princesa Mara (“ilusão” em sânscrito) foi fecundada por um elefante que introduziu a tromba em sua axila e lhe tocou o coração. Tudo a ver com o hinduísmo, mas fisicamente, nenhuma mulher engravida assim... A seguir, Sidartha Gautama, gerado no coração, saiu pela axila de sua mãe já andando e falando. Ninguém nasce fisicamente assim, claro está. O que fazer? Jogar a história fora? Mas qual a mensagem destas metáforas? Alguém que tenha um nascimento tão sublime – entre os gregos era muito comum na mitologia o “parto da virgem”, por exemplo, virgens que dão à luz crianças depois de haverem tido algum tipo de contato (seja com o logos, – como Lucas, que era grego, apresenta para a tradição cristã – seja remotamente físico mesmo) com alguma das divindades daquele rico panteão – estava naturalmente destinado a um futuro também mais sublime. Este tipo de nascimento fantástico, comum a praticamente todas as culturas de formas as mais diversas, é tipicamente uma mensagem que uma geração de seres humanos deixa para a outra acerca de uma pessoa que teve um destino excepcional, ligado a uma forma privilegiada de ligação com a transcendência.

O feminino sagrado
“Quem desejaria o seio de Abraão? Em que outra cultura se ouviu falar de uma mulher que nasce de um homem – como Eva?” pergunta jocosamente Campbell, para sublinhar como foi o massacre da antiga concepção do feminino sagrado em culturas agrárias por culturas patriarcais e belicosas de pastores de gado bovino ou caprino. No caso grego, pastores de gado bovino são liderados por deuses masculinos que se casam com as deusas. No caso hebreu há um massacre completo da concepção de feminino sagrado, que é substituído pelo deus da guerra daqueles pastores de ovelhas. A Deusa da Babilônia é chamada de “abominação” pelos pastores que dominam aquela antiga cultura agrária... Na modernidade, após quase um século de desagregação da família pelo Capital, quando o operário passa a ser exageradamente explorado, a ponto de sua esposa e seus filhos precisarem abandonar os lares para dedicar-se a atividades outrora exclusivamente masculinas o Feminino Sagrado atinge nova dimensão e é vital incorporar esta nova realidade à Teologia do Século XXI.

Eternidade e Transcendência
Em todas as Tradições há uma referência a “algo além”. Há, de fato, algo que transcende nossa percepção e é permanente. Algo que está além da percepção de nossos cinco sentidos, suporta este mundo e determina nossas vidas. Transcender é ir além. Campbell nos esclarece acerca destes conceitos em si. Há certa tendência a confundir “para sempre” com “eterno”. O “para sempre” começa a partir de uma data especial e se prolonga para o Futuro. Eternidade se estende do Passado ao Futuro e o Presente é a ponte desta passagem. Eternidade, portanto, é aqui e agora. Este é o momento do milagre. Aproveite-o bem! Poderosa, a mensagem do mito que boa parte das tradições sepulta em variadas formas de domesticação, conformismo e má compreensão.

Fantasmagorias são absolutamente dispensáveis à mente religiosa que se despiu de preconceitos e concepções ingênuas da Criação. O que desejamos que permaneça após nossa curta passagem por este vale de lágrimas? Nossas Obras, nossa herança genética, aquilo que fazemos e com que marcamos nosso tempo. Leonardo Da Vinci desprezava olimpicamente os “condutos de comida”, aquelas pessoas que, sem nada mais deixar no mundo que latrinas cheias anelavam por “outro mundo” que lhes permitisse ser ou fazer coisas que jamais conseguiram neste. Tão confortador quanto inútil, este sentimento de fantasmagoria, remetente a uma consciência individual que persistiria após esta vida, paradoxalmente prende-nos a um materialismo e um individualismo absolutamente despropositado.

Campbell demonstra ainda notável desconforto diante da evolução da Igreja em nossa cultura. Nos primórdios, a Celebração era em Latim; o Celebrante, de frente para o Misterium Tremendum levava as pessoas a refletir sobre Ele, conduzindo todos a sair da esfera doméstica e ingressar em outra dimensão. Com o passar dos anos a Celebração passou a ser no vernáculo – com o agravante de ter uma porção de associações domésticas: é o idioma que usamos na política, em cobranças financeiras e piadas cotidianas, por exemplo, coisa que muitos Celebrantes fazem em seus Serviços atualmente – e o Celebrante fica de costas para o Misterium Tremendum, de frente para a platéia, frequentemente comportando-se não mais do que como um animador de auditório a falar domesticamente sobre aplicações possíveis de textos sagrados à vida cotidiana, o que apequenou nossa percepção religiosa de maneira notável.

Todas as religiões nascem a partir do que havia de mais avançado na Ciência, na Fé e na Filosofia de seu tempo, ultrapassa-a e a recoloca num patamar mais elevado. O mundo está grávido de uma nova Religião, de uma nova Fé, de um Mito Novo. Enquanto a Fé estiver em contradição com a Ciência e esta for antagonista da Filosofia, estaremos ainda “expulsos do paraíso” para utilizar a metáfora cristã. Estaremos, entre outras “conquistas” da civilização moderna, diante de adultos jovens que, sem uma concepção clara de transcendência, vivem na imanência, sem balizamentos éticos dignos de respeito, jogando-nos nesta barbárie que vemos retratada nas páginas dos jornais.

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Quem foi Joseph Campbell - Biografia de Joseph Campbell
Joseph John Campbell nasceu em 26 de março de 1904 em White Plains, NY, EUA. Campbell foi professor, orador e escritor. Seus trabalhos mais conhecidos são os de mitologia e religião comparativa.

Quando criança se interessou pela cultura dos nativos americanos. Estudou biologia e matemática, mas se formou em literatura em 1925 e se pós-graduou em Literatura Medieval dois anos depois. Neste mesmo ano viajou para a Europa para estudar francês antigo e sânscrito na Universidade de Paris. Aprendeu o francês moderno na Universidade de Munique na Alemanha. Rapidamente aprendeu a ler francês e alemão. Na Europa conheceu as obras de Paul Klee, Thomas Mann, Matisse, Sigmund Freud, Carl Jung e Pablo Picasso.

Os contatos na Europa fizeram Joseph Campbell crer na idéia de que os povos cultivam mitos para explicar suas Campbell retornou aos EUA semanas antes de a Grande Depressão começar. Em 1934 Joseph Campbell tornou-se professor do Sarah Lawrence College, casou com uma de suas alunas em 1938 e se aposentou em 1972.

James Joyce teve uma grande influência. O primeiro livro que destacou Campbell foi "Uma chave para o Finnegan´s Wake" (A Skeleton Key to Finnegans Wake), uma análise crítica da obra "Finnegans Wake" de James Joyce. Tornou-se famoso mundialmente em 1949 com o lançamento de "O Herói de Mil Faces". Entre obras importantes de Joseph Campbell destacam-se os quatro volumes de "As Máscaras de Deus", lançados entre 1959 e 1967.

Joseph Campbell morreu em 30 de outubro de 1987 em Honolulu, Havaí, vítima de câncer. Semanas antes havia gravado o documentário "The Power of Myth" com o jornalista Bill Moyers.


  Tu és Isso: A Religião como Metáfora
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