"Oisin e São Patrício"
Encontro entre o guerreiro dos Fianna Eirinn e o Santo padroeiro da Irlanda.
Por Cato
Após tempos de gloria e honra, Fionn Mac Cumhaill e quase todos os guerreiros Fianna haviam tombado. Quando da batalha de Gabhra, o ultimo grande combate que esses bravos participaram ainda como um grupo, apenas dois dos principais Fianna restaram. Um foi Caoilte, que anos mais tarde matou em combate justo Lir o deus dos mares e tomou seu reino subterrâneo (sidh) para si, ali vivendo eternamente.
O outro sobrevivente dos Fianna Eirinn foi Oisin, que não lutou em Gabhra, pois havia se aventurado em uma grande jornada heróica e amorosa. Oisin caçava perto do lago Killaeney quando uma mulher de “Beleza mais que humana” surgiu das águas e falou, com voz “clara como o barulho de chuva forte nas folhas caídas do outono” que se chamava Niamh e havia se apaixonado pelo guerreiro Fianna. Explicou ainda que havia muito tempo que acompanhava Oisin, e vira seus feitos de honra e bravura, e chegou mesmo a proteger o guerreiro em momentos difíceis, quando a morte era quase certa, escondendo-o sob os ramos das arvores ou entre as águas doces dos rios. Oisin maravilhou-se e se apaixonou perdidamente pela semideusa. Nas palavras do poeta gaélico Michael Comyn, do século dezoito:
“Uma coroa real adornava sua testa,
Um manto marrom de preciosa seda,
Salpicado de estrelas de ouro rubro
cobria o corpo até os pés.
Um anel de ouro pendia de cada uma
De suas tranças do cabelo dourado;
Seus olhos, azuis, límpidos e brilhantes,
Como gotas de orvalho sobre folha de grama.
Mais vermelhas que a rosa eram suas bochechas,
Mais formoso que cisnes flutuando na água era sua face,
E mais suave e doce que mel em vinho tinto eram seus lábios”
Assim bela era Niamh dos cabelos dourados. A semideusa escolhera Oisin como amante e companheiro. Apesar de todos os apelos dos companheiros para que ficasse, Oisin encontrava-se totalmente deslumbrado. O guerreiro montou no cavalo elfico e junto com sua bela amada desapareceu na neblina da manhã. Niamh em seu corcel encantado mostrou a Oisin maravilhas, ilhas onde fadas viviam em paz, onde o sol brilhava suavemente e onde homens e animais ainda conversavam e tudo continuava como nos primórdios da criação. Oisin, como guerreiro Fianna vivera maravilhas em sua vida, vira grandes deuses antigos andando lado a lado com homens dignos, monstros feitos de lava e raiva foram seus inimigos e ouviu cantos das sereias e do povo escondido da floresta. Mas nada se equiparava ao que via agora. A paz era completa e os prazeres oferecidos constantes e completos. A caça seria prazerosa e infinita, pois os animais renasceriam e continuariam os ciclos. As armas não enferrujariam e os corpos não decairiam, em Tir Na Og, terra da juventude eterna. Niamh em tudo supria Oisin, a vida dessa bela semideusa era alegre e ousada. Participava da caça de dia, e a noite, após as cerimônias de dança e canto, deitava-se com seu escolhido para festejar a vida e o futuro. Trezentos anos se passaram antes que Oisin se lembrasse de sua antiga vida. A vontade de rever sua terra e seus semelhantes lhe abateu a vontade e mesmo Niamh, com toda sua dedicação e amor, não conseguia alegrar-lhe o coração. A semideusa explicou a Oisin que os tempos haviam mudado, os deuses outrora fortes, imponentes e constantemente presentes na vida humana haviam se retirado para seus reinos e viviam longe daqueles de vida curta. Vendo que o desejo do amado em rever o que tanto lhe era querido continuava, presenteou-o com um corcel encantado que poderia levá-lo a terra dos homens e lá permanecer enquanto os pés do guerreiro não tocassem o solo da terra humana. Em um texto de autoria desconhecida encontra-se a despedida de Niamh:
“Amado, já não me e possível guardá-lo comigo
Aquilo que foste agora lhe chama mais uma vez
Tua terra e teu povo o aguardam, seu destino lhe espera.
E nada que diga mudara seu desejo mais profundo.
Vá e encontre seu desejo. Peço apenas que volte para mim
Pois não mais viverei sem sua companhia que tanto me alegra.
Não toque seus pés em terra humana, pois a magia não mais se encontra
Em terra de seus antepassados”.
“Satisfaça sua saudade, meu amor. E retorne“.
Após prometer que não tocaria a terra, Oisin cavalgou para a Irlanda nas asas do vento. E como predisse Niamh, Erin havia mudado. Encontrando uma vila indagou por Dagda e os Fianna, e recebeu resposta que esses eram nomes de contos de fada, lendas usadas para assustar crianças. Ouviu ainda que São Patrício havia chegado e mudado tudo, agora homens rezavam ao Deus único e seguiam as palavras dos apóstolos de Seu filho. A própria forma dos homens havia mudado. Eram anões comparados com os de sua época. Doenças dominavam seus corpos e vícios suas mentes. Cavalgando pela ilha viu trinta homens tentando em vão levantar uma placa de mármore. Oisin, em sua bondade se aproximou e ofereceu ajuda, levantando facilmente a pesada placa acima de sua cabeça. A sela não agüentou o peso e cedeu, arrebentando as amarras e lançando o guerreiro ao solo. Assim que Oisin tocou com os pés a terra, o cavalo elfico desapareceu.
O guerreiro, perdendo a juventude mantida por encanto de Tir Na Og, levantou-se como um retorcido ancião, de cabelos brancos e cego.
Vários textos bem humorados mostram como Oisin, agora velho e preso a terra, incapaz de prover o próprio sustento foi protegido por São Patrício (Patrick/Padraigh) e passou a viver no monastério, de forma a poder ser convertido. No texto “Diálogos entre Oisin e Patrick”, encontra-se a descrição de como o santo, pintando com todas as cores possíveis o paraíso tentou conquistar e converter o Fianna. Patrick falava dia e noite sobre os prazeres do céu e o sofrimento no inferno. Dizia que seus companheiros queimavam em eterna danação e que o diabo encarregava-se pessoalmente de suas aflições. Descrevia vividamente as angustias e dores que Oisin teria que suportar caso não aceitasse as palavras dos evangelhos. Durante anos São Patrício repetiu e ameaçou, ate que certo dia Oisin, doente e desesperançado, não mais suportou a ladainha constante de Patrick e respondeu aos argumentos do santo com extraordinária franqueza. Para o Fianna, dificilmente os portões do paraíso resistiriam aos golpes dos seus irmãos em armas e o próprio Deus ficaria orgulhoso de ter guerreiros tão honrados e potentes ao Seu lado. Não acreditava que Fionn MacCumhaill seria torturado no inferno, mas antes, derrotaria o demônio e tomaria posse do território, transformando-o completamente. E ainda, se tudo o que o santo pregasse fosse verdade, qual seria a graça da vida eterna se não mais fosse possível caçar ou cortejar belas donzelas ou ouvir os bardos com suas canções e lendas? Não, Oisin dos Fianna preferiu se encontrar com os Fianna quer estivessem festejando ou queimando eternamente, e assim morreria como havia vivido. Oisin abandonou a casa de seu espírito naquela mesma noite, satisfeito com a vida e com suas decisões.
São Patrício, deu a extrema-unção e abençoou o amigo. O santo chorou e rezou pela alma de Oisin, pedindo a Deus que perdoasse e aceitasse o guerreiro. Os monges relatam um milagre naquela noite. “A nevoa era densa como jamais havia sido vista, grandes vultos angelicais aproximaram-se da amurada, como se esperassem algo. No pátio interno Santa Brígida, com sua beleza inumana e seus cabelos dourados levou a alma do guerreiro pelo portão e os anjos receberam Oisin ao som de cantos de louvor e de armas batendo em escudos enquanto dirigiam-se ao paraíso”.
A historia dos Fianna continua em "Os Fianna Eirinn".
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