CAPÍTULO OITO

O  CAMINHO PARA A PAZ
VENCESLAU BRÁS - 1914-1918

 

   Transporte-se o leitor, por alguns momentos, para uma pacata cidade de interior. Por entre as árvores do bosque, um rio serpenteia, levando suas águas ao destino final de quase todos os rios, que é o imenso oceano. Numa curva, um pouco mais adiante, as águas se espraiam na várzea, formando um remanso. O curso de água, até então agitado, faz uma pausa, como se estivesse a tomar novo fôlego, antes de prosseguir sua longa viagem.

    Numa de suas margens, encontramos um paciente pescador, que ajeita o caniço, coloca a isca que ele mesmo preparou e joga a linha sobre as águas. Em seguida, recosta-se ao tronco de uma árvore, cerra os olhos, como que dormitando, e põe-se a filosofar sobre a vida, o país, a política e o mundo em que vive, do qual participa intensamente, porém, num ritmo diferente de seus companheiros.

    Se tal cena se passa nas primeiras décadas do século 20, se a região é o sul de Minas Gerais, e se a cidade escolhida para compor esta imagem for Brasópolis ou Itajubá, muito provavelmente, o tranqüilo pescador outro não é senão o sereno político mineiro Venceslau Brás Pereira Gomes.

Em busca de um sucessor

   Bem distante desse cenário, no Rio de Janeiro, na segunda metade do ano de 1913, o ambiente era totalmente diverso. Centro nervoso do país, a política do Distrito Federal fervilhava com as negociações para a escolha do sucessor do marechal Hermes da Fonseca. Um dos postulantes, pelos governistas, era Pinheiro Machado, embora negasse isso sistematicamente. O outro, representando a oposição, era, uma vez mais, Rui Barbosa, que sonhava em reencetar a campanha civilista de 1909.

    Apesar de ter sido uma vítima indireta da Política de Salvação Nacional, que tirou do poder dos Estados os seus mais fiéis correligionários, Pinheiro Machado procurava, ainda,  articular sua própria candidatura. Para tanto, aplicava uma tática diversionista, lançando outros nomes que, em seguida, eram queimados, tal como já ocorrera em eleição anterior. Primeiro, ensaiou a candidatura de Rui Barbosa como nome de conciliação nacional. Rui aceitou estudar a proposta, mas encerrou o assunto, quando lhe foi colocada, como condição, a sua desistência a qualquer idéia de revisão constitucional. Pinheiro Machado já contava com essa recusa. Procurou, então o gaúcho Sabino Barroso, nome de prestígio e projeção, certo de que ele rejeitaria o convite. Como Sabino aceitou prontamente a candidatura, Pinheiro desconversou, encerrando o assunto.

    O terceiro a ser consultado, e vetado em seguida, foi o mineiro Francisco Sales, que, quando ministro da Fazenda, teve um de seus atos questionado pelo Tribunal de Contas, o qual levantou suspeitas quanto à lisura do processo. Assim, a indicação do seu nome serviu apenas para tirá-lo da competição.   Passou, então, para o nome do governador do Rio de Janeiro, Oliveira Botelho, de quem obteve uma resposta negativa.

A segunda vertente

    As forças de São Paulo e de Minas Gerais, adversas a Pinheiro Machado, e sonhando com o retorno da política do café com leite, reagiram às manobras citadas e apresentaram Venceslau Brás, como um nome de consenso. Era um político despretensioso, de gênio pacífico e conciliador. Quando vice-presidente do Estado de Minas, não criou dificuldades ao governador João Pinheiro. Por decisão própria afastou-se até a morte deste, em 1909, quando teve de assumir o governo e, ainda assim, manteve a política de seu antecessor, atraindo as simpatias daqueles que se achavam na órbita do poder. Eleito vice-presidente da República, em 1910, passou a ser oficialmente o presidente do Senado, conforme manda a Constituição. Preferiu, entretanto, retirar-se para Itajubá, afastando-se da política, com o que deu plena liberdade de movimentos, tanto ao presidente da República, marechal Hermes da Fonseca, como ao senador Pinheiro Machado que, como vice-presidente do Senado, substituiu Venceslau no trabalho de articulação política.

    Poderia haver melhor nome? O raciocínio dos governistas, tanto no bloco de Pinheiro Machado, quanto no dos adversários deste, era que, uma vez eleito Presidente, Venceslau Brás se renderia às articulações políticas vindas de fora, sem fazer oposição aos interesses dos grupos políticos dominantes. Não havia mais o que discutir. E assim, por unanimidade, escolheu-se o mineiro Venceslau Brás para Presidente, compondo chapa com o maranhense Urbano dos Santos, para vice.

    Os adversários, por sua vez, firmaram posição, lançando o baiano Rui Barbosa e o paulista Alfredo Ellis, ambos apoiados pelo governador da Bahia, J.J.Seabra. Que não iam ganhar, já sabiam. O que verificaram logo é que não havia mais ambiente para arregimentar as massas, numa nova campanha civilista, como em 1909, até mesmo pela falta da motivação principal, que seria um opositor saído dos quartéis. Havia um protagonista, Rui Barbosa,  mas faltava o antagonista, um papel que, certamente, não cabia na personalidade de Venceslau Brás. Reconhecendo essa realidade, Rui anunciou sua desistência à candidatura, chegando-se, pois, às eleições, com uma chapa única.

    Realizado o pleito, em 1º de março de 1914, contaram-se 532 mil votos para Venceslau Brás e 47 mil votos de simpatia para Rui Barbosa. Note-se que, para uma população em torno de 45 milhões de almas, o comparecimento às urnas foi insignificante, revelando, novamente, a desilusão dos grandes centros pela política nacional. No dia 15 de novembro de 1914, com apoio quase irrestrito, Venceslau Brás era empossado presidente da República, para um mandato de quatro anos.

Quem era Venceslau Brás

   Venceslau Brás Pereira Gomes nasceu na cidade de Brasópolis, próximo a Itajubá, em 1868. Na adolescência, mudou-se para São Paulo, onde completou seu curso secundário, matriculando-se, em seguida, na Faculdade de Direito do largo de São Francisco. Formado, volta ao interior de Minas, trabalhando, então, como promotor público.

    Em Minas Gerais, elege-se deputado estadual por duas vezes e, em 1902, vai para a Câmara Federal. Em 1906 é eleito vice-Presidente de seu Estado e, em 1909, substitui o governador João Pinheiro, que falecera. Em 1910, é eleito vice-Presidente da República (por conseqüência, também presidente do Senado Federal), mas retira-se para Itajubá, onde passa a maior parte de seu mandato.

    Agora, eleito e empossado presidente da República, Venceslau Brás organiza seu Ministério como segue: Justiça, Interior e Instrução, Carlos Maximiniano Pereira dos Santos, gaúcho e colorado; Exterior, Lauro Severiano Müller catarinense e descendente de alemães, que vinha já ocupando a pasta desde a morte do barão do Rio Branco; Fazenda, Sabino Barroso, gaúcho e homem de confiança do Presidente; Agricultura, João Pandiá Calógeras, engenheiro fluminense; Guerra, José Caetano de Faria, gaúcho e opositor de Pinheiro Machado; Marinha, almirante Alexandrino Faria de Alencar, gaúcho, que vinha do governo anterior; Viação, Augusto Tavares de Lira; Prefeito do Distrito Federal, Aurelino Leal, nome da confiança de Pinheiro Machado.

    Como se percebe, uma boa parte do Ministério atendia a indicações do Rio Grande do Sul, fruto de entendimentos com o senador Pinheiro Machado e com o governador Borges de Medeiros.

Os vícios da República

   Infelizmente, muito do tempo de um Presidente era tomado, não em atos administrativos do interesse da Nação, mas em resolver questões políticas e legais, resultantes do sistema eleitoral vigente.

    Como se disse em capítulos precedentes, o voto de cabresto, as eleições abertas, registradas a bico de pena, as atas eleitorais falsificadas e, sobretudo, as Comissões de Verificação formadas nos parlamentos para referendar ou modificar o resultado das eleições, acabavam por provocar batalhas judiciais, gerando sentenças que, na maioria das vezes não eram cumpridas pelos vencedores, os quais detinham o poder e a força policial para garantir suas posições.

    Assumindo a Presidencia, Venceslau encontrou alguns desses casos pendentes e, com as eleições estaduais que se realizariam nos anos seguintes, outros novos casos surgiriam, atormentando a vida do chefe da Nação e colocando-o entre dois fogos. O peso era maior para o novo Presidente, dado o compromisso assumido anteriormente, de que as forças policiais seriam colocadas para defender as decisões da justiça, ainda quando o governo não concordasse com elas.

    Foi assim que se resolveram as questões surgidas nos Estados de Pernambuco, Piauí, Amazonas, Alagoas, Espírito Santo e Goiás. Mas houve um caso, o do Estado do Rio, envolvendo o ex-presidente Nilo Peçanha, que merece ser visto em separado, pela maneira inusitada com que ele se desenvolveu, comprometendo a independência dos três poderes da República.

O caso do Estado do Rio

    O impasse criado no governo do Estado do Rio de Janeiro era uma bomba de efeito retardado que surgiu nas últimas eleições estaduais, dois anos atrás, e que Hermes da Fonseca vinha cozinhando, lentamente, em banho-maria, passando o explosivo ao seu sucessor, com todas as honras e glórias.

    A querela vinha de longe e envolvia disputas pessoais, além do interesse puro e simples pelo poder. Nilo Peçanha, em 1908, elegeu seu sucessor no Estado, o correligionário Oliveira Botelho, contando com sua fidelidade. Botelho, entretanto,  rompeu com o chefe, passando a apoiar ostensivamente o bloco político do senador Pinheiro Machado.

    Nas eleições a governador, em 1912, Oliveira Botelho, inopinadamente, lança o nome de Feliciano Sodré, figura pouco conhecida, mas do agrado de Pinheiro Machado. Furioso com a traição, Nilo Peçanha candidata-se, ele mesmo, para fazer frente aos seus desafetos.

    Claro que, tendo sido governador do Rio de Janeiro e Presidente da República, enfrentando um adversário desconhecido do eleitorado, Nilo tinha todas as chances de vencer as eleições. Precavendo-se, o governador convoca a Assembléia Legislativa, onde conta com a maioria, e trata alterar a composição das forças na mesa da Assembléia que deverá julgar os resultados das eleições e determinar qual dos nomes será referendado. Retirando os nilistas dessa composição, o governador garante o sucesso das manobras que se farão na verificação dos resultados, momento em que a Assembléia deverá referendar o nome daquele que, segundo ela, foi o escolhido das urnas.

    Indignada, a oposição nilista apresenta recurso junto ao Supremo Tribunal Federal, o qual anula o ato e manda restabelecer a antiga mesa da Assembléia. Orientada pelo governador, esta decide não cumprir a ordem judicial e impede a entrada da oposição em plenário. O governo, reforçando sua posição, manda cercar o prédio da Assembléia com tropas policiais. Como resultado, passa a haver, então, dualidade de Assembléias, uma apoiada pelo governador e outra firmada no acórdão do STF.

A crise em nível federal

   A posse, sabe Deus de quem, deveria ocorrer a 31 de dezembro de 1914 e, como o marechal Hermes deixaria a Presidência em 15 de novembro, era preciso agir com rapidez. Os governistas, a 2 de outubro, solicitaram intervenção federal no Estado do Rio. O presidente da República, apoiando o candidato de Pinheiro Machado, aceita o pedido e envia mensagem ao Congresso, criticando a decisão do Supremo e solicitando Estado de Sítio para descumprir o mandado judicial. Na Câmara Federal, o deputado Fernando Mendes também critica o STF e pede que seja votada censura àquela corte pela decisão tomada. Essa moção absurda é retirada do Parecer à mensagem sobre o Estado de Sítio, sob a alegação, mais absurda ainda, de que censurar o Supremo não é função da Câmara, mas do Senado!

    Em 15 de novembro de 1914, sai Hermes e entra Venceslau, que havia jurado cumprir as decisões judiciais, sem entrar no juízo de valores das resoluções. Havendo interferido inicialmente na formação do Ministério, Pinheiro Machado pensava estar com força suficiente para acuar o novo presidente da República e vai ao Palácio, ameaçando retirar todo o Ministério sob seu controle e mais o apoio de suas bancadas na Câmara e no Senado, se o Presidente insistisse em enviar tropas na defesa da lei.

    Nesse instante, Pinheiro percebeu que o mineiro sossegado e conciliador não era tão fácil de manobrar como havia parecido a princípio. Venceslau reagiu com energia, dispondo-se ele mesmo a demitir o Ministério, substituindo os nomes indicados pelo gaúcho por outros, vindos de outras partes do país, que fossem igualmente capazes, e que, diferentemente, estivessem dispostos a servir o país. Não havia mais o que conversar.

    Em 27 de dezembro, quatro dias antes da posse, o grupo governista estadual manda ao Presidente uma representação pedindo providências contra indevida a interferência do Supremo Tribunal Federal em assuntos do Estado do Rio. Na forma da lei, o Presidente encaminha tal representação ao Congresso, que, entretanto, caminhava para o recesso de fim de ano, pelo que houve muita agitação, mas nenhuma posição foi firmada.

O epílogo de uma crise

    Havendo dualidade de Assembléias, em 31 de dezembro, passou a haver também uma dualidade de Governadores: Feliciano Sodré foi empossado pelos governistas, enquanto que Nilo Peçanha era empossado pela oposição. O Estado achava-se agora em ponto de confronto, numa tensão tal que qualquer incidente poderia levar à eclosão de  uma guerra civil.

    O assunto arrastou-se por mais oito meses, até que, em 8 de setembro de 1915, ocorre o inesperado assassinato do senador Pinheiro Machado, que dava sustentação aos governistas fluminenses. Foi água na fervura. Perdendo sua base de apoio, os governistas desistiram da luta e Nilo Peçanha, por fim, é reconhecido como Presidente do Estado do Rio, para um mandato que vai até 31 de dezembro de 1918.

    A crise que atingiu o Estado do Rio de Janeiro por mais de um ano não foi maior que as questões levantadas nos outros Estados, em disputas semelhantes. Ela é contada aqui para mostrar como, naquela época, era difícil a aplicação do princípio de independência entre os três poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Usando de todos os estratagemas, cada um interferia abertamente na ação dos outros dois, causando desordens e tumultuando a vida do país.

O Brasil e a Primeira Guerra Mundial
(Veja também http://www.estadao.com.br/guerra/galeria.htm)

    O governo de Venceslau Brás se desenvolveu, todo ele, dentro do clima proporcionado pela Primeira Grande Guerra. Ela começou em 28 de junho de 1914, quatro meses antes da sua posse, e terminou em 11 de novembro de 1918, quatro dias antes do término do seu mandato, com a entrega da faixa ao seu sucessor. Assim, as diretrizes do governo ficaram limitadas e condicionadas a esse importante acontecimento histórico que, embora ocorrendo na Europa, influiu decisivamente na vida das três Américas.

    Na primeira fase, participaram da guerra, como inimigos a Alemanha, a Áustria-Hungria, Turquia e Bulgária; como amigos, a Inglaterra (Império Britânico), a França e a Rússia czarista, acompanhadas, também, pela Sérvia e Montenegro (Iuguslávia) e pela Bélgica (Países Baixos) A Itália, embora aliada da Alemanha, acabou assinando um acordo secreto com a Inglaterra, passando para este segundo bloco. Em 1917, saiu a Rússia, premida pelos acontecimentos internos com a derrubada do Império e a instituição do regime soviético. Em compensação, entraram os Estados Unidos, seguidos pelo Brasil e pelos países da América Central. Permaneceram na neutralidade Argentina, México, Chile, Venezuela e Paraguai. Quanto ao Uruguai, Peru, Equador e Bolívia, estes ficaram em cima do muro, rompendo relações com os países inimigos, mas sem qualquer outro envolvimento. Parece complicado, não? Mas foram quatro anos, em que as forças se compuseram e se recompuseram, premidas por outros acontecimentos paralelos à guerra.

    A partir de 1917, o Brasil teve bombardeados vários navios mercantes. Em represália, fez a apreensão outros tantos navios alemães que se achavam na baía da Guanabara, bem como da canhoneira Eber, ancorada em Salvador. O ministro das Relações Exteriores, Lauro Müller, que vinha prestando bons serviços na diplomacia desde a morte do barão de Rio Branco, sofreu grandes pressões, por ser de origem alemã, e teve de renunciar, sendo substituído por Nilo Peçanha, que deixou o governo do Rio para atender a essa emergência.

    O Brasil se manteve na neutralidade, em relação à guerra, até 1º de junho de 1917, quando foi decretado o Estado de Beligerância. Quatro meses depois, a situação se agravou e, em 26 de outubro de 1918, o Congresso Nacional "Reconhece e proclama o Estado de Guerra iniciado pelo Império alemão contra o Brasil".  Nossa participação efetiva foi o envio, ao campo de batalha, de médicos cirurgiões, auxiliados por um grupo de estudantes de medicina. Também enviamos soldados, mas apenas para guardar o hospital brasileiro de campanha.

    No plano interno, desde a retração dos capitais estrangeiros, no fim do governo Hermes da Fonseca, a situação ficou delicada, a ponto de termos de recorrer a uma nova moratória da dívida externa. Depois, com a guerra em andamento e o Brasil em neutralidade, aumentamos nossas exportações de produtos agrícolas e matérias primas. Impossibilitados de importar indiscriminadamente como fazíamos antes, tivemos que recompor a indústria nacional, azeitando as velhas máquinas enferrujadas e colocando-as novamente na produção de bens de consumo. Sem peças de reposição, tivemos de recorrer à mecânica nacional. Com isso, ativou-se a economia interna, resultando na geração de novos empregos. Como resultado de todas essas mudanças, ao término da guerra, nossa balança comercial tinha um apreciável saldo positivo.

A ronda da morte

   O ano de 1918 foi marcado por outro acontecimento, paralelo à guerra, mas tão terrível como esta, como se a ira divina se abatesse sobre a humanidade com o intuito de destruí-la, antes que os homens o fizessem com suas próprias mãos. Falamos da gripe espanhola, importada da Europa, mas que chegou ao Brasil com toda a fúria, despertando horrores, causando desorientação geral, e enlutando centenas de milhares de famílias. Nem se sabe ao certo quantos morreram, pois não havia tempo nem condições para identificar os mortos. Nem as sete pragas do Egito, reunidas, causaram tanto estrago e geraram tamanho pavor quanto esta hecatombe, provocada pela epidemia, que chegou ao Brasil em março de 1918 e teve sua presença marcada nos meses seguintes.

    As escolas fecharam, depois fechou o comércio e ficou semi paralisada toda a atividade produtiva. Todas as mãos disponíveis foram mobilizadas, de médicos e enfermeiros até voluntários que, a última hora, foram instruídos para prestar os mais elementares socorros. Nada disso evitou a imensa tragédia. Os mortos eram recolhidos pelas ruas, empilhados em caminhões e jogados em valas comuns, até que nem coveiros havia mais para abrir essas valas, tendo-se que mobilizar tropas militares para realizar o trabalho.

    Ao fim, realizou-se a contagem dos prejuízos materiais, já que não se pôde contabilizar as perdas em vidas humanas.. Houve depois o retorno as atividades econômicas. As férias escolares se prolongaram pelo ano inteiro e o Congresso Nacional aprovou um projeto, passando de ano todos os alunos da rede escolar, independentemente de exames. O Brasil sacudiu a poeira, deu a volta por cima, e reiniciou a vida, tal como havia feito após a guerra do Paraguai. Mas os que viveram, não esqueceram jamais, e contavam aos seus descendentes, com a vivacidade de quem esteve presente, o horror daqueles momentos.

    Não que não tivéssemos, depois disso, outras gripes igualmente perigosas. Nos anos 50, por exemplo, registraram-se as epidemia da gripe coreana e, depois, da asiática. Mas, a esta altura, já havia meios rápidos para deter sua propagação, e o mundo contava, também, com poderosos remédios, capazes de cortar o mal antes que ele se agravasse. Já em 1918, houve a surpresa e o despreparo, além da   falta de saneamento básico, juntando-se, pois, vários fatores que contribuiram para transformar uma grande epidemia numa enorme tragédia.

A Guerra do Contestado

   Em 1912, a divisa entre Paraná e Santa Catarina era alvo de uma longa disputa entre os dois Estados. Tratava-se de uma vasta extensão de terras, indo desde o Rio Chopin, a oeste, até o Rio Negro, a leste. O governo de Santa Catarina apegava-se a uma documentação bastante antiga, que provava serem aquelas terras, originariamente, de seu Estado. O Paraná contestava com o conceito de posse efetiva, ou seja, mais importante que os títulos era a ocupação das áreas contestadas cujo desenvolvimento era fruto do trabalho deste Estado. A par da luta entre as duas unidades de uma mesma federação, eclodia outro movimento, de caráter popular e místico, resultante da miséria, do descaso social e de interesses econômicos, centralizados na produção da erva-mate.

    Terminada a construção da estrada de ferro ligando São Paulo ao Rio Grande do Sul, os trabalhadores envolvidos nesse projeto foram simplesmente dispensados e abandonados ao desemprego. Com a valorização das terras às margens da nova ferrovia, estas foram concedidas a grandes companhias interessadas em projetos de colonização, trazendo, em conseqüência, a expulsão de posseiros que faziam nelas uma agricultura de subsistência. A estes desocupados, junta-se uma terceira categoria, a dos jagunços, descompromissados com a lei e a ordem. Todo essa população de excluídos passa a afluir para as áreas em litígio, que não pertenciam nem ao Paraná, nem a Santa Catarina, já que sua posse estava sendo contestada por ambos os Estados.

    Faltava apenas um líder carismático para levantar ali um movimento messiânico, como ocorrera em Canudos. Esse líder surgiu em 1912 na figura do monge José Maria, um biótipo do caboclo brasileiro que, à moda de Antônio Conselheiro, trazia também longos cabelos e barba espessa, dedicando-se a curas milagrosas e a pregar a restauração da monarquia.

    Como em Canudos, também aqui o governo resolveu ignorar as questões sociais envolvidas no drama, preferindo atacar os rebeldes, de frente, com forças policiais. Mais infeliz que Antônio Conselheiro, o monge morre logo no primeiro embate com a polícia. Não obstante, os fanáticos prosseguem na empreitada, confiantes de que o líder ressurgiria dentre os mortos para retomar o comando. Quatro longos anos se seguiram, com os rebelados enfrentando as forças legais, quase sempre, levando a melhor.

    Decidindo liquidar de vez com o problema, o governo manda, então, formar um exército de sete mil homens, entregando-o ao comando do general Fernando Setembrino de Carvalho. A essa altura, começava-se a formar a nossa força aérea e os aviões fizeram sua estreia guerreando contra os próprios brasileiros. Era trabalho dos aviões dispersar os agrupamentos revoltosos, abrindo espaço para a penetração das forças de terra. Muitos desses infelizes, que não foram chacinados na operação de guerra, acabaram por morrer de doenças endêmicas como o tifo e a febre. Mas ainda sobrou um pequeno contingente, que se dispunha a prosseguir até a morte em sua guerra santa.

    Em 1916, a situação começou a se acomodar, quando o presidente Epitácio Pessoa, agindo como árbitro da disputa entre os governos, levou-os a um acordo sobre os limites do Paraná e Santa Catarina, estabelecendo-se assim as responsabilidades de cada um pela ordem pública e social nos territórios. A paz com os revoltosos, passou, então, a ser uma questão de tempo, de firmeza e de habilidade na condução do assunto pelos próprios governos estaduais. Nem foi preciso convocar o Exército Nacional, como havia sugerido o general Setembrino, em seu relatório final.

Fim de governo

   Considerados todos os componentes que limitaram a ação do governo central nesses quatro anos, especialmente o conflito mundial que afetou todos os países e, igualmente, o Brasil, o saldo do governo Venceslau Brás é, certamente, positivo. A moratória internacional já tinha sido acertada no governo Hermes da Fonseca. Coube a Venceslau fazer um governo de austeridade, cortando gastos, reduzindo cargos públicos ao mínimo e emitindo letras do tesouro para captação de recursos, as sabinadas, nome dado em alusão ao ministro da Fazenda, Sabino Barroso.

    A guerra, longe de nos causar despesas, ajudou a consertar nossa precária situação econômico-financeira. Aumentamos as exportações, reativamos o setor produtivo, gerando novos empregos, e terminamos o período com um superávit em nossa balança comercial. O presidente maleável, como muitos achavam, mostrou que tinha energia e disposição suficiente para enfrentar os problemas, sem precisar de uma eminência parda a dirigir-lhe os passos e determinar seus atos.

    Terminado o governo, e transferida a faixa ao seu sucessor, Venceslau Brás abandonou a carreira política e voltou para seu lugar de origem, a microrregião de Itajubá, onde o velho rio, descançando um pouco mais sobre o remanso, esperava pela volta do saudoso companheiro. O ex-Presidente, pôde, então, retornar ao habitual sistema de vida, ajustado ao ritmo da natureza, com a qual conviveu até os seus 98 anos de idade, muito bem vividos. Morreu de 1966, a tempo de ver caírem três repúblicas, e ainda a tempo de ver o surgimento de um Regime Militar, com o qual o país teve de conviver por 21 anos. Que Deus o tenha em sua companhia.

 
 

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