| 
 | 
 | 
 | 
 | 
 | 
 | 
 | 
 | 
  Biblioteca» Geraldo de Barros (fev/mar05)
William Claxton (abr/mai05)
Geraldo de Barros (fev/mar05)
Alberto Korda (dez/04)
Cindy Sherman (nov/04)
Robert Frank (out/04)
Você utiliza em sala de aula atividades que lidam com linguagem visual?

Sim, sempre
Sim, às vezes
Não



A Konfide Consultoria em Projetos Web apóia a ImageMagica

Geraldo de Barros: A Fotografia como Ato Criativo

Por Alline Nakamura*

 

Paulista de Xavantes, Geraldo de Barros (1923-1998) é considerado um dos maiores representantes da arte moderna no Brasil. Seu trabalho fotográfico desenvolvido no final dos anos 40 e início da década de 50 foi trazido novamente à tona nos anos 90, com exposições dentro e fora do Brasil.

 

Além da fotografia, sua intensa produção se manifestou através de outros meios de expressão: pintura, gravura, desenho, artes gráficas e desenho industrial.

 

Foi participante e fundador de importantes movimentos e associações artísticas como o grupo Ruptura (um dos articuladores do Concretismo no Brasil) e a Galeria Rex (responsável pelos primeiros happenings  em São Paulo, nos anos 60).

 

Na área do design, Barros foi um dos fundadores do grupo Form Iform e da cooperativa de produção de móveis Unilabor. Além de ganhar vários prêmios por seus projetos, o maior destaque nesse ramo foi a criação, junto com Aluísio Bione, da Hobjeto Indústria de Móveis, em 1964.  Em comunicações visuais, ganhou o concurso de cartaz para o IV Centenário da cidade de São Paulo, em 1952.

 

No período de 70, fez experimentações com outdoors publicitários. A partir do final dessa época até a década de 90, ele retoma as construções geométricas de suas pinturas da fase concreta, utilizando a fórmica como suporte e fazendo tiragens, num processo industrial.

 

Através dessa introdução, pode-se perceber como a obra de Geraldo de Barros fornece múltiplas vertentes de pesquisa, não apenas pela sua atuação em diversas áreas, mas porque cada uma de suas manifestações está estreitamente conectada ao contexto histórico e artístico em que se desenvolveram. Seria necessário um estudo mais aprofundado sobre cada uma das fases de seu trabalho e as diversas questões que elas sugerem.

 

Entretanto, o enfoque desse texto será mais sobre alguns pontos de sua produção fotográfica na década de 40 e 50 e a sua retomada nos anos 90 do século XX.

 

O Começo

Os primeiros contatos de Geraldo de Barros com a fotografia ocorreram em 1946. Nesse período, o jovem Geraldo já pintava e desenhava, tendo freqüentado os ateliês de Clóvis Graciano e Takaoka. É no ateliê do mestre japonês que ele conhece o jovem artista Athaíde de Barros.

 

Em 1946, Athaíde, que almejava se tornar fotógrafo profissional, convidou Geraldo para acompanhá-lo e ambos tirarem fotos de times amadores de futebol, na periferia de São Paulo. Era uma forma de eles obterem alguma renda.

 

Através de uma máquina construída por ele mesmo conforme as instruções de um manual de ofícios, Geraldo vai descobrindo as técnicas da fotografia. Depois, ele construiu, junto com Athaíde, um pequeno laboratório de fotografia no ateliê de pintura do Grupo XV, onde ambos eram integrantes.¹

 

Nesse período, já com uma Rolleiflex 1939, além de tirar fotos dos locais que ele costumava pintar, começou a fazer suas experimentações, como as duplas ou mais exposições do filme na Estação da Luz.

 

Sobre a técnica

Barros passou então a explorar as inúmeras possibilidades que a sua máquina e o laboratório proporcionavam, sem pudores quanto à técnica “correta”, subvertendo os padrões tradicionais de exposição, revelação e ampliação. Para Geraldo, o que importava era o processo criativo:

 

“(...) é no erro, na exploração e domínio do acaso que reside a criação fotográfica. Me preocupei em conhecer a técnica apenas o suficiente  para me expressar, sem me deixar levar por excessivos virtuosismos. (...) Acredito que a exagerada sofisticação técnica leva a um empobrecimento dos resultados, da imaginação e da criatividade, o que é negativo para a arte fotográfica.” ²

 

Geraldo considerava a fotografia como um processo de gravura. Ele perfurava e raspava o negativo, desenhava sobre o mesmo com nanquim e ponta seca; utilizava a técnica de solarização, fazia cópias únicas a partir de cartões perfurados e montagens com papel celofane prensado entre duas placas de vidro.

 

O resultado eram composições, em sua grande parte, abstratas. Mas ao contrário da rigidez geométrica, elas eram cheias de dinâmica e harmonia, graças à variação de ângulo e contraste entre os elementos. Os riscos e desenhos traziam uma maior organicidade às imagens. Algumas delas, como as fotografias de ásperas paredes com desenhos sobre o negativo remetem à simplicidade e liberdade dos desenhos infantis.

 

As imagens de Geraldo e as tendências artísticas

As fotografias de Geraldo de Barros iam de encontro com as experiências realizadas anteriormente nos anos 20 e 30 por muitos fotógrafos e artistas da vanguarda européia e americana, que trouxeram a fotografia para o campo artístico. Eles a viam não como um processo documental, de mimesis da realidade, mas sim como um meio de criação como a pintura, o desenho ou a colagem.

 

Entre as várias associações que podem ser feitas ao olhar as fotografias de Geraldo de Barros, podem-se citar as pinturas de Mondrian, os desenhos de Paul Klee, os grafites de Brassaï e as experimentações fotográficas de Man Ray.

 

Seu trabalho também dialogava com os de artistas europeus e americanos do período do pós-guerra, como o fotógrafo alemão Otto Steinert, que considerava a fotografia abstrata uma forma de criação absoluta. Nos Estados Unidos, influenciado pelo expressionismo abstrato, Harry Callahan utiliza a técnica de múltiplas exposições de um mesmo negativo.

 

1948- 1952

Em 1948, Geraldo de Barros tornou-se membro do Foto Cine Club Bandeirantes, a fim de mostrar e debater seus trabalhos. Entretanto, suas composições abstratas aliadas à sua liberdade técnica provocaram várias discussões com os integrantes do clube, que o criticavam por ele não se preocupar com o purismo técnico nem com a “representação do real”.

 

No Brasil, Geraldo foi pioneiro ao propor uma nova maneira de entender a fotografia como um ato criativo e não somente um processo documental, ampliando as possibilidades poéticas de compreensão da realidade através dessa linguagem visual.

 

Seu raciocínio estético estava associado aos ideais do Concretismo no Brasil, movimento artístico que viria a se desenvolver na década de 50, sobretudo na poesia e artes visuais. Em 1949, o crítico Mário Pedrosa, um dos precursores das manifestações concretas, mostra para Geraldo de Barros os princípios da Gestalt (Teoria Geral da Forma), que irá influenciar as artes plásticas naquele momento. De acordo com essa teoria, a imagem do quadro ou fotografia não é uma representação, mas uma idéia visível, objetiva.

 

Nesse contexto, Geraldo de Barros realiza sua exposição “Fotoforma”, em 1950, no MASP. Nesse mesmo local, em 1949, à convite do diretor e idealizador do MASP, Pietro Maria Bardi, Geraldo construiu um laboratório de fotografia dentro do museu, algo incomum naquela época.

 

Toda concepção da mostra, incluindo os suportes das fotos, foi projetada pelo artista. O sucesso dessa exposição culminou no recebimento de uma bolsa de estudos do governo francês.

 

Em 1951 (ano da primeira Bienal de SP), Geraldo parte para Paris, onde tem contato com artistas (entre eles o fotógrafo Henri Cartier-Bresson) e participa de exposições. Viaja toda Europa e volta para o Brasil em 1952, onde participará da fundação do grupo Ruptura, movimento de arte concreta que defendia uma nova forma de pintura, anti-hedonista e mais objetiva, baseada no ritmo e estruturação de formas geométricas, através dos princípios da Gestalt.

 

Nessa mesma época, Geraldo volta-se mais ao desenho industrial e abandona a fotografia, retomando sua produção num curto período no final dos anos 70 e depois, somente nos anos 90. ³

 

Dado a explosão de descobertas e experiências na fotografia, pode-se considerar natural o abandono da mesma no início dos anos 50. Geraldo talvez pudesse, naquele momento, entrar numa repetição de fórmulas que causaria a perda da intensidade inicial daquelas experimentações.

 

Além disso, num período em que o Brasil estava em acelerado processo de industrialização e urbanização, o interesse pelo design era uma forma de inserir a arte no cotidiano das pessoas, de “ampliar o alcance social de uma estética não mais feita para salões e galerias, mas sim para o homem que trabalhava” 4, segundo Marcos Augusto Gonçalves.

 

Fase Final

Nos últimos anos de sua vida, Geraldo de Barros não tinha mais condições físicas de pintar ou exercer outras atividades. Desde os anos 80, encontrava-se enfraquecido devido à constantes isquemias cerebrais.

 

Em 1996, quase sem falar e locomovendo-se em uma cadeira de rodas, com a ajuda da assistente Ana Moraes, ele retoma o trabalho fotográfico e realiza sua última produção, a série intitulada “Sobras”.

 

As imagens foram realizadas a partir de montagens, utilizando velhos negativos e cópias dos anos 40, com registros de viagens, paisagens e familiares.

 

Sob a supervisão de Geraldo, os negativos e cópias foram cortados pela sua assistente e depois, colados em placas de vidro com fita isolante preta. E assim ele produziu até 1998, ano de seu falecimento.

 

Ao contrário da tendência de grandes formatos da fotografia contemporânea, suas últimas fotos são de pequenas dimensões, não indo além de 10x16 cm.

 

Nessa série nota-se a continuação de sua visualidade da fase concreta dos anos 50, através da estruturação de elementos dentro da área compositiva. Ao mesmo tempo, a memória afetiva dos temas registrados aflora no processo de montagem e concepção das imagens, criando pequenas poesias visuais.

 

São composições geometricamente estruturadas, porém de um lirismo tocante, como se fossem aquelas brincadeiras de recorte e colagem que todo mundo faz na infância. E como as crianças, Geraldo esteve receptivo as mais diferentes manifestações e descobertas em qualquer área, acreditando, sobretudo na liberdade como norteadora da vida.

 

A retomada da produção fotográfica após muitos anos, partindo de montagens com imagens tão antigas, pode ter sido um meio de encará-las com um olhar renovado e, ao mesmo tempo, de resgate de lembranças, como se fosse passada em revista toda a sua história nos seus últimos dias. E ainda assim, Geraldo de Barros conseguiu criar novas obras, que não se tratam de imagens privadas e sim, universais.

 

 

Notas

 

¹ Não há informação específica sobre qual era o tipo de câmera que ele montou:”(...)Using a camera he had built himself with the aid of a DIY manual, Geraldo discovered the tecniques of photography.(...)”.

FAVRE, Michel. “Biography of the artist”.In Geraldo de Barros- Fotoformas, Misselbeck, Reinhold (ed.),  Prestel, Germany, 1999. p. 127.

² BARROS, Geraldo de. Fotoformas, Editora Raízes, São Paulo,1994.

³ É interessante lembrar que entre os anos 50 e 90, em 1979, Geraldo de Barros participou da Bienal de Veneza na exposição Venezia’79/ La Fotografia , com uma série realizada a partir de novas tiragens de velhas fotos dos anos 40, encontradas por sua filha Fabiana numa velha caixa, em 1975.

FAVRE, Michel. “Biografia” (tradução de Cecília Leuenberger). In Geraldo de Barros- Fotoformas, Misselbeck, Reinhold (ed.),  Prestel, Germany, 1999. p. 136 e 37.

4 GONÇALVEZ, Marcos Augusto. “O moderno fora do centro”. In Geraldo de Barros- Fotoformas, Misselbeck, Reinhold (ed.),  Prestel, Germany, 1999. p. 15

 

 

Onde Saber Mais

Em Livros:

BARROS, Geraldo de. Fotoformas, Editora Raízes, São Paulo,1994.

MISSELBECK, Reinhold (ed.). Geraldo de Barros- Fotoformas, Prestel, Germany, 1999.

Internet:

http://www.artbr.com.br/casa/noigand/index.html (p/ saber mais sobre o Concretismo)

http://www.mac.usp.br/projetos/percursos/geraldo/biografia.html

http://sicardi.com/Artists/profile.cfm?artistid=12 (com algumas imagens do período Fotoformas)

http://www.obraprima.net/materias/html665/html665.html

 

*Alline Nakamura é artista plástica e fotógrafa.                        

allnaka@yahoo.com.br