OPOSTOS

“Os opostos são as inerradicáveis e indispensáveis precondições de toda vida psíquica”, escreveu Jung em uma de suas últimas obras (CW 14, parág. 206). Conhecer bem o princípio da oposição é essencial para a compreensão de seu ponto de vista. Era o fundamento para seus empreendimentos científicos e jazia na raiz de muitas de suas hipóteses. Jung estava expressando o dinamismo da psique em termos da primeira lei da termodinâmica que afirma que a energia requer duas forças opostas. Em diferentes ocasiões, referiu-se a diversas fontes filosóficas para sua tese, porém nenhuma era reconhecida como primária.

Desde a época de sua conceitualização do papel do INCONSCIENTE como um contrapólo à CONSCIÊNCIA (e, portanto, capaz de exercer uma função compensatória), Jung aplicava o conceito da dualidade intrínseca a um campo permanentemente em ampliação da pesquisa psíquica, da observação e do discernimento (ver COMPENSAÇÃO). Não discutiu nem tentou verificar a teoria na mesma medida de sua aplicação. Atentos a esse fato ou não, desde o começo os psicólogos analíticos confiaram na teoria da oposição.

Aplicando-se a teoria de Jung, pares de opostos são considerados como de natureza irreconciliável. No estado natural, coexistem de forma não-diferenciada. As faculdades e necessidades de uma vida humana contida em um CORPO vivo fornecem regras e limitações próprias que impedem um excesso de desproporção psíquica; estados conscientes e inconscientes são harmoniosos na “pessoa equilibrada”. Porém, a dissolução de qualquer “compromisso” obtido entre duas metades de um par torna a atividade da oposição sempre mais intensa e produz um desequilíbrio tal como aquele que se observa às vezes no distúrbio neurótico. A alternância ou a experiência de se estar à mercê ora de um e ora de outro par de opostos é o sinal de uma consciência despertando. Quando a tensão se torna intolerável, é preciso descobrir uma solução e o único alívio viável deverá ser encontrado em uma reconciliação dos dois a um nível diferente e mais satisfatório.

Felizmente, da colisão entre duas forças opostas, a psique inconsciente tende a criar uma terceira possibilidade. Esta tem uma natureza irracional, inesperada e incompreensível à mente consciente. Apresentando-se nem como um sim direto nem como uma resposta não, conseqüentemente a terceira não será de imediato aceitável a qualquer um dos pontos de vista opostos. A mente consciente não apreende nada, o sujeito nada sente exceto as oposições e, assim, não tem conhecimento daquilo que as unirá. Portanto, é o SÍMBOLO ambíguo e paradoxal que é capaz de atrair sobre si a atenção e, eventualmente, reconciliar as duas. A situação de conflito, que não apresenta nenhuma solução racional ao dilema, é a situação na qual a oposição das “duas” produz uma “terceira” irracional, o símbolo.

“A ciência parece estacar junto às fronteiras da lógica, porém... a natureza não vacila como os opostos; usa-os para criar, pela oposição, um novo nascimento” (CW 16, parág. 534). Jung utiliza estas palavras para descrever a resolução problemática da transferência que envolve ANALISTA E PACIENTE com exigências aparentemente irreconciliáveis para um relacionamento. A solução desse conflito entre os opostos pode, antes de tudo, ser simbolizada pela união (CONIUNCTIO) e, depois, pelo surgimento de um motivo reconciliador tal como aquele da criança órfã ou abandonada. Onde havia oposição, agora surge uma configuração recém-nascida, simbólica de um todo nascente, uma figura possuidora de potenciais além daqueles que a mente consciente até então foi capaz de conceber.

Este motivo, lado a lado com todos os outros símbolos unificadores, tem uma significação redentora; isto é, redime o sujeito da dilaceração do conflito. De modo semelhante, todos os símbolos são potencialmente redentores pelo fato de ultrapassarem a obediência servil à oposição dilacerante (ver FUNÇÃO TRANSCENDENTE). Entretanto, os símbolos que transcendem a condição humana mediante união dos opostos de espírito e matéria constituem parte da IMAGEM DE DEUS ou SELF.

Logicamente, os opostos são sempre divididos e estão perpetuamente em conflito, um contra o outro (isto é, o bem contra o MAL, e vice-versa); porém, ilogicamente, coalescem na PSIQUE inconsciente. O ARQUÉTIPO é percebido como contendo uma dualidade inerente e oposta, que pode ser expressa como um espectro (por exemplo, considerando o arquétipo da GRANDE MÃE, a mãe boa ou nutridora estaria em uma extremidade do espectro e a mãe má ou devoradora, na outra extremidade). Falando analiticamente, diz-se que um conteúdo arquétipico está integrado apenas quando todas as faixas de seu espectro foram tornadas conscientes.

Entregue a si mesma, a coincidência de opostos inconscientes se cancelaria, resultando uma estase. Contudo, o princípio da coincidência de opostos é compensado pelo da oposição absoluta ou ENANTIODROMIA. Paradoxalmente, no ponto da plenitude máxima, aquilo que está em uma extremidade de um espectro se transforma em seu oposto e então surge a possibilidade de uma nova síntese. A ENERGIA psíquica então se concentra na solução do conflito e verifica-se uma tentativa de reconciliação. Portanto, toda conjunção ou síntese psíquica deve ser entendida como temporária; uma unificação permanente é impossível. Jung acreditava que somente a descoberta do SENTIDO na existência humana é que tornava possível uma resistência às mutáveis solicitações dos opostos (ver INDIVIDUAÇÃO; TOTALIDADE; TRANSFORMAÇÃO).

Jung foi muito criticado com respeito às implicações de sua posição, não somente por colegas cientistas, mas também pelo clero, que acharam o conceito de um aspecto claro e outro escuro por um lado confuso e, por outro, inadmissível como parte da imagem do Deus cristão. Construir em cima de base teórica assim conduziu, por si só, a um amplo espectro de abordagens, oposições e mutações entre os próprios psicólogos analíticos.