Muito barulho por nada

"Lançamento industrial" com executivos da França e muita
pompa nas palavras da Peugeot para... um 206 retocado

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editor"Christian Streiff, Presidente Mundial da PSA Peugeot Citroën, e Jean Philippe Collin, Presidente Mundial da marca Peugeot, deram início oficialmente à produção do primeiro veículo da marca Peugeot totalmente desenvolvido no Brasil: o Peugeot 207 Brasil." Assim começava a informação à imprensa divulgada pela marca francesa no último dia 20, por ocasião da apresentação do "207 Brasil" aos jornalistas.

O consumidor brasileiro já deve estar acostumado a ser tratado como cidadão de segunda — talvez terceira — classe, mas, convenhamos, a situação às vezes supera os limites do razoável.

Como já abordei neste espaço, a maioria dos fabricantes mantém hoje modelos defasados, substituídos há anos nos países de vanguarda — a lista é conhecida e não precisa ser repetida. É o método Botox: uma plástica na frente, às vezes na traseira, talvez um novo painel (que pode ser pior que o anterior em nome da redução de custos, como se viu no Gol 2006). Aplica-se um pomposo título de "nova geração" — que a imprensa menos especializada absorve sem contestar —, chamam-se atores famosos para a publicidade ou busca-se um mote que cause impacto, mesmo sem qualquer ligação ao que o automóvel de fato oferece. Depois é só preparar um evento para os jornalistas com grandeza inversamente proporcional à extensão do trabalho feito no carro. Pronto: uma simples plástica parece agora um lançamento de renome internacional.

Há fábricas que anunciam com orgulho produzir modelos "específicos para as condições nacionais", o que em vários casos pode ser entendido como "abaixo dos padrões mínimos de tecnologia e segurança dos mercados desenvolvidos". E, quando lançam carros realmente novos, costumam fazê-lo com anos de atraso — quatro nos casos do Renault Mégane e do Astra hatch, que aqui foi chamado de Vectra GT. Destas regras só têm escapado, em termos de produção nacional, as japonesas Honda e Toyota. O resto cai, ao menos em parte da linha, na vala comum.

Nada disso é novidade para o consumidor bem-informado, mas a Peugeot foi mais longe. Começa pela constatação de que ficaremos sem o verdadeiro 207, um carro inteiramente novo, mais espaçoso e seguro — e tão viável para ser feito aqui quanto o Punto ou o novo Fit que chega este ano. Um 207 que, aliás, já começa a ser vendido na Argentina nas versões esportiva e conversível.

Mas nisso a Peugeot apenas se nivelou a algumas concorrentes. Mais grave foi dar o nome (número, no caso) do carro novo ao velho, que foi lançado no País há nove anos e na Europa há 10. Chega a parecer zombaria, tanto quanto a General Motors chamar de Vectra o que é apenas o Astra (leia editorial). E a marca francesa ainda adotou o sufixo Brasil, como se fosse um carimbo aplicado a um contêiner onde se lesse "somente para o Terceiro Mundo".

Há mais. O falso 207 ainda poderia ser apresentado como o que é — uma reforma — em um evento corriqueiro, quando pudesse ser avaliado pela imprensa. Mas não. Os jornalistas foram convidados à fábrica de Porto Real, RJ, com o único fim do que se chamou de "lançamento industrial do 207 Brasil". Isso mesmo: a inauguração do processo produtivo de um automóvel que, na verdade, é feito ali há sete anos. Evento, aliás, a que o Best Cars se recusou a ir. Para criar pompa onde não poderia existir, os presidentes mundiais do grupo PSA e da Peugeot vieram ao País apresentar o que chamam de "primeiro projeto do grupo totalmente desenvolvido no Brasil"... Projeto? Totalmente? Foi mesmo muito barulho por nada, à Shakespeare.

O material de imprensa descreve o pretenso 207 como "um carro que afirma toda a aposta do grupo no desenvolvimento da marca Peugeot no Brasil". É triste perceber que tão pouco — uma plástica e uma denominação enganosa — represente "toda a aposta" da empresa no mercado nacional. E continua: "Equipes locais criaram e produzem no país um carro pensado para atender ao gosto apurado dos nossos motoristas, seguindo atributos fundamentais no Brasil, como estilo, robustez e qualidade." Se não há como supor que o verdadeiro 207 seja inferior ao "207 Brasil" em qualquer desses quesitos, pergunto-me o que seria o tal "gosto apurado". Seria o gostinho de ficar para trás?

Com licença do leitor Marcio Luiz Mentzingen Prazeres, do Rio de Janeiro, RJ, que escreveu esta semana ao Espaço do Leitor, eu acrescentaria algo à famosa frase atribuída na década de 1960 ao General Charles De Gaulle. Se "o Brasil não é um país sério", algumas empresas francesas que atuam no Brasil são ainda menos sérias.



P.S.: A versão de três volumes, chamada de 207 Passion, teve as fotos divulgadas pela Peugeot semanas depois do hatch e da SW. E não deixa dúvidas: o trabalho estético apenas repete o das outras versões, sem alterar as linhas da traseira do 206 Sedan produzido no Irã pela Khodro há anos. "Projeto totalmente brasileiro"? Façam-me o favor...

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Data de publicação: 31/5/08

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