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"A
bola da vez são os EUA"
José Arbex Jr. - Uma vez encontrei com você num
supermercado e fiquei impressionado como você sabia o preço
de tudo em vários deles. Sabia que no Pão de Açúcar
a vassoura custava tanto, no Eldorado custava tanto, fiquei impressionado.(risos)
Aloysio Biondi - Até um tempo atrás eu sabia
o que estava mais caro no Sé e no Pão de Açúcar.
Comprava metade aqui e metade lá.É que fui criado
em outro mundo. Além de não desperdiçar, tinha
a característica de minha mãe e minhas tias serem
órfãs de um médico do povo, que não
deixou a família particularmente nadando em dinheiro. E ainda
havia aquela indignação contra a exploração
das pessoas. Os meus tios italianos sempre tiveram comércio.
E aí aprendi que também não se pode acreditar
em empresário. Porque meus tios sempre reclamaram, aquele
negócio de europeu: "Muito imposto, não sei o
quê..." . E todo ano só ampliando os negócios.
Um tio começou na praça de Caconde com aquela loja
que tinha arroz e feijão a granel, enxada, e no fim tinha
quase um quarteirão, tecidos, móveis, eletrodomésticos.
Você chegava lá: "Tem castiçal?" .
Ele falava: "Não tem". Mas do primeiro caixeiro-viajante
que passasse ele comprava seis castiçais, então tinha
tudo. E aprendi que o empresário dizia que estava mal mas
estava sempre crescendo.
Marco Frenette - O Jânio de Freitas fez um artigo falando
da linguagem hermética que os economistas usam, e deu um
exemplo, dizendo que lê colunas de economia e só compreende
15 por cento. E a questão que ele levanta é se isso
é devido ao fato de ser um assunto realmente omplexo ou existe
uma má formação dos economistas ou, ainda,
se há um complô nas editoras para transformar aquilo
numa maçaroca só. Com a sua experiência, como
você vê isso?
Aloysio Biondi - Como o que está predominando no noticiário
é o mercado financeiro, voltou a ser muito hermético,
porque se fala como se o leitor comum estivesse acompanhando as
expressões que eles usam e que querem dizer o contrário,
mas não precisa ser só na área financeira.
O Fernando Henrique, hoje de manhã, falou que vai "alargar
a base" dos contribuintes, quer dizer, alargar a base significa
aumentar o número de contribuintes. (risos) Se ele aumentar,
vai pegar quem ganha menos. Mas vejo as coisas de maneira totalmente
diferente. Na década de 60, tinha a história de que
você não podia escrever em economês. Até
uma vez eu estava na Veja, em 1969, já tinha saído
da Visão, onde fazia matérias de capa contra a política
econômica do Delfim, e o Delfim não gostava muito de
mim naquela época, e fui para a Veja ser editor de mercado
de capitais, uma coisa de que teoricamente eu podia falar, a bolsa
estava no auge e tal. E o Roberto Civita começou a insistir
que eu assumisse também a editoria de economia. Eu dizia:
"Não vai dar certo, porque não vou falar que
tem milagre". E ele: "Vai dar, sim" etc. E eu até
brincava dizendo que a sorte dos ministros e dos donos de revista
e jornal era que o povo não entendia o que estava escrito
ali. Quando escrevesse em português... e aí tive prova
disso quando o Banco Mundial recusou um empréstimo para o
grupo Hanna fazer um ramal no porto de Sepetiba que é
uma coisa que vai dar de novo uma grande tragédia, porque
é totalmente antieconômico e o governo brasileiro
liberou o dinheiro para esse grupo fazer o ramal. Eu sabia que era
antieconômico, tinha parecer do Banco Mundial contra, dizendo
que a Central do Brasil ia subsidiar a mineradora. E no meu texto
abri um travessão só: "subsidiar, isto é,
a Central do Brasil vai ter prejuízo para a Hanna ter lucro",
e fechei. Na segunda-feira, o Roberto me chamou: "Será
que toda semana tenho de abrir a revista e me irritar?" Eu
falei: "Ué, vocês dizem que não é
para escrever em economês; em segundo lugar, avisei que, quando
começasse a escrever em português, as pessoas iam entender
e ia ser diferente; em terceiro lugar, também não
vou abrir a revista e me envergonhar, então não dá.
Volto para o mercado de capitais". E voltei para o mercado
de capitais.
Marco Frenette - Nesse sentido, essa linguagem her-mética...
Aloysio Biondi - O grande problema não é a
linguagem hermética. O grande problema é que o jornalismo
econômico nunca esteve tão vergonhosamente atrelado
ao governo. A ombudswoman da Folha até falou disso. Por exemplo,
a imprensa fica falando só da queda das bolsas. As bolsas
só caem depois que a economia estourou. Os países
asiáticos escancararam o mercado, tiveram saldo negativo
na balança comercial, precisaram atrair capital estrangeiro
para cobrir, elevaram os juros chegou um momento em que não
tinham mais o que fazer, aí o investidor tem medo de calote
e sai correndo. A bolsa cai quando todos os indicadores da situação
da economia real mostram que a economia já foi pro brejo.
A bolsa é a última etapa, mas o noticiário
é todinho centrado na bolsa. E você vê aí
o jornalismo, a televisão, dizer bisonha-mente: "Mas
em que isso afeta a vida do cidadão comum? O que a bolsa
tem a ver?" A bolsa não tem nada a ver, só que
ela mostra que a economia está mal. No caso do Brasil, se
você pegar os dados de maio, saíram 400 milhões
de dólares, em junho saíram 800 milhões de
dólares, só da bolsa. Julho teve resultado positivo
apenas por causa da privatização da Telebrás.
Então, o jornalismo nunca enfrentou uma fase tão ruim
no Brasil. No tempo da ditadura, a gente sempre aceitava um projeto
sabendo que talvez não fosse receber etc., mas que representava
uma brecha. Qual é essa brecha? São os veículos
que estão mal das pernas, pagam mal e contratam pouca gente,
o diferencial que tem é você poder falar alguma coisa.
Só que a hora em que você cresce, inclusive politicamente,
começa a incomodar. E aí o patrão é
procurado para acordo, onde você dança. Isso é
a história de projetos neste país. |
"O grande problema
é que o jornalismo
econômico nunca esteve tão
vergonhosamente atrelado ao governo."
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Sérgio de Souza - Quem procura
o patrão?
Aloysio Biondi - O governo.
Sérgio de Souza - Por meio de que pessoa?
Aloysio Biondi - Ah, não sei. Sei que hoje é
trágico, porque as empresas jornalísticas fecharam
com esse governo, não só pela onda neoliberal, mas
também por causa da privatização das telecomunicações.
Como todas as empresas jornalísticas acham que o futuro é
a tal da multimídia, ninguém queria ficar de fora,
e todos os grandes grupos jornalísticos entraram nessa concorrência.
E, como sabem que esse governo não brinca em serviço,
porque essa história de que é concessão e que
é leilão é muito relativa, todo mundo quis
ficar bem. Pelo seguinte: essa história da crise do mercado
financeiro muito antes de a bolsa começar a cair,
você tem outros indicadores, como a taxa de juros para empréstimo
para o Brasil lá fora. O mercado futuro de dólar,
o mercado futuro de juros, esses mercados indicam o grau de desconfiança
no país. Mas as informações negativas não
aparecem nos títulos ou com destaque. No meio da coluna,
está lá a informação. O título
é "A Bolsa Subiu", mas no meio da coluna está
a informação de que ou já houve saída
de dólares, ou há pressão sobre os juros. O
Brasil quebrou, na verdade, já no fim de maio. Foi a vez
que um jornal (a Folha) deu de manchete alguma coisa que não
fosse bolsa. O Estadão, nada. A Folha deu de manchete: "Governo
cede ao mercado e adota juros pós-fixados". Por quê?
Porque o mercado sabia que o governo ia ter de elevar os juros de
novo. Não é porque o mercado seja ruim, é que
os caras são informados, eles fazem isso para não
ter prejuízo. Sabiam que a situação era crítica...
Carlos Azevedo - O que o mercado sabia concretamente?
Aloysio Biondi - O mercado sabia concretamente o que até
eu escrevi em abril para a Revista dos Bancários. Todo mundo
sabia concretamente, há muito tempo. Você sabe quanto
vence da dívida interno do governo neste mês de outubro?
Todo mês vencem uns 22, 23. Sabe quanto vence agora? Quarenta
e sete do Tesouro e 8 do Banco Central.
Carlos Azevedo - Quarenta e sete o quê?
Aloysio Biondi - Bilhões. O governo tem de rolar 55
bilhões neste mês de outubro agora. Todo mundo sabia,
o mercado sabia. Isso seria a manchete. Antigamente, quando você
hierarquizava a informação, dava a informação
principal na manchete ou no lead, não escondendo no meio.
Qual é a informação? De julho a setembro, o
governo tinha de rolar 105 bilhões da dívida interna.
E a dívida externa também você sabia mais ou
menos quanto tinha de rolar, de 40 a 50. Então, em maio,
a Folha deu aquela única manchete e depois a imprensa não
falou mais nada. Nem nas seções de finanças.
A Folha, algumas vezes, de um mês para cá, dá
no título da seção de finanças: "Dólar
é pressionado". Depois que a fuga de dólares
começou, não dava para esconder, mas muito antes você
tinha todos esses sintomas. Por exemplo, as linhas de crédito
de importação e exportação começaram
a disparar os juros, empresas brasileiras que tinham empréstimo
lá fora foram renovar e não conseguiram, ou os credores
chegaram a pedir 8 por cento acima da taxa. E tudo isso é
colocado no meio do texto e o título é Bolsa. Aí
vêm dizer que é incompetência dos jornalistas.
Incompetência uma pinóia, tem jornalista aí
de altos conhecimentos técnicos, e você pega a coluna
dele de três anos para cá, quantas vezes ele falou
de um problema do país, realmente? Colunistas famosos. Não
falta conhecimento, não, aquilo é escondido deliberadamente.
Porque, se sai um estudo dizendo que o aumento do funcionalismo
vai provocar um rombo, ou acréscimo de despesa de 1 bilhão,
que é uma ninharia, isso vai para a manchete de domingo do
jornal. Agora, esse último aumento de juros deles, 49 por
cento, segundo os cálculos, só nestes quatro meses
são mais 16 bilhões, 4 bilhões por mês.
E é isso que tinha de estar na manchete.
José Arbex Jr. - Mesmo a passagem do perfil de juros prefixados
para pós-fixados, ninguém falou e isso é um
escândalo.
Aloysio Biondi - O pós-fixado é exatamente
isso, não existe ataque especulativo, é conversa.
O banqueiro, o investidor, o administrador de fundo estrangeiro
vêem que a dívida está em 300 bilhões,
o déficit em 7 por cento do PIB, a balança comercial
com buraco de 8 bilhões, o turismo foi para 6 bilhões
por ano, remessa de lucro etc., ele faz as contas e sabe. Na verdade,
como eu disse, o país já quebrou no fim de maio, quando
não conseguia mais vender título. Esses dados todos
o mercado tinha. Havia 60 bilhões de compromissos externos
para pagar e uma rolagem de dívida interna na faixa de 20
bilhões por mês e que em outubro ia bater em 55. E
tem outra coisa escandalosa: é tão manipulado, que
eu recebia no DCI (Diário do Comércio e Industria)
o noticiário da Agência Estado. E, no meio do texto
sobre o mercado, o repórter colocava já esse começo
de fuga ou a pressão sobre os juros, e eu dava em manchete:
"Aos poucos o contorno de uma nova crise cambial". No
dia seguinte eu pegava o Estadão, e a coluna que eu tinha
recebido da Agência Estado, no Estadão, não
é que não estava no título da página,
tinha sido cortada a informação. Até andei
guardando alguns para um dia mostrar. Então é uma
grande manipulação, sim. Quando chegou ao Brasil em
19 de julho o homem do FMI, o Tanzi, já avisou que o Brasil
precisava fazer um "ajuste fiscal, um pacote, pois o rombo
do Tesouro estava preocupando os banqueiros e os investidores, criando
o perigo de uma "fuga de dólares". Isso foi em
julho... A Folha deu em duas colunas na primeira página,
o Estadão não. Quer dizer, o FMI vem aqui em Brasília,
fala que o rombo estava preocupante, que o governo ia ter de fazer
um ajuste, e diz literalmente, a Folha deu entre aspas: "Se
não pudesse fazer agora, que fosse logo depois das eleições,
em outubro". Isso não devia ser manchete? Isso foi em
19 de julho, você estava às portas do leilão
da Telebrás, então estava vivendo um momento totalmente
artificial. Foi o canto do cisne ou o canto do pato, como você
quiser. (risos) Só houve um ligeiro aumento porque estava
entrando dólar em razão da iminente privatização
da Telebrás, mas em maio/junho a bolsa já tinha perdido
dólares. A crise já tinha chegado. Mas a imprensa
escondeu. |
"Acho que a bola
da vez são os Estados
Unidos. Vai terminar um ciclo em que eles
se aproveitam de todos os outros países."
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João Noro - O que é
a Moodys?
Aloysio Biondi - É essa agência de consultoria
que dá nota aos países. Bem, tem um terceiro fato
que os jornais dão só lá dentro, o que é
uma grande esculhambação: desde outubro, o governo
está usando maciçamente o BNDES, o Banco do Brasil,
para tentar segurar o dólar para não estourar, não
ter de desvalorizar o real, e segurar a bolsa. Os fundos de pensão
tiveram grande prejuízo no primeiro semestre. E isso vem
no meio das colunas dos jornais. Primeiro vinha só assim:
"Operadores garantem que houve de novo operação
chapa branca". Nem falavam o que era. Eu puxava para título
de primeira página no DCI. Esse pessoal do governo é
tão incompetente que, por volta de abril, dizia: "Beleza,
acabou a crise". Com essa convicção, um diretor
do Banco Central deu uma entrevista para o Celso Pinto e confessou
que, em outubro de 1997, o Banco Central entrou maciçamente
no mercado e que, inclusive, o Banco do Brasil chegou a ter 20 bilhões
de dólares vendidos para segurar a cotação,
isto é, para evitar a desvalorização do real,
porque, com todo mundo querendo comprar para mandar para fora, os
preços iam subir. O Banco do Brasil, para dar a impressão
de que o governo tem o controle da situação, passa
a vender, a mando do Banco Central, que usa também alguns
banqueiros amigos. Então, as grandes negociatas podem estar
sendo feitas com essas intervenções do governo, não
é?
Marina Amaral - Quando você diz que o país quebrou
em maio, as pessoas que acompanham economia já não
sabiam que isso ia acontecer?
Aloysio Biondi - Aí vem um aspecto. O célebre
artigo do Krugman quando ele fala, todo mundo cita, não
é? tem um parágrafo muito interessante, em
que ele diz que precisa ter coragem para admitir que a liberação
de mercados teve efeitos desastrosos. Ele entra na área psicológica,
dizendo que as pessoas estão até com vergonha, depois
destes quatro anos de exaltação do modelo neoliberal,
agora chegar e dizer: "Olha, a gente estava errado".
Marina Amaral - Eu tinha perguntado se não foi uma surpresa
que o país quebrasse em maio?
Aloysio Biondi - Não, essa manipulação,
inclusive, está no meio dos textos. Você pode pegar
um jornal de hoje, está lá: "Segundo operadores,
o Banco do Brasil voltou a tentar segurar as cotações
etc." Então, você tem o governo despejando rios
de dinheiro no mercado. Mas a imprensa não dá destaque.
João Noro - Você poderia explicar o que é
a crise asiática, a mundial, e a correlação
com o Brasil?
Aloysio Biondi - Espera aí, lembrei de outra coisa
na fala do Krugman. Ele diz também: "Imagina o editor
de revista que durante estes quatro anos privou com banqueiros,
economistas etc., e que nestes quatro anos fez apologia do modelo,
como vai agora chegar para o leitor e ...." manda ele
pro Brasil que ele aprende com os caras aqui. (risos) Há
colunistas que passam quatro anos falando outra coisa, e depois
escrevem: "Como eu previ". É claro que as editorias
de economia seguem uma orientação da própria
empresa jornalística: "Não vamos ser pessimistas".
Porque, se a Folha num determinado momento deu a manchete e depois
não deu mais, e se o Estadão não deu nunca,
e se as próprias seções de finanças
não jogam no título o que está acontecendo,
evidente que isso é uma orientação editorial,
mas a televisão...
Sérgio de Souza - Tem um programa diário sobre
economia na Globo News, de meia hora, ninguém entende nada
do que eles falam. (risos)
Aloysio Biondi - Aí você entra na história
desse compor-tamento coletivo. Na época do Simonsen, ele
não falava "nível", falava "patamar".
Então todo jornalista escrevia: "O patamar...".
Quer dizer, achavam: "Já posso ir no almoço do
Clube Nacional, porque já sou da tchurma". Acontece
muito isso, o jornalista econômico introjeta, acaba se sentindo
parte do sistema. E, de modo geral, acho que neste momento há
uma dificuldade da equipe econômica e dos jornalistas econômicos
em aceitar a realidade. Porque, depois da crise asiática,
os textos são todos iguais. Claro que a longo prazo o Brasil
é um país inacreditável. Mas eles falam assim:
"Existe confiança no Brasil, tanto que compraram a Telebrás".
Até eu queria, se tivesse dinheiro. A longo prazo e com aquele
preço, é um negócio maravilhoso. Não
tem nada a ver. Porque, a curto prazo, o rombo na balança
comercial, rombo em conta corrente, e déficit do governo,
esses indicadores de que você pode ter um calote de uma hora
para outra são terríveis. Para a gente fazer justiça,
não é só a equipe econômica, não
são só os jornalistas. Se você pegar os analistas
desses grandes bancos, eles continuam dizendo que o Brasil estava
agindo corretamente . Elogiaram aquele pacote de novembro, mas vários
economistas de oposição mostraram que o que se ia
gastar com juros comeria de longe a pretensa economia.
José Arbex Jr. - Acho que existe uma sensação
no Brasil de que não precisamos produzir nossa análise
de mundo. Ela já vem pronta pela Reuters, pela CNN, pelo
FMI, pelas grandes agências financeiras internacionais. Os
jornais apenas reproduzem. Você não acha que junto
à globalização veio uma certa homogeneização
do pensamento, um certo sufoco do pluralismo de idéias que
padronizou o discurso de muitos jornalistas, muitos, economistas
e muitos especialistas?
Aloysio Biondi - Acho que o noticiário é superficial
e fragmentado. Mas o trabalho de edição é de
melhorar o nível de informação, transmitir
a realidade, e isso não acontece. Veja o caso da Rússia,
por exemplo, não explicaram por que a Rússia quebrou,
mais uma vez você precisa ficar garimpando, aí descobre
que a arrecadação na Rússia o ano passado foi
20 por cento do PIB, este ano só 8 por cento. Por quê?
Aí falam que é porque o russo não gostava de
pagar imposto. (risos) Não é. É porque o preço
do petróleo caiu pra burro, e a arrecadação
de impostos com petróleo despencou. Como aconteceu também
com a Venezuela. Não tem nada a ver com o Brasil. A coitada
da Venezuela tinha superávit, todos esses dados estão
perdidíssimos no meio do noticiário. Venezuela não
tem nada a ver, Chile não tem nada a ver, o preço
do cobre despencou, crises típicas de balança comercial.
No caso da Rússia é isso. Quebrou foi o Tesouro, que
deu o calote. Então precisa saber se essas matérias
não são ideologizadas. Falam assim: "A Rússia
já recebeu 22 bilhões do FMI". Quanto ela recebeu
até agora do FMI?
José Arbex Jr. - Quatro bilhões, não é?
Aloysio Biondi - Exatamente, a primeira parcela de 4 bilhões.
O pacote é que era de 22 bilhões. "A Coréia
recebeu 42 bilhões." Primeiro, que não recebeu,
segundo, que já está com 25 bilhões de reservas.
Bom, sobre a uniformização da imprensa, acho que já
se falou aqui, o jornalismo nunca passou uma fase tão ruim,
não só o econômico, mas como um todo. Se der
tempo, vou citar algumas matérias nojentas que tenho visto.
Nojentas, porque isso não é editar só, não
é só tentar esconder. É pauta feita para manipular.
Sérgio de Souza - Pode falar agora.
Aloysio Biondi - Defendo a tese de que a gente foi submetido
a uma lavagem cerebral, os donos de jornal devem ter sido chamado
a algum lugar. O Betinho, num artigo na Folha, escreveu que tinha
visto um documento do Banco Mundial, que deve ser ligado ao Consenso
de Washington, dizendo que não adiantava tentar salvar os
bancos estatais porque o Banco Mundial já falava que tinha
de privatizar tudo. Então a gente sabe que tudo veio de fora.
Houve um processo de lavagem cerebral, em que as televisões,
por exemplo, começaram a mostrar desastres até na
Paraíba, em Catitó - preparando a opinião pública
para aceitar a privatização das rodovias. E é
a técnica jornalística exercida com grande competência.
Você imagina, todo mundo sentado na sala, 8 horas da noite,
o Jornal Nacional - vi dois casos gritantes, onde até a pauta
já é deliberada. Um é assim: foram descobrir
100.000 toneladas de feijão podre no Paraná. Olha
a construção, a chamada: "No país da fome,
100.000 toneladas de feijão apodrecem nos armazéns
do governo". Falar em fome mexe com a emoção
das pessoas, Né? Primeiro, que os armazéns não
são do governo, porque no tempo da Zélia se deu prioridade
à iniciativa privada. O governo só pode estocar coisas
nos armazéns dele depois que os armazéns privados
estiverem lotados, que é para pagar aluguel para os caras.
Se o armazém de Goiás esvazia, eles levam o feijão
daqui para lá, para lá ficar ocupado. O Ceasa quebrou
por causa disso. Como quebraram as siderúrgicas, porque cobravam
25 por cento do preço. Como as telefônicas tinham prejuízo,
as energéticas tinha prejuízo, porque as tarifas eram
irreais.
Marina Amaral - Mas, quando a televisão fala que no país
da fome o feijão apodrece no armazém do governo, não
é crítica ao governo?
Aloysio Biondi - Estou lembrando que eles mostravam as rodovias
provocando acidentes, quer dizer, foi toda uma constante para jogar
a opinião pública contra o Estado administrador, para
tirar o Estado de tudo. O outro exemplo foi também no Jornal
Nacional: "Rio aumenta empregos, numa época de fechamento
de vagas". Isso foi pauta, o pauteiro sabia que o IBGE ia divulgar
naquele dia um dado de desemprego. Então mostraram a fábrica
nova da Brahma que ia ser inaugurada e aí, en passant, quase
como quem não quer nada: "Isso é muito bom, no
momento em que o IBGE anuncia que a taxa de desemprego está
em alta". (risos) Houve uma grande manipulação
para predispor a opinião pública a aceitar a privatização.
Carlos Azevedo - O caso da Telebrás também.
Aloysio Biondi - No caso da Telebrás, o último
anúncio de televisão lá em São José
da Tapera, o cara dizendo: "Nesse lugar aqui não tem
nada, mas logo, logo terá telefone". Mentira! Os contratos
prevêem que é só a partir de 2001 em cidades
de menos de 1.000 habitantes. Outra coisa: há uma intenção
deliberada de manter o otimismo. Por exemplo: a inadimplência.
Em São Paulo era de 70.000 carnês por mês. Foi
para 100.000, 150.000, 200.000, 230.000, 250.000, 350.000, 400.000
por mês. Na primeira quinzena de setembro, 263.000. Vai para
500.000 carnês. Já bateu em 400.000 por mês,
não é? E o acumulado? Está em 6 milhões
de carnês, contra 700.000 antes do governo FHC. Quando de
400.000 oscila para 386.000, vem manchete de página
o jornalista tem a temeridade de dizer: "Inadimplência
já começa a cair". De 400.000 para 386.000, quando
a média histórica era de 70.000. Estamos vivendo realmente
uma loucura. Reduzir IPI de carro para vender. Vender pra quem,
se você tem 6 milhões de carnês em atraso?
José Arbex Jr. - Você viu que bem mais de 20 por
cento do cheque sem fundo é para comprar comida? Tem um dado
muito curioso aí.
Aloysio Biondi - Pois é, tenho algumas manchetes bem
canalhas, que mostram a que ponto o jornalismo chegou. Por exemplo,
em outubro do ano passado, saiu a pesquisa de uma consultoria sobre
o grau de endividamento do consumidor. Que serviu de alerta, mostrando
que 40 por cento do orçamento das famílias estava
comprometido já com prestações etc., e 20 por
cento eram os pré-datados que os supermercados começaram
a aceitar. O Estadão transformou esse índice de endividamento,
que já mostrava para onde você estava caminhando, em
manchete de capa na seguinte linha: "Real dobra o acesso do
consumidor ao crédito". (risos) E vinha lá a
ladainha mentirosa: "Graças à estabilidade da
moeda, as famílias brasileiras estão conseguindo planejar
o seu orçamento. Por isso, hoje em dia, 40 por cento..."-
é aquele padrão de tudo o que acontece, por pior que
seja, transformado num fato demonstrativo das maravilhas da estabilidade
de uma moeda. O mesmo Estadão deu uma página, capa
de Economia: "Banco do Brasil tem seis agências num só
bairro". E embaixo: "Distorção mostra grau
de desperdício dos bancos estatais". Bom, o bairro era
Copacabana, que é uma das maiores densidades populacionais
do mundo, um lugar que só perde para Hong Kong e Nova Délhi,
em termos de gente por metro quadrado. Já havia uma heresia
inicial. E tinha um boxe, que na última linha dizia assim:
"No mesmo bairro" (coitadinha da repórter, pensou:
de repente o editor deixa passar e fico em paz com a minha consciência),
"os dois maiores bancos privados brasileiros, Itaú e
Bradesco, têm cinco agência cada um". (risos)
José Arbex Jr. - E passou.
Aloysio Biondi - E o editor também quis fazer de conta.
"faz de conta que eu tenho ética ainda". E tem
a melhor de todas, que é da Gazeta Mercantil. Estou dizendo,
houve uma campanha muitíssimo bem-feita contra o Estado.
Sabe-se que, com todos os choques, os depósitos do Fundo
de Garantia da década de 70, por exemplo, perderam até
95 por cento do valor. A matéria de uma repórter era
maravilhosa, duas páginas, um estudo mostrando essa perda
por causa dos choques e dos expurgos. Dou um doce para quem adivinhar
qual é a manchete: "Estado administra mal a poupança
do trabalhador". Isso não é ser incompetente,
é ser canalha.
José Arbex Jr. (rindo) - Muito boa essa...
Aloysio Biondi - Muito boa porque não foi você
que perdeu seu Fundo de Garantia na década de 70. Em resumo,
a imprensa dos últimos anos é isso daí, além
de esconder a informação, de não dar idéia
do que está acontecendo, de transformar tudo em róseo,
chega ao ponto de pautas deliberadas para esvaziar o fato do dia,
e chega a inverter o sentido da notícia.
Ricardo Vespucci - E a partir de quando você detecta isso?
Aloysio Biondi - Desde antes de começar este governo,
mas estes últimos quatro anos foram uma tragédia.
Carlos Azevedo - Nos anos anteriores ao Real, a balança
comercial vinha sendo superavitária.
Aloysio Biondi - Superavitária até 12 bilhões.
Carlos Azevedo - A partir do Real ela começa a cair. E
o Gustavo Franco, que era da área internacional do Banco
Central na época, disse: "Que bom, é importante
que isso aconteça e tal". Como é essa história?
Aloysio Biondi - Este governo começou querendo o déficit.
Depois, passou a dizer que a gente ia ter superávit, que
os investimentos eram multiplicadores. E estão prometendo
superávit faz tempo. Por que o Gustavo Franco defendia o
déficit? Isso é teoria do Delfim, de economista: se
você compra a prestação, você está,
como eles dizem, antecipando seu consumo você não
tinha dinheiro para comprar uma geladeira à vista, foi muito
bom o banqueiro emprestar para você porque, antes de ganhar
o dinheiro para ter a geladeira, você já pôde
comprá-la com empréstimo. Transpondo isso para um
país, eles dizem que é a mesma coisa: se você
compra e fica devendo, é como se o cara tivesse te emprestado,
não é? Porque você não tinha aquele dinheiro
para comprar aquelas coisas "maravilhosas", celular etc.
Então foi uma "bondade" do governo norte-americano
deixar você comprar. |
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