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Beco das HQs

O Sonho acabou... mas já está de volta

Por Sidney Gusman | Ilustração: J.J. Marreiro (24/09/08)

Atenção: este artigo traz revelações sobre o final de Sandman e aborda acontecimentos que podem prejudicar o prazer de sua leitura, caso você não tenha acompanhado a saga de Lorde Morpheus até o final.

No final de 1998, na coluna Beco das HQs, então no site Area-51, escrevi sobre o final de Sandman. Após diversos percalços - foram quase dez anos desde a primeira edição -, a Editora Globo publicava o 75º e último número da revista que se consagrou como a obra máxima do roteirista britânico Neil Gaiman e foi, disparada, a melhor HQ seriada da década de 1990.

Em julho deste ano, Sandman chegou ao final pela segunda vez no Brasil, quando a Conrad lançou o décimo álbum da série, Despertar, pouco mais de três anos após publicar o primeiro, Prelúdios e Noturnos.

Mas muita coisa mudou no mercado brasileiro nos quase dez anos que separam os dois encerramentos da série de Lorde Morpheus em nossas terras.

Nesse intervalo, Tudo em Quadrinhos / Metal Pesado / Fractal e Brainstore chegaram a publicar Sandman, mas, fazendo uso de um trocadilho, deixaram o sonho dos leitores inconcluso.

Quando a Conrad assumiu o título e, desde o início, optou por publicar "edições definitivas" da criação de Gaiman, estabeleceu um patamar de qualidade que, na época, nem os volumes encadernados norte-americanos possuíam. E eu tive a sorte de cuidar, como free-lance, da edição dos dez álbuns. Além de fazer a adaptação do texto (preparar o texto que vem do tradutor - neste caso foram três: Ana Ban, Sérgio Codespoti e o excelente Daniel Pellizzari), cuidava de produzir as notas que tanto enriquecem cada volume.

Fiz o mesmo trabalho no encadernado Morte, que compilou as duas minisséries da irmã mais velha de Sonho e no especial Noites sem Fim. Com isso, tive a felicidade de me tornar o profissional brasileiro que mais trabalhou em Sandman, uma vez que, durante dois anos, também fui redator da revista do personagem na Globo - escrevia a coluna HQ Press (minha estréia escrevendo sobre quadrinhos foi naquele espaço, como free-lance), respondia cartas dos leitores e "bolava" mídias e chamadas para as próximas edições.

Fui escolhido para cuidar desse material pelo pessoal da Conrad (na qual trabalhei por dois anos) não apenas pelo meu trabalho como editor, mas também por conhecer bastante a obra e por Sandman ser um de meus quadrinhos favoritos.

No entanto, apesar de ter esse trabalho no meu currículo com muito orgulho, há uma diferença entre o Sandman que editei e o da Globo. E não me refiro à qualidade de texto ou das imagens e à adição de extras. Mas sim da sobrevivência do título.

Independentemente de meus méritos profissionais, fui convidado a editar um material já consagrado, sobre o qual leitores mais novos cansavam de ouvir elogios, mas não tinham a oportunidade de conhecer. E esse trabalho de consolidação quem realizou foi Leandro Luigi Del Manto, que esteve à frente de 70 das 75 edições de Sandman na Globo, além do especial Orpheus, da minissérie Morte - O preço da vida e dos sete números lançados pela Tudo em Quadrinhos / Metal Pesado / Fractal.

Atualmente, Leandro é editor dos álbuns publicados pela Devir, mas Sandman só se tornou o fenômeno cult que é hoje em virtude de seu cuidado com o material. E esta história merece ser conhecida.

Tudo começou em 1989. Lembro-me de, ao sair da faculdade de jornalismo, comprar, por absoluta curiosidade (não conhecia aquele personagem) a edição de estréia de Sandman, que tinha um acabamento impecável. Aliás, pouca gente sabe, mas os primeiros sete números foram impressos num papel luxuoso por um erro dos departamentos comercial e publicitário da Globo, que chegaram a divulgar cartazes de bancas anunciando a obra como uma minissérie de luxo em cinco partes. Detalhe: a saga inicial do Mestre dos Sonhos tinha sete números! Os leitores adoraram a mancada.

Além da qualidade do texto do até então desconhecido Neil Gaiman, chamava a atenção na revista o cuidadoso trabalho de edição de Leandro Luigi, que já era conhecido dos fãs de super-heróis por ter editado revistas em formatinho na Abril.

Quando fui trabalhar como redator na Globo, acompanhei de perto o cuidado de Del Manto com a publicação. As belas capas de Dave McKean, objetos de desejo dos leitores, eram um capítulo à parte.

Os fotolitos (sim, na época, nem se sonhava em receber imagens em CD, com cores separadas etc.) vinham dos Estados Unidos com o texto, em inglês, vazado na ilustração. Pois bem. Para preservar a arte e o leitor não precisar encarar aqueles horríveis boxes com fundo chapado no meio do desenho, Leandro mandava recompor os fotolitos e só depois aplicar as chamadas em português. O resultado ficava impecável.

Era mais caro? Sim, mas valia a pena. Ah, só pra lembrar: no início da década de 1990, não haviam os recursos gráficos disponíveis atualmente: era tudo feito "na unha".

Outro fato digno de citação foi o lançamento do primeiro encadernado de Lorde Morpheus Prelúdios e Noturnos, que saiu no Brasil alguns meses antes do que nos Estados Unidos. Como não existia uma arte inédita de capa, o editor da versão nacional fez uma montagem com detalhes das sete primeiras. O resultado mereceu elogios até de Dave McKean.

A recompensa para esse trabalho todo era o retorno dos leitores. Na verdade, Sandman nunca foi um campeão de vendas, mas sempre teve fãs fiéis e de alto nível cultural. Tanto que, para mim, responder as cartas da seção Palavras na Areia era uma missão das mais prazerosas. Algumas vezes, tive até que pesquisar em livrarias e bibliotecas para saciar as dúvidas dos leitores.

Essa recompensa se tornou ainda maior no dia em que, ao separar a correspondência, topei com um texto em inglês. Eu li quase sem acreditar e, imediatamente, entreguei ao Leandro. Era uma carta escrita, de próprio punho, por Neil Gaiman. Entre vários elogios, ele dizia-se impressionado com a qualidade da edição brasileira, na sua opinião, a melhor do mundo; e contava que Dave McKean adorava as ampliações dos detalhes da capa, que eram reproduzidos na 4ª capa.

A partir daí, o contato com Gaiman se intensificou, a ponto de o britânico escrever, a pedido do Leandro, uma apresentação exclusiva para a saga Um Jogo de Você, que começou na edição # 32.

Apesar do reconhecimento da crítica e do autor, por várias vezes, Sandman esteve perto de cancelado na Globo. A cada atraso (foram muitos) na chegada de um número às bancas, "choviam" telefonemas e cartas na redação. A mudança para o papel jornal (como a publicação original), na edição # 8, foi o que detonou o primeiro de uma série de boatos.

Mas a crise mais séria aconteceu em 1994 - nesta época, eu já não trabalhava mais na redação havia dois anos. A Globo estava decidida a interromper a revista. Foi quando Leandro Luigi não se limitou ao trabalho de editor e saiu à caça de uma solução para reduzir os custos. E conseguiu "costurar" uma parceria com a Devir, que garantiu a sobrevivência do título. É verdade que Sandman ficou mais caro, pois a tiragem passou a ser menor, mas, em compensação, passou a ser impresso num papel melhor, o off-set.

Tempos depois, a Globo voltou a editar Sandman sozinha e foi assim até o final. Mas, por um daqueles caprichos desse mercado, as últimas cinco revistas não traziam o nome de Leandro Luigi Del Manto como editor - após deixar a Globo, ele foi substituído por Paulo Roberto Pompêo. Uma pena, pois se Sandman conseguiu ter toda sua história publicada no Brasil em sua conturbada primeira trajetória, isso se deveu, principalmente, a esse profissional que ficou quase dez anos à frente do título.

Por isso, quando Neil Gaiman disse, na Feira SandmanLiterária de Parati, que as edições brasileiras de Sandman são as melhores do mundo, é bom que se faça justiça: ele não se referia apenas aos álbuns da Conrad; esta reverência começou ainda na época da Globo.

Agora, Sandman está prestes a começar sua terceira jornada em bancas e livrarias brasileiras, desta vez pela Pixel e com Cassius Medauar no comando da edição. Isso porque atingiu um status que nenhuma HQ teve no Brasil até então: o das obras que precisam e merecem ser reeditadas a cada quatro, cinco anos, para que novas gerações de leitores possam conhecê-las. Nos Estados Unidos, essa prática é corriqueira com diversos materiais.

E, no caso de Sandman, isso é quase uma metáfora com a própria obra, uma vez que, na história, quando Lorde Morpheus é morto, imediatamente é substituído por Daniel, uma outra "encarnação" do Sonho. Então, como escrevi na frase que está na quarta-capa do primeiro álbum da Pixel, que o Sonho seja Perpétuo! Também no mercado brasileiro de quadrinhos.

Sidney Gusman, como apreciador de boas histórias em quadrinhos que é, coloca Sandman dentre as melhores HQs de todos os tempos e sua saga predileta continua sendo Estação das Brumas..

 


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