Bastidores O Clone

Um grande sucesso, O Clone superou o êxito das novelas antecessoras e registrou a maior audiência do horário das oito da Rede Globo desde 1997, quando a emissora exibiu A Indomada. Foi, portanto, a maior audiência dos últimos seis anos, quando a medição do Ibope passou aos moldes atuais.

E a história da autora Glória Perez, esticada em um mês pela Globo, não foi apenas o maior Ibope da "era Marluce" (Dias da Silva, diretora-geral). Foi o porto seguro da Globo quando a emissora sofreu um dos maiores baques de sua história: o fenômeno Casa dos Artistas, que o SBT estreou de surpresa em 28 de outubro de 2001, 27 dias após a estréia de O Clone. O forte impacto do "reality show" só não foi mais trágico porque O Clone, mesmo no início, conseguia manter a audiência da Globo.

Clonagem, islamismo e drogas foram os pilares da novela e muito bem-sucedidos no prosseguimento da narrativa. Toda essa repercussão foi resultado de um elenco bem escalado, da direção cinematográfica de Jayme Monjardim e, é claro, do ineditismo dos temas desenvolvidos por Glória Perez.

Quando a autora entregou a sinopse da novela à direção da Globo, muita gente dentro da emissora achou que seria uma insensatez produzir uma novela como essa, centrada em temas complexos como islamismo, clonagem humana, drogas e alcoolismo. Pouco antes da estréia, com os atentados terroristas nos EUA em 11 de setembro de 2001, que colocaram em evidência o fanatismo muçulmano, essa impressão se reforçou. Glória, no entanto, manteve a certeza de que o folhetim seria um sucesso. "O mundo islâmico tem o mistério, a dança. Eu sabia que esses elementos funcionariam", disse. E a mistura de drogas, clonagem e cultura árabe passou a ser ainda mais questionada com o advento da guerra contra o terror.

Glória enfrentou adversidades com a diretora reservada para a trama, Denise Saraceni. A diretora não gostava do tema sobre muçulmanos e não tinha afinidades com a autora. Outro diretor, Luiz Fernando Carvalho, leu a sinopse, mas não conseguiu se adequar ao texto dinâmico de Glória. Jayme Monjardim foi então o escolhido, adiando um pouco mais a novela, já que ele estava no comando da minissérie Aquarela do Brasil. Jayme e Mário Lúcio Vaz – diretor-geral da Central Globo de Controle de Qualidade e único membro da direção que comprou a idéia da autora desde o início – apostaram no projeto. “Confio em Glória Perez”, explica Mário Lúcio. “Me apaixonei na mesma hora e ainda estou apaixonado. Quem tinha que fazer a novela, fez. Acredito muito nessa coisa do destino”, diz Jayme. Glória concorda. “Não lamento a ausência de ninguém. O Jayme diz e eu acredito piamente que Alá interferiu na escalação deste elenco".

Giovanna Antonelli surpreendeu pela desenvoltura com que se desvencilhou de sua personagem anterior, a Capitu, de Laços de Família. “Ela vinha de uma personagem muito marcante e a Jade tinha que ter muita personalidade”, disse a autora, Glória Perez. Murilo Benício recebeu muitas críticas durante a primeira fase da trama. O ator justificou a composição de seus personagens: "Em primeiro lugar, gostaria de falar que a crítica aconteceu porque as pessoas sempre associaram meu trabalho de ator a uma mudança radical. Ou eu tinha que pintar o cabelo, raspar um dente... Para fazer um trabalho de gêmeos não existe a possibilidade dos dois serem completamente diferentes. Duas pessoas que recebem a mesma educação, têm a mesma idade, quase tudo acaba sendo absorvido da mesma forma. Estudei muito sobre este assunto e não deixei me abalar com críticas".

Os personagens secundários dos núcleos árabe e de São Cristóvão superaram todas as expectativas. Destaque para Solange Couto, que brilhou no papel da despachada Dona Jura e seu bar virou um ponto de atração à parte com convidados especiais que iam de Pelé até Martinho da Vila, passando por outros grandes nomes do samba. O bordão da Dona Jura, "'né brinquedo não!", entre outros bordões ("cada mergulho é um flash!", "bom te ver!") e expressões do núcleo árabe como "Maktub", "Insch'Allah", "mulher espetaculosa", "arder no mármore do inferno" e "jogar ao vento" se popularizaram bastante.

A repercussão de O Clone se tornou ainda mais forte quando Glória Perez resolveu tratar corajosamente do tema das drogas. Tabu para a TV, o assunto costumava ser evitado nas novelas. Quando retratado, só trazia o lado ruim. A novidade de O Clone foi ter admitido que a droga também causa prazer ao usuário. A campanha de conscientização da novela, que usou depoimentos reais de usuários de drogas e seus familiares, rendeu prêmios à emissora. Mel (Débora Falabella), a personagem viciada em cocaína, passou a dividir o papel de protagonista com a mocinha Jade (Giovanna Antonelli).

Glória Perez, utilizando depoimentos reais de usuários de drogas, desencadeou uma campanha contra as drogas que rendeu alguns prêmios para a emissora. Pessoas famosas, como Carlos Vereza e Nana Caymmi, também participaram, dando depoimentos verídicos sobre o assunto.

A autora foi homenageada pela Associação Brasileira de Alcoolismo e Drogas (Abrad) e recebeu o prêmio Personalidade do Ano 2002 concedido pelo Conselho Estadual Antidrogas (Cead/RJ). Em fevereiro de 2003, Glória Perez e o diretor Jayme Monjardim também receberam um prêmio concedido pelo FBI e pela Drug Enforcement Administration (DEA) - os dois principais órgãos do governo norte-americano responsáveis pelo controle do tráfico de drogas - pela campanha antidrogas promovida pela novela.

Para a composição dos personagens, o elenco assistiu a vários filmes árabes e iranianos, leram livros sobre os dois temas principais da história, tiveram aulas de árabe, de dança, expressão corporal e prática de orações, além de leituras de textos.

Para os assuntos referentes à cultura muçulmana, a autora contou com a consultoria dos irmãos Karima e Ahmed El Maataovi, que também tiveram uma participação na novela, e do xeque Jihad Hassan Hammadeh, vice-presidente da World Assembly of Muslim Youth (Wamy). Para tratar da questão da clonagem humana, foram consultados o geneticista Wálter Pinto e a doutora Aline Chaves Alexandrino.

Para o rejuvenecimento e envelhecimento dos atores, a equipe de maquiagem contou da ajuda da americana Lynn Barber, ganhadora do Oscar de 1989 por seu trabalho no filme Conduzindo Miss Daisy.

As primeiras cenas da novela foram gravadas no Marrocos, em cinco cidades do país, durante um período de 40 dias. Algumas das locações foram as ruínas do kasbah Ait Ben Hadou em Ouarzazate, o mercado de camelos de Marrakech, a cisterna portuguesa de El Jadida e a milenar Medina de Fez, que serviu de referência para a cidade cenográfica marroquina no Projac. A diretora de arte Tiza de Oliveira, que esteve em Fez, adquiriu muitos produtos locais para usar depois nas gravações no Rio.

Em um dos muitos pontos que poderiam colocar em risco a credibilidade narrativa de O Clone estava o fato de os personagens transitarem entre o Marrocos e o Brasil como se fossem duas cidades de um mesmo Estado, com poucas horas de distância.

Impossibilitado de clonar seu azarado elenco, que já sofrera nove desfalques temporários por doença, o diretor Jayme Monjardim já tinha uma solução quase pronta quando Débora Falabella foi internada com meningite. Chamou a irmã mais velha da atriz para dublar Mel. Cynthia Falabella, que também é atriz, aproveitou a chance (felizmente a doença da irmã não era grave).

A atriz Françoise Forton participou da novela em sua primeira fase como a médica Simone. Sua personagem saiu da trama e a atriz foi então fazer a minissérie O Quinto dos Infernos, cujo último dia de gravação foi numa sexta-feira, e no sábado Françoise já estava no set de gravação de O Clone, pois Simone voltava à cena na novela.

Glória Perez trouxe à novela, numa participação especial, dois personagens de outro trabalho seu: O Dr. Molina (Mário Lago) e Miss Brown (Beatriz Segall), de Barriga de Aluguel, de 1990, numa discussão ética e científica sobre a clonagem humana.

O Clone foi o último trabalho do ator Mário Lago na TV, e marcou a despedida de Oswaldo Sargentelli, que faleceu após gravar uma participação no Bar da Jura.

A partir de janeiro de 2002, a Telemundo passou a transmitir a novela para a comunidade hispânica nos Estados Unidos e em países da língua espanhola, tendo a audiência aumentada em 60%.

Em novembro de 2009 começou a ser gravada El Clon, a versão hispânica da novela O Clone. Gravada em Bogotá, na Colômbia, ambientada em Miami e com protagonistas mexicanos. Essa é uma coprodução da Globo com a Telemundo, braço da rede norte-americana NBC. A viagem do elenco para o Marrocos - onde se passa parte da trama - começou no final do mês de novembro. É a primeira coprodução da emissora brasileira feita fora do país. Em 2002, Globo e Telemundo gravaram Vale Tudo em espanhol (Vale Todo), mas a trama foi refeita no Projac, com 28 atores estrangeiros. O formato final não agradou a Globo, que decidiu reformular a parceria. Em O Clone, a Globo vendeu a marca, o roteiro e um pacote de consultoria para cenários, figurinos, texto e direção. A Telemundo adaptou o texto, escalou o elenco e comanda a produção. Os custos do projeto estão estimados em R$ 20 bilhões. A Globo deve ficar com 35% do retorno comercial. A atriz Sandra Echeverría é Jade e o jovem ator Maurício Ochmann vive os gêmeos Lucas e Diego e o clone Léo. A estreia de El Clon nos EUA aconteceu dia 15/02/2010. Os 210 capítulos devem cair para 150, com redução de personagens e adaptações à cultura local.
"O bar da dona Jura [ponto de encontro dos moradores de São Cristóvão] foi substituído por um clube de salsa", exemplificou Ricardo Scalamandré, diretor de negócios Internacionais da Globo.