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Chiaroscuro

Quando a nomenclatura faz a diferença

Por Sérgio Codespoti (08/10/08)

MAD #24 Atenção, leitor: comente o que acha deste artigo no Blog do Universo HQ.

Em 5 de novembro de 2007, publiquei no Blog do UHQ o artigo Questão de Nomenclatura, sobre os problemas de terminologia da língua inglesa relacionados aos quadrinhos, um assunto que volto a explorar nesta coluna, mas com outro propósito.

Os quadrinhos, como os conhecemos, ganharam notoriedade nos jornais e suplementos dominicais entre o final do século 19 e o começo do século 20. Em inglês, as páginas que traziam quadrinhos eram conhecidas como comics ou funny pages, uma referência ao conteúdo cômico publicado. E foi esse termo que "pegou".

Portanto, não existe em inglês um termo parecido com "Histórias em Quadrinhos". Os norte-americanos (principalmente) usam a palavra, comics, que hoje em dia é inadequada e ainda possui algumas conotações negativas.

Já foram feitas tentativas diversas para se achar outros termos para designar os quadrinhos, como Sequential Art (Arte Seqüencial), Graphic Narrative (Narrativa Gráfica) e Graphic Novel (Romance Gráfico). Todas boas sugestões para achar um termo que, em inglês, descreva melhor a Nona Arte, sem fazer referência ao seu formato ou conteúdo, mas cuja definição não exclui outras mídias.

As várias distinções baseadas no formato da publicação, embora tudo seja HQ, causam situações bizarras e até... cômicas.

Comic book, ou revista em quadrinhos é, para os americanos, diferente de strip (ou comic strip), que seriam as tiras de jornais.

Comic Code AuthorityNão é incomum ler entrevistas dizendo que determinado artista nunca fez comic books, só trabalhou com comic strips, ou seja, nunca fez "revistas" em quadrinhos, era um artista das tiras. E isso, dito ou escrito, normalmente num tom de superioridade, com certo desprezo com os comic books.

Em inglês, a palavra magazine é um termo genérico para revistas (como Veja, SuperInteressante, Set, Cláudia etc.), de formato 21,5 x 28 cm, mas que não inclui os comic books, as revistas em quadrinhos.

Esta distorção do uso da nomenclatura e do formato permitiu que a EC Comics salvasse a revista Mad do cancelamento inevitável depois da criação do Comic Code Authority (CCA), em 1954, após a desastrosa investigação do senado dos Estados Unidos sobre delinqüência juvenil.

O CCA era um órgão de censura da indústria dos quadrinhos comandado por figurões da DC Comics e da Archie, com participação de alguns juízes e magistrados, e que restringia drasticamente o conteúdo que podia ser publicado nos comic books.

Milton CaniffNum artigo da revista Time, de 1955, o ex-magistrado Charles F. Murphy revelou à equipe do CCA que havia ordenado a revisão de 5.656 desenhos, sendo 25% deles para "reduzir as curvas femininas a formas mais naturais".

Em 1956, a circulação dos comic books havia caído pela metade e a EC Comics, que antes do CCA vendia 10 milhões de revistas por mês, acabou ficando com apenas um título (depois de algumas tentativas frustradas com outras publicações): a Mad.

O que salvou a Mad foi a mudança para magazine. Antes do CCA, a revista tinha 32 páginas coloridas e custava 10 centavos de dólar.

Para burlar as regras do censura estabelecida pelo CCA, a Mad cresceu do formato americano (dos comic books) para os 21,5 x 28 cm dos magazines, aumentou o número de páginas, passou a custar 25 centavos de dólar e mudou a arte para o preto-e-branco. Esse é o formato que se tornou clássico para os leitores da revista.

O argumento repetido para o Comic Code Authority, gráficas, distribuidores, e para a indústria de modo geral, era que a nova Mad não era um comic book, mas um magazine, que seria distribuído não junto com os quadrinhos, mas com as revistas normais.

Assim, ela passou a ser distribuída nacionalmente sem o selo do Comics Code Authority.

E foi com essa defesa esdrúxula que a Mad burlou o Comic Code e a censura, e abriu caminho para outras editoras fazerem a mesma coisa, particularmente a Warren, a Skywald e a Marvel.

O curioso disso tudo é que, no auge da histeria moralizadora contra os comic books, entre 1948 e 1954, outro setor dos quadrinhos era considerado nobre (apesar de também sofrer censura interna), lido por milhões e tido como entretenimento de qualidade familiar: as tiras de jornal.

Milton CaniffPara se ter uma idéia da popularidade e do dinheiro envolvido nas tiras dos syndicates (empresas especializadas no processo de distribuição aos jornais), Milton Caniff, de Terry e os Piratas, em 1946, já ganhava 80 mil dólares por ano para fazer a série.

Em 1946, essa quantia em dinheiro era coisa de milionário. Os grandes artistas das tiras, como Caniff, Al Capp, Alex Raymond, Noel Sickles e outros eram como celebridades hollywoodianas, que chegaram até mesmo a inspirar roteiro de filme (assunto para outra coluna, em breve).

E não era para menos. Afinal, em 1956, época em que o CAA havia efetivamente reduzido as vendas dos quadrinhos pela metade, em relação a 1946, e quebrado várias editoras de comic books (Lev Gleason, Fox Features Syndicate, EC Comics, Harvey etc.), a maioria das tiras de jornais eram lidas por mais de 100 milhões de americanos.

Enquanto os artistas dos comic books se envergonhavam de dizer em qual área trabalhavam - e muito - por ganhos às vezes injustos; os das tiras podiam se orgulhar do que faziam em entrevistas para jornais e revistas.

Caniff, por exemplo, foi capa da Time, em 13 de janeiro de 1947, época em que havia abandonado Terry e os Piratas e estava prestes a inaugurar sua nova tira, Steve Canyon, em 220 jornais dos EUA. A história de sua carreira foi contada nesta edição, num artigo de sete páginas.

A rede de jornais de Marshall Field e William Randolph Hearst contratou a nova tira de Caniff por 520 mil dólares (isso em 1946!), por um período de cinco anos.

Ou seja, um aspecto dos quadrinhos era glorificado e aclamado por sua qualidade, enquanto outro segmento vivia nas sombras, classificado como algo nocivo para crianças e adolescentes.

MAD #30Esta má fama dos comic books gerou um esnobismo por parte da crítica e das livrarias que só nos últimos 20 anos começou a ser superado - e em grande parte devido a, mais uma vez, uma mudança de nome e de formato.

Atualmente, as HQs se tornaram "cool" e aceitáveis graças principalmente ao emprego generalizado por parte dos livreiros e da mídia do termo "graphic novel", e ao acabamentos mais luxuoso para a boa e velha história em quadrinhos, permitindo que tanto os super-heróis, quanto obras mais pessoais ficassem lado a lado nas livrarias; até em posição de destaque, sem embaraçar ninguém.

Outro fator que está contribuindo muito para a mudança da percepção dos quadrinhos é o sucesso recente de adaptações para o cinema de obras como Mundo Fantasma, Persépolis e Estrada para Perdição, que ganharam o respeito da crítica; e X-Men, Homem-Aranha e Batman que faturaram verdadeiras montanhas de dinheiro nas bilheterias.

E nada como uma montanha de dinheiro para tornar respeitável algo que outrora era alvo até de leis restritivas.

Se por um lado parece que os comic books finalmente foram aceitos como um entretenimento de qualidades e defeitos, como tantos outros, as questões mais básicas ligadas não só a nomenclatura, mas ao tratamento dos artistas e de suas propriedades intelectuais ainda estão bem longe de serem resolvidas.

Sérgio Codespoti acha sensacional o fato de a desculpa esfarrapada da Mad ter burlado a censura. Algo digno de Alfred E. Newman....

 


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