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06/10/2005 - 10:01
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O Desarmamento e o Avestruz
Esse plebiscito é um engodo. Oculta os verdadeiros problemas. O SIM favorece o tráfico de armas e a corrupção policial. O NÃO o armamento da população. Por isso voto NULO.

Alfredo Sirkis

A alguns anos eu seria um adepto entusiástico do referendo sobre desarmamento e estaria engajado na campanha do “sim”. Em relação ao comércio e posse da armas sou decididamente da escola européia, que os restringe ao extremo, ao contrário dos EUA, onde são considerados direto constitucional. A comparação das respectivas taxas de homicídio é convincente. Julgo, em tese, que, exceção feita aos caçadores, a sociedade deveria ser desarmada. Já fui possuído, nos anos 60 e 70, pelo fetiche das armas, mas depois disso, nunca mais mexi com esses metais frios, feitos para matar. Se essa é minha posição, a muito tempo, de onde vem essa profunda sensação de mal estar, essa dúvida cruel cada vez que penso nesse referendo? De onde vem essa profunda irritação que me acomete quando vejo seus defensores --alguns, bons amigos-- pontificarem sobre o quanto é importante votarmos pelo fim do comércio legal de armas no Brasil?

Vem da perplexidade de estarmos, no Rio de Janeiro, vivendo claramente uma regressão civilizatória. O retrocesso de uma situação em que o estado detém o monopólio das armas de guerra e da violência legal, para proteger a sociedade, de volta a um paradigma, anterior, quando não havia estado capaz de desempenhar, minimamente, essa função, quando volta a se colocar, como no velho oeste --época em que se concebeu a famosa segunda emenda da constituição americana-- a questão da autodefesa.

Ao contrário do que sempre aconteceu na relação mídia x violência, pela primeira vez, o que é noticiado anda aquém (muito aquém!) do que acontece. Diariamente ocorrem crimes e episódios de violência que, no passado, virariam manchete, mas, hoje, nem são noticiados! As estatísticas e os números tornaram-se indicadores pouco relevantes. Numa situação anterior, era possível medir a eficiência da segurança pública pelo aumento ou diminuição das estatística de criminalidade. Hoje, elas não são confiáveis, e a expressão primeira da violência não é mais numérica, quantitativa, mas qualitativa: o estado de direito perdeu o controle territorial, não apenas sobre boa parte das favelas, como sobre áreas da chamada cidade formal inclusive algumas das principais avenidas e vias expressas da cidade! O poder paralelo está começando a se exercer em bairros e sobre segmentos da economia urbana.

Alguns exemplos, noticiados ou não, das últimas semanas: o trânsito na Linha Amarela, Linha Vermelha e Av Brasil, sobretudo a noite, mas por vezes durante o dia, virou situação de risco. As ruas da zona norte e oeste, à noite, estão desertas e, na zona sul, o esvaziamento já é claramente perceptível. O tráfico assumiu o controle da distribuição de gás e, em boa parte, dos transportes de kombis e motos nas favelas. A construção irregular na Rocinha, que vinha sendo contida, recomeçou, e, ao contrário do que acontecia antes, agora está sendo diretamente controlada pelos bandidos. A usina da COMLURB, no Caju, vem sendo militarmente ocupada pelos traficantes, que seqüestram máquinas, jogam cadáveres nos caminhões e criam uma situação que poderá levar à desativação da mesma. Por outro lado não há indício algum que a relação institucional de propina entre o tráfico e amplas bandas podres das polícias esteja em regressão, no que pese algumas prisões efetuadas.

O mais grave é o medo. A classe média carioca está intimidada, multiplicam-se assaltos e extorsões, diretas ou telefônicas “de boca”. Estamos nos transformando numa sociedade medrosa, covarde, perplexa, impotente. Historicamente, no entanto, esse tipo de abatimento, na classe média, não dura eternamente, acaba gerando um sobressalto com a formação de milícias ou outros esquemas de autodefesa. Em geral esses fenômenos são acompanhados por uma forte guinada à direita.

Quando os bandidos controlam territórios e aparecem, cada vez, mais no asfalto com seus armamentos privativos das Forças Armadas, a supressão do comércio de armas, legal, soa como uma ironia da história. Se examinarmos as estatísticas notamos que os crimes interpessoais que podem ocorrer por causa do acesso a armas legais --ciúmes, desavenças, incidentes no trânsito, no bar-- representam uma parte reduzida do total de homicídios, quase irrisória perante a massa de crimes praticados com armamento ilegal, no contexto dessa guerra civil, de fato, que envolve o mercado das drogas e o controle de territórios.

Ouço os defensores do “sim” dizendo que a proibição de armas legais seria um primeiro passo a ser seguido por uma ação em relação ao armamento de guerra ilegal. Não seria o caso de inverter a equação? De primeiro mostrar serviço numa drástica redução do armamento disponível aos bandidos para, depois, coibir o comércio legal? Senão o fenômeno do armamento ilegal crescerá exponencialmente, a proibição transformar-se-á em mais uma dessas famosas leis que “não pegam”, servindo apenas para oferecer mais oportunidades à corrupção policial.

Favorável ao desarmamento, mas pouco inclinado à postura do avestruz, cogito votar nulo...


 
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