Globo News Painel

Estarei participando do Globo News Painel que vai ser exibido no próximo sábado às 23 horas e com reprises no domingo às 11 e 19 horas.

O quadro partidário.



Legendas brasileiras não têm ideologia
A maioria das siglas de esquerda caminhou para o centro e as conservadoras têm vergonha de assumir o posicionamento de direita que os últimos governos adotaram sem nenhum pudor
Jornal Opção
Marco Antônio Villa, professor e historiador: “O centro está
congestionado e não há alternativa à esquerda nem à direita”

Andréia Bahia

O novo partido do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, já nasce com o defeito da ambiguidade, próprio da maioria dos partidos brasileiros. O ex-governador Claudio Lembo, que deixou o DEM para ingressar no Partido Social Democrático (PSD), diz que a sigla surge como uma terceira via, entre PT e PSDB, um partido “levemente de esquerda”, na definição imprecisa de Kassab.

Mas os 12 princípios que estruturam a nova legenda e que foram apresentados no dia do lançamento da sigla pelo vice-governador de São Paulo, Afif Domingos, um liberal de carteirinha, se aproximam mais dos dogmas de centro-direita que de centro-esquerda. Entre eles, estão a defesa da livre iniciativa, da liberdade individual, o respeito aos contribuintes e do direito de propriedade e o respeito a contratos. Da plataforma da esquerda, apenas o apoio a programas voltados às famílias carentes.

Para justificar a escolha da sigla, o prefeito de São Paulo disse se tratar de uma homenagem ao desenvolvimentismo do presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976), que governou o País entre 1956 e 1961 e era filiado a um partido que tinha a mesma sigla.

Terceira via, levemente de esquerda, desenvolvimentista são conceitos que não dizem nada ideologicamente. O PSD nasce sem um matiz ideológico, sem identidade. Segundo o historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Marco Antônio Villa, o nascedouro do PSD é sui generis. “Normalmente, na história dos partidos políticos, reúne-se um grupo de pessoas, cria-se um programa político e, dali, forma-se um partido. No caso de Kassab é o contrário, ele vai formar o partido e depois o programa e isso mostra que o PSD é um partido de aluguel como tantos outras legendas brasileiras, sem ideologia e sem um projeto para o País.”

Assim como o PSB, legenda com a qual o PSD pretende se aliar ou fundir no futuro. A sigla significa Partido Socialista Brasileiro, mas a legenda não é de esquerda, afirma Villa. “Com exceção do PSol, não há partidos de esquerda no sentido clássico no Brasil.” O PCdoB, observa o historiador, há muito abandonou os preceitos comunistas. “Basta ver a atuação da sigla no Ministério do Esporte, marcada pela corrupção, e pela ligação com grandes empresários. Antigamente era o partido do trabalho, agora é do lazer, vive do Ministério do Esporte.”

O PSB, do governador de Pernambuco, Eduardo Campo, também é de centro. “Nem de centro-esquerda é”, afirma Villa. Ele lembra que o candidato a governador de São Paulo pelo PSB foi Paulo Skaf, presidente da Fiesp. “Imagina chamar o Skaf de esquerda.” Segundo o professor, PSB não tem proposta de esquerda e a maioria dos governadores da sigla eleita nos Estados do Nordeste é conservadora. “Em São Paulo, o deputado Gabriel Chalita nem sabe o que é esquerda.”

E nesse campo difuso do centro que se encontra a maior parte dos partidos brasileiros, inclusive o PT, afirma o professor. “O centro está congestionado e não há alternativa mais clara à esquerda, inclusive uma esquerda democrática, e, do outro lado, não existe direita no Brasil. Ninguém diz que o partido é de direita, como se direita fosse um palavrão.” Esse é um fenômeno brasileiro que não se repete nas democracias ocidentais, que têm partidos conservadores e nenhum político encontra problema em se assumir como conservador.

Segundo Villa, essa vergonha que acompanha a direita brasileira é resultado da vitória do discurso da esquerda, “que ganhou a luta ideológica sobre o passado e impôs que, para fazer política, era indispensável ser de esquerda”. No entanto, o historiador observa um paradoxo na prática política brasileira, que diz ser fundamental ser de esquerda para exercer a função política, mas utiliza para governar a agenda política da direita. “Grande parte da agenda política que está aí não é de esquerda, é conservadora, basta ver a política econômica adotada, de câmbio e de juros, que beneficia os grandes empresários.”

Na opinião de Villa, o Brasil dos últimos anos teve governos voltados para o grande capital, que nunca obteve tantos lucros. “Nunca na historia deste País, como diria uma certa pessoa.” O curioso, diz o historiador, é que a agenda é de direita, mas ninguém pode ser de direita. “Tem que dizer que é de centro ou, como disse Kassab, levemente de esquerda.”

A ideologia do PMDB “é saquear o erário, como realizar saque”, afirma Villa. O PT tem o mesmo posicionamento. “Só que o PT tem um discurso mais educado, mais fino, não é o saque de Renan Calheiros, que saqueia com nota falsa”, compara o historiador. O saque ao erário é a marca da base governamental, diz Villa. “Edison Lobão tem ideologia? José Sarney tem ideologia? Jader Barbalho tem? Não tem.” E é para fazer parte dessa base que Kassab vai criar o PSD, diz Villa. “Ele deixou implícito, no discurso, que quer ajudar a presidente (Dilma Rousseff) a fazer um grande governo e com isso está dizendo: nós vamos apoiar.” Com o desembarque do PSD na base, o historiador não vê a hora em que o barco do governo vai afundar. “São tantos os aderentes que não tem espaço para oposição.”

Os 44 milhões eleitores que manifestaram no segundo turno da eleição presidencial que gostariam que de ter outro tipo de presidente perderam a eleição e os representantes políticos, observa Villa. “É um número significativo, mas os partidos políticos brasileiros não atentaram para esse fato tão óbvio para todos”, lamenta o professor.

O DEM, que com a saída de Kassab vai se transformar em um partido nanico, se perdeu no trajeto liberal. Era a legenda que defendia a classe média, lutava contra os tributos e teve seu grande momento quando derrubou a CPMF. Mas, a partir dali, observa Villa, não conseguiu administrar a vitória e se transformar em um partido conservador clássico no sentido inglês. “Isso é ruim para a democracia brasileira, porque é bom ter um partido claramente conservador.”

Villa diz que a maior parte dos deputados é conservadora, mas os conservadores não têm candidato a presidente. Nas últimas eleições presidenciais a direita trocou uma possível derrota eleitoral por uma boa representação no Congresso. Nenhum candidato conservador forte disputou os últimos pleitos para presidente.

O PSDB não enfrenta dificuldades menores que o DEM na oposição. Além de sofrer com a crise interna que envolve grandes lideranças de São Paulo e Minas Gerais, a legenda tem dificuldade de construir um projeto para o País. “Algo que a identifique para o presente e para o futuro e não para o passado”, explica Villa. As lideranças tucanas não sabem dizer, por exemplo, em que o PSDB difere do governo petista e o que propõe para o Brasil porque o partido também vive sua crise de identidade. “Poderia tentar apresentar para o País uma agenda social-democrata, mas é difícil porque o Brasil tem características muito diferentes da Europa.” Segundo o professor, a crise do PSDB é tão grave que as principais lideranças chegaram a falar em refundar o partido.

Na Europa, os partidos políticos também estão em colapso. A velha perspectiva do comunismo e socialismo entrou em crise assim como o modelo social-democrata. “Hoje, há uma enorme dificuldade de construir uma proposta crítica do modo de produção capitalista, alguma coisa que mantenha o capitalismo sob uma perspectiva mais social”, observa Villa. O que, de certa forma, explica a uniformidade do discurso dos partidos. “O que difere são as lideranças, mas o discurso é muito próximo porque há uma enorme dificuldade de se tentar o novo.”

A falta de firmeza ideológica dos partidos políticos é lamentável, de acordo com o historiador, e geleia geral poderia ser moldada com a adoção da cláusula de barreira, pela qual a legenda teria que ter uma quantidade mínima de votos distribuída por um número mínimo de Estados. A medida reduziria o número de legendas para oito aproximadamente e obrigaria os políticos a se filiarem a partidos mais bem delineados ideologicamente. “Seria uma enorme revolução no País e os partidos de aluguel teriam vida curta, porém o Congresso aprovou, por incrível que pareça, mas o Supremo Tribunal Federal derrubou.” Villa acredita que em um futuro próximo o país pode chegar a ter mais de 30 siglas partidárias. “Estamos vivendo um dos piores momentos em termo de debate político da historia recente do Brasil porque quando se tem essa geleia geral o partido perde as características.” O que é ruim para o Brasil e para a democracia brasileira.

Em meio ao tédio da política...........

Este artigo foi publicado no Estadão em 6 de agosto de 2006. É um "diálogo" entre Euclides da Cunha e Monteiro Lobato.


A diferença é o tempo verbal

Uma conversa fictícia entre Euclides da Cunha e Monteiro Lobato sobre a política do Brasil de hoje

Marco Antonio Villa*


Euclides da Cunha e Monteiro Lobato foram dois intelectuais profundamente preocupados com o Brasil. Euclides viveu o período da propaganda republicana, o golpe militar de novembro de 1889 e os primeiros 20 anos do novo regime. Desiludido com a república, acabou morrendo assassinado em 15 de agosto de 1909. Foi um colaborador habitual d'O Estado de S. Paulo. Ficaram célebres especialmente as reportagens sobre a Guerra de Canudos, em 1897, com o título deDiário de uma expedição. As reportagens, além de uma breve estadia com a quarta expedição no cerco do arraial fundado por Antonio Conselheiro, foram fundamentais para a confecção do maior clássico brasileiro, Os sertões.

Monteiro Lobato foi não só um grande escritor, como também um batalhador incansável em defesa da exploração do petróleo. Era um nacionalista anti-estatista, espécie rara no Brasil. Acabou preso no Estado Novo pelos ataques que fez ao general Horta Barbosa, primeiro presidente do Conselho Nacional de Petróleo. Foi também um colaborador contumaz de O Estado de S. Paulo. Foi no Estadão que publicou os também célebres artigos Uma velha praga e Urupês, em 1914.

Euclides e Lobato, caso estivessem vivos, estariam certamente estarrecidos com a conjuntura política brasileira e a falta de perspectivas. Nesta entrevista imaginária, os dois comentam os dilemas do Brasil de outros tempos. A única alteração é no tempo dos verbos. A conversa começa com a discussão sobre a mania que temos de reformar sempre pelo alto, ignorando os fundamentos do Estado, daí passa pelo velho problema da burocracia, da falta de quadros políticos, do fracasso da elite e do nosso futuro.

- Como analisa as reformas políticas?
Euclides da Cunha: O espírito nacional reconstrói-se pelas cimalhas, arriscando-se a ficar nos andaimes altíssimos, luxuosamente armados. Os novos princípios que chegam não têm o abrigo de uma cultura, e ficam no ar, inúteis, como forças admiráveis, mas sem pontos de apoio; e tornam-se frases decorativas sem sentido, ou capazes de todos os sentidos; e reduzem-se a fórmulas irritantes de uma caturrice doutrinária inaturável; e acabam fazendo-se palavras, meras palavras, rijas, secas, desfibradas, disfarçando a pobreza com vestimenta dos mais pretensiosos maiúsculos do alfabeto.

- E a burocracia nacional, como vencê-la?
Monteiro Lobato: O governo que suprimir o Ministério da Agricultura e os casarões que ele ocupa, prestará ao Brasil um serviço tremendo. Um dia Nilo Peçanha, por capadoçagem, lembrou-se de criar aquilo - e nossas desgraças começaram. O parasita foi encorpando, foi emitindo tentáculos, foi imiscuindo-se em tudo - nas culturas, para atrapalhá-las, na criação de porcos, para burocratizá-la; na avicultura; na citricultura, na pomicultura; em tudo que diz respeito a extrair coisas do solo. A ‘assistência’ daquele parasitismo começava a embaraçá-lo seriamente. Depois a ‘assistência’ degenerou em ‘proteção’ - esse tremendo negócio de parasitas que acaba matando o parasitado.

- E o governo, como vai? E o presidente da República?
Monteiro Lobato: Os nossos estadistas dos últimos tempos positivamente pensam com outros órgãos que não o cérebro - com o calcanhar, com o cotovelo, com certos penduricalhos - raramente com os miolos. Daí o desmantelo cada vez maior da administração pública; daí a bancarrota, a miséria horrível do povo. A miséria é tanta em certas zonas, que a grande massa da população rural já está perdendo a forma humana.

Euclides da Cunha: O seu valor absoluto e individual reflete na história a anomalia algébrica das quantidades negativas: cresceu, prodigiosamente, à medida que prodigiosamente diminuiu a energia nacional. Subiu, sem se elevar - porque se lhe operara em torno uma depressão profunda. Destacou-se à frente de um país, sem avançar - porque era o Brasil quem recuava, abandonando o traçado superior das suas tradições...

- Temos uma elite política? E os nossos intelectuais, continuam em silêncio?
Monteiro Lobato: Somos um pântano com 40 milhões de rãs coaxantes, uma a botar culpa na outra do mal-estar que sentiam. Procuram soluções políticas, mudam a forma do governo, derrubam um imperador vitalício para experimentar imperantes quadrienais, fazem revoluções, entrematam-se, insultam-se, acusam-se de mil crimes, inventam que o pântano permanece pântano ‘porque há uma crise moral crônica’. O mal das rãs é julgar que sons resolvem problemas econômicos. Trocam o som ‘monarquia’ pelo som ‘república’, e trocam este som pelo ‘república nova’. Depois inventam sons inéditos - ‘reajustamento’, ‘congelados’, ‘integralismo’. O próprio das rãs é esse excessivo pendor musical, Querem sonoridades apenas. ‘Somos o maior país do mundo’. ‘Temos o maior rio do mundo’. ‘Nossas riquezas são inesgotáveis’, etc. Enchem o ar dessas músicas - e mandam o ministro da Fazenda correr Nova York e Londres de chapéu na mão a pedinchar dinheiro.

Euclides da Cunha: Apresentamos o quadro de uma desordem intelectual que, depois de refletir-se no disparatado de não sei quantas filosofias deceradas, nos impôs, na ordem política, a mais funesta dispersão de idéias, levando-nos aos saltos e ao acaso, do artificialismo da monarquia constitucional para a ilusão metafísica da soberania do povo ou para os exageros da ditadura científica. Para ainda agravescer a crise, os dois ideais da abolição e da República não requeriam mais as emoções estéticas. Resolvidos na ordem moral, estavam entregues à ação quase mecânica dos propagandistas. Estes precipitavam-nos com o desalinho característico da fase revolucionária das doutrinas, em que se conchavam as idéias e os paralelepípedos das ruas, e os melhores argumentos desfecham no desmantelo das barricadas investidas.

- E o povo brasileiro? O que devemos fazer?
Euclides da Cunha: Este país é organicamente inviável. Deu o que podia dar: a escravidão, alguns atos de heroísmo amalucado, uma república hilariante e por fim o que aí está - a bandalheira sistematizada. O melhor serviço a prestar-se nesta terra, no atual momento, consiste sobretudo na seriedade, que é uma forma de heroísmo no meio deste enorme desabamento....

Monteiro Lobato: A pátria (permanece) sempre naquele eterno mutismo de peixe. A ilusão do brasileiro é um caso sério. O mundo já na era do rádio, e o Brasil ainda lasca pedra. Ainda é troglodita. O Brasil dorme. Daqui (dos Estados Unidos) se ouve o seu ressonar. Dorme e é completamente cego.

Quase um mantra

No jogo, até o momento, em relação à eleição municipal paulistana na de 2012, o PT vence de goleada. O PMDB vai lançar Chalita. Dificilmente chega ao segundo turno. O PC do B vai lançar o sambeiro Netinho que, mais ainda, dificilmente chegará ao segundo turno. O PSD deve lançar candidato (Afif?). Desta forma, vai ter uma tremenda divisão de votos que tende a enfraquecer o candidato do PSDB, facilitando a vida do PT (que deve ter Marta como candidata). E para piorar, o PSDB não tem um nome forte. E mais ainda: o governo federal vai entrar com tudo na eleição. Para o PT vencer em SP é um espécie de ensaio geral para conquistar a jóia da coroa, o governo estadual paulista.

A semana

A renovação das direções do PSDB agitou um pouco a semana. os outros partidos de oposição estão tentando achar o rumo. Até o final deste mês, o panorama oposicionista deve ficar mais claro.


Do lado do governo, administrativamente a coisa vai mal. Paradoxalmente, politicamente tudo corre bem. É o Brasil, sempre surpreendendo o mundo.