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24set/092

Interfaces Homem-Computador: o paradigma

Escalas

No começo, lá em 1837, o código Morse parecia suficiente. Um simples alfabeto de símbolos podia transmitir palavras e mensagens instantaneamente e a distâncias nunca antes imaginadas. Com alguns aprimoramentos, aparelhos telegráficos ganharam um teclado (ver post anterior) e um display rudimentar baseado em uma escala com alfabeto. Excelente para operar com dados sequenciais, ou unidimensionais, não servia para dados cartesianos, ou bidimensionais.

Sistema de telegrafia do século 19Sistema de telegrafia do século 19Sistema de telegrafia do século 19Sistema de telegrafia do século 19

Varredura mecânica

Em 1848, Frederick Bakewell aprimora um engenhoso dispositivo recentemente desenvolvido por Alexander Bain, tornando possível a transmissão de imagens através de linhas telegráficas. A ideia (genial, convenhamos) consistiu em "desenrolar" uma imagem numa espiral contínua de sinais que determinassem a claridade. Praticamente o que o DVD fez quase 150 anos depois :)

Nasce, assim, o que veio a se tornar um aparelho de fax. As bobinas do transmissor e o receptor eram giradas de forma sincronizada por mecanismos de relógio, e o sinal de luminosidade, captado de um lado, era transmitido em forma de uma fagulha para o outro, aonde queimava o filme fotográfico.

Facsimile aprimorado por Bakewell, 1848Quase 50 anos depois, Paul Nipkow inventa um sistema muito mais eficaz de transformar uma imagem em uma sequencia de sinais elétricos, o Disco de Nipkow. Eficaz a ponto de realizar várias varreduras por segundo. Porém, foi somente em 1925 que John Baird conseguiu a proeza de transmitir uma imagem em movimento através do sistema de varredura mecânica, baseado no disco de Nipkow.

Disco de NipkowSistema de varredura mecânica da imagem através de espelhosSistema de varredura mecânica da imagem através de espelhosPrimeira imagem fotografada do televisor de John Baird, 1925

Tubo de raios catódicos

Esse é o display, propriamente dito. Surgiu na década de 20 do século passado e matou a paulada os sistemas de varredura mecânica (apesar dos primeiros displays CRT contarem com um espelho mecânico!). CRT abriu a era do entretenimento em massa ( televisão), passou por aplicações militares (radar) e científicas (osciloscópio), e foi parar nos computadores pessoais. Tanto que os primeiros computadores caseiros eram plugados diretamente na TV.

E aqui está a herança que se mantém desde o primeiro facsimile: a imagem de um monitor ou TV, sejam eles CRT, LCD, plasma ou LED, é composta por uma sequencia de pontos luminosos. Nos meios digitais, estes recebem o nome de pixels. Historicamente, tornou-se tão conveniente desmontar e reconstruir imagens que fica difícil conceber algo diferente. Mas não impossível. Um exemplo é Tennis For Two, "o segundo videogame da história", inventado por William Higinbotham e que utiliza um osciloscópio como display. Nunca joguei nem este, nem o Pong, mas, bem, o Tennis For Two parece ser mais "realista", por assim dizer.

Osciloscópio também é capaz de traçar padrões gráficos bastante elaborados, como nos oscillons do Ben Laposky (pioneiro da arte eletrônica), e até mesmo textos. Tudo isso sem envolver pixel algum!

Oscillon de Ben Laposky, 1952Oscillon de Ben Laposky, 1952

A arte dos pixels

E agora, de volta ao Xerox Star, oficialmente, Xerox 8010 Information System, lançado em 1981, e, na certa, o computador mais influente de todos os tempos. Foi daí que o conceito de WIMP (“Windows, Icons, Menus and Pointing device”) se propagou para os sistemas da Apple, Atari, Commodore, Microsoft, NeXT e Sun, citando só alguns, que se inter-influenciam até hoje, ainda assim preservando o legado da Xerox praticamente imutável. A interface em si foi solidamente fundamentada na usabilidade. A rigorosa metodologia aplicada no processo de desenvolvimento testava exaustivamente as alternativas de cada elemento gráfico até selecionar o mais apropriado. Não é a toa que facilmente reconhecemos os pictogramas desenhados 30 anos atrás.

Star-icons, versão do Bill BowmanStar-icons, versão Dave SmithStar-icons, versão do Wallace JuddStar-icons, versão Norm CoxStar-icons, versão finalEvolução do ícone do documento

Era uma máquina perfeita para substituir toda a papelada do escritório. Uma jogada de se esperar da Xerox, gigante da tecnologia da informação e documentação. Tanto que a propaganda do Xerox Star batia insistentemente na tecla do "tão bom quanto o papel".

Propaganda do Xerox 8010Xerox Star 8010Xerox Star 8010Papel?!

Momento de introspecção. Depois de tantas voltas, tudo o que queremos é um "papel melhor"? É o que o lançamento do Kindle, da Amazon, sugere. Citando o Henry Ford, a respeito do seu primeiro automóvel:

Se eu perguntasse aos meus clientes o que eles querem, eles diriam "um cavalo que corre mais".

Lemos preto em branco por que o papel sempre foi assim, e apesar dos estudos da fisiologia do olho demonstrarem que, digamos, amarelo em azul-escuro seria mais confortável para a vista. Os tipos tem altura fixa por que, bem, padronização era a ideia original do Gutenberg. E é praticamente impossível fugir da forma retangular dos displays: milhões de dólares foram investidos só para "enquadrar" o tubo CRT, originalmente oval.

Salvar/Salvar Como"As coisas sempre foram assim, por que mudar agora" está deixando de ser uma boa justificativa. Exemplo: o que é aquele quadrado azul de um canto chanfrado, com uma grade branca e interruptor, que aparece à esquerda da opção "Salvar" e "Salvar Como" no menu do Word? Pergunta ridícula, mas natural para quem nunca viu um disquete. E nem verá. Nos ícones originais da Xerox, tinha uma fita. Alguém lembra como era salvar um documento numa fita? Eu, felizmente, não.

São estes os paradigmas estabelecidos através de uma longa sucessão de aprimoramentos das tecnologias pré-existentes. Não é bom nem ruim, apenas inevitável. Artefatos novos ganham espaço através da tradução da funcionalidade dos seus antecessores. Mesmo que esta tradução seja uma traição dos seus próprios paradigmas.

Tema do próximo post: análise das possibilidades das Interfaces Homem-Máquina evoluídos a partir dos paradigmas distintos.

   
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