Relativismos

“O Banco Mundial define a pobreza extrema como não ter rendimento suficiente para satisfazer as necessidades humanas mais básicas, de alimentação adequada, água, abrigo, vestuário, saneamento, cuidados de saúde e educação. Muitos estão familiarizados com os dados estatísticos segundo os quais 1 bilhão de pessoas vivem com menos de um dólar por dia. Esse era o limiar de pobreza segundo o Banco Mundial até 2008, quando surgiram melhores dados comparativos de preços internacionais que permitiram calcular, com maior precisão, a quantia de que as pessoas precisam para satisfazer as suas necessidades básicas. Apoiando-se nesse cálculo, o Banco Mundial estabeleceu o limiar de pobreza em 1,25 dólares por dia. O número de pessoas cujo rendimento as põe abaixo deste limiar não é de 1 bilhão, mas de 1,4  bilhão. É evidentemente mau haver mais pessoas do que pensávamos  vivendo na pobreza extrema, mas nem tudo são más notícias. Com base na mesma informação, em 1891 havia 1,9 bilhão de pessoas vivendo na pobreza extrema. Isso correspondia a cerca de quatro em cada dez pessoas no planeta, ao passo que agora há menos de uma em cada quatro extremamente pobre.”

Peter Singer em A Vida Que Podemos Salvar

A vida como ela é

“A discriminação positiva significa recrutar ativamente pessoas de grupos previamente em situação de desvantagem. Em outras palavras, a discriminação positiva trata deliberadamente os candidatos de forma desigual, favorecendo pessoas de grupos que tenham sido vítimas habituais de discriminação. O objetivo de tratar as pessoas desta forma desigual é acelerar o processo de tornar a sociedade mais igualitária, acabando não apenas com desequilíbrios existentes em certas profissões, mas proporcionando também modelos que possam ser seguidos e respeitados pelos jovens dos grupos tradicionalmente menos respeitados. A discriminação positiva é apenas uma medida temporária, até que a percentagem de membros do grupo tradicionalmente excluído reflita mais ou menos a percentagem de membros deste grupo na população em geral. Em alguns países é ilegal;  em outros,  obrigatória.”

Nigel Warbuton em Elementos Básicos de Filosofia

Tempo e vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o Mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem (se algum houve), as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
que já coberto foi de neve fria,
e, enfim, converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de mor espanto,
que não se muda já como soía.

Luís de Camões

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Desvio de comportamento

“Quando se começa a estudar o desvio de comportamento, é necessário ter em conta as regras que as pessoas respeitam e aquelas que desobedecem. Ninguém quebra todas as regras. Mesmo indivíduos que estão totalmente à margem da sociedade respeitável, como os assaltantes de bancos, seguem provavelmente as regras dos grupos a que pertencem. Certos grupos violentos em particular, como as ‘gangs’ de motards têm códigos estritos de conduta que devem ser seguidos pelos seus membros; aqueles que não o fazem sofrem punições ou são expulsos.

O desvio pode ser definido como uma inconformidade em relação a determinado conjunto de normas aceitas por um conjunto significativo de pessoas de uma comunidade ou sociedade.

Nenhuma sociedade pode ser dividida de um modo linear entre os que se desviam das normas e aqueles que estão em conformidade com elas. A maior parte das pessoas transgride, em certas ocasiões, regras de comportamento geralmente aceitas. Quase toda a gente, por exemplo, em determinada altura já cometeu atos menores de roubo, como levar alguma coisa de uma loja sem pagar ou apropriar-se de pequenos objetos do emprego – como papel de correspondência – e dar-lhe um uso privado.”

Anthony Giddens

Ações voluntárias

A maior parte dos filósofos pensam que a convicção da liberdade humana está essencialmente ligada ao processo de decisão racional, mas penso que isso é só parcialmente verdadeiro. De fato, ponderar razões é apenas um caso muito especial da experiência que nos fornece a convicção da liberdade. A experiência característica que nos dá a convicção da liberdade humana, e é uma experiência sobre a qual somos incapazes de arrancar a convicção da liberdade, é a experiência de nos empenharmos em ações voluntárias e intencionais.  É esta experiência a pedra basilar da nossa crença na liberdade da vontade. Porquê? Reflitamos com todo o cuidado no caráter das experiências que temos quando nos empenhamos nas ações humanas normais da vida de cada dia. Veremos a possibilidade de cursos alternativos de ação incrustados nessas experiências. Levantemos o braço, ou atravessemos a rua, ou bebamos um copo de água e veremos que em qualquer ponto da experiência temos um sentido de cursos alternativos de ação para nós disponíveis.

John Searle em Mente, cérebro e Ciência


A propósito

O positivismo lógico, como alguns devem recordar, foi a filosofia introduzida por um grupo de filósofos europeus, chamado Círculo de Viena, no começo dos anos vinte do século passado, e que A. J. Ayer tornou popular no mundo anglófono com o seu livro Linguagem, Verdade e Lógica de 1936. De acordo com os positivistas lógicos, as únicas afirmações com sentido são aquelas que podem ser verificadas através da experiência sensorial ou aquelas que são verdadeiras apenas em virtude da sua forma e do significado das palavras usadas. Assim, uma afirmação tem sentido se a sua verdade ou falsidade puder ser verificada pela observação empírica (por exemplo, a investigação científica). As afirmações da lógica ou da matemática pura são tautologias; quer dizer, são verdadeiras por definição, simples modos de usar símbolos sem que se expresse qualquer verdade sobre o mundo. Nada mais há que possa ser conhecido ou discutido coerentemente. No coração do positivismo estava o princípio da verificação, que estabelece que o sentido de uma proposição consiste na sua verificação. Como resultado, as únicas afirmações com sentido são as usadas na ciência, na lógica ou na matemática.  Afirmações nas áreas da metafísica, da religião, da estética e da ética são literalmente sem sentido, pois não podem ser verificadas por métodos empíricos. Não são válidas ou inválidas. Ayer disse que ser um ateu ou um crente é algo absurdo, uma vez que a afirmação “Deus existe” é pura e simplesmente destituída de sentido.

Roy Abraham Varghese em Deus Existe

Sobre a anomia ou ausência do estado

“ (…) Sentia que, no país de O Coração das Trevas (o romance de Joseph Conrad) o terror da guerra ia crescendo, sobretudo, por causa dos tiroteios que surgiam por ali, das ameaças de ir preso, de sovas e de morte, que geravam um clima cansativo de incerteza, de imprevisibilidade e de falta de informação. Tudo mudava, rapidamente, para pior, em qualquer lugar e a qualquer hora. Não havia nenhuma autoridade, nenhuma força da ordem. O sistema colonial tinha desaparecido, a administração belga fugira para a Europa e, em seu  lugar, surgiu uma força cega e louca que, na maioria dos casos, se manifestava na presença de gendarmes (policiais) congoleses bêbados. Era possível constatar quão perigosa se torna a liberdade desprovida de hierarquia e de qualquer ordem, aproximando-se, assim da anarquia imune à ética e à lei. Numa situação destas, de imediato tomam a liderança forças agressivas do mal, manifestando-se na forma de baixezas, barbaridades e bestialidades. Foi assim no Congo dominado, naqueles tempos pelos gendarmes. O encontro com qualquer um deles podia ser uma experiência perigosa.

Ryszard Kapuscinski em Andanças com Heródoto

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O ser e o nada

setembro 27, 2011 Deixar um comentário

O homem, estando condenado a ser livre, carrega nos ombros o peso do mundo inteiro: é responsável pelo mundo e por si mesmo enquanto modo de ser (…) A responsabilidade absoluta não é resignação: é simples reivindicação lógica das consequências da nossa liberdade. O que acontece comigo acontece por mim (…) Além disso, tudo aquilo que me acontece é meu; deve entender-se, por isso, em primeiro lugar, que estou sempre à altura do que me acontece, enquanto homem, pois aquilo que acontece a um homem por causa de outros homens e por ele mesmo não pode ser senão humano. As mais atrozes situações de guerra, as piores torturas, não criam um estado de coisas inumano; não há situação inumana (…) A situação é minha por ser a imagem da minha livre escolha de mim mesmo.

Jean Paul Sartre, O ser e o nada (Vozes, S. Paulo,s.d.).

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Questões filosóficas

setembro 23, 2011 Deixar um comentário
Uma das razões pelas quais gosto de escalar montanhas é que, quando me sento lá em cima, a puxar e a distender a corda enquanto o meu companheiro sobe, posso contemplar a paisagem e pensar.
Em que penso? Bem, olhar as coisas tão de cima permite uma visão diferente do mundo. Em vez de ser atropelado pelas situações da minha vida quotidiana, acabo habitual a pensar em coisas como: de onde veio o universo? Existe vida após a morte? Deus existe? O que faz com que as coisas sejam certas ou erradas? Pode a minha vida inteira ter sido um sonho?
Estas são questões filosóficas. Estão entre as maiores e mais perturbadoras perguntas que já foram feitas. E a humanidade debate-se com elas há milhares de  anos.
 Stephen Law, Os Arquivos Filosóficos (São Paulo, 1993)

Liberdade e necessidade

setembro 18, 2011 Deixar um comentário

É claro que a liberdade não caracteriza todas as formas de relacionamento humano nem todos os tipos de comunidade, onde os homens vivem em conjunto sem formarem um corpo político – como acontece, por exemplo, nas sociedades tribais ou na privacidade do lar – os fatores que regem a sua ação e a sua conduta são, não a liberdade, mas as necessidades da vida e as dificuldades relacionadas com a sua preservação. Além disso, onde o mundo feito-pelo-homem não se converte em cenário para o discurso e para a ação – como nas comunidades governadas de um modo despótico, que expulsam os seus súditos para a estreiteza do lar e assim impedem a formação de uma esfera pública – a liberdade carece de realidade mundana. Sem uma esfera pública politicamente garantida, a liberdade fica sem espaço onde emergir. Claro que pode sempre habitar no coração dos homens como desejo ou vontade ou esperança ou anseio; mas o coração humano, como todos sabemos,  é um local bastante escuro, e o que quer que aconteça na sua obscuridade dificilmente pode ser considerado um fato demonstrável.  A liberdade como fato demonstrável coincide com a política, e as duas estão intimamente relacionadas.

Hannah Arendt, O que é a liberdade, in Entre o Passado e o Futuro, Relógio d´Água

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