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Andrade Lima Filho - abertura    Crônica de uma viagem entre os extremos
por Evaldo Costa
AGITADOS VERDES ANOS


Conspiração em marcha

Era uma quinta-feira e passava das quatro da tarde. O casarão rodeado por uma cerca baixa ficava a poucos metros do mar, no final de uma estradinha sem pavimentação. O jovem alto de cara espinhenta, que bateu palmas e gritou "ô, de casa", lá do portão, era Andrade Lima Filho. Na companhia do colega Lauro Mendes, visitava o padre Alfredo Arruda Câmara em sua casa de veraneio. A casa ficava em Rio Doce, Olinda, na época - 2 de dezembro de 1937 - uma praia de areias brancas e águas limpas, retiro isolado habitado somente por veranistas e pescadores. Andrade Lima Filho tinha 27 anos e era um destacado militante, no plano local, da Ação Integralista Brasileira (AIB), organização política de inspiração fascista que, entre 1932 e 1938, congregou mais de 1 milhão de militantes e foi o primeiro partido de massas do País. Arruda Câmara, cinco anos mais velho, era um líder religioso influente e também um político até pouco tempo muito poderoso, tendo cumprido mandatos de deputado estadual e federal, num dos quais chegara a presidir a Câmara Federal por quatro anos. Mas não era o currículo do padre que motivava a visita. Muito mais importante para os visitantes era a condição de aliado histórico, circunstancialmente rompido com Agamenon Magalhães que, no exato momento em que a visita se realizava, discursava da sacada do Palácio do Campo das Princesas, depois de tomar posse como interventor federal em Pernambuco.

Do encontro - sua razão de ser e o que nele foi decidido - há apenas um registro, feito pelo próprio Andrade Lima Filho, no livro China Gordo-Agamenon Magalhães e sua época, publicado pela Editora Universitária, em 1976.

"Fomos lá topar o padre (...) Arruda Câmara me ouviu com evidente interesse. Mas, quando lhe fiz, em nome do comando da conspiração, o convite para aliar-se à conjura, o bravo combatente de outras refregas desconfiou da parada e tirou o corpo fora, de um modo muito especial: - 'Primeiro vou ouvir meu confessor', foi sua resposta. E mudou de assunto".

Arregimentar parceiros para uma tentativa de golpe de estado não foi a maior ousadia a que se entregou o militante integralista Andrade Lima Filho. A frustrada tentativa de cooptar o futuro monsenhor Arruda Câmara pode ser considerada apenas um episódio peculiar - importante mas não decisivo - num envolvimento que durou pelo menos 16 anos. Iniciada praticamente na adolescência, a militância integralista de Andrade só seria interrompida em 1947, depois, portanto, que a propaganda dos vencedores da Segunda Guerra Mundial já havia demonizado de tal forma o fascismo - em todas as suas derivações/deturpações, como o Nazismo e o Integralismo - que poucos cometeriam a temeridade de professá-lo. Quando rompeu, sem alarde, com o movimento, em 1947, Andrade ocupava o destacado posto de redator-chefe do jornal A Vanguarda, porta voz do Partido da Representação Popular (PRP), organizado por Plínio Salgado e seus seguidores depois da redemocratização de 1945.

Os integralistas haviam dado contribuição fundamental à trama que resultou no golpe do Estado Novo. Além de elevar a temperatura do debate político com o combate cerrado que davam aos comunistas, por meio de seus jornais e de programas de rádio pelo País afora, foi um integralista - o então capitão Mourão Filho - quem falsificou, numa repartição do Exército, no Rio de Janeiro, um "plano comunista" para dar um golpe de estado. Batizado de "Plano Cohen", o "documento" foi apresentado - em meio a escandalosa publicidade - como tendo sido interceptado pelos serviços de inteligência do Exército e serviu, como desejavam os que o produziram, de pretexto para a implantação da ditadura. Apesar da prestação desses serviços - ou, quem sabe, por isso mesmo - em vez de convocá-los para compartilhar o nascente poder quase absoluto, Vargas colocou na ilegalidade a organização que congregava os integralistas (na verdade, declarou proscritos todos os partidos políticos) e ainda fez com que fossem perseguidos, presos e desmobilizados. Procurou também - curiosamente - cooptá-los, sempre que foi possível ou necessário. Sim, porque se não queria a AIB forte e coesa a ameaçá-lo, Vargas e seus amigos não deixavam considerar os valiosos préstimos que muitos integralistas ainda poderiam lhes oferecer.

Em cadeia de rádio, Vargas decretou a implantação do Estado Novo. O chefe supremo do Integralismo, Plínio Salgado, esperava o chamado para ser ministro da Educação. Baseava esta esperança em fatos bastante concretos. No dia 1º de novembro, os integralistas haviam marchado em apoio ao golpe de estado que estava sendo planejado. No Rio de Janeiro, em um palanque, ao lado de Getúlio, do ministro da Guerra Eurico Gaspar Dutra e de outros chefes militares simpáticos ao movimento, Salgado comandou a marcha dos 50 mil camisas-verdes. O que obteve em troca? O decreto de 2 de dezembro que desarticula a AIB.

Plínio Salgado, sente-se traído e, secretamente, determina os preparativos para um contragolpe. Claro, antes disso pede clemência, envia intermediários, escreve cartas - tudo em vão. Por certo, Vargas, na Chefia de um Governo mais ou menos heterogêneo, constituído por remanescentes do tenentismo, militares de formação autoritária e os golpistas de sempre, não iria arriscar-se na convivência com uma organização política tão poderosa quanto movida por ambições de poder, como era a AIB.

Vargas colocou não apenas a polícia política contra o Integralismo, mas, também, toda a máquina de propaganda do Estado Novo, que ajustava os recalcitrantes com a censura e animava os flexíveis com verbas públicas.

Assim, os integralistas passaram a ser tratados pela mídia brasileira como caricatura de nazistas, desmiolados ridículos a quem não se devia levar a sério. Como resultado dessa campanha, a imagem da organização chegou, em janeiro de 1938, ao seu pior momento. A aparição de Plínio Salgado em um jornal cinematográfico, exibido em um cinema de Belo Horizonte foi recebida com barulhenta vaia. Acuados, os integralistas dividiam-se, uns despindo a camisa verde, outros partindo para tramar um golpe. Andrade Lima Filho pertencia ao segundo grupo. E desencadear o levante em Pernambuco era a tarefa que o movera ao retiro litorâneo de Arruda Câmara naquela tarde de dezembro. A frustração do padre, preterido, junto com outros pessedistas históricos, na formação da equipe de trabalho do recém empossado interventor, fazia dele - na avaliação dos integralistas - participante potencial da conspiração.

Mas o que eram, exatamente, o Fascismo e o Integralismo? Não é fácil definir em termos precisos movimentos que alcançaram repercussão tão abrangente a ponto de até hoje sobreviverem pelo mundo afora - a julgar pelas centenas de páginas disponíveis na Internet. Tampouco é o objetivo desse trabalho, dedicado fundamentalmente a relatar a vida e a ação política do ex-deputado estadual Andrade Lima Filho. Para compreensão do contexto em que atuou faz-se necessário, porém, que se descreva, ainda que muito sumariamente, o que é - ou o que foi em determinada época - o Integralismo, de que modo esse movimento relacionou-se com as demais correntes de pensamento na sociedade brasileira, bem como suas vinculações com as diferentes versões do Fascismo no mundo.

Em seu Dicionário de Política, Bobbio, Matteucci e Pasquino definem Fascismo como "um sistema autoritário de dominação que é caracterizado pela monopolização da representação política por parte de um partido único de massa, hierarquicamente organizado; por uma ideologia fundada no culto à personalidade do chefe, na exaltação da coletividade nacional, no desprezo dos valores do individualismo liberal e no ideal da colaboração de classes, em oposição frontal ao socialismo e ao comunismo, dentro de um sistema de tipo corporativo". Outras características dos regimes ou movimentos políticos do tipo fascistas, segundo a obra, são a manutenção de "objetivos de expansão imperialista, a alcançar em nome da luta das nações pobres contra as potências plutocráticas". Mencionam, ainda, os autores estas outras características do integralismo: "A intenção de conseguir o aniquilamento das oposições, mediante o uso da violência e do terror; um aparelho de propaganda baseada no controle das informações e dos meios de comunicação de massa; um crescente dirigismo estatal no âmbito de uma economia que continua a ser, fundamentalmente, de tipo privado; e a tentativa de integrar nas estruturas de controle do partido ou do Estado, de acordo com uma lógica totalitária, a totalidade das relações econômicas, sociais, políticas e culturais".

Hélgio Trindade, autor de importante estudo sobre o movimento, não vacila em definir o Integralismo como "o Fascismo brasileiro", realçando a influência que sobre ele exerceram as organizações políticas e governos liderados por Mussolini (Itália, 1924-45), Oliveira Salazar (Portugal), Francisco Franco (Espanha) e Adolf Hitler (Alemanha).

"A influência da expansão das idéias fascistas européias faz da década de 30 no Brasil um período de ascensão de idéias radicais de direita. Este fato se constata pela presença nas livrarias de uma abundante literatura sobre o fascismo italiano e o novo regime português."

É fato que ninguém - nem mesmo os integralistas, na época ou depois - nega a existência de diferentes níveis de relacionamento entre os integralistas e os fascismos europeus. O que, diga-se de passagem, em determinado momento de nossa História nem era privilégio dos integralistas, sendo públicas as simpatias que vastos setores de nossa sociedade - inclusive Vargas e vários integrantes do seu Governo - nutriam pelos regimes fascistas. Em 1940, quando já formava uma grande coalizão mundial contra o nazismo, Vargas chegou a fazer uma declaração de neutralidade que significava, praticamente, uma manifestação de apoio.

"O Brasil não é inglês nem alemão. É um país soberano que exige respeito às suas leis e que defende seus interesses. O Brasil é brasileiro", declarou Vargas, revestindo seu posicionamento numa couraça pragmática: observar o andamento da guerra para se posicionar em favor do lado vencedor e, assim, favorecer a posição brasileira no cenário internacional.

Com os integralistas, entretanto, o alinhamento era ideológico e jamais disfarçado. Isso não quer dizer, porém, que o Integralismo possa ser simplesmente equiparado aos regimes de Hitler e Mussolini. O filósofo paulista José Chasin, por exemplo, elenca, num livro muito citado (O Integralismo de Plínio Salgado: forma de regressividade no capitalismo hipertardio), diferenças fundamentais entre o integralismo e os fascismos, sendo a mais expressiva entre elas o fato de brotarem em países em estádio de desenvolvimento econômico diferenciado. Diz ele:

"(...) o fascismo é uma ideologia de mobilização nacional para a guerra imperialista, que se põe nas formações de capitalismo tardio, quando estes emergem na condição de elos débeis da cadeia imperialista", "o integralismo [é] uma manifestação de regressividade nas formações de capitalismo híper-tardio, uma proposta de freagem do desenvolvimento das forças produtivas, com um apelo ruralista, no preciso momento em que estas principiam a objetivar o 'capitalismo verdadeiro".

Em outras palavras: o Fascismo e o Nazismo desenvolveram-se em sociedades de capitalismo industrial atrasado (em relação às potências da época), como Itália e Alemanha. Armadas de ideologia nacionalista, buscavam, por meio de guerras de conquista, tornarem-se, elas próprias, potências imperialistas. Já o Integralismo surgiu numa sociedade que experimentava incipiente processo de modernização capitalista - o Brasil - que abandona a economia agrária exportadora por uma pequena estrutura industrial voltada para a substituição de importações. Enquanto os europeus tinham ambições expansionistas, nossos integralistas desejavam devolver o País ao comando das velhas oligarquias agrárias, tinham nostalgia do campo, definiam-se como anticosmopolitas.

De qualquer forma, se não era um fascismo, o Integralismo não tinha, porém, qualquer acanhamento em se mostrar muito parecido. Ao contrário. Orgulhava-se disso e até se esforçava para ir ficando cada vez mais parecido. Copiava descaradamente símbolos: os "camisas negras" de Mussolini viraram "camisas-verdes" de Plínio Salgado, o "Heil Hitler" dos nazistas transformou-se no "anauê" brazuca e a cruz suástica travestiu-se na letra grega sigma. A forma de organização militarizada, o gosto pelas marchas e paradas, o ímpeto policialesco - tudo fazia da AIB uma organização que era, praticamente, uma cópia não disfarçada dos grandes partidos fascistas europeus. E tão à vontade estavam nesse papel que, sistematicamente, usavam em sua propaganda o que, à época, aparecia como êxitos dos Governos de Hitler e Mussolini, apontados como restauradores do orgulho nacional dos seus povos, que haviam sido derrotados e humilhados no final da Primeira Grande Guerra. Até o anti-semitismo e o combate à maçonaria foram assumidos como pontos centrais no discurso de líderes integralistas, como Gustavo Barroso, o número 2 da AIB e autor de livros como Os protocolos dos sábios de Sião (1936), A maçonaria: seita judaica (1937), Judaísmo, maçonaria e comunismo (1937), A sinagoga paulista (1937) - todos carregados da mesma feroz retórica antijudaica hitlerista. Nem mesmo o arianismo (exaltação racista da raça branca) foi esquecido e ecoou pateticamente no discurso integralista.

Visto de hoje, o desvario de um partido político a apregoar teses racistas num país de mulatos causa constrangimento e perplexidade. Sobretudo, quando se leva em conta que quem estava à frente de tantos desatinos não era um bando de botocudos, mas intelectuais sofisticados como Plínio Salgado, Gustavo Barroso - escritores elogiados, líderes da renovação modernista - e muitos outros. O próprio Andrade Lima Filho traçou um impiedoso auto-retrato quando escreveu as memórias de Osório Borba:

"Berrei anauês, invoquei a 'milícia do além', incinerei fichas de traidores no fogareiro do ritual ridículo. Ouvi rumores de espectros funambulescos nas noites de Salem dos 'tambores silenciosos', integrei, muito ancho, a Câmara dos 400, enfim, fiz tudo como mandava o figurino de Plínio Salgado: arenguei em comícios, desfilei em paradas, dei murros, levei socos. E, hoje, e aqui, a repassar, na memória penitente, os lances quixotescos da grande bufonaria da juventude equivocada, a mim me parece ouvir ainda, às minhas costas de desfilante patusco, como o grande herói burlesco da ópera, o "ride palhaço" da galhofa e do apupo das multidões iradas, nas pateadas vingadoras. Eu era um deles. Um palhaço, sim. Aí o comício descia do palanque, ou a passeata atravessava na rua, terminando tudo em pancadaria. Era a bílis colorida em ação. O verde contra o vermelho."

Mas esta condenação à posteriori é relativamente fácil de ser feita. Depois da Segunda Guerra, as ligações dos integralistas com Hitler e Mussolini produziram uma condenação tão peremptória do movimento que até hoje os que a ele pertencerem - mesmo que na adolescência - carregam esta marca como uma chaga (ou como as tatuagens que os nazistas chegaram a imprimir no corpo dos que desprezavam, para que não se perdessem de vista). Nunca mais os nomes de intelectuais como Miguel Reale e Gerardo Mello Mourão, ainda vivos, foram mencionados sem que estivessem acompanhados da remissão aos seus anos de integralistas. O mesmo se deu com Alceu Amoroso Lima, Álvaro Lins e Paulo Cavalcanti, alguns entre os centenas de milhares de brasileiros que, no dizer de Andrade, "remaram naquela canoa". A lista tem um quê de infinita. Gilberto Amado, Azevedo Amaral, Octavio de Faria, Oliveira Vianna, Virgínio Santa Rosa, Afonso Arinos de Mello Franco, José Maria Belo, Barbosa Lima Sobrinho, Martins de Almeida, Alcindo Sodré, Hélio Viana, Cândido Mota Filho, Capistrano de Abreu, Alcides Gentil - todos estes e muitos mais tiveram algum nível de envolvimento com o Integralismo.

Para entender como isso aconteceu, é preciso recuar no tempo, visitar livrarias, ler os jornais da época, freqüentar a sede da AIB, na Barão de São Borja, e xeretar o que as pessoas conversavam em casa e nas ruas. É preciso ouvir a voz dos poetas, freqüentar os corredores da Faculdade de Direito, atentar para o que diziam seus mestres. E é fundamental, por fim, conhecer o homem que foi responsável por tudo isso.



O chefe supremo

Plínio Salgado nasceu em São Bento do Sapucaí, interior de São Paulo, em 22 de janeiro de 1895, numa família de origem portuguesa com inserção política no âmbito local. Muito jovem, vincula-se ao Partido Municipalista. Depois muda-se para a capital paulista, e logo é reconhecido como jornalista e escritor. Participou do Movimento Modernista de 1922 como ideólogo da tendência nacionalista Movimento Verde-Amarelo, em oposição à corrente primitivista, lançada pelo Manifesto Pau-brasil, de Oswald de Andrade.

Em 1927, publica Literatura e política, livro em que se declarava anticosmopolita, defensor de um Brasil agrário e contrário ao sufrágio universal. Um ano depois, elege-se deputado estadual pelo Partido Republicano Paulista (PRP).

Alguns dos seus trabalhos literários - principalmente o romance O Estrangeiro - são tidos como de grande valor.

Mas foi uma viagem à Itália, em 1930, que mudou o seu destino. Salgado conheceu o líder fascista italiano Benito Mussolini, já àquela altura chefe de um Estado terrorista que prendeu e matou grande parte da elite intelectual antifascista italiana. Uma de suas vítimas foi o filósofo Antonio Gramsci, morto em conseqüência das condições do encarceramento que sofreu por crime de opinião, apesar de ter imunidade parlamentar.

Salgado ficou obcecado pela idéia de fundar um partido nos moldes do fascista. Em 1931 fundou a Sociedade de Estudos Políticos, onde reuniu os notáveis do pensamento autoritário brasileiro e líderes das incipientes organizações fascistas que se desenvolviam pelo País afora.

Daí saiu como fundador da AIB e como chefe absoluto do Fascismo brasileiro.



Um mundo em convulsão

Estamos numa segunda-feira, no começo do ano de 1930. Empertigado em sua melhor beca, Andrade Lima Filho comparece para seu primeiro dia de aula. Sabe que seu futuro está nesse edifício imponente das cercanias do Parque 13 de Maio. A Faculdade de Direito, caixa de ressonância do País, fervilha como um formigueiro em véspera de temporal. E a previsão do tempo não está errada. Em 1º de março ocorrera a eleição para presidente da República, na qual a chapa oficial, liderada pelo paulista Júlio Prestes, derrotara a oposicionista encabeçada pelo gaúcho Getúlio Vargas, tendo o paraibano João Pessoa como vice. Mas o pronunciamento das urnas - segundo as regras eleitorais da República que logo seria chamada de velha - não encerra o assunto. O País está mudando. Desde os anos 1920 cresce a influência dos chamados segmentos médios urbanos - operariado e classes médias (profissionais liberais, funcionários públicos, militares) - na definição dos rumos do País. Desse modo, as trocas de posição nos postos políticos, de uma para outra corrente da oligarquia. não poderão mais ser feitas mediante ajustes a portas fechadas. Na verdade, continuarão a acontecer, mas não sem que o custo político seja alto demais. Há um clima de conspiração. Há instabilidade e a certeza de que algo importante está para acontecer. Em 14 de março rebenta a revolta de Princesa, cidade paraibana comandada pelo coronel José Pereira, que entra em conflito com o governador João Pessoa.

Andrade Lima Filho acompanha com atenção os acontecimentos políticos que sacodem o Brasil. Na amena Quipapá, onde viveu dos 14 anos 20 anos recém completados, ele é visto com um jovem notavelmente bem informado, que lê e escreve sobre todos os assuntos, corresponde-se com outros jovens intelectuais de outras cidades interioranas, da Capital e até do Rio de Janeiro. É comum ouvi-lo discorrer sobre os fatos mais atuais.

Os tenentes e seus levantes de 1922, 1924 e 1926 incendeiam a imaginação de jovens pelo País afora. Em 1927, Andrade Lima Filho publica em O Quipapá, jornalzinho dirigido por seu pai, o poema 5 de julho, homenagem aos heróis do levante do Forte de Copacabana e a Luís Carlos Prestes em particular.

"5 de julho. É a voz do povo Brasileiro
A aclamar sem temor este Prestes viril.
Alma cheia de fé que, no immortal cruzeiro
Fez o mundo pasmar frente ao Brasil"

Ao redigir esta - a última - estrofe do poema, o adolescente Andrade Lima Filho estava longe de imaginar que, anos depois, aquele 'Prestes viril', o tenente Luís Carlos Prestes da coluna invicta, viria a ser o chefe dos comunistas e o inimigo a quem dedicaria dias e noites a combater.

Nessa época - já estamos agora em junho de 1930 - quem governa o Estado é Estácio Coimbra, atacado, ora com agressividade, ora com humor e inteligência, pelas colunas do Diario da Manhã, de Carlos de Lima Cavalcanti, "tenente civil" e líder da conspiração que avança. Andrade está empregado (na verdade, faz um bico a vinte mil réis por semana) como revisor no Diario da Manhã. Próximo fisicamente dos líderes revolucionários (Osório Borba, seu futuro biografado, José de Sá, Jarbas Peixoto, entre outros, eram, simultaneamente, jornalistas e destacados dirigentes da conspiração. Os três serão eleitos para o Congresso Nacional, nas eleições de 1933, tendo José de Sá conquistado ainda uma mandato de senador depois da reconstitucionalização de 19340. O tímido Andrade deles não se aproxima política, ideológica ou pessoalmente. Estava na moita. Esperava.

Em 26 de julho, o governador João Pessoa foi assassinado na Confeitaria Glória, centro do Recife. Seus funerais transtornaram o cotidiano dos dois Estados vizinhos. Na verdade, transtornaram o País. Em vão, os jornais repetiam pronunciamentos de líderes oposicionistas como Getúlio Vargas - presidente (como se dizia na época) do Estado do Rio Grande do Sul - e Antônio Carlos, de Minas Gerais, negando a iminência de uma revolução. O clima nas ruas desmente os desmentidos. Há concentrações populares dissolvidas, violentamente, pela polícia. Foi assim na missa de sétimo dia de João Pessoa, na Matriz da Boa Vista. Os estudantes da Faculdade de Direito participam e são obrigados a abrigar-se no prédio da Faculdade, depois de perseguidos por cavalarianos. O calouro Andrade Lima Filho está presente, mas se mantém discreto. A revolução explode, em 4 de outubro, com uma gigantesca onda de violência - houve tiroteios, muitas mortes e depredações de prédios públicos, residências e sedes de jornais. O Jornal do Commercio, da família Pessoa Queiroz que, por conta de negócios na Paraíba, era inimiga do governador João Pessoa, foi tão violentamente atacado que seria necessário muito capital e quatro anos de trabalho para colocá-lo de novo em condições de circular.

Consumada a vitória dos conspiradores de 1930, cai Washington Luís da Presidência da República e Estácio Coimbra do Governo de Pernambuco. Ascendem Getúlio Vargas no Catete (a sede do Governo central, no Rio de Janeiro) e Carlos Lima Cavalcanti no Estado. Chegam ao poder, assim, a geração dos conspiradores dos anos 1920 - a maioria dos tenentes revoltosos. É o fim de um pacto de poder - a política dos governadores - que assegurou por décadas, sob comando dos cafeicultores paulistas e dos criadores mineiros, o domínio das aristocracias rurais, na célebre política do café com leite.

Mas se é claro que a Revolução põe fim a uma era, é inegável também que o que fica no lugar não anima ninguém. As esquerdas, que sonharam com Luís Carlos Prestes na chefia de uma revolução como a russa de 1917, desiludem-se com a falta de compromisso popular dos novos governos e também com o fato de continuarem sujeitas à implacável perseguição de sempre. Igualmente desiludidas ficam as classes médias ao perceber que remanescentes das mesmas oligarquias pré-30 vão, pouco a pouco, alijando os idealistas, mas inexperientes tenentes. E é no vocabulário dos jovens, sobretudo daqueles politizados que freqüentam a Faculdade de Direito, que vão se infiltrando a insatisfação e o desalento.



As idéias dominantes

Em 1933, Gilberto Freyre publicou Casa Grande & Senzala e Caio Prado Jr. lançou Evolução Política do Brasil. A Estas duas obras capitais vem se somar, em 1937, Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. formam um dos marcos fundamentais da historiografia brasileira na classificação de Carlos Guilherme Mota. Autor de A ideologia da Cultura da Brasileira, obra publicada em 1977, Mota identifica o desenvolvimento da tendência como decorrência da revolução de 1930, que "se não foi suficientemente longe para romper com as formas de organização social, ao menos abalou as linhas de interpretação da realidade brasileira, já arranhadas pela intelectualidade que emergia em 1922 com a semana de arte moderna e com a fundação do Partido Comunista". Para ele, a historiografia da elite oligárquica, empenhada na valorização dos feitos dos heróis da raça branca, vai ser contestada de forma radical por um conjunto de autores que representarão o ponto de partida para o estabelecimento de novos parâmetros de conhecimento do Brasil e do seu passado". Os radicais - Freyre, Prado e Buarque - são autores muito diferentes - o primeiro assumidamente conservador, os outros dois esquerdistas; Freyre sociólogo de formação americana, os paulistas historiadores de formação européia - que se encontram ao traçarem retratos do Brasil nos quais segmentos oprimidos são levados em conta, como protagonistas da História.

Mas não estão sós na aventura de interpretar o Brasil e de apontar os rumos que o País deve seguir. Fundamentada na crise do liberalismo (como teoria política e como modo de organização social), e animados pelo conseqüente ascensão do fascismo, que domina a paisagem da Europa a partir dos anos 20, surge a geração de pensadores políticos que desenvolve o autoritarismo brasileiro dos anos 30. Oliveira Vianna, Jackson de Figueiredo, Alceu Amoroso Lima, Plínio Salgado, Miguel Reale, José Maria Belo, Gilberto Amado, Ronald de Carvalho, Azevedo Amaral, Octavio de Faria, Virgínio Santa Rosa, Afonso Arinos de Mello Franco, Cândido Mota Filho, Alcides Gentil são alguns dos ideólogos que tentarão moldar o Brasil de acordo com pressupostos nacionalistas e antiliberais. Utilizarão para isso a mistura, nas proporções que cada um escolheu, da doutrina social da igreja católica, formulada pelo Papa Leão XIII, com o pensamento do filósofo e político brasileiro Alberto Torres, tudo isso ainda temperado com idéias e práticas dos fascistas portugueses, espanhóis, italianos e alemães.

O resultado desta mistura é indigesto. Onde Freyre via as vantagens da miscigenação racial no Brasil, a importância do negro e do índio na construção de uma civilização tropical, os pensadores do autoritarismo brasileiro, principalmente Oliveira Vianna, verão a necessidade de impor com firmeza a supremacia da raça branca. Prado realça a participação do povo na história e transforma em capítulo as notas de rodapé anteriormente dedicadas a movimentos como a revolução praieira e a cabanada? Vianna pregará a defesa do estado "forte", com autoridade para disciplinar a sociedade, reservando a cada um o seu lugar. Corporativismo (organização social baseada nas representações de classes sociais) e nacionalismo extremado são outros pressupostos fundamentais no pensamento autoritário. Por fim, o anticomunismo transformado em doutrina.



O começo de tudo

Em 1932, Andrade Lima Filho é eleito para o Diretório Acadêmico e liga-se ao grupo liderado por Otacílio Alecrim em torno da revista Agitação. Álvaro Lins, Gilberto Osório de Andrade, Carlos Duarte, Evaldo Coutinho, Ernane Sátiro e Gil Methódio Maranhão são alguns dos companheiros de aventura. O que pensam, sobre o que escrevem os rapazes de Agitação?

Nas quatro edições que foram a lume, Agitação mostra-se menos agitada do que seria lícito esperar. Domina-a o tema da angústia ambientada numa Europa dividida entre sedentos de vingança - os derrotados da Primeira Guerra, inconformados com a rendição humilhante - e os avessos à guerra - os aliados que a venceram a um custo praticamente inaceitável, milhões de mortos nos campos de batalha. É desse mal-estar que Andrade Lima Filho trata em texto empolado e carregado de palavras difíceis. Não parece, mas germina na mentalidade daqueles jovens um radicalismo não revolucionário que de algum modo é marca da pequena burguesia brasileira desde o período anterior à proclamação da República. É esse radicalismo que se manifesta na rebelião, comandada pelo Diretório Acadêmico, contra o diretor Virgínio Marques Carneiro Leão, que é praticamente expulso do cargo por meio de uma greve, em 1932.

Muitos dos jovens redatores de Agitação participavam também de outro grupo, este mais orgânico, a Ação Universitária Católica (AUC), que editava um boletim igualmente marcado pelo beletrismo e pela defesa do conservadorismo católico. São os congregados marianos Antônio Othon Filho, José Queiroz de Andrade, Djair Brindeiro. Nem todos são estudantes de Direito, casos dos futuros médicos Ruy João Marques e Gonçalo de Melo. A Bíblia desses jovens é A Inquietação Pascalina, de Jackson de Figueiredo, lançado em 1932. E o papa é Alceu Amoroso Lima, a quem lêem com devoção e com quem se correspondem. Tanto que eram chamados de "aucistas", numa fusão irônica da sigla do movimento com o nome do mentor, como conta Nilo Pereira. Liderados pelos professores Andrade Bezerra e Barreto Campello, e influenciados pelo padre jesuíta Antônio Ciríaco Fernandes, desencadeiam um movimento pelo ensino religioso nas escolas. A campanha é vitoriosa. Um decreto do ministro da Educação, Francisco Campos, atende a reivindicação.

Formados, os rapazes dos grupos Agitação e da AUC vão desempenhar importante papel na política pernambucana, dispersando-se por todas os matizes do espectro político. Alguns serão comunistas (caso, por exemplo, de Carlos Duarte). Os chamados Congregados Marianos, reunidos sob a liderança do padre Fernandes, vão constituir a espinha dorsal do Governo estadonovista de Agamenon Magalhães. Entre estes, Nilo Pereira será líder de bancada e principal redator da Folha do Povo, órgão de propaganda do regime. Manoel Lubambo responderá pela Secretaria da Fazenda e será editor da revista tradicionalista Fronteiras. Andrade, Otto de Brito Guerra, Gilberto Osório de Andrade e alguns outros tornam-se integralistas.

Quando Plínio Salgado reuniu as principais organizações da extrema-direita nacionalista e lançou, em 7 de outubro de 1932, o manifesto da AIB, Andrade Lima Filho estava pronto para segui-lo. Seu conhecimento a respeito do ideário integralista fora obtido na leitura das obras dos principais ideólogos e das revistas Hierarchia, que tem o mesmo nome do órgão de propaganda do partido fascista italiano e é editada no Rio de Janeiro pelo grupo de Plínio Salgado (San Tiago Dantas, Hélio Viana, Olbiano de Mello, Madeira de Freitas, Antônio Galotti), e Política, de São Paulo, editada por Cândido Mota Filho com a participação de Thiers Manins Moreira, Américo Lacombe, Antônio Galotti, Hélio Viana, Otávio de Faria, Santiago Dantas, Chermond de Miranda e Vinícius de Moraes.

Primeiro torna-se líder de um núcleo integralista na Faculdade de Direito, do qual fazem parte João Roma, Oto Guerra, José Carlos Dias e José Barata. Os cinco serão os primeiros signatários do Manifesto Integralista de Pernambuco, lançado em novembro de 1932. Depois torna-se ativo propagandista do movimento em reuniões privadas e em artigos pela Imprensa. Na época, o integralismo tinha grande popularidade no Ceará. E era comum a presença de militantes cearenses em Pernambuco, até pela razão de que alguns deles - caso de Jeová Mota e Luís Sucupira - chegaram a estudar na Faculdade de Direito do Recife. Mas as mais expressivas lideranças eram, indiscutivelmente, Severino Sombra, jovem militar que, por suas convicções, recusara-se a participar da Revolução de 30, e um jovem padre chamado Hélder Câmara. Embora admita que sofria pressão proselitista de amigos e colegas de trabalho, como Cleodom Fonseca e José Queiroz de Andrade, Paulo Cavalcanti - que mais tarde seria figura destacada do PCB em Pernambuco - garante que foi uma palestra do futuro bispo progressista de Olinda e Recife, dom Hélder Câmara.

Por sua atitude destemida e suas inegáveis habilidades de orador, Andrade vai logo sendo reconhecido como líder por colegas e pela direção nacional do movimento, que tinha nos jovens seu público preferencial. Em janeiro de 1933 é escalado para publicar, na revista Brasil-Portugal, de circulação nacional, uma série de artigos propagandísticos.

No primeiro desses artigos, A Ação Integralista Brasileira e os Universitários Brasileiros, ataca "a burguezia gozadora e pôdre" (sic), pronta a se tornar "presa das ideologias radicais e vermelhas que espreitam e se infiltram", reclama do que seria "o grande mal da vida pública brasileira, a indistinção, indisciplina, a desordem em que nos arrastamos", acolhe a crítica de Alberto Torres à Constituição Brasileira de 1891 por seu "idealismo utópico". Como se não bastasse, denuncia os desvios da Revolução de 1930 e condena "formal e veementemente a existência de partidos políticos que fracionem a nação, semelhando o ódio, a desunião e a desordem no seio da família nacional". E esclarece:

"Em vez do que há atualmente, teremos a Nação organizada em classes profissionais, concretizadas essas classes num bloco homogêneo e indestrutível que constituirá o Partido Único".

Em outro ponto do artigo, faz o alerta:

"A Ação Integralista Brasileira se baterá pelo reajustamento desses laços de disciplina e defenderá intransigentemente esse Princípio de Autoridade, enfraquecido e desprestigiado no regime de mistificações da nossa liberal-democracia republicana."

Aí estão aí expressos, em linhas gerais, o ideário e o programa integralista para o Brasil: o Estado forte de partido único, o nacionalismo e o catolicismo. O mesmo tom e as mesmas posições estarão presentes em dezenas de artigos publicados na época. Num texto de 3 de setembro de 1933, publicado por A Tribuna, dias depois de conferência de Plínio Salgado no Teatro de Santa Isabel, Andrade proclama:

"O liberalismo é a morte da liberdade. A democracia, ou melhor dizendo, o democratismo, é uma mentira. Temos o exemplo em casa. Sabemos quando tem valido a 'opinião pública' na orientação dos negócios estatais. Os políticos sabem disso mas não se dispõem a dar o tranco no 'sufrágio universal' porque têm nele uma ótima arma de propaganda política. Mas o que existe de real é que o povo não influi nem deve influir mesmo diretamente, a bem dos seus próprios interesses, nos destinos da nação."

E depois da invectiva contra o voto popular, acrescenta:

"A opinião do povo que os políticos exploram hipocritamente nas vésperas de eleição mas sabendo no fundo que ela não existe, nós contrapomos uma fórmula verdadeiramente democrática, no bom sentido, e que talvez possamos resumir naquelas palavras de Pedro I: 'Tudo farei para o povo, nada porém pelo povo."

Não era apenas a chamada grande Imprensa que dava espaço à pregação integralista de Andrade Lima Filho. No segundo semestre do ano de 1934 a revista Vanguarda, destinada aos alunos do Colégio Marista, divulgou o artigo Uma palavra aos moços, no qual Andrade denuncia "a mentira da trilogia liberdade, igualdade, fraternidade" na democracia liberal:

"Que liberdade é essa de um regime em que o Estado se deixa ficar indiferente em face da questão social, atirando o proletário indefeso em frente ao patrão todo-poderoso, gerando esse fato contratos de trabalho odiosos e iníquos?"

Pela firmeza com que defende estas posições, logo será reconhecido com a nomeação para o posto chefe provincial da AIB em Pernambuco. Na hierarquia da organização, o chefe provincial é a autoridade máxima no âmbito das províncias (equivalentes aos estados no regime federativo). Subordina-se à Chefia Arquiprovincial, que congrega várias províncias e esta à Chefia Nacional. O chefe provincial faz parte da Câmara dos 400, organismo dirigente de nível intermediário. Acima dela pontifica a Câmara dos 40, da qual fazem partes chefes arquiprovinciais, chefes nacionais e personalidades. É importante enfatizar que esta estrutura não existia como projeto para a hipótese de tomada de poder. Como explica Hélgio Trindade,

"(...) o Estado Integralista em potencial, implantado no seio do estado brasileiro, é muito mais do que um "contragoverno" ou gabinete da oposição. Ele funciona como um verdadeiro Estado totalitário que possui não somente uma ideologia de estado e uma estrutura autoritária, mas utiliza-se de meios estatais como de um aparelho burocrático interno, de Forças Armadas paralelas (a Milícia Integralista), de uma política de socialização e de reeducação dos militantes e de uma legislação própria (resoluções, regulamentos, medidas de censura etc.), assim como de um tribunal e de um corpo de 'magistrados" para julgar as ações de seus membros."

Como chefe provincial, Andrade assume responsabilidades e passa a ter direito à distinção do cargo. Como confessaria anos depois, "aquelas divisas davam status". O "chefe" comandava um staff do qual faziam parte os mestres-de-campo responsáveis por suas respectivas Secretarias de Estado. Como um governante, Andrade nomeava e demitia, expulsava e promovia. Os arquivos do Departamento de Ordem Política e Social - DOPS armazenam vasta documentação desta atividade burocrática da AIB. São como um Diário Oficial do Governo integralista que, sem que se soubesse, funcionou em Pernambuco. Manuseando esses papéis é possível encontrar documentos curiosos, como a carta de um comerciante do Recife reclamando providências contra um militante integralista que havia feito compras a prazo e não se dignara a honrar o compromisso assumido.

Não há nos arquivos notícia sobre o desfecho do caso. Pode-se imaginar, contudo, que, se a queixa era procedente, aquele militante inadimplente deve ter passado maus bocados nas mãos da Milícia Integralista. Segundo seu regimento interno, aos milicianos competia a obrigação de "vigiar, investigar e levar ao conhecimento do chefe tudo o que estivesse relacionado ao comunismo, à maçonaria e ao mau integralismo".

No Integralismo, o chefe manda. Nilo Pereira, amigo de toda a vida testemunhou episódio que definiu como "atroz", que presenciou numa reunião da AIB. Era um evento importante, ao qual comparecera o folclorista Luís da Câmara Cascudo, Chefe Provincial do Rio Grande do Norte e um dos maiores intelectuais brasileiros. Mesa formada e iniciados os discursos, Cascudo comete a imprudência de acender um dos seus inseparáveis charutos. Contou Nilo ao saudar Andrade por ocasião de sua posse na cadeira nº 30 da Academia Pernambucana de Letras, em março de 1956:

"Não tivestes dúvida: mandastes que o escritor o tirasse do bico, numa reprimenda que deve ter sacudido as entranhas da nacionalidade. Esse gesto pode ser hoje apenas curioso para nós outros e para o escritor, desagradável; mas, quereis saber? Continuastes na vida a ser um político contra o vício, contra o desregramento, contra dissipação; e sobre as cinzas do fumo soprastes - quantas vezes - as brasas vivas a verdade brasileira com a vossa pena de jornalista e vossa palavra de parlamentar."

O incidente não o afastou de Cascudo - tão disciplinadamente integrado ao credo integralista que deve ter julgado merecida a reprimenda. Foram - Andrade, Cascudo e Pereira - amigos da vida inteira. Ao agradecer, em correspondência particular, o envio do livro Itinerário de Osório Borba - o Homem que Cuspia Maribondo, fez questão o grande folclorista de saudar Andrade com o título que lhe concedera nos idos da juventude integralista:

"Amanaiára, querido. Vá em uso o título que lhe dou há mais de 30 anos. Comanda as chuvas, fazendo-as cair em orvalho ou bátegas, molhadeiras ou furando-o-chão, numa força milagrosa de comunicação." (Cascudo, L. C.).

Cabia, ainda, ao chefe provincial a responsabilidade pela direção do jornal A Ação, publicado a partir de 1933, um dos veículos da propaganda integralista e do culto à personalidade do chefe Plínio Salgado. Em A Ação revela-se, nítida, a concepção política autoritária do movimento. Ao divulgar a chapa integralista que concorrerá nas eleições de 1934, em 30 de setembro de 1934, o periódico tem o cuidado de anunciar:

"A Ação Integralista Brasileira não faz do voto e das eleições um fim, mas um meio para combater o próprio sufrágio universal e a liberal democracia."

É evidente, também, a adoção de posições anti-semitas. Naquela mesma edição de 30 de setembro o jornal publica um pequeno texto encabeçado pelo título "Os judeus numa de suas artes", no qual relata não qualquer manifestação artística judaica, mas a prisão de um suposto "contrabandista israelita", conduzindo vultoso volume com jóias antigas e prataria. "Para a polícia o representante do 'povo eleito' havia declarado conduzir inocentes caixotes com louça destinadas, talvez, à venda à prestação", diz o texto publicado na mesma página onde uma seção permanente, destinada à publicação de pequenas notas, tem como cabeçalho a expressão Baú de Judeu.

Além d'A Ação, a AIB mantém, desde 16 de julho de 1933, outro jornal, O Estado , pertencente ao usineiro Filemo de Miranda, da Usina Tiúma, grande financiador do movimento. O Estado tinha um vespertino, A Cidade, que acaba sobrevivendo à morte do primogênito da família, em abril de 1934, sufocado pela pressão da censura e pela perseguição da polícia política do interventor Lima Cavalcanti, com quem os integralistas mantiveram acirrada disputa. A partir de maio 1935 A Cidade passa a divulgar, em sua primeira página, coluna assinada por Andrade. Batizada simplesmente de Integralismo, a coluna era como "a palavra do chefe", textos doutrinários por meio dos quais explicava as posições do movimento e denunciava "os comunistas e os traidores da pátria".

A Cidade será o principal instrumento de comunicação da AIB até 22 de agosto de 1937, quando é substituída pelo Diario do Nordeste, um jornal graficamente mais moderno, cheio de anúncios publicitários e ilustrado com muitas fotografias. É fácil perceber pelo lema que adotou (Pelo Brasil - Pela Democracia - Contra o Comunismo) que o novo jornal iria repetir discurso e métodos dos outros jornais integralistas, tendo o combate ao Comunismo quase como razão de ser.

O Diario do Nordeste começa a circular no auge do movimento integralista. Os comunistas haviam lhes prestado um grande favor ao tentar, de forma desastrada e com a ajuda de liberais rebeldes, a tomada do poder pelas armas na sempre lembrada Intentona Comunista de 1935. Para uma organização que fazia da propaganda anticomunista seu maior trunfo, a possibilidade de difundir aos quatro ventos o ignominioso comportamento da "caterva vermelha", capaz de assassinar colegas dormindo, era o que de melhor poderia acontecer. Se a revolta de 1935 era comunista, mas também de outros segmentos de opinião - correntes políticas derrotadas pelo movimento de 1930, grupos de classe média inconformados com os rumos da revolução - não importava muito. À época, imputar a alguém a pecha de comunista era garantia de causar grandes incômodos.

O sociólogo Gilberto Freyre viveu isso de forma muito intensa, quando publicou Casa-Grande & Senzala, enfrentando campanha violenta movida pela revista Fronteiras (1932-1940), editada por Manuel Lubambo - futuro secretário da Fazenda do Estado Novo - e Vicente do Rego Monteiro, sob inspiração do Movimento Patrianovista, a versão monarquista do Integralismo. Era Freyre acusado de pornografia e de comunismo.

"Considero esse livro como um ensaio dos mais perniciosos de sedução comunista no Brasil. Seu intuito é predispor, de criar ambiente propício, fazendo do brasileiro nato o resultado democrático da miscigenação, reduzindo a uma proporção mínima a participação ariana. Para ele, o brasileiro é um produto afro-índio escravizado por uma minoria branca. Considero Casa-Grande & Senzala um livro pernicioso, dissolvente, antinacional, anticatólico, anárquico e comunista". (Rivas, Lêda, 1995)

Tão agressivo quanto Fronteiras era seu primo Diario do Nordeste. E vai ficar ainda mais depois da decretação do Estado Novo, quando os integralistas percebem que estão alijados pelo ex-aliado Vargas, mas ainda não têm a dimensão do que está por vir. Andrade Lima, já então substituído na chefia provicial pelo professor Abgar Soriano (era o tempo em que a AIB procurava mostrar-se amadurecida, conquistando adesões de personalidades respeitáveis da sociedade, livrando-se assim da pecha de movimento feito por jovens radicais.), escrevia um longo artigo, que se estendia por várias páginas do jornal. Eram textos ora doutrinários, ora de denúncia de "atividades anti-nacionais". "Orai e vigiai, brasileiros, que os judeus das novas sinagogas estão chegando para crucificar outra vez Cristo e cobrir de vergonha e de luta esta nação que veio Dele", arenga em texto publicado no dia 18 de setembro de 37.

Insurge-se contra a qualificação "de extremismo de direita", aplicada pelo Jornal do Commercio, em editorial em que critica o governo de Lima Cavalcanti - adversário do tempo da República Velha - e, simultaneamente, ataca os extremismos de direita e de esquerda.

"Os confrades [do JC] investem contra o 'falso liberalismo da nossa democracia enfraquecida', acentuam que 'o que aí temos é uma democracia sem consistência, vazia, extéril, impregnada de vícios e da corrução que lhes comunicam os seus falsos pregoeiros e defensores'; defendem um 'governo forte', e, depois, atacam o integralismo, que prega essas mesmas verdades e objetiva o mesmo fim, amparado na lei eleitoral, cujo veredicto consagrou-o perfeitamente embasado nas estruturas fundamentais do regime e à salvo, portanto, da pecha de caluniadora de extremismo."

No dia seguinte à posse de Agamenon como interventor (e, portanto, da visita conspiratória ao monsenhor Arruda Câmara), Andrade denunciava, no seu artigo A Nova Cvilização, publicado no DN de 4 de dezembro de 1937, a infiltração de "políticos liberais e agentes comunistas", conjugados na tarefa subterrânea de aparecerem como adeptos do Estado Novo. "O capitalismo judaico de Londres e Nova York luta tenazmente para deter a definitiva emancipação econômica de nossa pátria." E prossegue:

"Afirmamos que ainda ontem Pernambuco assistiu a atuação desses elementos. Que esteve presente às homenagens prestadas ao interventor Agamenon Magalhães poderá, em boa fé, atestar essa afirmativa. Lá estavam, conluiados no aplauso insincero e interesseiro, os políticos profissionais à cata de empregos e os comunistas em busca de oportunidade para se infiltrarem, como outrora, nos meios oficiais, afim de prosseguirem na tarefa satânica da bolchevização do país."

Em 1º de outubro de 1937, a Câmara dos Deputados e o Senado aprovam a mensagem do Governo e Getúlio sanciona a lei que põe o Brasil em estado de guerra interno. O texto é, na prática, a porta aberta para o golpe continuísta, que Vargas vem tramando há meses. É uma lei de exceção que dá meios para a repressão aos comunistas e a todos que forem julgados inimigos do regime. Os integralistas animam-se. Dali a um mês, serão realizadas paradas em todo o País, por meio das quais Plínio Salgado tentará mostrar que dispõe de um exército disciplinado sob seu comando. No DN desse dia Andrade Lima Filho avisa, enigmático: "O dilúvio vem aí".

E veio. Apoiado em lei de exceção, o regime bisbilhotava, prendia e torturava dissidentes. A execução do estado de guerra em Pernambuco contava com a presta colaboração dos integralistas, como já havia acontecido, aliás, em 1935, quando a milícia integralista teve papel importante na perseguição dos envolvidos no levante. No dia 24 de novembro de 37, o coronel Rodolfo Figueiredo de Souza, secretário de Segurança Pública de Pernambuco, assinou a portaria 1.391/37, designando uma 'Comissão para Indicar à polícia os livros e outras publicações a ser apreendidos pela Superintendência do Serviço de Repressão ao Comunismo'. Da comissão faziam parte Andrade Lima Filho; Arnóbio Graça, vereador integralista, e os congregados marianos Manoel Lubambo, José Maria Carneiro de Albuquerque Melo e Arnóbio Tenório Wanderley. "O ato inaugurava em Pernambuco os novos métodos impostos à nação alemão por Adolfo Hitler. Da apreensão à queima de livros foi um passo. Governo ganhava nítida configuração fascista, com o apoio da Igreja", comenta Paulo Calvalcanti no volume 4 de sua tetralogia O Caso eu Conto como o Caso Foi.

Por ironia, o dilúvio vai afogar também os integralistas. Em pouco tempo, uma perseguição similar à que sempre tinha infernizado a vida dos comunistas desencadeava-se sobre os integralistas. Tentando sobreviver, mudam a natureza da entidade, de partido político registrado no Tribunal Superior Eleitoral - TSE para organização cultural rebatizada de Associação Brasileira de Cultura -ABC. "O Integralismo continua coerente com seus princípios", afirma Andrade em sua coluna de 21 de novembro. "Ao poder de expansão do integralismo ninguém reduzirá. Nenhuma força poderá subjugá-lo. Ele vencerá", proclama.

Mas a ditadura consolida-se cada vez mais indo de encontro ao Integralismo. Utilizando os meios de comunicação de uma forma inédita, Vargas até aumentar sua popularidade principalmente junto às camadas menos favorecidas da população. A pressão vai se tornando insustentável depois que as prisões vão ficando cheias de integralistas, sobretudo no Rio de Janeiro, e a trama para o golpe frustrado revela-se inteira. A polícia encontrou três mil punhais marcados com a suástica, que teriam vindo da casa de Plínio Salgado. Vasculhada a casa, foi encontrado verdadeiro arsenal, conta Hélio Silva (História da República Brasileira, volume 10, página 142).

Apesar disso, Andrade chega a reafirmar, em artigo de 9 de Fevereiro de 1938, sua simpatia pelo nazismo, ressalvando apenas a recente revelação do caráter agnóstico do movimento:

"(...) Confessemos, pois, a nossa pelo vigoroso movimento nacional-socialista que, do ponto de vista político, se constituiu a grande barreira oposta ao avanço das hordas bárbaras do Gengis-Khan soviético (...) Quando um irmão da mesma causa está em erro, não nos compete apedrejá-lo."

O último artigo de Andrade no DN sai em 29 de fevereiro. Num tom melodramático e pessimista, murmura: "Se tivermos que perecer sob o fragor da hecatombe vermelha, os abutres de Stalin hão de encontrar em nossos corpos um sangue e o calor dos corações que souberam pulsar bem forte na defesa da Pátria." Uma tarde, depois de um telefonema enigmático, passa a direção do jornal ao colega Jorge Abrantes e cai na clandestinidade.

Os filiados à causa somavam centenas de milhares pelo País afora.

"O Integralismo, arrebentadas as comportas da hierarquia, através da qual chegava, de chefe em chefe, a minha palavra é hoje uma ebulição que se pode tornar incontrolável. Entre as cousas que mais amargam essa massa, cumpre notar a inexistência, nestes dias, da menor palavra do Governo, que tanto deve ao Integralismo e que no Integralismo sempre reconheceu um movimento que tudo sacrificou pela grandeza da Pátria, sem nada haver pedido em troca."



A guerra final (1)

Os momentos culminantes da primeira e mais significativa fase da militância integralista de Andrade Lima Filho podem ser contados num monólogo teatral ou, mesmo, num filme de baixo orçamento. Terá como cenário um pequeno apartamento na Rua México, Rio de Janeiro. Entre aquelas quatro paredes mobiliadas com parcimônia um homem revoltado e cansado, que nem parece um jovem de 27 anos, move-se de um lado para outro, como um animal aprisionado. A exuberante paisagem do Rio de Janeiro quase não se deixa revelar através janelas minúsculas. O tempo da ação transcorre lento e, para dizer a verdade, nem há ação. Apenas a espera sem fim do homem enjaulado que, sem nada para comer e sem ânimo para ir ao botequim da esquina, apenas espera.

Uma folhinha pendurada na parede indica: estamos na manhã do dia 10 de março de 1938. Ele acaba de chegar à cidade, torturado por uma furunculose que explode em quase todo o seu corpo e mortificado pela massacrante viagem feita, como clandestino, do Recife até esse minúsculo apartamento. Escapara espetacularmente da polícia, deixando a Redação do Diario do Nordeste cinco minutos antes da invasão policial que deflagrava a caça aberta aos integralistas. Durante a viagem, em contato com os colegas de aventura na Bahia e em Minas, soube que a sede da AIB no Recife fora invadida e que tudo que nela havia sido confiscado. Soube também que o Diario do Nordeste estava desativado, proibido de circular definitivamente.

A traição de Vargas completara-se.

O sonho do Brasil Verde, submetido a um governo forte alinhado à Alemanha e à Itália depende, agora, da eliminação do ditador e da derrubada do seu Governo. Na madrugada da terça para a quarta-feira (11 de maio) o Palácio do Catete será atacado. O levante, tantas vezes adiado, agora acontecerá. O homem que o trouxe àquele esconderijo prometeu vir apanhá-lo no dia seguinte, pronto para participar do combate. Não disse que não, apesar de se considerar inútil para a aventura militar. E não apenas por estar doente, traspassado de furúnculos, mas por absoluta falta de treino. Pergunta-se o que vai fazer lá se não sabe sequer manejar um fuzil.

"Meus conhecimentos de balística não iam além do manejo da espingarda de matar passarinho, dos tempos de menino de engenho. Reservista eu era, mas por decreto (...) Foi assim. Fazíamos parte no 1º ano curso de direito, em 31, de um tiro de guerra organizado na faculdade, de que se fez instrutor o Botelho, sargento do 31º BC e nosso colega de curso. Tivemos, a largo da praça Adolfo Cirne dois ou três exercícios iniciais de ordem unida, ainda à paisana. Aconteceu, porém, que aquele batalhão foi mandado para a fronteira com o Peru, no incidente de Letícia. E, com ele, lá se foi o nosso instrutor. Não houve mais exercício. Mas, no fim do ano, por iniciativa de Otacílio Alecrim, fomos ao general Manoel Rabelo, à época Comandante da Região, para pleitear, invocando as clássicas razões de estudantes, os nossos certificados. O bom General, para minha surpresa, atendeu á regra: fez-nos reservistas."

Apesar disso, não se nega a participar. Não sente fome, nem medo, só a certeza da derrota e talvez um pouco de frio. Indiferente, espera o próximo ato.



A guerra final (2)

O cenário, agora, é mais propício à criação cinematográfica do que à arte teatral. É fim de tarde no Rio de Janeiro, Capital Federal. Como num filme de Gláuber Rocha, a câmera desloca-se num travelling da Baía da Guanabara (ainda não dividida pela ponte Rio-Niterói) para a cidade no final de uma tarde de terça-feira. O sol vai sumindo por trás das montanhas. Sobre uma delas - o Morro do Corcovado - a estátua do Cristo Redentor ainda se ambienta à paisagem, da qual passou a fazer parte há apenas sete anos. As pessoas que se deslocam, apressadas, pelas ruas não sabem, mas uma coligação de forças contrariadas tentará, daqui a pouco, matar o presidente Getúlio Vargas e derrubar o Governo que comanda.

Mansão senhorial de Plínio Salgado, no centro de um grande terreno, na Rua Voluntários da Pátria. Os integralistas reúnem-se em torno do chefe. É domingo, 8 de maio. Um grupo de conspiradores que não veste a camisa verde participa da reunião. Plínio, usando seu traje característico (o blusão militar cáqui, a gravata preta, o cabelo gomalinado, negro como o bigodinho bem aparado) lembra o ator Wilson Grey, eterno vilão das chanchadas do cinema nacional, exceto pelo gestual solene de alguém que julga estar o tempo inteiro posando para a História.

Salgado quer o golpe, mas pede para que Getúlio seja poupado. E promete seu apoio se os conspiradores assumirem os princípios integralistas. A maioria concorda. No dia seguinte, viaja para São Paulo e o médico Belmiro Valverde assume a coordenação do movimento.

Em outro ponto da cidade, outra reunião transcorre tensa. Dela participa Otávio Mangabeira, conspirador baiano descontente com os rumos do movimento de 30. Um general linha dura, João Cândido Pereira de Castro, que presidira o inquérito contra os comunistas da Intentona, assume a chefia militar do golpe em preparação. A principal operação - o ataque ao Palácio do Catete, será comandada pelo capitão Severo Fournier, definido por Leôncio Basbaum como "um patriota desesperado não integralista", participante dos levantes tenentistas da década passada. O porte atlético, o olhar distante do fanático, lembram o Antônio das Mortes, de Gláuber, exceto pela ausência de barba.

Agora é uma cena noturna, externa. O cenário são ruas próximas ao Palácio, no bairro carioca do Catete. Fournier percebe que nada funcionou como fora planejado. Está na hora de entrar em ação e os homens e as armas que os comandantes Cochrane e Faria deveriam lhe enviar simplesmente não aparecem. Movimentou-se assim mesmo com o dispositivo reserva - um grupo de civis vestidos com fardas de fuzileiros. Dois caminhões transportam a tropa até o Palácio e não houve dificuldades para entrar. Um atirador de elite posicionou-se numas árvore, de onde poderia acertar o presidente em seu gabinete de trabalho. Mas aqueles civis não eram muitos bons. Um tiro acidental alertou os seguranças e o próprio Vargas e a filha Alzira reagem atirando para o pátio. Trava-se um longo tiroteio. Afinal chegam reforços chamados por telefone. Os atacantes se dispersam ou são presos. A maioria daqueles civis - integralistas mal preparados - é sumariamente executada ali mesmo nos jardins do Palácio. Severo Fournier foge e pede asilo na Embaixada da Itália. É uma má escolha. Acaba convencido pelo pai a entregar-se e morre na prisão de tuberculose.

O fim trágico da aventura integralista é determinado pela repressão ainda mas implacável que virá depois do golpe frustrado. O chefe, Plínio Salgado, nega responsabilidade pelo ataque mas, assim mesmo, é preso e exilado em Portugal.



Guerra final (3)

Começa o segundo ato. O cenário é o mesmo - um minúsculo apartamento na Rua México - mas agora iluminado por uma fraca luz amarela, que pende no centro da sala. A espera foi inútil. O mensageiro não veio buscá-lo.

Durante toda a noite ouviu tiros de metralhadora em pontos diferentes da cidade. Já de manhã ouviu uma nova salva de tiros, que vinha da direção do Catete (soube depois tratar-se de fuzilamentos).

Protegido pela organização, que continua ativa, apesar da repressão, até bem depois da Segunda Guerra, retornou ao Recife. Foi preso em Escada e passou 34 dias na Casa de Detenção. Quando saiu, continuava integralista, mas sua vida ia sofrer drástica mudança.



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