Blogs e Colunistas

02/05/2012

às 10:50 \ Sem categoria

Doença de Gaucher

Prezada Senhora,

Meu irmão é portador da doença de Gaucher, em estado avançado, que foi diagnosticada no ano passado, quando ele estava com 64 anos de idade. Permito-me sugerir uma reportagem sobre esta doença, assunto de utilidade pública, que para meu espanto é desconhecida até da grande maioria dos senhores médicos. Tenho tentado em vão que veículos de comunicação a divulguem, onde resido. Ressalto que minha intenção na divulgação desta enfermidade começou no último dia 05, quando retornei da casa do meu irmão, depois de não vê-lo por mais de seis meses e constatar seu estado de saúde bem debilitado.”

A doença de Gaucher é uma doença genética pouco conhecida,  embora muito estudada. Para falar a respeito entrevistei um grande especialista no assunto, o Dr. Fernando Kok.

O senhor poderia explicar em palavras simples o que é a doença de Gaucher e qual é a sua incidência?

A doença de Gaucher é uma doença geneticamente determinada que é causada pela produção deficiente de uma enzima, uma proteína que aumenta a velocidade com que determinada reação química se dá no organismo. Na falta desta enzima ocorre acúmulo no organismo de substâncias que não conseguem ser degradadas pelas células e isto termina por comprometer o funcionamento de diversos órgãos e tecidos. É uma doença rara e sua incidência no Brasil não é conhecida. Sabe-se que atualmente mais de 500 indivíduos com doença de Gaucher se beneficiam do tratamento do Ministério da Saúde.

Como é a herança dessa doença?

A herança é autossomica recessiva, ou seja, é necessário que ambos os genitores tenham uma das suas duas cópias do gene responsável pela doença de Gaucher com mutação ou erro genético e que tanto o pai como a mãe transmitam esta cópia com defeito para seu filho. Desta forma, para que ocorra a doença de Gaucher, é necessário que a pessoa possua ambas as cópias do gene com a mutação.

Sabe-se que existe uma grande variabilidade clínica entre os afetados? Há uma explicação para essa observação?

Há realmente uma grande variabilidade na idade de início da doença de Gaucher, que pode ser manifestar desde antes do nascimento, afetando o desenvolvimento do feto, até após os 60 anos. Isto decorre de vários fatores, mas o principal parece ser o quanto restou de atividade residual da enzima.  De modo geral, quanto mais baixa a sua atividade, mais precocemente se manifestarão os sintomas. Além disto, outros fatores podem contribuir para esta variabilidade, entre os quais a existência de genes que modifiquem a intensidade da doença.

 Qual é o resultado clínico da reposição enzimática nos pacientes acometidos? Ela é eficiente para todos os casos?

Para indivíduos que apresentem a forma puramente visceral da doença (aumento do fígado, baço e alterações ósseas), a reposição enzimática é muito eficiente. No entanto, nas formas mais raras em que os pacientes também têm sintomas neurológicos, a resposta à reposição enzimática não é boa.

 O transplante de células-tronco poderia ser um tratamento futuro para esses pacientes?

Antes do aparecimento da reposição enzimática, era possível obter-se bons resultados no tratamento da forma visceral da doença de Gaucher com o transplante de medula óssea (que é um procedimento em que se substitui as células da medula óssea do indivíduo por células de um doador que não tenha a doença). Com  isto, o indivíduo passa a ter um conjunto de células que produz a enzima deficiente e desta forma corrige-se, ao menos parcialmente, o defeito genético. No entanto, esse procedimento envolve um elevado risco para o receptor do transplante, e sua realização não mais se justifica, tendo em vista o bom resultado da reposição enzimática.

Por Mayana Zatz

25/04/2012

às 12:15 \ Sem categoria

Transplante de medula óssea melhora sintomas em camundongos com síndrome de Rett

A síndrome de Rett, que afeta cerca de 1 em cada 10.000 a 20.000 meninas ao redor do mundo é caracterizada por uma perda cognitiva e motora que em geral inicia-se no primeiro ano de vida. Crianças afetadas em geral não aprendem a falar, têm dificuldades para andar e muitas desenvolvem problemas respiratórios. Um comportamento característico nesses pacientes é  um movimento constante de esfregar as mãos como se as estivessem lavando.  Uma pesquisa realizada por cientistas americanos, liderada por Jonathan Kipnis, publicada na revista Nature (março de 2012) acaba de mostrar que transplante de células-tronco da medula óssea conseguem reverter os sintomas em modelo  de camundongo com síndrome de Rett.

Por que  meninas são preferencialmente afetadas?

Durante muito tempo não se entendia porque aparentemente só meninas eram afetadas até que em 1999 descobriu-se o gene responsável por essa síndrome, o MECP2, no cromossomo X.  Esse gene expressa-se em vários tecidos, mas é no cérebro que ele é mais ativo e por isso o comprometimento neurodegenerativo.Como as meninas têm duas cópias do cromossomo X, se elas tiveram uma mutação no gene MECP2 em um dos cromossomos X, a segunda cópia ainda consegue manter parcialmente as funções. Entretanto, no caso dos meninos como eles só têm um cromossomo X, não possuem uma cópia normal e por isso a mutação neles resulta em um quadro muito mais grave, frequentemente letal. Surpreendentemente, alguns anos atrás, antes da descoberta do gene,  identificamos no Centro do Genoma um menino com síndrome de Rett. Depois descobrimos que esse menino tinha por acaso uma constituição cromossômica XXY e, portanto, um dos cromossomos X tinha uma cópia normal do gene.

Qual foi a hipótese testada por esses pesquisadores?

Um trabalho anterior sugere que células do tecido cerebral, denominado glia, contribuem para a patologia da doença de Rett. Aliás, acredita-se hoje que outras síndromes onde há neurodegeneração poderiam ser causadas por problemas na glia. De acordo com os cientistas responsáveis por essa nova pesquisa publicada agora pelo Dr. Kipnis, a síndrome de Rett seria causada por células específicas da glia, classificadas como microglia, um tipo de células do sistema imunológico do cérebro, que tem como função a remoção de detritos deixados após a morte celular. No caso da síndrome de Rett, as células da microglia, quando alteradas pela mutação, contribuíriam para a destruição dos neurônios.

Como foi feito o experimento?

Para testar essa hipótese os pesquisadores destruíram – por meio de radiação –  a medula óssea  e a microglia de camundongos dos dois sexos  com síndrome de Rett (modificados geneticamente) e a substituíram por uma medula óssea com a cópia normal desse gene, retirada de camundongos normais. Camundongos machos sem a cópia do gene MECP2 geralmente morrem com dois meses. As fêmeas  têm um quadro mais leve e os distúrbios de comportamento tornam-se evidentes  entre 4 e 6 meses de idade.

O que foi observado?

Houve um efeito benéfico nos animais dos dois sexos. Os machos tiveram uma sobrevida de até um ano. Os animais tratados respiravam melhor e ganharam mais peso em comparação com os controles não tratados.  Por outro lado, nas fêmeas que só têm uma cópia funcional do gene MECP2 desenvolvem os sintomas mais tarde que os machos. Nelas o transplante de medula óssea melhorou o andar, a respiração e o ganho de peso.

Sistema  imune ou microglia?

Para descobrir se a melhora era devido ao sistema imunológico como um todo ou a substituição especificamente da microglia os pesquisadores fizeram outro experimento onde os camundongos não eram submetidos à irradiação da microglia, mas somente da medula óssea. Nesses animais não se observou nenhum efeito positivo do transplante, comprovando assim a hipótese inicial dos pesquisadores.

São resultados ainda preliminares

A equipe ficou entusiasmada com os resultados imaginando uma possível aplicação em seres humanos – uma droga que pudesse melhorar a função da microglia. Mas eles festejam com cautela. Camundongos são muito diferentes de seres humanos e ainda serão necessárias muitas pesquisas antes de uma aplicação em seres humanos.

 

Por Mayana Zatz

19/04/2012

às 15:47 \ Sem categoria

A análise do seu genoma: guarde o DNA de seus pais e avós

Como interpretar o seu genoma? Guarde o DNA de seus pais e avós

Segundo uma pesquisa recente realizada por pesquisadores americanos  (Science Translational Medicine, 2 de Abril) a análise do genoma humano teria  pouco valor para estimar o risco de se desenvolver algumas doenças comuns como câncer e diabetes, entre outras.  Para chegar a essa conclusão, os cientistas, liderados por Bert Vogelstein e Victor Velculescu, coletaram dados médicos de 53.666 pares de gêmeos ao redor do mundo. A ideia dessa pesquisa era avaliar que fração da população iria beneficiar-se do sequenciamento do genoma humano. Como na minha opinião a demanda será grande, estimar o valor preditivo de tais exames é uma questão importante. A matéria chamou a atenção da mídia e de  muitos geneticistas, é claro. Vamos por partes.

Como os cientistas americanos chegaram a essa conclusão?

Em primeiro lugar é preciso deixar claro que embora os gêmeos tenham sido comparados, não houve uma análise real dos seus genomas.  O que os cientistas fizeram foi desenvolver uma fórmula matemática para estimar o risco mínimo e máximo para 24 doenças incluindo vários tipos de câncer, cardiopatias, doença de Alzheimer e diabetes entre outras. Como gêmeos idênticos ou monozigóticos possuem o mesmo genoma, a estratégia foi verificar quão frequentemente eles desenvolvem a mesma doença. De acordo com os pesquisadores um resultado é considerado positivo se a pessoa tiver uma chance de 10% ou mais de vir a desenvolver aquela doença. E os resultados dessa pesquisa mostraram que  a maioria das pessoas testadas teriam testes negativos para essas doenças. Isto é, seu risco seria o mesmo que o da população em geral e, portanto, o estudo do seu genoma não teria muita utilidade.

Quais são as dificuldades?

Temos no nosso genoma cerca de 3 milhões de variantes que determinam que uma pessoa seja diferente da outra. Muitas delas são responsáveis  por nossas características físicas, tais como altura, cor de pele, olhos e de cabelo, formato de nariz e assim por diante.  E outras contribuem a que tenhamos um risco maior ou menor de virmos a desenvolver certas doenças. Com 3 milhões de variantes, separar o joio do trigo não é fácil. Saber quais são as variantes que determinam simplesmente características físicas ou a variabilidade entre as pessoas daquelas associadas a risco maior de doenças. Como contornar isso?

A comparação com o genoma de parentes mais velhos

Recentemente atendemos uma familia onde, por acaso, o exame de DNA revelou que um homem de 44 anos, pai normal de uma paciente, tinha uma mutação em um gene que estaria associada a uma forma de distrofia muscular progressiva. Acontece que esse senhor, era absolutamente saudável, sem nenhum sinal de fraqueza muscular. A nossa dúvida então era se ele era uma exceção ou se realmente aquela mutação não era algo para se preocupar. Como tirar isso a limpo? Ao levantar a sua genealogia, descobrimos que ele tinha vários parentes mais velhos, todos saudáveis. Será que algum deles também era portador daquela mutação ou ela havia surgido nele pela primeira vez? Só havia um meio de descobrir. Analisar o DNA de seus parentes. Foi o que fizemos.  E o que descobrimos? Vários deles possuíam a mesma mutação e todos eram saudáveis. Concluímos para alívio de todos que tratava-se de mais uma variante  “inofensiva” e não uma mutação patogênica. A análise do DNA dos parentes mais velhos  foi fundamental

Guarde o DNA de seus pais e avós

Já falei em colunas anteriores que estamos coletando para análise o DNA  de pessoas saudáveis de mais de 80 anos, os “80 mais”, como os chamo .  Eles também poderão nos fornecer dados fundamentais em relação ao valor preditivo de variantes encontradas em pessoas mais jovens. Mas são dados populacionais.

A Mayo Clinic, nos Estados Unidos, recentemente publicou uma matéria segundo a qual eles pretendiam ter os dados do sequenciamento genômico de cada paciente nas suas fichas médicas. Enquando debatem como será feita a análise, todos concordam que  a história familiar de doenças cardíacas, diabetes ou algumas formas de cancer ainda é fundamental. A minha sugestão? Se você pretende sequenciar seu DNA  guarde  juntamente com a história médica o DNA de seus parentes mais velhos. Ele poderá fornecer informações preciosas.

E se você ainda quiser participar da pesquisa dos “80 mais” entre em contato conosco: 80mais@gmail.com

 

 

Por Mayana Zatz

12/04/2012

às 16:25 \ doenças

Distrofias musculares

Thinkstock

Hsp72 preserva a função muscular e diminui a progressão em distrofias musculares graves

É esse o título do trabalho que acaba de ser publicado na revista Nature por um grupo de pesquisadores da Austrália, Reino Unido e Canadá.  Nessa pesquisa os cientistas mostram que o aumento de expressão da proteína Hsp72 preserva a força muscular e melhora a patologia distrófica em dois modelos de camundongos afetados por distrofia muscular. Interessante é que os cientistas sugerem que  a produção dessa proteína poderia  ser induzida por uma droga, BGP-15,  atualmente  em teste para o tratamento de diabetes.

Recordando

As distrofias musculares progressivas (DMP)  incluem um grupo de dezenas de doenças genéticas caracterizadas por uma degeneração progressiva da musculatura.  Existem formas que se iniciam na idade adulta com uma progressão lenta, mas nas formas infantis, como na distrofia de Duchenne (DMD), que só atinge meninos, os sintomas iniciam-se nos primeiros anos de vida e a evolução é rápida. Geralmente a mãe nota que a criança está caindo muito e as dificuldades vão aumentando de modo que ao redor dos 10 ou 12 anos os meninos perdem a capacidade para andar. Nas fases mais adiantadas há comprometimento cardíaco e respiratório. Embora a sobrevida tem aumentado muito, achar novos tratamentos tem sido uma busca incessante dos pesquisadores.

Influxo de cálcio

Existem muitas hipóteses para explicar a degeneração muscular que ocorre na DMD. Sabemos que a mutação leva a ausência de uma proteína fundamental para a manutenção da membrana celular (capa que recobre as células musculares) e que foi denominada distrofina. Uma das consequências é um aumento da permeabilidade da membrana e com isso  há um aumento de entrada do cálcio para dentro da célula causando inflamação, ciclos de degeneração e regeneração (que aos poucos deixa de ser efetiva)  e infiltração de material não contrátil nas células.  Aos poucos as células musculares vão sendo substituídas por gordura e tecido conjuntivo e por isso a perda da força muscular.

Qual foi a hipótese testada

Para testar sua hipótese, os cientistas utilizaram dois modelos de camundongos distróficos: mdx e dko. Embora os dois modelos  não tenham distrofina no músculo, somente os camundongos dko são muito afetados. Os mdx só apresentam fraqueza na musculatura do diafragma. Os pesquisadores verificaram que uma proteína responsável pela remoção de cálcio intracelular denominada SERCA (do inglês sarcoplasmic/endoplasmic reticulum Ca 2+ -ATPase) não é funcional no músculo dos dois modelos de camundongos com distrofia.  Descobriram também que Hsp72 interage com SERCA na tentativa de  preservar sua função em condições de stress. O que quiseram então testar era se o aumento da Hsp72 também aumentaria a atividade da SERCA  beneficiando o músculo distrófico.

Como foram feitos os experimentos?

Primeiro os cientistas cruzaram camundongos mdx com camundongos transgênicos que têm uma expressão aumentada de Hsp72.  Observaram então que o diafragma dos animais com aumento de Hsp72 era significantemente melhor do que dos controles normais, um resultado animador. A partir dessa observação os cientistas resolveram testar se a administração de uma droga, denominada BGP-15, que aumenta a atividade da Hsp72 também seria benéfica. Trataram camundongos mdx por algumas semanas e novamente observaram uma melhora no diafragma e na força dos animais tratados.

Qual foi o próximo passo?

Queriam também saber se essa droga teria efeito clínico no outro modelo grave de distrofia muscular, o camundongo dko. Neles também houve efeito benéfico da droga. Além do aumento de sobrevida houve uma diminuição considerável na curvatura lombar.

São resultados ainda preliminares

Os cientistas concluem que o aumento de expressão da Hsp72 , através do uso de BGP-15  poderia ter um efeito terapêutico benéfico nas distrofias, usado isoladamente ou em conjunto com outras terapias, inclusive terapia gênica e celular. Não seria uma cura mas a esperança é poder retardar a progressão  da doença. Recebo emails de pessoas dizendo: chega de experimentos em ratinhos. Vamos iniciar tratamentos em humanos. Concordo que temos pressa. Chegaremos lá, mas com cautela.

 

Por Mayana Zatz

04/04/2012

às 21:38 \ Sem categoria

Cinco cientistas brilhantes: quais foram suas descobertas?

Acabo de chegar de Paris onde participei da 14a edição do prêmio L’Oréal/Unesco para mulheres na ciência. Ele foi instituído em 1998. Cinco cientistas, representando a África, Ásia, Europa, América Latina e América do Norte são agraciadas todos os anos.  Trata-se de  um reconhecimento internacional de excelência científica. De fato duas cientistas receberam o prêmio Nobel em seguida: a doutora Elizabeth Blackburn dos Estados Unidos  por suas pesquisas em telômeros e telomerase ( já falei disso em colunas anteriores e doutora Ada Yonath de Israel por suas pesquisas em química.

Como é o processo seletivo?

Desde que fui agraciada com esse prêmio em 2001, tenho feito parte do júri que seleciona as próximas vencedoras. Confesso que  a escolha  nem sempre é fácil, mas para mim fazer parte desse júri tem sido uma experiência fantástica. O presidente fundador do júri é o professor Christian de Duve, prêmio Nobel de medicina, em 1974.  É agora o presidente honorário. Aos 95 anos, ele mantém uma memória e lucidez impressionantes. Confesso que gostaria de ter genes como os dele. O presidente atual do júri, é o doutor Gunter Blobel, também prêmio Nobel  de medicina, em 1999.

Além de cientistas excepcionais são também seres humanos fantásticos. Conversar com eles é um aprendizado constante. Os outros membros do júri, 17 ao todo, são cientistas representando os cinco continentes: mulheres, que foram premiadas em anos anteriores, mas também cientistas do sexo masculino. Afinal das contas, apesar do prêmio ter sido instituído para promover mulheres na ciência, não podemos discriminar os homens. Para concorrer, as cientistas precisam ter sido indicadas, por outros pesquisadores reconhecidos, sociedades científicas  ou instituições acadêmicas. O critério para decidir  leva em conta não só a excelência científica, mas também o impacto social das suas descobertas principalmente em caso de empate. No fim de setembro de 2011, escolhemos as cinco vencedoras de 2012. Não conhecia pessoalmente nenhuma delas. Só agora, na festa da premiação, um evento sempre marcante que reúne cerca de 2000 pessoas na sede da Unesco, em Paris,  tive a chance de conhecê-las pessoalmente. Quem são essas finalistas?

Jill Margaret Farrant, foi a ganhadora da África e países árabes

Ela pesquisa plantas muito especiais, chamadas plantas da ressurreição (do inglês resurrection plants). Foram chamadas assim porque essas plantas possuem uma característica incrível. Conseguem resistir muito tempo em ambientes sem água. Suas folhas secam e você  jura que estão  mortas. Mas se tiverem contato com água, após 24 a 72 horas  renascem e voltam a ficar verdes como se nada tivesse ocorrido. Para ilustrar suas experiências a doutora Farrant deu a cada um de nós um galhinho seco. “Coloquem na água e vejam o que  vai acontecer”,  disse. Foi o que fizemos. Após 24 horas em um copinho de água lá estavam elas vivas e  verdejantes. Pudemos comprovar de fato o renascimento  fantástico dessas plantinhas. Fascinante. A  pesquisa de Jill tem contribuído para entender quais são os genes e mecanismos responsáveis por esse renascimento que parece milagroso. O próximo passo será  tentar, por técnica de engenharia genética, transferir essa característica para  outras plantas. Não é difícil imaginar o impacto disso para combater a fome mundial. Já imaginaram que fantástico ter cereais  como o milho, trigo e arroz ou frutas sobrevivendo em regiões secas e áridas? Estou convencida que nem aqueles que são contra as plantas transgênicas poderão se opor .

 

Ingrid Scheffer foi escolhida a melhor cientista da Ásia e Região Pacífica

A doutora Scheffer, uma neurologista pediátrica, foi selecionada por suas  importantes descobertas na epilepsia, um mal que atinge mais de 50 milhões de pessoas no mundo. Elas podem ter origem genética, ambiental (resultantes de um trauma) ou mais frequentemente serem  causadas por um mecanismo multifatorial, isto é, a interação entre genes e ambiente. Em colaboração com outros pesquisadores, a doutora Ingrid identificou vários genes  novos que causam epilepsia. Descobriu que  algumas formas são causadas por  alteração no transporte de sódio. Suas descobertas estão  abrindo caminhos importantes para novas estratégias terapêuticas.

 

Frances Mary ASHCROFT, do Reino Unido, foi a ganhadora da Europa

Essa cientista foi escolhida por suas contribuições fundamentais nas pesquisas em diabetes, principalmente uma forma grave de diabetes neonatal. A doutora Ashcroft  descobriu como a glucose estimula a secreção de insulina e porque esse mecanismo não funciona na forma neonatal de diabetes. O fantástico é que a partir dessa descoberta  ela conseguiu um novo tratamento para as crianças afetadas. Ao invés de múltiplas injeções de insulina por dia, elas passaram a tratar-se com uma a duas pílulas diariamente. Para quem, como eu,  tem como objetivo transformar a pesquisa básica em tratamento não pode haver nada de mais gratificante. Trata-se do maior prêmio almejado por nós, cientistas.

 

Susana López Charretón, da Cidade do México, foi escolhida como a melhor cientista da América Latina

A doutora Susana estuda mecanismos de infecção por vírus, principalmente um específico, o rotavirus, responsável pela diarreia, que mata milhões de crianças principalmente nos países subdesenvolvidos. Estima-se que ele é a causa de morte de 600.000 crianças por ano e de patologias graves em outras 2 milhões. A pesquisa dessa cientista tem contribuído  para desvendar os mecanismos que esses vírus usam para infectar as células e multiplicar-se rapidamente. Entender essas interações é o primeiro passo para interromper o processo e prevenir assim a ocorrência dessas infecções. A  importância dessa pesquisa, principalmente nos países pobres é indiscutível.

Bonnie Bassler , foi eleita a melhor cientista da América do Norte

Essa pesquisadora, que descobriu como as bactérias se comunicam, possui  ela própria o dom da comunicação.  E com muito humor. Convenceu-nos a todos que as bactérias podem ser criaturas fantásticas. Quando falamos desses minúsculos seres  lembramos sempre daquelas patogênicas, que causam doenças. Esquecemos que muitas delas são benéficas, como as do nosso intestino. Para começo de conversa, temos 10 vezes mais bactérias que convivem dentro ou ao redor do nosso corpo do que células. Dito assim, podemos concluir que somos só 10% humanos, salienta a doutora Bassler.  O que essa cientista descobriu é que as bactérias não conseguem atuar sozinhas. Elas precisam agir em grupo. Elas sabem disso (às vezes  até melhor do que nós) e para conseguir seus objetivos comunicam-se entre elas- através de uma linguagem química. E é essa foi justamente a grande descoberta de Bassler.  Descobrir e entender como as bactérias se comunicam permitirá atuar nas duas frentes: aprimorar a comunicação das bactérias úteis ao homem e interromper “a conversa” das patogênicas. Uma pesquisa que promete.

Parabéns a essas cinco mulheres

Conhecê-las de perto, ouvi-las, compartilhar seu entusiasmo e paixão pela pesquisa e pela ciência  é uma emoção que se renova a cada premiação. Um dos grandes objetivos desse prêmio é motivar jovens a serem cientistas. Posso garantir que é uma aventura fascinante.

 

 

Por Mayana Zatz

28/03/2012

às 13:41 \ Sem categoria

Privadas do sexo, moscas de frutas entregam-se ao alcoolismo

Thinkstock

Vários  jornais noticiaram que machos de drosófila – a mosca da fruta – aumentam ingestão de álcool quando rejeitados sexualmente por suas parceiras. Você deve estar imaginando que os cientistas não têm mais o que fazer. O que tem a ver o comportamento da drosófila (ou do “drosófilo” no caso ) conosco? Mas a pesquisa  realizada por cientistas da Califórnia saiu na prestigiosa revista Science, que não publica brincadeiras: Sexual deprivation increases ethanol intake in drosophila (Science, 16 de março). Uma das características das drosófilas é que elas podem se viciar em etanol, por isso elas são um bom modelo para pesquisar situações que levam a essa preferência por álcool. O que os cientistas queriam pesquisar era se o motivo da preferência poderia estar relacionado com uma forma de compensar uma frustração o que, diga-se de passagem, não é fácil de analisar em drosófilas. Escolheram então observar o comportamento sexual e verificar se existia uma relação entre privação sexual e alcoolismo. E de fato, eles descobriram que esse comportamento é controlado por um neuropeptídeo cerebral.

Como foi feito o experimento?

Os pesquisadores submeteram as drosófilas a vários experimentos.  No primeiro, os machos eram colocados junto a fêmeas que já haviam sido fertilizadas e que, portanto, rejeitavam qualquer aproximação. Após algumas tentativas frustradas  os machos “rejeitados”  não têm mais interesse sexual, mesmo quando colocados junto a fêmeas virgens. Outros grupos eram constituídos por machos que não haviam se acasalado por diferentes motivos, mas que não haviam sido rejeitados pelas fêmeas. Esses grupos foram então comparados com machos que haviam se acasalado e que tinham  um comportamento sexual normal. Para avaliar se havia uma busca preferencial por álcool nos diferentes grupos experimentais, o alimento foi preparado e dividido em dois grupos: no primeiro não foi adicionado nada e no segundo, ele foi suplementado com 15% de etanol.

O que foi observado?

Os cientistas observaram então que os machos “privados” de sexo consumiam preferencialmente o alimento com suplemento de etanol, independentemente de terem sido rejeitados ou impedidos de se acasalar. Isto é, a preferência por álcool não era por causa da rejeição, mas sim pela abstinência sexual, como se fosse um mecanismo de “compensação cerebral”.  A próxima questão era então tentar entender como isso ocorre.

O neuropeptídeo F

Os pesquisadores resolveram analisar o que ocorria com o neuropeptídeo F (NPF), uma molécula que regula o consumo de etanol nas drosófilas. Observaram então que os machos rejeitados sexualmente tinham níveis muito menores de NPF do que aqueles que haviam sido acasalados. Entretanto, para determinar se não se tratava de um achado casual, era necessário verificar se havia uma correlação entre níveis diminuídos de NPF e aumento de consumo de etanol. Para isso os pesquisadores fizeram novos experimentos manipulando geneticamente a via de liberação do NPF. Os resultados confirmaram  que há uma relação causal entre abstinência sexual e níveis diminuídos de NPF que por sua vez leva ao consumo preferencial de etanol. Por outro lado, de acordo com os autores dessa pesquisa,  a ativação desse neuropeptídeo funcionaria como um mecanismo de “satisfação” substituindo a necessidade de ingestão de álcool para “compensar” a privação sexual.

Qual é a importancia desse achado?

Há uma molécula análoga ao NPF nos mamíferos, o neuropeptídeo Y (NPY). Sabe-se que em mamíferos e seres humanos o nível desse neuropetídeo é regulado por experiências traumáticas, mas aparentemente não há nenhum estudo publicado correlacionando experiências sociais (ou sexuais), o NPY e o consumo de etanol. Quem sabe esse estudo em drosófilas poderá trazer novos caminhos para entender e combater os mecanismos cerebrais que causam alcoolismo ou dependência a drogas. Por outro lado, fiquei curiosa em saber se esse mesmo comportamento ocorre em fêmeas de drosófilas impedidas de se acasalarem. Será que elas também vão ingerir mais etanol? Ou quem sabe ingerir mais alimentos como modo de compensar e tornar-se obesas? Para quem tiver interesse, é um outro assunto a ser pesquisado.

 

Por Mayana Zatz

21/03/2012

às 11:40 \ Sem categoria

Células progenitoras intestinais de camundongos reprogramadas para produzir insulina

Thinkstock


Um dos grandes desafios para tratar a diabetes tipo I é conseguir células capazes de produzir insulina e  substituir as células que pararam de produzi-la. Para isso é preciso entender qual é o processo que determina que células-tronco tornem-se células endócrinas – produtoras de hormônios. E em seguida que produzam insulina. Pesquisas anteriores já mostraram que um fator fundamental  para que essa  primeira diferenciação ocorra  é que as células  expressem um fator  denominado Neurog3+. Entretanto observou-se que  células Neurog3+  não são encontradas só no pâncreas, mas também no estômago e intestino. Por que então só produzem insulina no pâncreas? Seria possível ampliar seu raio de ação?  Uma pesquisa recente publicada na revista Nature Genetics (março de 2012) desenvolvida pelos doutores Chutima Talchai e Domenico Accili da Columbia University, nos EUA,  mostra que é possível induzir células do intestino a produzir insulina. Pelo menos em camundongos.

Recordando…

A diabetes tipo I é uma doença autoimune onde há destruição das células do pâncreas que produzem insulina. Doenças autoimunes são aquelas onde o sistema imunológico de uma pessoa não reconhece certas células ou tecidos de seu próprio corpo e os destroi como se fossem agentes infecciosos. Por que isso ocorre ainda é uma incógnita para a ciência, mas existem inúmeras doenças, além da diabetes tipo I, que são causadas por esse mecanismo. Entre elas podemos citar a esclerose múltipla, algumas formas de reumatismo, alergias etc…

Células produtoras de insulina

As células progenitoras que irão produzir a insulina originam-se da endoderma (parte interna do embrião). São caracterizadas por expressar o marcador Neurog3+.  Elas diferenciam-se em dois tipos de células: as do intestino que vão secretar hormônios necessários às funções intestinais tais como os peptídeos gástricos  e as células pancreáticas, que vão produzir  insulina. O que determina que as células progenitoras Neurog3+  sigam um caminho ou o outro ainda é uma incógnita. Por outro lado sabe-se que existe um determinado gene, FOXO1, que regula produtos (fatores de transcrição) relacionados com a produção de  insulina.

O que os Drs. Talchai e Accili descobriram?

Que algumas das células progenitoras Neurog3+  do intestino têm o potencial de se diferenciar em células produtoras de insulina. Ao analisarem essa células verificaram que nelas o gene FOXO1 estava suprimido ou inativo. Para comprovar que era realmente esse gene ou a  sua ausência que determinava se as células iriam ou não produzir insulina fizeram vários experimentos no laboratório e em camundongos. A prova final foi a demonstração que a  ablação do gene FOXO1 em camundongos  diabéticos permitiu que as células Neurog3+  do intestino passassem a produzir insulina e reverteram os sinais de hiperglicemia.

Quais são as dificuldades e perspectivas?

Embora seja possível diferenciar em laboratório células-tronco embrionárias em células produtoras de insulina, essas células não são apropriadas para transplante porque elas não liberam insulina em resposta a glucose. Portanto se injetadas em um paciente elas poderiam liberar esse hormônio em excesso causando hipoglicemia e até a morte.

Nesse sentido, a recente pesquisa dos cientistas da Universidade de Columbia representa um grande avanço. As células intestinais reprogramadas para produzir insulina teriam a propriedade de produzir insulina em resposta aos níveis sanguíneos de glucose,  que é o esperado. Se for possível aplicar essa estratégia em seres humanos será um passo muito importante no tratamento da diabetes.

A torcida, sem dúvida, é grande.

Por Mayana Zatz

14/03/2012

às 10:33 \ Sem categoria

Genomas corrompidos

Thinkstock

Não estou falando do DNA de pessoas desonestas , mas sim do genoma de todos nós. Na coluna passada contei a história do repórter  John Lauerman, de 53 anos,  que havia sequenciado seu genoma e encontrado variantes que aumentavam muito seu risco de vir a ter doenças no futuro incluindo Alzheimer e um tipo de câncer aparentemente letal. Informações bem angustiantes, não podemos negar. Logo em seguida a revista Science (17 de fevereiro) publicou um artigo com o resultado do sequenciamente do genoma de 1000 pessoas. Descobriram que todos nós temos cerca de 100 variantes que codificam proteínas com perda de função (loss of function variants- LOF)  e 20 genes completamente inativados. O otimista dirá só 20? Enquanto o pessimista certamente ficará em pânico. É a história do copo meio cheio ou meio vazio.

Genes que não fazem falta?

O interessante é que podemos nascer e viver com  cerca de 20 genes inativados e sermos saudáveis. Entretanto, se fossem os mesmos 20 genes em todo mundo seria mais fácil tranquilizar as pessoas. Mas o que os pesquisadores descobriram é que esses 20 genes (ou um número aproximado) diferem entre uma pessoa e outra. Portanto precisamos ainda descobrir quais são esses genes para poder explicar  às pessoas, antes que elas entrem em pânico, que esses genes “faltantes” não lhes farão falta.

E porque não fazem falta?

Provavelmente são genes que podem estar associados a doenças de início tardio (por exemplo, doença de Parkinson ou Alzheimer) ou são genes que controlam funções não essenciais. Por exemplo, genes responsáveis por sentirmos ou não certos odores, digerirmos certos alimentos (como a  lactose do leite ) ou que “teoricamente” poderiam estar associados a um melhor desempenho em algumas modalidades esportivas (ACTN3 para esportes). Os genes essenciais, que são indispensáveis para sobrevivência  ou para garantir um corpo saudável não podem estar inativados. São classificados como genes conservados e geralmente estão  presentes em toda a escala evolutiva. Aliás a sua presença em organismos inferiores constitui uma prova que são essenciais.

O genoma funcional

Ainda estamos aprendendo muito sobre a função dos genes, o que chamamos de genoma funcional. E nesse sentido, as doenças genéticas têm dado uma contribuição fundamental. Isso porque ao descobrirmos que uma doença é causada por uma mutação ou perda de função de um gene, por exemplo uma degeneração muscular, inferimos que esse gene é importante para a função muscular.

Modelos knockout

Um outro modo de descobrir a função de um gene é o que chamamos de modelos knockout. Por meio de técnicas de engenharia genética abolimos a função de um gene para ver o que acontece. Mas é claro que isso só pode ser feito em modelos animais (que vão de drosófila a camundongos) e nem sempre o modelo animal reproduz o que acontece em seres humanos. Mas na prática é o que é possível e muitas informações relevantes já foram obtidas a partir dessa estratégia.

Enquanto isso…..

Outro dia me mandaram um email que dizia: enquanto vocês discutem se o copo está meio cheio ou meio vazio eu tomei a água. Acredito que isso vai acontecer com o estudo do nosso genoma. Enquanto discutimos as funções dos genes, o possível efeito dos genes com perda de função na nossa saúde e o impacto positivo  ou negativo de termos essas informações,  oferecer o sequenciamento do nosso genoma está se tornando um negócio muito lucrativo.

Por Mayana Zatz

07/03/2012

às 8:47 \ Sem categoria

Genoma humano: acessível e preocupante

Há tempos venho repetindo que a possibilidade de sequenciarmos o nosso genoma, a um preço acessível, em um futuro próximo, poderá gerar muita informação e também muita angústia. E aí está. O futuro chegou. Durante o Carnaval anunciou-se que será possível sequenciar um genoma humano em 15 minutos e por menos de 1000 dólares.  Um preço comparável a um exame de ressonância magnética que hoje é rotina em diagnóstico.  Parece incrível, se lembrarmos que o projeto genoma humano, iniciado em 1990 levou 13 anos para ser completado (ou quase) a um custo de 3 bilhões de dólares. Não tenho dúvidas que vai virar moda. As pessoas vão querer sequenciar seus genomas e saber não o que há de errado hoje,  mas o que poderão ter. A questão é: qual será o custo emocional?  O repórter  John Lauerman, de 53 anos, decidiu sequenciar seu genoma e conta a sua experiência pessoal  numa matéria publicada em  Bloomberg News  (16 de fevereiro)  e que vou traduzir em parte.

Mortalidade pelo “email”  

Mortalidade pelo  “email” . É dessa forma que John começa sua narrativa. “Há 4 meses entrei em um laboratório da Universidade de Harvard e forneci uma amostra de sangue para sequenciar meu genoma. E agora ele está completo. Meu relatório indica que tenho risco aumentado de vir a  ter degeneração macular. Não é muito surpreendente porque isso ocorre em  10% da população americana e a minha mãe já apresenta esse problema. Tenho risco aumentado para esquizofrenia, mas provavelmente  já estou muito velho para apresentá-la.  Em seguida me chamou a atenção a sigla JAK2-V617F, uma variante classificada como “patogênica”. É frequente em pessoas com formas raras de câncer.”

O que significam esses resultados?

“Três dias após receber os resultados sentei-me com George Church, um cientista de Harvard, que iniciou o projeto genoma individual ( Personal Genome Project) e Joseph Thakuria , o médico que dirige o projeto. Após uma análise geral dos meus resultados, os cientistas focaram na variante JAK2. Essa é provavelmente a variante mais preocupante que já encontramos, salientou Thakuria. Ela é utilizada no diagnóstico de três doenças raras do sangue  incluindo uma – a mielofibrose primária –  que é potencialmente letal. Eu não quero te assustar, disse Thanuria,  mas um estudo longitudinal realizado em  Copenhague mostrou que 14 dentre 18 pessoas ( identificados em um estudo populacional de 10507 pessoas)  que tinham essa variante desenvolveram câncer e todos os 18 faleceram. É assustador concordou Thakuria. Mas em seguida me acalmou: Não sabemos se essas pessoas morreram devido ao câncer e a maioria viveu até 70-80 anos. É possível que a metade tenha morrido de acidentes de bicicleta, continuou sorrindo. Não vou mentir, disse Thakuria. Eu preferia que você não tivesse essa mutação. Não temos recomendações específicas. Faz parte de estar na fronteira do conhecimento.”

Novas  informações continuam chegando

“De volta para casa continuei compulsivamente a recarregar e reler meu relatório na internet continua John Lauerman no seu depoimento. E de repente notei que ele havia sido atualizado, agora com a descoberta de  uma nova variante no meu DNA: APOE-C130R, que aumenta o risco para doença de Alzheimer.  Desculpe-me havíamos esquecido dessa informação, salientou outro pesquisador de Harvard em um email anexo. Comecei imediatamente a praticar testes de memória.”

Será que o outro pesquisador de Harvard também tinha a variante APOE-C130R pergunto eu?

Qual é a opinião do renomado geneticista Aubrey Milunsky?

“Em maio do ano passado, antes de fornecer meu sangue para essa análise , Aubrey Milunsky, diretor da Boston University Center for Human Genetics havia me prevenido que sequenciar meu genoma poderia me trazer preocupações sobre doenças que poderiam não acontecer, escreve Lauerman. Por que você quer saber, me perguntou ele naquela ocasião? Você descobre que a variante está lá, mas não sabe o que isso significa, disse ele. Você está convidando a ansiedade a entrar na  sua vida.  De posse dos resultados voltei a consultá-lo. Será que eu deveria fazer exames de sangue regularmente para verificar se meu hemograma está alterado, perguntei-lhe? Não necessariamente, respondeu o Dr. Milunski. Os cientistas ainda estão pesquisando quando seria indicado submeter-se a testes para câncer de mama e de próstata, por exemplo.  Descobriram que resultados falsos positivos levam muitas pessoas a submeter-se a tratamentos desnecessários. Em outubro do ano passado, cientistas se reuniram e recomendaram que testes sanguíneos para câncer de próstata só deveriam ser feitos no caso de haver sintomas. E no caso das mulheres,  as mamografias deveriam ser iniciados aos 50  e não aos 40 anos, com vinha sendo recomendado.”

Qual é a minha opinião?

Acredito, que o interesse das  pessoas em querer conhecer seus genomas será muito grande. Na minha opinião, é um processo irreversível. Mas qual será o impacto na vida das pessoas é uma incógnita. Caberá  a nós geneticistas esclarecer os interessados, ajudar a  interpretar os resultados e acalmar os hipocondríacos. E aos psicanalistas, ensinar as pessoas a lidar com essas informações.

Por Mayana Zatz

29/02/2012

às 8:48 \ Sem categoria

Células-tronco de tecido ovariano podem produzir óvulos viáveis?

Vários jornais veicularam  no fim de semana uma notícia que poderá ajudar a entender a embriogênese humana e  permitir no futuro grandes avanços na tecnologia de reprodução assistida.  Trata-se de uma pesquisa  liderada pelo cientista  Jonathan Tilly (Harvard Medical School, Boston) publicada na revista Nature Medicine (26 de fevereiro). Os pesquisadores mostraram que existem nas paredes do ovário células-tronco raras que teriam o potencial de formar ovócitos (células  que originam os óvulos) de maneira análoga às células-tronco espermatogoniais que dão origem aos espermatozóides nos testículos adultos. Essa observação que já havia sido publicada em camundongos foi agora testada e depois de 3 anos de pesquisas aparentemente comprovada também  com células humanas.

A quebra de um paradigma

Desde a década de 50, aceita-se que o sexo feminino já nasce com um “pool” de ovócitos que não poderia ser expandido. Isto é, uma vez terminado o estoque não seria possível produzir novas células reprodutoras femininas. Entretanto em 2004 uma pesquisa liderada também por Jonathan Tilly demonstrou que existe no tecido ovariano de  fêmeas de camundongos uma população rara de células-tronco que podem gerar ovócitos. Essa células foram denominadas OSCs (do inglês oogonial stem-cells). Essa publicação gerou muitas críticas na época, mas pesquisas posteriores mostraram que era de fato possível isolar células OSCs de ovários de fêmeas de camundongos recém-nascidas e adultas. Essas células quando transplantadas em ovários de outras fêmeas que haviam sido submetidas a quimioterapia formaram óvulos maduros que foram fertilizados e produziram descendentes viáveis. Estava comprovado que as OSCs tinham o potencial de gerar óvulos normais e que, portanto, o envelhecimento do ovário era um processo reversível. Pelo menos em  fêmeas de camundongos.

Qual foi o próximo passo?

Agora a grande questão era saber se isso também acontece com os seres humanos. Isto é, se há também nos ovários das mulheres células-tronco com o potencial de formar óvulos. Para responder essa questão os cientistas liderados pelo mesmo Dr. Jonathan Tilly obtiveram tecido ovariano que havia sido retirado de mulheres jovens (entre 20 e início dos 30) e conseguiram identificar células-tronco muito semelhantes  às OSCs de fêmeas de camundongos. Quando colocadas em cultura essas células humanas – que foram marcadas previamente de modo a terem um brilho verde para facilitar sua identificação – tinham as mesmas características que ovócitos encontrados em ovários humanos.

 E “in vivo” como essas células se comportariam?

Para responder essa próxima questão, os cientistas inseriram esses ovócitos em fragmentos de tecido ovariano humano que foram depois  transplantados sob a  pele de camundongos imunologicamente deficientes ( isto é, manipulados geneticamente para não rejeitar tecidos humanos). Duas semanas depois os pesquisadores observaram que o tecido ovariano implantado continha inúmeros folículos com ovócitos humanos no seu interior que brilhavam com a cor verde, comprovando que eram de fato humanas e não de camundongos.

E agora? Quais são as grandes dúvidas?

É importante salientar que essas células são raras o que explica em parte o longo tempo dos experimentos  para obtê-las. Por outro lado, os cientistas mostraram que elas podem ser expandidas o que permitirá inúmeras novas pesquisas sobre embriogênese humana e envelhecimento ovariano. Entretanto, há muitas questões ainda a serem respondidas. A primeira que me surgiu ao ler o trabalho foi que as células OSCs  haviam sido obtidas de tecido ovariano de mulheres jovens. Será que estão presentes também nos ovários de mulheres mais idosas e principalmente após a menopausa? Essa questão será mais fácil de ser respondida com novas pesquisas. A mais complicada, no entanto, é descobrir se os óvulos derivados dessas células seriam capazes de gerar bebês normais. Isso poderia revolucionar a medicina reprodutiva. Mas, por motivos óbvios não será possível repetir o experimento dos camundongos. Esperemos que os avanços  tecnológicos possam resolver esse impasse.

 

Por Mayana Zatz

 

Serviços

 

Assinaturas

Editora Abril Copyright © Editora Abril S.A. - Todos os direitos reservados