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HQs Disney no Brasil: criadores e criaturas
O show vai começar! Que se abram as cortinas do passado e sejam apresentados os personagens e os autores que fizeram do Brasil um dos maiores produtores de quadrinhos Disney em todo o mundo
Por Marcus
Ramone (01/07/2004)
Os
leitores mais antigos devem se lembrar. Nas HQs Disney produzidas
no Brasil havia um personagem secundário que figurou em muitas histórias,
principalmente nas do Zé Carioca, e raramente tinha alguma fala. "Ele
era gordinho, barrigudo, usava óculos e um topetinho em forma de anzol,
feito o Super-Homem. Apareceu em grande parte das histórias entre 1980
e 1990", diz Gerson B. Teixeira, ex-roteirista do Estúdio Disney
da Editora Abril e hoje escrevendo aventuras da Turma da Mônica
para os Estúdios Mauricio de Sousa.
Pouca gente sabia que o personagem em questão tratava-se do arte-finalista
Acácio Ramos, muito querido na redação e que, devidamente caricaturado,
foi alvo da homenagem nos gibis. "Ele fez tanto sucesso que passou a ser
citado e reconhecido pelos leitores", afirma Euclides Miyaura, desenhista,
atualmente produzindo histórias Disney para editoras da Europa.
"Certa vez, reunimos mais ou menos oito pessoas e, ao mesmo tempo, arrastamos
os pés no carpete num dia muito seco. Quase 'eletrocutamos' o nosso amigo
com eletricidade estática. Incluí isso numa das minhas últimas histórias,
Acácio, o bandido elétrico", conclui Gerson Teixeira.
O
fato exposto acima é apenas um preâmbulo que ilustra uma fase mais alegre
e fértil (não necessariamente um mar de rosas, como se verá adiante) para
os quadrinhistas nacionais, em específico os que faziam quadrinhos Disney,
e que rendeu a criação de muitos personagens que se tornaram conhecidos
e admirados no Brasil e em vários outros países.
A verve criativa desses artistas produzia vários personagens que, mesmo
quando não ganhavam status de protagonistas, deixavam uma marca
na lembrança dos leitores. "Alguns que criei e acho dignos de nota foram
Jojô, um malandro amador cuja maior proeza era sempre conseguir enganar
o Zé Carioca; o Comissário Porconi, das histórias do Morcego Verde; e
o ornitólogo da Vila Xurupita, Professor Termitófeles da Pest", diz Arthur
Faria Jr., um dos nomes mais importantes dessa fase áurea.
Mas da mente (e mãos) desses autores surgiram dezenas de outras criações
que até hoje figuram entre os grandes da galeria Disney, tornando
o Brasil uma sumidade nesse quesito e, por isso mesmo, respeitado em todo
o mundo. As histórias aqui produzidas faziam muito sucesso lá fora, e
até um personagem "regional" como o Zé Carioca era bem aceito em países
como a Itália, só para citar um exemplo.
Prolíficos e criativos
O
"pai" da grande maioria desses personagens é um dos nomes mais respeitados
no cenário nacional de quadrinhos. Ele chegou a participar das primeiras
fases das HQs de terror no Brasil, mas foi com a Disney que sua
fantástica imaginação alcançou os vôos mais altos.
A Ivan Saidenberg se deve a criação de personagens como o Morcego Vermelho
(inspirado numa ilustração de Giovan Battista Carpi) e o impagável Metralha
Azarado, o 1313. Ele também participou da criação do Biquinho, sobrinho
do Peninha.
Para o universo do Zé Carioca, criou os amigos Pedrão e Afonsinho; os
primos Zé Pampeiro, Zé Queijinho e Zé Jandaia; o alter ego heróico Morcego
Verde; a Vila Xurupita e o clube de futebol de mesmo nome; a Anacozeca
- Associação Nacional dos Cobradores do Zé Carioca (junto com outro roteirista,
Paulo Paiva); o inimigo Zé Galo; e outros coadjuvantes menos conhecidos
como a prima Vera e o João Ratazana.
Vários outros personagens que hoje raramente aparecem, até mesmo em republicações,
são obras do ex-roteirista. "Criei o Vovô Metralha; o Zorrinho (identidade
secreta dos sobrinhos do Donald); e o Águia, que queria ser o rei da Califórnia",
revela Saidenberg.
Também
foi dele a idéia inicial de transformar um certo pato atrapalhado numa
figura mais destacada. "Eu me identificava com o Peninha, um jornalista
explorado e mal pago por um patrão muquirana. Fazia com que ele criasse
quadrinhos para o jornal A Patada, surgindo daí o Pena Kid e o Xaxam",
explica.
Morando em Israel desde 1988, com a esposa Thereza (ex-argumentista da
Turma do Pererê, de Ziraldo, e da Turma do Lambe-lambe,
de Daniel Azulay) e a filha Lucila (que também escreveu roteiros para
a Turma da Patrícia, de Ely Barbosa), o quadrinhista já pensa em
retornar ao Brasil. "Espero voltar em breve. Aqui estou aposentado, após
ter trabalhado dez anos como segurança", diz.
Outro dos mais producentes foi Arthur Faria Jr., que escreveu mais de
700 roteiros. "O que acho curioso até hoje é que as três histórias nas
quais mais caprichei, nos 18 anos em que trabalhei para a Editora Abril,
foram justamente as que nunca foram publicadas", afirma o quadrinhista.
"A
primeiríssima delas, em 1982, do Tio Patinhas (sobre um vulcão de ouro),
cujo roteiro sumiu dos arquivos da Abril; uma outra de 60 páginas
ou mais, com sinopse do Gerson Teixeira, sobre uma competição entre o
velho muquirana e Ludovico no meio de uma tribo amazônica, que deveria
ter sido publicada como Graphic Disney; e uma de 60 páginas, na
qual o pato avarento e os sobrinhos vão explorar as luas de Júpiter. Nenhuma
delas foi sequer desenhada. Nem sei se os roteiros das duas últimas ainda
estão lá no arquivo da editora", conclui Faria Jr., que após um afastamento
de três anos, escreveu no ano passado uma história para a revista Zé
Carioca - 60 anos, com desenhos de Eli León.
Não se pode esquecer também de um nome que esteve presente em praticamente
todos os grandes momentos das HQs Disney brasileiras: Primaggio
Mantovi.
De 1973 a 1997, o argumentista e desenhista galgou chefias no departamento
de quadrinhos da Abril, até assumir a coordenação da redação Disney
da editora. Nesse período, escreveu e desenhou histórias para personagens
como Peninha, Superpateta e Zé Carioca, além de participar do processo
criativo de muitos outros.
"Eu
sempre buscava novos caminhos para enriquecer o mundo das HQs Disney.
Quando alguém sugeria algo, passava por uma avaliação e, se valesse a
pena, era desenvolvido... sempre em equipe. Por exemplo, a idéia dos adolescentes
da Turma da Pata Lee partiu de mim. Eu percebi que essa faixa de idade
não era explorada na Disney. Tínhamos as 'crianças' (os três sobrinhos
de Donald e os dois do Zé Carioca, além de outros) e, imediatamente, os
'adultos' (Mickey, Tio Patinhas etc.). Ao explorar a faixa etária adolescente,
íamos, além de inovar, falar a um público diferente e inédito", explica
Primaggio.
A respeito desse trabalho em equipe, o (na época) argumentista Verde acrescenta:
"Fiz parte do grupo que desenvolveu o Biquinho. Inclusive, a idéia de
o personagem ser amarelo foi sugestão minha. Acho que é o único patinho
da Disney que tem essa cor. Também participei do time que desenvolveu
a Pata Lee".
Verde atualmente desenvolve cartuns para revistas e charges políticas
para jornais, além de criar roteiros para quadrinhos e desenhos animados.
Oscar Kern, roteirista criador do vilão Senhor X e dos asseclas X-1, X-2,
X-3 e X-8, conta um fato curioso sobre este último. "O nome do corvinho
era para ser X-9, numa alusão ao famoso personagem de Alex Raymond e Dashiell
Hammett, mas o núcleo Disney da Abril não topou, temendo
sofrer algum processo. Assim, ele foi 'rebaixado' para X-8", diz o hoje
editor do fanzine Historieta, especializado em HQs brasileiras.
Nomes
como o do roteirista Gerson B. Teixeira e do desenhista Renato
Canini (que acumulou uma fase de argumentista) também deram sua contribuição
no surgimento de novos personagens. O primeiro criou a Borboleta Púrpura
(namorada do Morcego Vermelho) e o Paladino Implacável (alter ego de Zeca,
sobrinho do Zé Carioca), e participou da criação do Biquinho; o outro,
idealizou o Zé Paulista, primo de um certo papagaio malandro, e empregou
vários outros elementos nacionais às histórias dos habitantes da Vila
Xurupita.
Peso-pesado das HQs nacionais, Rodolfo Zalla, um dos mestres da Era de
Ouro dos quadrinhos
de terror no Brasil, teve uma participação brilhante na Disney,
desenhando personagens "humanos" como o Zorro. As histórias do personagem
eram constantes na revista Almanaque Disney na década de 1970.
Merece ser lembrado também o saudoso Waldyr Igayara de Souza, falecido
em 2002, e que desenhou diversas capas e histórias para Zé Carioca
e Pato Donald, entre outros. Ele foi diretor editorial da antiga
Divisão Infanto-Juvenil da Editora Abril durante 20 anos.
O desenhista Fernando Ventura, da última geração do Estúdio Disney
da Abril, passou pouco tempo na equipe (de 1999 até 2001, quando
a editora encerrou a produção nacional), mas produzia como um veterano.
Era pago apenas para desenhar, mas não resistia em escrever os textos,
mesmo não recebendo nada por isso. "Pode parecer maluquice, mas mesmo
assim insistia nos roteiros, simplesmente porque queria escrever o que
fosse ilustrar", esclarece.
E
o quadrinhista também inovava. "Eu adorava fazer introduções e prólogos
que apareciam antes do título das histórias! Engraçado ver o pessoal comentar
na DCML (Disney Comics Mailing List) sobre, me parece, uma
nova história do Don Rosa que usa
essa técnica, porque foi algo que fizemos muito aqui", diz o autor.
Atualmente, Fernando Ventura é colorista do Lua Azul, estúdio que
presta serviço à Editora Abril na produção das revistas Disney.
"Pode não ser roteiro ou desenho, mas, de uma forma ou outra, ainda estou
no ramo", exclama, em tom de satisfação. "Continuei produzindo algum material
e tenho histórias prontinhas esperando um sonhado retorno para serem publicadas
(existem algumas que foram entregues, pagas, mas nunca chegaram às bancas).
Meu trabalho de graduação foi uma história do Professor Ludovico! Minha
monografia foi sobre o Renato Canini! Então, acho que, no fundo, não desisti
da idéia de continuar fazendo Disney", completa.
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