Nenê
voa alto
Constantino de
Oliveira, o Nenê, dono da maior
frota de ônibus do país, lança empresa aérea
Thaís
Oyama
Cláudio Rossi
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Estilo
caipira: de
ex-vendedor de verduras a empresário de sucesso, sempre
na surdina |
Ele
é um self-made man. Mas, se alguém chamá-lo
disso, não vai entender. Ou vai fingir que não entende.
Constantino de Oliveira, o Nenê Constantino, não é
homem de palavras complicadas. Quando menino, ajudava na lavoura
do pai, sitiante na cidade mineira de Patrocínio, e vendia
verduras na rua. Cedo, descobriu que seu negócio era outro:
não gostava de vender, queria mesmo era comprar. Aos 18 anos,
adquiriu o primeiro caminhão, com seu nome caprichosamente
pintado na boléia e um ditado enigmático no pára-choque:
"Da vida só levarei ela". A partir daí, não
parou mais. O caminhão virou uma jardineira, que virou um
ônibus, que virou três. Hoje, são 6.000. O empresário
é dono da maior frota do país, uma das maiores do
mundo. Espalhados por sete Estados, mais o Distrito Federal, os
ônibus de Nenê transportam em média 1,2 milhão
de passageiros por dia.
Longe do Triângulo Mineiro e de alguns nichos do ramo, poucos
já ouviram falar dele. Seu faturamento 1 bilhão
de reais no ano passado seria mais que suficiente para franquear-lhe
a entrada nas rodas de charuto da Fiesp e nos hangares onde a elite
empresarial guarda seus jatinhos. Nenê não quer saber
de nada disso. Típico "empresário de botinas", ninguém
nunca o ouvirá pontificando sobre política econômica
(assunto do qual não entende e não gosta), nem o verá
envergando finos ternos pelos salões de Brasília,
onde mora desde 1977. Aonde quer que vá, o rei da catraca
só veste camisa branca e calça escura, espécie
de uniforme que adotou há mais de vinte anos. Só come
em restaurantes por quilo e tem como melhores amigos alguns de seus
ex-motoristas e ex-cobradores. Quando vai ao Rio de Janeiro, faz
a pé o percurso entre o Aeroporto Santos Dumont e o centro
da cidade. Além de não ser enganado por taxistas espertalhões,
acredita que assim despista eventuais meliantes pode até
haver quem queira vender o Pão de Açúcar ao
mineiro desaprumado, mas quem pensaria em seqüestro?
Aos 69 anos de idade, Nenê Constantino prepara-se agora para
alçar seu vôo mais alto. No início do ano que
vem, lança a Gol Transportes Aéreos, empresa de vôos
domésticos que, a exemplo das companhias americanas do tipo
low cost, low fare (baixo custo, baixo preço), pretende
praticar uma política de custos reduzidos, de forma a cobrar
tarifas cerca de 30% mais baratas. A empresa começa a operar
com quatro aviões e espera aumentar a frota para dez já
no final de 2001. Quem acha que já ouviu uma história
parecida antes, de empresário de ônibus que entra no
ramo da aviação, não precisa tirar conclusões
apressadas. Nenê não faz negócio precipitado,
não gosta de perder e está estreando no transporte
aéreo sem dívidas: são 20 milhões de
reais do próprio bolso.
Fotos álbum de família
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LL
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O começo no sítio
do pai, em Patrocínio: empresário de botina |
O
primeiro caminhão:
uniforme |
Poder
de barganha Desde que comprou o primeiro caminhão,
em 1949, Nenê Constantino já olhava para muito além
dos pára-brisas empoeirados. Seu espetacular tino para os
negócios dispensa lastro acadêmico o quarto
de cinco irmãos, nem sequer concluiu o curso primário
e não se envergonha em confessar que sempre foi pouquíssimo
afeito à leitura (a mulher, Áurea, costuma dizer que
se alguém estiver com raiva do marido, dê a ele um
livro bem grosso para ler). A fortuna foi construída com
trabalho, senso de oportunidade e largas doses de matreirice. Nenê
é do tipo que não olha, espia. Quando quer fazer um
negócio, nunca apresenta a oferta: espera calado o outro
dar seu preço. Assim, sai com vantagem e amplia o poder de
barganha. A tática foi testada em 1977, quando o empresário
decidiu comprar a Viação Pioneira, já então
uma pequena potência em Brasília, com uma frota de
238 ônibus de linhas urbanas. O dono era Shigueo Matsunaga,
descendente de japoneses, geneticamente adaptado a não abrir
o jogo. Contam amigos que os empresários um querendo
vender, outro querendo comprar se reuniam por horas a fio
sem que nenhuma das partes revelasse sua proposta. Tudo o que se
via era uma interminável troca de sorrisos, embalada por
diálogos extremamente vagos. "Pois é, seu Shigueo...",
dizia o mineiro. "Pois é, seu Nenê...", respondia o
japonês. Diz a lenda que foram necessárias mais de
dez reuniões para que, afinal, a astúcia mineira vencesse
a impassibilidade oriental. Matsunaga capitulou, Nenê levou
a Pioneira e, em quinze anos, quintuplicou a frota da empresa. Foi
a segunda grande arrancada de sua vida.
A primeira exigiu menos sutileza e mais suor. No final da década
de 50, Nenê conseguiu um feito que muitos haviam tentado sem
sucesso: estabeleceu a primeira linha de ônibus que, de fato,
ligava Patrocínio a Belo Horizonte. Todos os seus antecessores
haviam acabado vencidos, em poucos meses, pela precariedade da estrada.
Puro buraco na época da seca, dissolvia-se como mingau no
período das chuvas. Os carros chegavam a levar três
dias para atingir o destino quando não voltavam no
meio do caminho. Nenê teimou. Ao único ônibus
que tinha juntou mais dois, comprados a prazo. Lançou os
carros na lama e fez com que seus motoristas (e, muitas vezes, ele
próprio) seguissem para a capital aparelhados com pilhas
de enxadas, machados e foices, além de cestos repletos de
correias, molas e outras peças de reposição.
Os motoristas partiam, técnica e moralmente, preparados para
o pior e assim acabavam chegando.
Álbum de família
Nenê, com mulher
e filhas |
Trem voador A linha deu origem à primeira empresa
do grupo, a Expresso União, um dos maiores orgulhos do empresário,
com 250 carros circulando por cinco Estados Minas, São
Paulo, Rio, Tocantins e Goiás, além do Distrito Federal.
As cores da empresa, laranja, azul e branco, tiveram inspiração
romântica e singela: os tons do uniforme que envergava na
juventude a então normalista Áurea Caixeta, filha
de rica família de fazendeiros em Patrocínio. Quando
o caminhoneiro pobre, desengonçado e com fama de namorador
começou a fazer a corte a Áurea, a mãe da menina
caiu em desgosto. Tentou espantar o pretendente. Chamou Nenê
em casa e, muito séria, fez-lhe um alerta, no mais puro mineirês.
"Vou lhe confessar uma coisa: minha filha Áurea é
muito custosa. A bem da verdade, ela é nervosa que só
vendo. Se está querendo mesmo casar, fique sabendo que o
risco é grande", intimidou. Astuto, o caminhoneiro ouviu
tudo com cara de preocupação e, ao final, falou: "Entendi.
Então, a senhora pode ficar sossegada que, de agora em diante,
eu vou amansar ela". Dito isso, foi-se embora dando o casamento
por consentido. Da lua-de-mel, passada numa pensão em Aparecida
do Norte, até hoje, vão-se 43 anos. O casal teve sete
filhos, que ainda pedem a bênção do pai beijando-lhe
a mão. Há cinco anos, Nenê repartiu entre eles
boa parte de suas empresas. "De modo que eles podem aprender minhas
idéias e eu posso ficar de olho neles", explica.
Hoje, quando o empresário visita sua cidade natal, formam-se
filas na porta das empresas. Moradores levam queijos, agrados e
pedidos para o benfeitor e celebridade maior da cidade. Pedem passagem,
dinheiro, emprego. Nenê não desaponta ninguém.
Não por atender a todos os pleitos, mas por dominar como
só ele a arte de dizer não parecendo que está
dizendo sim. Um dos primeiros motoristas da Expresso União,
João Gonçalves do Amaral, o João Paçoquinha,
conta um causo paradigmático. Certa ocasião,
apertado por uma dívida, resolveu vender um sítio,
mas na data do pagamento o comprador desapareceu. Aflito, recorreu
ao ex-patrão. "Paçoquinha, você não vai
acreditar no que eu vou lhe dizer", começou Nenê depois
de ouvir o pedido. "Estou sem talão de cheque. Mas fique
sossegado que não vou negar um favor a um amigo. Você
vai ao banco, pede o dinheiro lá e, se não conseguir
vender a propriedade em trinta dias, pára de pagar os juros
e eu acerto com o gerente." Muito agradecido, o ex-motorista correu
à agência, tomou o empréstimo, pagou as taxas
de mercado e, como previa o empresário, vendeu o sítio
em menos de quinze dias. Nenê manteve a fama de generoso sem
desembolsar tostão.
No trabalho, o empresário é do tipo que almoça
com os motoristas e chama os funcionários de "companheiros".
Ao mesmo tempo, cobra dedicação fanática e,
vez por outra, inventa formas de checar se está sendo atendido.
Há dois anos, ligou na véspera do Natal para um de
seus diretores em Brasília, perguntando se ele poderia estar
na empresa no dia seguinte bem cedo. Acostumado com o ritmo de Nenê,
que até o ano passado trabalhava aos sábados e domingos,
o diretor disse que sim, estaria lá cedinho. Chegou antes
das 6 e foi logo avisado pelo porteiro: "Seu Nenê está
aí faz mais de uma hora esperando pelo senhor". O diretor
entrou na sala e cumprimentou o chefe: "Diiia, Nenê!" Ao que
o empresário respondeu: "Taarde, companheiro!" Deu dois tapinhas
nas costas do diretor e foi-se embora. É esse estilo caipira
que agora vai alçar vôo. Caipira adaptado aos tempos
de negócios enxutos. Quando os Boeing de Nenê estiverem
no ar, ele vai continuar com as botinas fincadas no chão
e, grudado na filosofia de custos reduzidíssimos, não
pretende servir um mísero pão de queijo a seus passageiros.
A idéia é que esse trem voador seja barato, não
chique. Sô.
"Não
gosto de vender, só de comprar"
Nenê
Constantino credita seu sucesso a Deus e a muita persistência
no trabalho. Um certo jeitinho mineiro também ajudou,
como se vê nesta entrevista, a primeira que o empresário
deu em sua vida:
Veja Patrocínio possui três candidatos
a prefeito. O senhor está apoiando algum?
Nenê
Ih, minha filha, eu apóio é todos. Eu
vou até lá no final deste mês que é
para apoiar eles todos.
Veja São concorrentes, adversários
políticos.
Nenê
Mas é que é cada um melhor que o outro! Se eu
pudesse, votava nos três. Como não posso, vou
votar em um, falar para a Áurea votar no outro e um
dos meus filhos vota no que sobrou.
Veja Como o senhor começou sua carreira?
Nenê
Com 18 anos, eu falei: "Meu pai, agora eu vou cuidar
da vida". Ele pediu para eu ficar mais um ano ajudando ele.
Fiquei, mas pedi a ele para me vender um caminhão para
eu pagar com meu serviço. No final do ano, o caminhão
estava pago.
Veja De onde surgiu a idéia de mudar de
caminhão para ônibus?
Nenê
Eu tinha um Chevrolet ano 49 e fazia frete para São
Paulo e para o Rio de Janeiro. Carregava madeira, gasolina,
cebola. Uma vez, peguei uma carga de manteiga para levar para
o Recife. Cheguei lá depois de trinta dias e falei
para o chapa (empregado contratado para descarregar o caminhão):
"O que eu levo para o Sul?" Aí, o chapa disse para
levar pau-de-arara. Eu perguntei o que era isso. Ele falou:
"Uai, é gente. Põe aí umas tábuas
no caminhão e escreve no pára-brisa: RioSão
Paulo". À noite, o caminhão estava lotado. O
povo chegava com o dinheirinho no bolso e já me dava
na hora. Eu passei a pensar: passageiro é melhor que
carga, porque ele entra e sai sem eu pôr a mão
nele. Achei a coisa melhor do mundo.
Veja A primeira linha foi para a capital?
Nenê
Botei essa linha da minha cidade para Belo Horizonte e até
hoje ela corre. Outros tentaram lá uns tempos, mas
pararam, porque a estrada era muito ruim. Mas eu nunca achei
nada difícil. Não há nada que eu tenha
começado na minha vida e não tenha conseguido
dar conta. Eu gosto do que os outros falam que é difícil.
Veja E como se faz para as coisas darem sempre
certo?
Nenê É Deus, né? É
a persistência do trabalho... E também nunca
gosto de vender nada. Só de comprar.
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