Homemúsica

Críticas   |       |    1 de abril de 2009    |    9 comentários

As hélices convexas de um helicóptero em miniatura

melamed

Foto: Rodrigo Machado/Overmundo

Prólogo

Michel Melamed é sensação cult. Tem fileiras de fãs. Dezenas de comunidades no Orkut. Sites e blogs na internet com mais de mil visitas diárias. Programa na TV. É o Dom Casmurro da Rede Globo. E já rodou o mundo tomando choques e queimando dinheiro.

Michel Melamed é um poeta dentro de um liquidificador de linguagens.

Seu Homem-música Helicóptero voa baixo e distante… Seu som é um eco longínquo no segundo plano de um teatro deslumbrado e ansioso por, agora sim, Michel Melamed (!).

Capítulo 1. Da contradição entre o sucesso e a provocação.

Melamed é uma máquina de conceitos. Em entrevista ao jornalista Valmir Santos, no ano de 2006, regurgita dezenas deles: “terceira via para a cena”; “espectador co-autor”; “transgressão de forma e conteúdo”; “tudo emana da página em branco”; “profanação do espaço”; “síntese do espectador” etc…

Dentre todos (nenhum muito original, já diria Hans-Thies Lehmann, enquanto levava travesseiradas da Iná, podemos encontrar um lugar, uma inquietação que permeia seu imaginário: a ação de “provocar” “sacudir” as composições habituais do teatro e da sociedade. Que, através de sua manifestação teatral-performática criem-se novos canais de percepção, pensamento e cognição sobre, no caso dessa Trilogia Brasileira, o Brasil.

Mas Melamed é sensacionalmente Cult. Desde seus patológicos auto-choques regurgitofágicos é o menino contemporâneo da cena teatral. De seus espetáculos já se espera, previamente, a provocação em fragmentos. A fórmula, já bastante assimilada, é inserida, até o cansaço, numa estrutura “espetacularizada” dele mesmo: o show de seu “anti-show”.

Em outros termos: sua tentativa de impor uma fórmula de ruptura “pós-dramática” acaba por superdimensionar a estrutura provocativa. O que esconde, por assim dizer, os aspectos históricos tanto do teatro quanto da sociedade. Pra não falar do Brasil, que se pretende tema da trilogia. E a explosão formal passa a sobreviver por si só. A obra como recipiente de um vanguardismo experimental pré-moldado.

E, assim, ele provoca quem?

Capítulo 2. Da dicotomia inevitável entre arte e vaidade

Entre aquilo que se convencionou chamar “estilo” ou, em outro campo do pensamento, “autoria” encontram-se as características que delineiam, na forma, um pensamento sobre arte de um determinado indivíduo. No nosso incansável mundo da mercadoria isso é a ponta de lança do marketing.

Michel Melamed e sua estética provocativa, cômica, poética e artificialmente visceral já estão, como tudo, previamente empacotados e pronto a serem consumidos. Todavia, nosso Melamed parece esbaldar-se com seu rótulo; utiliza-se, para tanto, dos recursos mais diretamente ligados a sua “marca”.

A grande imagem disso é a projeção no meio do espetáculo das outras duas partes da “Trilogia Brasileira” (Regurgitofagia e Dinheiro Grátis). Não como diálogo continuado, afinal trata-se de uma trilogia, mas como objeto de sarcasmo do “apresentador” – personagem estereotipada que remete ao que há de mais perverso na mídia. Ou seja, através de vias tortas, um auto-elogio. Seu trabalho prévio aparece como a própria estética do contraponto; que enoja os conservadores.

Ademais, os recursos de stand-up, da imitação cômica, da música pop, com seu inevitável líder popstar, das poesias autorais etc. remetem todos com furor e alta velocidade ao verdadeiro protagonista: Michel Melamed. Ou melhor, remetem às potencialidades técnico-artísticas de Michel Melamed e seu incrível teatro performático.

Conclui-se, ao fim de Homemúsica, que Michel Melamed é um bom ator e um imitador bastante engraçado; além do que, toca guitarra, canta e escreve poesias.

Capítulo 3 – A overdose de subjetividade liquida e a morte lenta e gradual desta crítica que se tentava material.

Da poesia restam estilhaços cortantes; alguns fragmentos de músicas; um ou outro momento de puro lirismo… (daqueles que já se queixava Manuel Bandeira: sem qualquer sombra de libertação).

E em programa enorme em branco… A ser preenchido? A afirmar o vazio metafísico da existência?

Ou a lembrar as brancas torres de marfim?

“E a cidade dizia: fudeu…”

… de visceral fica só o tédio…

Epílogo.

Enquanto escrevo essa crítica, da rua eu ouço um grito inconformado de uma menina ao celular:

“Só podia ser carioca!”

É a deixa mítica pra que se encerrem essas linhas…

70×40 de uma cartolina em branco representam quantos por cento de uma árvore?

'9 comentários para “Homemúsica”'
  1. Vanessa disse:

    estranho por youtube. Espero ver ao vivo pra ver o que é. Bom título!

  2. Paulo luis disse:

    vcs não foram ao Festival de curitiba?
    cade as criticas???
    vc estão muito devagar…tanta peça acontecendo e tão pouca crítica…
    o que falta…salário???

  3. Fabrício Muriana disse:

    Teje convidado, Paulo.
    abs

  4. Kiko Rieser disse:

    Comentário de absoluta irrelevância: o Melamed nessa foto tá igual ao Sayd do Lost.

  5. astier basílio disse:

    ahahahahahaha
    nem tinha notado,
    o Mela com a cara do torturador
    de Lost

  6. CLÁUDIO disse:

    Estava passeando pelos seus posts mais antigos e me deparei c a crítica do Homemúsica. Não pude resistir a comentar.

    Não há uma contradição da crítica? Quem terá energia para empreender uma revolução e pagar o alto preço desta iniciativa se não os vaidosos, que pelo destaque e reconhecimento sentirão que vale a pena pagá-lo? Talvez na literatura se encontrem gênios humildes, recatados. Não, no teatro. É uma contradição ao próprio conceito da arte.

    Fiquei fã do Melamed com Regurgitofagia, corajosa metáfora. Interativa, revolucionária, temperada por poema vertiginoso. Me decepcionei com Dinheiro Grátis. Previsível demais. Fui ver há alguns meses Homemúsica mais pela obsessão compulsiva de completar a trilogia. Surpresa! Um texto belíssimo, de um lirismo chocante. Uma direção segura, evitando a armadilha fácil do artificialismo comum no uso de recursos multimídia no palco. A cena de amor (apenas narrada! Isto é que é teatro!) entre Helicóptero e a moça, ele produzindo um Blues, ela voando para sempre pelos céus, chega a comover de tão bela. E o final, trágico, no filete de sangue, para que nós, burgueses, não saiamos intransformados das poltronas. Denso, crítico, sem deixar de ser belo. Quanta gente de teatro da geração de Melamed poderia aprender com ele.

    Talvez Melamed não seja para os críticos. Seja para nós, expectadores de teatro, amiúde considerados um mero detalhe para a elite dos pensadores das artes.

  7. Paulo Bio disse:

    Será Cláudio?
    Que o teatro é, inevitavelmente, o lugar dos vaidosos em busca de reconhecimento narcisista? Será mesmo que a busca por destaque seja uma premissa irrevogável do teatro?

    você é daqueles que acha que Artaud é simplemente um artista que enlouqueceu ao não ser reconhecido?

    eu penso que o teatro (quando, raramente, acontece) dói…
    escancara as visceras de quem faz… afoga-o na angústia. Não acredito que haja prazer no teatro (ou melhor, no teatro em que acredito); a fama, o reconhecimento, o sucesso são, pra mim, reflexos de um tempo que vê a arte como um anestésico cotidiano; uma mercadoria próxima ao Prozac; uma instituição bela e sublime, mas sempre distante da vida… A vaidade e a fama são os sintomas da doença terminal em que se encontra o teatro… e, ao mesmo tempo, o ‘outdoor’ brilhante e reluzente de sua esterilização mercadológica

    nós discordamos quanto a isso. E muito. No entanto, acho que discordamos não quer dizer que eu sou um burguês arrogante que pouco se importa com a leitura da obra por um “expectador de teatro” …

    é sempre muito fácil, Cláudio, deslegitimar a crítica dizendo (ou sugerindo) que o crítico é um pseudo-intelectual arrogante, invejoso etc etc etc etc
    o difícil é sempre buscar compreender a divergência e debatê-la… enfim

    mas valeu pelo comentário. (e desculpe se pareci indelicado; é que, assim como você, as palavras me deixam bem nervoso)
    abraços

  8. cgsmoura disse:

    Bio,
    É lamentável que eu só tenha visto sua resposta quase um ano depois. Gosto muito do site e passeio por ele com frequência, mas acho que ele precisa de uma “rearquitetura”, especialmente no mecanismo de busca. Eu, pelo menos, perco o fio da meada dos comentários.
    Não, Bio, vc não foi indelicado e, de novo, não, Bio, as palavras não me deixam nervoso. VENERO o debate.
    Concordo que com frequência os “comentantes” preferem deslegitimar a crítica a contra-argumentar. Sou visceralmente contra a prática e não fiz isto em nenhum momento. Pelo contrário, apontei de forma objetiva que seu post, que considerava (com o perdão pela simplificação) o espetáculo contaminado por uma espécie de auto-elogio (palavras suas), ego-deslumbramento, auto-tietagem (estas, minhas) desprezava como dispensável o que na minha opinião era condição básica para a inovação na arte: a vaidade.
    Quanto a isto, sim, vc foi muito claro.
    Minha resposta é SIM para os 3 primeiros “?” e “Não sei” para o 4º, pois sei quase nada de Artaud, sou só o expectador ordinário que paga o ingresso, inteiro, e pago alto quando a Cibele me deixa decidir o valor.
    Adorei seu paralelo com anestésico, Prozac. Penso exatamente assim, e não vejo NENHUM problema da arte ser mercadoria, contanto que TRANSFORME.
    Só discordo do “distante da vida”. Se fosse, seria inócua. E se a vaidade é doença, é crônica e administrável, não terminal, ou já teria assassinado a arte nos milênios que passaram desde os gregos antigos.
    Não seja purista, Bio. Mantenha os olhos fixos no objetivo da arte (questionar, transformar, mostrar a nudez do rei) e não deixe a busca pela virtude torná-la irrelevante.
    Abraço.
    Cláudio

  9. cgsmoura disse:

    Bio,
    Fico fascinado com a mão invisível do acaso.
    Exatamente no dia em que descubro sua resposta a meu comentário sobre Homemúsica, com 10 meses de atraso, vou ver “Festa de Separação”.
    E lá está ele: Melamed. Não de corpo presente, mas na influência aos dois jovens atores.
    Fiquei na dúvida: Documentário cênico (como eles definem), reality theater ou palestra cênica? Não importa. O resultado é muito bom. Janaína Leite e Fepa conquistam a platéia (ou AS platéias) por sua naturalidade e honestidade. Usam multimídia sem exageros e controlam bem o contraponto no palco e nas platéias. A idéia toda de uma liturgia para celebrar uma separação madura de um casal que parece ter se amado muito, mas descobre que queria mais, é muito boa para dar a liga. Mas logo me perguntei como iam segurar o espetáculo todo só com isto. Talvez se enveredassem para a comédia… Mas não. O documentário cedeu lugar para um debate sobre a natureza e a dinâmica do amor, intercalando exposição de idéias, participação da platéia e bonitas metáforas, sempre mantendo um clima de intimidade doméstica. Cenário e iluminação contribuem primorosamente para isto, gerando sensação de realmente pertencer ao circulo íntimo dos dois. O resultado é um espetáculo que consegue propor um tema complexo como este com boa profundidade sem se tornar enfadonho pelo dinamismo dos recursos multimídia e uso adequado do humor. Não cansa e deixa uma marca. Apenas como observação, pois não diminui as virtudes da obra de forma alguma, a influência do estilo Michel Melamed é muito clara, não só por ter sido citado, mas pela temática, linguagem e estilo de encerrar, com um clipe emocionante e sem que os atores voltem para receber os aplausos.
    Lembra que comentei lá no início que a nova geração teria muito que aprender com Melamed?
    O poeta regurgitofágico está fazendo escola. E ela é boa, na minha opinião, embora saiba que vc não concorda. Estes dois foram bons alunos.
    Cláudio

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