Craques da Seleção Nacional que passaram pela formação do Sporting

Aurélio Pereira estava quase a terminar o seu jogging no bonito parque da Quinta das Conchas, em Lisboa, quando reparou num miúdo de palmo e meio a pontapear uma bola de futebol contra a parede. Foi o som seco do pé a embater no esférico que chamou a atenção do coordenador da área de Recrutamento do Sporting. Em poucos segundos, a criança, de apenas 5 anos, disparou vários mísseis a alta velocidade e bem direcionados. Aurélio Pereira gostou da exibição e decidiu falar logo ali com os pais do garoto. "Disse-lhes que o filho tratava bem a bola e que, por isso, deveriam inscrevê-lo numa das escolas associadas à nossa academia", recorda. O episódio tem apenas duas semanas e revela o sentido de oportunidade do homem que descobriu muitos dos jogadores da seleção nacional, como Nani, Quaresma, Rui Patrício ou João Moutinho.

Aurélio Pereira, 63 anos, tem uma rede de informação constituída por cerca de 150 olheiros, espalhados pelo País. "Atualmente, o mercado está entre os atletas com idades entre os 6 e 11 anos", explica. "É nesse escalão que a concorrência é mais feroz, embora não existam segredos - todos os jogadores estão referenciados pelo Sporting, Benfica e FC Porto."

Longe vão os tempos em que se levantava de madrugada e percorria milhares de quilómetros para assistir a dezenas de torneios de futebol. Agora é diferente. "Só em Lisboa e Setúbal, observamos quase 90 jogos por fim de semana", contabiliza.

TALENTOS, PRECISAM-SE

Foi em 1988, depois de abandonar a carreira de treinador, que propôs a criação de um departamento de recrutamento para as camadas jovens, no Sporting - até então, os clubes faziam captação em massa durante os meses de verão. "Imagine-se o que era ter de escolher um atleta entre 300 ou 400 crianças que apareciam no estádio!" Aurélio Pereira pediu ao então presidente do Sporting, Amado Freitas, para enviar uma missiva a todos os sócios do clube, solicitando apoio na deteção de jogadores. "Recebemos milhares de respostas, e foi assim que começou o nosso trabalho. Passámos a ir ao encontro de atletas com potencialidades."

Paulo Futre foi descoberto num torneio organizado pelo Sporting. Tinha apenas 9 anos e já demonstrava "uma vontade louca de jogar à bola" - inscreveu-se com uma identidade falsa, pois a competição era apenas para crianças com mais de 10 anos. Simão Sabrosa foi observado durante um jogo em que alinhava pela equipa de uma escola primária de Vila Real - passava pelos colegas com a maior das facilidades.

"Procuramos sempre jogadores que tratem bem a bola", explica Aurélio Pereira. "Muitos dos atletas que atualmente alinham pela seleção nacional começaram a jogar futebol na rua, com os amigos. Essa fase é fundamental para desenvolver a criatividade, sem estarem demasiadamente condicionados pela rigidez dos treinos profissionais." O olheiro mais conhecido do País alerta para o risco que correm as novas gerações. "As crianças, hoje, não têm liberdade, começam muito cedo nas escolinhas de futebol. Corremos o risco de estar a fabricar jogadores demasiado idênticos. É preciso reinventar o futebol de rua."

QUANDO OS PAIS ATRAPALHAM

Aurélio Pereira diz que Nani, por exemplo, mantém essas características na sua forma de jogar. "Nota-se que gosta de ter a bola nos pés, de arriscar no um contra um, sem complexos ou receios de falhar." O futebolista do Manchester United, muito elogiado pelas suas prestações no Euro, foi observado por um olheiro quando tinha 11 anos e jogava pelo Real de Massamá. A ligação emocional ao clube do bairro e a dificuldade de pagar o transporte até Alvalade retardaram o ingresso no Sporting, que só aconteceu anos depois, quando Nani foi chamado para a equipa de juvenis. "Era muito franzino, mas destemido, não tinha medo de jogar contra os mais velhos e mais encorpados."

A Academia do Sporting deu formação a dez dos jogadores que foram chamados pelo selecionador Paulo Bento para representar Portugal no Euro. Só Nani e Ronaldo renderam ao clube 40,5 milhões de euros. Mas é claro que atletas com esse calibre são a exceção. "Dizer que uma criança com 7 ou 8 anos vai ser um Cristiano Ronaldo é impossível", analisa Aurélio Pereira, que não intervém na formação técnica dos jogadores. Essa responsabilidade está entregue a outro departamento da Academia. "Existem muitos fatores que podem influenciar negativamente a evolução de um atleta - a pressão excessiva por parte dos pais é o mais habitual."

A SORTE DE QUARESMA

Quando os progenitores são ex-jogadores, tudo se torna mais fácil. "Sabem que é importante não exigir demasiado das crianças." No caso de João Moutinho, foi determinante a influência do pai, um experiente treinador e médio-campista. Aos 13 anos, foi considerado o melhor jogador da seleção algarvia, durante um torneio na Pontinha, em Lisboa. A atitude de Moutinho em campo agradou aos olheiros que assistiam aos jogos. "Enquanto os outros jogadores se perdiam em exibições demasiado individualistas, o João jogava para a equipa", recorda Aurélio Pereira. O atual atleta do FC Porto foi, nessa altura, assediado por vários clubes, optando pelo Sporting.

João Moutinho tinha algum estatuto como jogador, quando chegou a Alvalade. Já Ricardo Quaresma bem pode agradecer ao olheiro que reparou nas suas habilidades com a bola. Certo dia, um técnico do Sporting deslocou-se a um jogo do Domingos Sávio, em Campo de Ourique, Lisboa, para ver a prestação de Alfredo Quaresma, irmão de Ricardo. Quando se preparava para abandonar o local, reparou no talento de um menino de 8 anos, que "tratava a bola por tu". Aurélio Pereira recebeu um telefonema com essa informação e foi perentório: "Traz os dois!"

Memória: Como ele os 'apanhou'

Segredos de Aurélio Pereira, em discurso direto

João Moutinho "Foi observado num torneio da Pontinha, em Lisboa. Enquanto os outros atletas se perdiam em exibições demasiado individualistas, o João jogava para a equipa."

Nani "Era muito franzino, mas destemido, não tinha medo de jogar contra os mais velhos e mais encorpados."

Rui Patrício "Assistimos ao primeiro jogo que fez como guarda-redes, tinha 11 anos. Nessa altura, já demonstrava grandes capacidades."

Ricardo Quaresma "Fomos ver um jogo do irmão, mas acabámos por ficar mais impressionados com o talento do Ricardo, que tinha apenas 8 anos. Trouxemos os dois para a Academia."