Data de nascimento: 19 de Julho de 1953
Naturalidade: Chitue, Município de Ekunha (antiga Vila Flor), Huambo

Marcolino José Carlos Moco foi Primeiro-ministro de Angola, de 2 de Dezembro de 1992 a 3 de Junho de 1996 e Secretário-Executivo da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – de 1996 a 2000. É licenciado em Direito e mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Agostinho Neto, e doutorando em Ciências Jurídico-Políticas na Universidade Clássica de Lisboa.
Natural da Província do Huambo, planalto central de Angola, nasceu a 19 de Julho de 1953, mais precisamente na localidade de Chitue, no Município de Ekunha – antiga Vila Flor – uma região propícia à agro-pecuária.
Descende de uma importante linhagem de chefes tradicionais, conhecidos em Angola pela designação de sobas, um dos quais foi Tchítue, fundador da aldeia onde nasceu. Seu pai é hoje um dos sobas mais influentes do grupo etno-linguístico Ovimbundu.
Aprendeu as primeiras letras com seu pai. Fez os estudos secundários longe da sua aldeia natal e concluiu em 1974, na cidade do Huambo, na época conhecida por Nova Lisboa, o curso complementar dos liceus.
O envolvimento com a luta pela independência de Angola começou cedo. Em 1974 foi dispensado do Seminário Católico de Cristo-Rei, do Huambo, por ser um dos líderes de reuniões políticas onde se escutava a Rádio Brazzaville, que emitia do Congo o programa Angola Combatente, do MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola.
A primeira profissão, entre 1974 e 1978, foi a de professor do ensino secundário no Huambo. Nesta época aderiu à luta política pelo MPLA movimento/partido onde exerceu vários cargos a nível da província do Huambo.
Foi Governador de duas províncias: Bié e Huambo, no centro do país, entre 1986 e 1989 tendo sido Presidente do Conselho Político – Militar da 4ª Região.
Nomeado para o governo central como Ministro da Juventude e Desportos, 1989/91, trabalhou na elaboração de uma estratégia do desenvolvimento do desporto nacional para até o ano 2000 e na elaboração da política para a juventude.
Em 1985, durante o congresso do MPLA, partido no poder em Angola, passa a integrar o seu Comité Central. Foi, pouco depois, eleito Secretário para os Assuntos Políticos no Bureau Político do MPLA, trabalhando nas reformas políticas e económicas que introduziram profundas transformações no regime político angolano e ascendeu a Secretário-Geral do MPLA, cargo que exerceu de 1991 a 1992.
Como Secretário-Geral coordenou, sob a orientação do Presidente do Partido, a elaboração da estratégia para as primeiras eleições gerais de Angola realizadas em 1992 e definidas pela ONU como livres e justas, nas quais o MPLA obteve maioria absoluta, ao que se seguiu a sua nomeação como Primeiro-ministro pelo Presidente José Eduardo dos Santos de que foi afastado e 1996.
Foi eleito Secretário Executivo da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, pelos sete Chefes de Estado e de Governo de Angola, Brasil, Cabo-Verde, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, durante o acto de institucionalização desta organização, realizado em Lisboa, em 17 de Julho de 1996, por proposta do Presidente José Eduardo dos Santos, de Angola. Reeleito por unanimidade, em 17 de Julho de 1998 para exercer mais dois anos, esse cargo, durante a 2ª Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, realizadas na cidade da Praia, em Cabo-Verde.
Comendador da Ordem Infante D. Henrique, distinção que recebeu do presidente Jorge Sampaio, no Palácio de Belém, em Lisboa, durante a sua visita oficial, na qualidade de Primeiro-Ministro da república de Angola, em Maio de 1996.
Condecorado, ainda pelo Presidente Jorge Sampaio no final da sua missão na CPLP em 2000, pela excelência dos serviços prestados à Organização, neste mesmo ano toma o seu lugar como deputado à Assembleia Nacional de Angola.
Em 2004, regressa ao mundo académico regendo a cadeira de Organizações Internacionais, no Curso de Relações Internacionais, na Universidade Lusíada.
No ano lectivo 2009/2010, desempenhou o cargo de Director da Faculdade de Direito dessa universidade, onde também regeu as cadeiras de Direito do Contencioso Administrativo e Direito Processual, após a aquisição do grau de mestre em Ciências Jurídico-Políticas, na Universidade Agostinho Neto, em colaboração com a Universidade de Lisboa, em princípios de2009. Ainda em 2010, rege a cadeira de Introdução Estudo do Direito, a par de formador do Instituto Nacional dos Estudos Judiciários (INEJ), na especialidade de Direitos Humanos, no âmbito da cadeira de Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, desde 2009.
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www.marcolinomoco.com
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18 DE FEVEREIRO DE 2008 – VOA – O antigo primeiro-ministro Marcolino Moco rompeu o silêncio a que esteve remetido nos últimos anos para assumir publicamente que já criticou «em algumas ocasiões» o Presidente da República.
Marcolino Moco não precisou o momento em que o terá feito e se foi esta postura que pesou no seu afastamento do cargo.
Mas o agora deputado do MPLA reconheceu que ao criticar o Chefe de Estado «alguns ficaram muito zangados porque não se pode criticá-lo».
Moco, que já foi secretário-geral do MPLA, evitou admitir se o seu comportamento era parte das reformas internas que o seu partido precisa. Para ele em democracias modernas o Presidente de República não é alguém «intocável ou insubstituível».
Reconhece Eduardo dos Santos como sendo um «um grande camarada» e esclarece que não tem rancor do Presidente da República, por o ter destituído.
Segundo declarou, as relações que manteve com o PR (enquanto chefe do Governo) não eram familiares, amigáveis nem empresariais mas «relações político-partidárias».
«Não posso ter rancor do Presidente por ele me ter destituído. Ele próprio é que me tinha posto no lugar. Então, o lugar é dele. Ele pôs-me, ele tirou-me», desabafou Marcolino Moco justificou as praticamente nulas aparições em público desde o seu polémico afastamento da cúpula do seu partido, há cerca de dez anos, com a alegação de que foi aconselhado a fazê-lo.
O antigo secretário-geral do MPLA afastou a possibilidade de vir a mudar de partido mas sublinhou que já não é tão «fanático como era em 1974», quando aderiu àquele partido.
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24 de Fevereiro de 2009 -Novo Jornal – Defende a realização das presidenciais este ano, aceita o presidencialismo como sistema político, mas não quer ouvir falar na eleição indirecta do Chefe de Estado. Sem eufemismos, nem titubiezas, o ex-primeiro ministro Marcolino Moco denuncia o que descreve como tentativa de golpe jurídico-constitucional.
N.J: Num artigo de opinião, publicado em Dezembro, o senhor manifesta-se contra um cenário de eleição indirecta do Presidente da República e fala mesmo em golpe jurídico-constitucional…
M.M: A acontecer a eleição indirecta. A ordem constitucional no nosso caso, surgiu de um processo de independência que evoluiu até hoje. Historicamente, temos dois tipos de Constituição. A que surgiu da Independência, que consagrava o sistema de partido único, e a que surgiu, a partir de 92, baseada em princípios completamente diferentes, sobretudo, porque admite uma democracia multipartidária. É uma mudança de constituição por via transicional e não do derrube de um sistema estranho, como o colonialismo, nem por um golpe de Estado.
Mas também há golpes constitucionais, em que pode não haver intervenção militar.
E isso sucede quando?
Quando os princípios basilares de uma Constituição são modificados, a partir de uma certa interpretação incorrecta dos seus princípios. Pode falar-se em golpe jurídico-constitucional se fosse ultrapassado um limite fixado pela Constituição actual, segundo o qual a eleição por sufrágio directo dos órgãos de soberania não pode ser alterada, é o tal famoso artigo 159.
O que deve acontecer? A eleição presidencial antes da revisão constitucional?
Esse é outro problema, que normativamente não está previsto. Não há nenhuma regra jurídica que diga se o Presidente deve ser eleito pela actual Constituição ou pela próxima. Mas o direito e as normas constitucionais baseiam-se em princípios preexistentes: a moral, a ética, a lealdade e a razoabilidade. Neste caso, estamos perante uma questão de razoabilidade.
Porquê?
Porque toda a sociedade está na expectativa de que as presidenciais não devem depender da futura Constituição, de acordo com compromissos. As eleições legislativas e as presidenciais foram anunciadas depois de um Conselho da República e não se disse aí que as presidenciais esperariam pela nova Constituição, a menos que eu esteja enganado, mas não creio…não creio. A própria lógica do processo diz isso. As presidenciais, inicialmente, deviam realizar-se
na mesma altura que as legislativas para fazer uma coisa que é importante neste país: a regularização das instituições. Desde 1992, vivíamos numa situação irregular, de falta de normalização constitucional. Essa normalização começou, em 2002, com a assinatura da Paz, a seguir à morte de Jonas Savimbi. Já passaram seis anos, realizaram- -se as legislativas, porquê? Porque todos os pressupostos para haver tanto a eleição legislativa como a presidencial estavam reunidos.
As presidenciais são necessárias para consolidar esse processo de normalização?
Exactamente, sobretudo, num sistema como o nosso, no continente africano, com o papel, muito importante, que é atribuído ao Presidente. Se todas as condições já estão reunidas porque é que vamos abrir brechas na possibilidade de mais um adiamento? Não só eu, mas muitas pessoas estão a ver que o adiamento nem seria para 2010, porque temos uma actividade que nos vai absorver, o CAN. Isso, em termos de razoabilidade, de ética, porque a política também tem de ter ética, seria incompreensível.
Está preocupado?
Muito preocupado, mesmo. Por isso não consigo calar-me.
Concorda com o dr. Marcelo Rebelo de Sousa (jurista e analista político português) quando disse, numa palestra em Luanda, que a eleição indirecta é uma forma de deslegitimar o cargo?
Absolutamente. Veja que eu ainda não havia chegado aí. Em direito, esses aspectos são a substância. Eu ainda só tenho colocado o problema prévio, que é o do tal “golpe”, ao modificar o sistema de eleição do Presidente por um Parlamento que não foi eleito para isso. Este Parlamento foi eleito para constituir governo e para o controlar. Não foi eleito para eleger um Presidente. É gravíssimo, logo num aspecto prévio. O dr. Marcelo falou já na questão substantiva e, pela primeira vez, vou pronunciar-me sobre ela. Se me permitir, vou utilizar uma expressão popular. Seria “passar de cavalo para burro”, sem necessidade nenhuma. E levantamse aí muitas contradições. Como é que as pessoas que advogam que o Presidente seja uma figura central, que pede poderes para levar a cabo a tarefa difícil da transição, explicariam que ele fosse eleito por um sistema menos legitimador? É uma grande contradição.
Ainda ninguém explicou essa “contradição”?
Não. Não admito sequer essa possibilidade. O que me admira é ter-se falado nisso e dizer-se que há essa tal corrente, como se ela fosse conhecida antes do Presidente da República falar nisso, numa reunião do Comité Central do MPLA.
A questão, depois de levantada, não tem sido muito discutida?
Eu tenho discutido, há vários outros juristas que se têm pronunciado. A maioria esmagadora tem sido contra, todos estão na mesma do e, depois, sair de um processo mais democrático para um restritivo de eleição de um órgão tão importante, em Angola, onde o Presidente da República tem um papel fundamental – e estou de acordo que tenha – sem nenhuma justificação plausível. Esvaziou-se o papel do primeiro-ministro e pretende-se esvaziar o do Presidente da República. Exacto.
No artigo que publicou, disse que o MPLA não necessita dessa manobra “tão perigosa” para fazer valer a vitória do seu candidato natural às presidenciais. Tão perigosa porquê?
Porque cria os tais precedentes. O precedente em direito tem muita força. Se na Europa hoje se pode ser um pouco condescendente, em África, sobretudo, nós juristas, não devíamos facilitar. Enquanto que na Europa, normalmente, a um Estado corresponde uma nação, aqui temos um Estado que abarca um conjunto de nações. Quando os colonos chegaram aqui há 500 anos, os ovibundos e os quimbondos eram nações, foi um processo interrompido. Não há dúvida que o Estado actual, embora artificial, é um Estado progressivo que devemos aperfeiçoar. Nesse estado de aperfeiçoamento é perigoso afastarmo-nos das normas, não só jurídicas, strictu sensu, mas das que lhe são pré-existentes, o direito da razoabilidade, da lealdade, da boa fé, etc., etc.
O Presidente da República ao falar na eleição indirecta do Chefe de Estado não está a legitimar essa tal corrente?
A minha preocupação é essa. Se fosse outra pessoa, não me preocupava. O presidente do partido é o Presidente da República e está a dar suporte a uma ideia “perigosa”, entre aspas. Não vai causar nenhuma guerra, não vai matar ninguém, mas vai criar precedentes perigosos. As constituições não devem ser feitas em função das pessoas, são feitas para gerações. Hoje as pessoas podem facilitar porque estão a pensar no Presidente José Eduardo dos Santos, que é uma pessoa de bom senso, calma, ponderada. Mas amanhã se vier alguém que vai invocar precedentes já criados, mas que seja uma pessoa má, anti-democrática, que não pondera, onde é que vamos parar?
Os políticos têm actualmente uma grande responsabilidade?
Uma grande responsabilidade. É uma preocupação que as pessoas tiveram, quando o MPLA ganhou por uma percentagem tão elevada. Muitos analistas disseram logo que não acreditavam que o MPLA não abusasse desse poder. Na altura, acreditei, mas se realmente essa situação passar, não vou acreditar mais, embora seja o meu partido. Deduzo que não é uma questão consensual dentro do MPLA?
Parece-me que é quase consensual.
Tenho falado com muita gente inclusive dirigentes do MPLA e estão perfeitamente de acordo com a tese que estou aqui a esgrimir. Refiro-me à outra corrente? Em relação à outra não vejo qualquer sustentação, pelo menos entre as pessoas com quem tenho falado, que não são poucas e não são menos importantes. Todas acham que essa ideia não vai passar. Há uma diferença. Eles perdoam, entre aspas, o Presidente na medida em que, conforme dizem, lançou isso como um tema de debate. Eu “não perdoo” porque o Presidente da República é o garante número um da Constituição e, como tal, não pode atirar cá para fora coisas que algumas pessoas irreflectidamente levantam. Sobretudo quando são correntes desconhecidas.
As eleições presidenciais devem realizar-se o mais cedo possível?
Devem realizar-se este ano, no quadro da Constituição actual, a menos que a nova seja aprovada em tempo recorde.
O que é em tempo recorde?
É ser aprovada antes de Setembro. É um compromisso moral que todos os dirigentes, sobretudo os que estão no poder agora, assumiram. Eu não sinto a oposição preocupada com isso, mas acho que se devia preocupar. Como é que interpreta o silêncio da oposição? Também sente esse silêncio? Pensava que era só eu (risos). Encaro isso com muita tristeza mesmo. Mas como é que o interpreta? Como uma incoerência. Antes queriam andar depressa. Nunca fui favorável a andar depressa com as eleições, antes que se sentisse que a coesão nacional era uma realidade. Aí tenho que fazer justiça ao Presidente José Eduardo. Foi graças a ele e ao MPLA que se conseguiu travar aquele ímpeto perigoso e realizar as eleições numa altura em que a situação estava calma. Essa acalmia continua. É preciso terminar o processo de normalização e a oposição agora está calada. É pena. Provavelmente por interesse político para digerir a grande derrota sofrida. O MPLA, apesar da esmagadora maioria na AN, prometeu um processo de revisão constitucional participativo.
Tem sido?
Penso que sim. Sempre que se alarga a discussão é bom. Mas há quem desconfie das intenções, e eu também, que este apelo seja uma forma de baralhar as águas e adiar as eleições. Há muitas questões importantes sobre a nova Constituição que já foram ultrapassadas.
Não necessitam de nova discussão?
A discussão foi feita antes das eleições. Havia alguma discrepância no sistema de Governo, mas há praticamente um consenso, e o MPLA já tem uma definição que foi sufragada nas eleições, o presidencialismo. Parece que alguns chamam a isso um semi-presidencialismo com pendor presidencialista, mas no ante-projecto distribuído não se trata mais do que um presidencialismo, e aí sim o primeiro-ministro seria de facto um coadjutor. Até se pôs a possibilidade de eliminação do cargo para criar um vice-presidente ou vários. Agora só há questões a retocar.
Quais?
O sistema tem de ter coerência. Não se pode aceitar que o Presidente seja chefe do governo, comandante em chefe das Forças Armadas, chefe do Estado, nomeie o governo sem consultar os partidos e, ainda por cima, vai ter poder de
dissolver a Assembleia.
Defende o equilíbrio de poderes?
Exactamente. Essa é uma questão doutrinal, do direito comparado, e é uma questão de razoabilidade.
Qual é o melhor sistema político?
Para mim é o que está consagrado nesta Constituição mas devo dizer que não é a grande preocupação. Nós tínhamos um sistema semi-presidencialista, mas a actuação foi presidencialista e não me preocupou a actuação. Não me preocupou que o Presidente, no dia a dia, até pela situação que se vivia, de guerra, de transição, usurpasse materialmente os poderes do primeiro-ministro. O que não admito e não aceitei no meu tempo, é que também em termos formais eu próprio me declarasse coadjutor ou auxiliar, esses termos restritivos, de uma coisa que formalmente não estava prevista na Lei, isso era de uma grande incoerência. O Presidente líbio Moamar Kadhafi assumiu a presidência da União Africana, numa recente reunião em Adis Abeba, Etiópia, onde defendeu a criação dos Estados Unidos de África, baseado no modelo da União Europeia.
É um bom caminho?
Não. É muito mau caminho, porque o Presidente Kadhafi está a fazer esquecer uma estratégia correctíssima aprovada, em 1991, em Abuja, segundo a qual a criação das estruturas supra-nacionais africanas deve ser gradual. Deve ter em conta a consolidação dos próprios Estados africanos, que ainda enfrenta muitas dificuldades. O segundo passo são as organizações sub-regionais dentro de África, que, reflexo das dificuldades nacionais, estão a enfrentar grandes complicações. Não acredito que um governo continental é que vai resolver os problemas que ainda existem. São as sociedades civis que devem amadurecer para resolver a questão da boa governação, da transparência, da democracia. Depois vamos perseguir o trabalho da estruturação das organizações regionais e construir, então, a super estrutura governativa. Esta estratégia foi aprovada e o presidente Kadhafi, não sei porquê, está, digamos, a querer dar um passo maior do que as pernas. Seria um passo artificial? Absolutamente. Manifesto o meu desacordo e vejo com muito preocupação que haja essa insistência, à qual, irrealisticamente, estão a aderir alguns estados africanos. Muitas organizações, inclusive internacionais, defendem que Angola tem condições para ser uma potência regional, economicamente falando e politicamente. O país tem assumido esse papel? Tem, sem dúvidas, e muito bem. Poderia ser melhor, mas é prejudicado pelas dificuldades que ainda tem pelo processo de transição que está a viver.
Onde é que tem falhado?
Por exemplo, na regularização de alguns conflitos. O problema dos Grandes Lagos, do Zimbabwe. Parece que há uma certa dificuldade nessa intervenção. Dificuldade que curiosamente a África do Sul também tem. São solidariedades dos nossos políticos que francamente não compreendo. Quando as coisas estão tão claras, quando se vê que a situação presente no Zimbabwe é da responsabilidade política dos dirigentes actuais. Se eu estivesse no lugar dos actuais chefes de Estado talvez sentisse a mesma dificuldade, mas não deixo de lamentar que as autoridades angolanas e sul-africanas não digam a verdade aos nossos amigos – porque tenho a honra de chamá-los nossos amigos – como têm feito o Bispo Desmond Tuto, o ex-presidente moçambicano Chissano, e Graça Machel.
Durante 10 anos dedicou-se a uma vocação, como sublinhou Marcelo Rebelo de Sousa, elogiando-o por ser dos raros políticos que não se agarraram a um cargo. O aprofundamento da sua vida académica, na área do direito, é um virar de costas à vida política?
Não. Continuo a considerar-me político. Continuo disponível para cargos políticos, só que (pausa) tenho princípios. Não ocupo hoje mais nenhum cargo sem princípios.
Em que condições voltaria a assumir funções?
Se puder exprimir algumas ideias que considero fundamentais, de forma aberta, sem condicionamentos, sobretudo dentro do partido. O Governo exige disciplina, mesmo a Assembleia Nacional exige. Mas enquanto não me for facultada esta possibilidade, sobretudo, no meu partido, não hei-de ocupar nenhuma função. Como vê a vida política angolana? De uma forma geral, Angola vai muito bem. Se fizermos o cotejo com o que se passa em alguns dos outros países africanos não há comparação. É verdade que também há muito exemplos (pausa) sobretudo em questão de valores, em que se vai melhor do que em Angola. Aí vou citar, porque são positivos, Cabo-Verde, Moçambique e mesmo S. Tomé e Príncipe. Uma coisa é o exagero no debate das questões que, às vezes, imobiliza, é negativo e tem acontecido em S. Tomé. Outra coisa, é a transparência, é (pausa) a possibilidade de as pessoas exprimirem livremente, as suas ideias, sem medo.
Essa é uma questão essencial?
É. Aqui em Angola há uma certa dificuldade. Essa ideia que se cria, não se sabe bem donde vem, de que só um indivíduo é que é capaz de ocupar este ou aquele cargo. Aqui as pessoas quase têm de pedir desculpa para falar.
Esse receio condiciona a qualidade da democracia?
Muito. Aqui há tabus, há questões que não se devem tocar. Nesse aspecto, estou muito preocupado. Mas há muitos outros em que andamos muito bem e em que, sem dúvida, todo o mérito deve ser atribuído ao Presidente da República, José Eduardo dos Santos, e ao MPLA. A obra humana nunca é perfeita e há este senão, que não é menos preocupante, porque estamos a transmitir valores que não são bons aos jovens e muitos deles nascerem neste ambiente. No princípio, justificava-se, era um regime de partido único. Mas até diria que no partido único, estávamos mais avançados em relação a alguns tabus. Paradoxalmente, depois de 1992 e do processo de paz, há quem esteja aqui a criar tabus injustificados.
Que tabus?
Que há determinadas pessoas, sem as quais isto vai acabar. Escreveu, há um ano, que em democracias modernas não há pessoas insubstituíveis? Não há, mas aqui tenta-se passar uma mensagem diferente. Temos de ultrapassar isso para, ao discutirmos os problemas, não estarmos a olhar para os lados. Talvez seja um problema da riqueza nacional, do petróleo. Incentiva- se muito o culto ao dinheiro e ao poder, daí a importância daquilo que o doutor Marcelo disse, e agradeço que tenha sido em torno da minha pessoa, que temos de passar a mensagem de que o exercício do poder não é, em si, o mais importante. Antes do poder, há os valores. Estou preocupado porque estamos a passar para os
jovens a ideia de que importante é a pessoa que tem muito dinheiro ou está no Governo. O culto ao dinheiro numa altura em que o mundo vive uma crise económica.
A crise económica é conjuntural, vai passar, têm acontecido outras…
Os analistas convergem na ideia de que esta será a pior. É verdade que vai ser um momento muito grave, mas não tão grave como o de 1929. Felizmente que, nos limites desta crise, temos uma mudança muito importante que é a chegada de um homem excepcional à administração dos Estados Unidos. Parece que foi a Providência que o trouxe.
A eleição de Barack Obama foi uma lição para o mundo?
Uma grande lição em vários aspectos. Na questão, por exemplo do racismo. Ainda teimam, apesar da ciência já ter demonstrado que só há uma raça, em classificar as pessoas não pelo seu valor, mas pela cor da pele. É através da cor da pele que se estabelece, ainda, a graduação da importância das pessoas, no sentido do complexo de superioridade e do de inferioridade. Mas a importância da eleição de Obama foi sobretudo pelas suas ideias. Restituiu os valores à política. Exacto. Restituiu os valores à política, a prioridade ao multilateralismo em detrimento da imposição unilateral, dando uma nova dinâmica às Nações Unidas. Eu estou 100 por cento com as Organizações Internacionais. Quando comecei a dar aulas sobre esta matéria, em 2004, falava com muita confiança no papel das Nações Unidas, mas à medida que os anos passaram, sobre a presidência de Bush nos EUA, eu via as Nações Unidas serem completamente diluídas no seu valor. Felizmente, voltarei a dar aulas como dava, em 2004 (risos). Recuperou a confiança nas instituições internacionais. Sim.
Há em Angola a ideia de que só um indivíduo é capaz de ocupar este ou aquele cargo. Aqui as pessoas quase têm que pedir desculpas para falar esteira que eu. Um ou outro pronunciou-se a favor ou quase a favor. E deixe-me exclamar: como é que um jurista vai contra uma norma jurídica de princípios constitucionais tão importantes? Está a referir-se a quem? Não cito nomes. Um jurista. O poder constituinte hoje, como todos sabemos, está com a nova Assembleia Nacional. Em termos normativos e de princípios pré-normativos, há limites ao poder constituinte. A Assembleia Nacional por mais maioria de que tenha resultado não pode elaborar uma Constituição onde se plasmem princípios inaceitáveis. A doutrina prevê limites materiais imanentes (os que estão retidos na Constituição), limites heterónimos (que se referem ao direito comparado), ou seja, nenhum poder constituinte pode trazer princípios ou normas que em nenhum outro país, ou a nível internacional, são admitidos. Assim como há limites éticos, morais que partem da própria lógica das coisas. Há coisas que são inadmissíveis, não há dúvida de que haveria um recuo num sistema mais avançado de eleição para um restrito sem qualquer razão. É que se houvesse alguma razão plausível…
O que seria uma razão plausível?
Não estou a ver. Não há nada que justifique esse “retrocesso”? Não. Ouvi falar numa razão ridícula, de ordem financeira, isso nem tem comentário. Gasta-se tanto dinheiro com coisas frívolas neste país. Se fosse esse o problema, então tinham-se juntado as duas eleições. Estas mesmas pessoas pediram a separação das eleições, criando a oportunidade para gastos, e agora vão apresentar o argumento financeiro, francamente (risos) é ridículo.
De qualquer forma, o MPLA tem poder para fazer aprovar uma proposta nesse sentido?
Politicamente, o MPLA pode fazê-lo, mas faz um “golpe jurídico- -constitucional” e cria um precedente.
Que precedente?
Embora já tenha havido outros precedentes de que não queria falar, mas hoje vou falar (risos). É o problema da interpretação do papel do primeiro-ministro, em Angola. Não queria falar porque sou suspeito, fui primeiro-ministro, mas hoje já não tenho responsabilidades. Além disso, vejo jovens com muito valor, o dr. (António) Paulo, o dr. Adão (Almeida), que elaboraram as suas teses exactamente, para surpresa minha porque são pessoas ligadas às instituições, na esteira da minha ideia. Em termos formais, o primeiro-ministro não pode ser visto como um coadjutor, isso não tem nada a ver com o que está na Constituição. Pelo contrário, o primeiro-ministro na nossa Constituição tem responsabilidades próprias, junto do Presidente da República e da Assembleia Nacional. É ele que coordena a acção do Governo.
Qual é o precedente que se cria agora?
Agora quer criar-se um, que é muito mais grave e de que não posso deixar de falar, como jurista e como político. Querem alterar um limite material que está estabeleci- Há quem esteja a criar tabus injustificados.
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26 de Julho de 2010 – Jornal O PAÍS – Nesta conversa ficámos a saber o que pensa o antigo Secretário Executivo da comunidade que hoje tem Angola na presidência. Falámos sobre a sua experiência, sobre comparações com outras comunidades e sobre o problema de não haver, ainda, claramente, uma locomotiva da CPLP.
P-O senhor foi o primeiro secretário executivo da CPLP. Quando lá chegou qual foi a primeira impressão, uma coisa papável e fazível, ou apenas um amontoado de ideias para juntar num puzzle?
R-Havia a ideia de se criar a comunidade, havia as linhas mestras numa declaração constitutiva sobre o que seria a CPLP nos diversos domínios, e havia os estatutos. Nada mais. Não havia instalações nem funcionários…
P-Teve de ir à procura de casa …
R-Foi. Mas tive o apoio de Portugal na questão, por exemplo, das instalações para a organização e para a minha própria instalação, com a minha família. Foi uma experiência enriquecedora. Um desafio inédito, na altura.
P-Sentia que os Estados estavam empenhados, na altura, ou tinham realizado um acto político e diplomático e cada um se virou para si mesmo?
R-Nessa altura havia empenho.
O consenso não foi fácil, havia desconfianças… havia, na discussão anterior, para a criação da CPLP, quem pensasse que aquilo poderia ser um retorno, com outra face, ao falecido império colonial português e havia outras interpretações. Mas por altura da cerimónia da criação da organização, 1996, já muitas das desconfianças haviam sido ultrapassadas. Havia já um empenho cerceado apenas, em alguns pontos, por dificuldades objectivas como a dispersão geográfica dos países membros e alguma discrepância na prioridade que cada Estado dava à CPLP. Angola, que era o país de origem do primeiro secretário executivo, tinha ainda o problema da guerra. Portugal, o mais empenhado na CPLP naquela altura, também tinha compromissos com a União Europeia e o Brasil. Na altura, para sermos sinceros, não estava muito virado para a questão da CPLP.
Naquela altura o governo brasileiro tinha outras prioridades, legítimas, que passavam pela estabilidade económica, encabeçada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, e tínhamos um Brasil muito engajado no Mercosul. E havendo um governo de uma família diferente do governo anterior, de José Sarney, que com o embaixador Aparecido de Oliveira se havia batido muito pela CPLP, tudo isso se reflectiu numa certa ausência do Brasil naquela fase inicial. Mas depois de uma viagem muito proveitosa que fiz ao Brasil, e falei com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, senti que o Brasil passou a dar mais atenção à organização e o Presidente acabou mesmo por visitar a sede da CPLP…
P-A descontinuidade geográfica é o maior problema da CPLP?
R-Tudo na vida é moeda de tuas faces. Uma positiva e outra, que pode ser negativa. A dispersão geográfica tem a vantagem que permite que a CPLP esteja em várias partes do mundo. Mas, de facto, tem este handicap em que a coordenação de alguns aspectos se torna mais difícil. A ambição de tornar a CPLP num espaço de promoção económica há-de sofrer sempre algum problema. Não é fácil nestas condições, mas há outros aspectos que são potencialidades para a CPLP se realizar com sucesso, como tem sido a área político-diplomática quando os Estados se encontram nos fóruns internacionais, nas Nações Unidas, coordenam as suas posições. Os cinco PALOP também coordenam posições na União Africana…
P-E é tudo em defesa da língua, ou outros valores culturais e estratégicos?
R-Em torno da língua e da identidade cultural que passa para a identidade noutros domínios, nomeadamente no domínio político. Agora mesmo, todos os países estão a apoiar o Brasil na possibilidade de vir a ocupar um lugar como membro permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
P-E na questão da Guiné Bissau, existiriam outros mecanismos para ajudar a Guiné, ou tem havido demasiadas reticências?
R-Aqui temos um campo de dificuldades e um campo de vantagens.
No lado das dificuldades, onde a CPLP perde alguns pontos relativamente à CDEAO, por exemplo, é justamente na parte da proximidade geográfica. Mas, por outro lado, há vantagem da língua, a do conhecimento antropológico do espaço …
P-Mas não há lugar para uma posição mais enérgica, suspendendo, por exemplo o país, no caso de mais uma acção militar?
R-Isso não faria sentido. Estaria fora do bom senso que se recomenda.
Até porque, pelo menos formalmente, os militares não tomaram o poder na Guiné Bissau, o poder está com os políticos, apesar de condicionados pelo predomínio militar.
R-Mas temos à frente do país políticos de valia reconhecida a quem se tem de dar tempo, porque a Guiné Bissau é um país soberano, para que consigam convencer os militares a tomar posições adequadas aos tempos que correm. E são estes políticos que devem assumir as responsabilidades no plano internacional, junto da CPLP, da CDEAO, da União Africana e das Nações Unidas, para atrair para a Guiné Bissau as soluções mais adequadas para se sair da actual situação.
P-No aspecto económico, olhando para os números, praticamente não existem trocas entre os oito países, com excepção de um triângulo que engloba Portugal, o Brasil e Angola, onde se trocam alguns bens. Nós praticamente não importamos nada de Moçambique, por exemplo, o Brasil muito menos … isso não fragiliza a organização?
R-É o tal aspecto da dispersão geográfica, da separação Norte– Sul difícil de superar… os países africanos, independentemente das organizações a que pertençam, estamos mais vinculados aos países do Norte, às antigas potências coloniais que aos nossos vizinhos. Há um esforço por fazer ainda. Em contraposição a essa realidade, acho que a CPLP pode escolher uma área estratégica baseada naquilo que é sua coluna vertebral: a língua e a cultura. Deve-se apostar com mais empenho em fazer da CPLP um grande centro de formação, por exemplo, o que aumentaria o tal sentido de pertença que hoje muitos cidadãos dos nossos estados dizem não existir.
A francofonia tem, em parte, o mesmo problema mas compensa com as vertentes da formação, a cultural … criando os chamados operadores … como a comunicação social em que se poderiam formar órgãos comuns como a TV5, apostando no ensino… já falei no ensino superior, mas já ouvi alguém falar até no ensino médio … o que interessa é uma aposta forte no plano educativo, coordenada pela CPLP, com bolsas de estudo, uma universidade, etc. A Commonwealth tem uma fundação …
P-Mas a francofonia tem um líder claro, a França… segue-se-lhe o Canadá, mas há uma locomotiva. No caso da CPLP a antiga potência colonizadora não tem esse papel, o Brasil é o país mais forte em tudo, Angola está com uma economia melhor que a portuguesa, neste momento, e procura afirmar-se cada vez mais no plano internacional. Portugal “tem apenas a língua”… Isso não cria alguma confusão quanto ao sentido a seguir?
R-O que eu diria é que há uma proporção. O que seria a locomotiva como na francofonia em que a França e o Canadá são países fortes, mas a francofonia é uma organização muito Maior que a CPLP. Temos países que poderiam desempenhar o papel de locomotiva. Brasil, Portugal, Angola e até mesmo Moçambique, poderiam fazer este papel, bem coordenados. A CPLP é uma organização recente e a esperança é que esta locomotiva se componha com base nesses países. Angola está agora a assumir a presidência por dois anos… mas acho que estamos a chegar ao patamar em que alguns países peguem na CPLP e a puxem…
P-Quando há pouco falou do aparente desinteresse inicial do Brasil, isso não estaria relacionado com uma disputa com Portugal pela liderança da comunidade?
R-Diria antes que havia um certo desinteresse. Não se tratava de uma disputa. Que mais valia a CPLP levaria ao Brasil? Acho que esta era a questão. Portugal reconhecia mais as mais-valias, por razões óbvias, foi o centro do antigo império. O Brasil tinha outras prioridades na altura da criação da CPLP e creio que os estados ainda darão mais importância à organização. Angola, por exemplo, pode ganhar muito na presidência que vai agora assumir …
P-Sobre o acordo ortográfico de que muito se fala, há opiniões que dizem ter havido uma espécie de capitulação portuguesa sob a imposição do Brasil que é um país maior, com muito mais produção literária, etc.
R-É provável que seja isso, mas estamos a falar da CPLP e aproveito para dizer que o debate ortográfico não é obra da CPLP. O acordo existe deste a muito antes da CPLP, existe esde 1989, numa altura em que a CPLP ainda não existia. É um facto consumado, nada mais há a fazer. Pode-se falar agora de aspectos negativos, mas o acordo já existe…
P-Os africanos terão chegado mais tarde…
R-Não. Eles participaram, o acordo é multilateral. O que se deve aprender é tirar a lição sobre a reflexão que se deve fazer, para novos casos.
P-É também um homem das letras, acha que Angola faz bem em pedir uma moratória para entrar no acordo, ou deveria introduzir já?
R-Como jurista estou ligado ao direito internacional… os acordos devem ser cumpridos “pacta sunt servandum”. Neste caso ainda não há a totalidade das ractificações, formalmente ainda não é um acordo, mas materialmente ele está aí. Mais não posso concordar que se faça a ratificação. Mesmo assim estou de acordo que o Estado angolano tenha pedido algum tempo para fazer determinados acertos relativamente a questão da ortografia devido à ortografia das nossas línguas.
Portugal esteve até agora na presidência da Comunidade, numa altura em que parece que o Instituto Internacional de Língua Portuguesa não tem forma de andar, não tem o devido suporte. Como avalia a presidência portuguesa da CPLP?
R-Não pude acompanhar muito o que aconteceu. Talvez seja fruto do que falamos, quem está fora das instituições da CPLP pouco sente o que esteja a ser feito …
P-Esta falha pesa sobre os estados, sobre os governos ou sobre os secretariados executivos?
R-Pesa sobre a organização que é dos estados. Se calhar entramos no campo de uma sugestão que tenho colocado desde que saí da CPLP. Deontologicamente não o poderia fazer enquanto lá estive, mas para além da necessidade da definição de uma estratégia da CPLP na área da cultura, num sentido amplo, outro aspecto é que a CPLP não confere o grau de autonomia necessária às estruturas executivas, como acontece na francofonia e na Commonwealth, ou ainda como nas Nações Unidas em que o Secretariado Geral tem o protagonismo que se conhece, praticamente o Secretário Geral tem um estatuto quase de chefe de Estado, ou, pelo menos, como par de chefes de governo. Parece-me que há um espartilho, um zelo demasiado de os estados controlarem o dia-a-dia da acção do executivo, reduzindo a sua função de executor, programador e pensador das políticas da CPLP …
P-Em alguns casos deveria aparecer mais o Secretário executivo que os estados …
R-Exacto. Dar autonomia, deixar o Secretariado Executivo menos espartilhado pelo Comité Permanente. Mas agora os estados vão nomeando representantes na CPLP, mas acho que toda a organização internacional que não dê uma maior amplitude ao secretariado executivo terá sempre problemas. Uma das conclusões sobre o falecimento precoce da Sociedade das Nações está justamente ligado a isso, não se tinha dado importância ao secretariado permanente que nem era considerado órgão interno da organização. Servia para escrever actas…
P-Temos a Guiné Equatorial a bater à porta da CPLP, acha que se deve abrir ou ficamo-nos entre nós que falamos o português?
R-Eu sou sempre pelas aberturas. Acho que a CPLP deve abrir-se, mas com as cautelas necessárias para não diluir os seus principais objectivos. Somos cada vez mais cidadãos do mundo e as organizações também são cada vez mais internacionais. As nossas congéneres já deram o exemplo. A francofonia acolhe Cabo Verde e a Guiné Bissau, a Commonwealth acolhe Moçambique … o precedente está aberto. Precisamos é de preservar a nossa própria identidade para que os que entrem não diluam o que para nós é mais caro.
P-O tal distanciamento das pessoas quanto à CPLP não derivará, também, do facto de as pessoas em alguns países lidarem mais com outras línguas que com o português?
R-Em Angola, um kuanhama de uma aldeia fala o português na escola, se estiver na escola… Em Angola até que não se coloca tanto este problema. Em Angola o problema é colocado ao contrário. Nós temos é o risco de entrarmos num ritmo de destruição das nossas próprias línguas locais. Esta aceleração deu-se com a guerra. A CPLP deveria recordar-se de um item importante da sua declaração constitutiva que passa pela promoção da língua portuguesa e pela necessidade de se colaborar com as línguas locais, especialmente dos países continentais africanos … este aspecto não tem sido aflorado nas intervenções dos responsáveis da CPLP. Não tenho ouvido, pelo menos. As línguas locais são repositórias das culturas dos países hoje chamados de lusófonos. Este papel cabe ao Instituto de Língua Portuguesa e que o Secretariado não deveria esquecer. Indo à sua preocupação, ele não se deveria colocar, até porque o Lema de Angola é o da Solidariedade na Diversidade … não há problema que existam as línguas nacionais, o umbundo, o kimbundo, o kuanhama … o problema é se na ânsia de fortalecer e promover o português nós apagamos as línguas e culturas locais que encerram grandes valores.
P-Com o lema escolhido por Angola, antevê que o país venha a tirar vantagens da sua presidência na CPLP?
R-Naturalmente. E o desejo. É uma oportunidade pela qual sempre esperei e que não aconteceu enquanto fui Secretário Executivo, aliás, o mandato do Secretário Executivo, a meu ver, é demasiado curto … sempre o desejei …
P-O que pode Angola ganhar de concreto?
R-Maior projecção internacional, acréscimo ao protagonismo que Angola tem tido na região e no continente. Espero que fiquem coisas com conteúdo significativo …
P-Consegue visualizar o tal momento do cidadão lusófono, com circulação livre de pessoas, mão-de-obra, de conhecimentos, etc?
R-Confesso que já fui grande entusiasta da ideia da cidadania lusófona, que passaria pela livre circulação de pessoas e bens, mas, com reflexões mais profundas, recuei um pouco. Estou a lembrar-me de uma recente entrevista do Primeiro Ministro de Cabo Verde em que dizia que a União Europeia, sem problemas de dispersão geográfica, atingiu esta meta, mas depois de muitos anos. Há uma espécie de cidadania europeia, moeda única etc. Na CPLP acho que não se deve esperar uma velocidade maior que aquela que este assunto tem tido, passando por sérias reflexões… mas já há um caminho que começou com os passaportes diplomáticos, passou para os de trabalho, agora está-se a pensar nos passaportes culturais. Creio que não se pode, para já, pedir mais do que isso…
P-Haverá também algum receio dos desequilíbrios económicos?
R-Não é questão de receio, é uma realidade. Há desequilíbrios que, com alguma precipitação, podem criar problemas internos …
P-Os Estados estarão a resguardar-se da imigração…
R-Sim. E que pode criar problemas internos graves e multilaterais
P-Qual foi o pior momento que viveu à frente do Secretariado Executivo da CPLP?
R-Eu não gosto de decompor a vida entre pior e melhor, mas creio que a fase mais difícil foi o início, de ir para uma instituição que mal existia, criar tudo de novo… era uma responsabilidade dos estados, mas os estados são pessoas e eu tive de organizar tudo, criar condições, etc. Essa terá sido a fase mais difícil, até porque, na altura, eu tinha acabado de deixar as funções de Primeiro Ministro, com as interpretações mais díspares. Por exemplo, em Portugal circulava na imprensa que eu tinha lá ido parar para um “tacho” porque tinha acabado de perder outro “tacho”… era preciso força de ânimo para ultrapassar todos os problemas…
P-Mas a função anterior tinha-lhe dado um capital de contactos …
R-Sem dúvida, as funções anteriores foram um reforço, apesar de muita gente querer empurrar para baixo, mas isso é normal … felizmente, acho eu, as coisas acabaram por correr bem. Fiz dois mandatos e creio que cumpri o que se pedia de mim naquela altura, que era instalar a CPLP, criar uma série de regulamentos e projectar a CPLP para o futuro. Hoje temos a CPLP que vemos, “cobiçada” por outros países até que aparentemente nada têm a ver com a CPLP, estou a falar da Ucrânia, do Luxemburgo…
P-O que acha que estes países querem da CPLP?
R-É difícil colocar-me no seu papel, mas acho que isso é sintoma de que a CPLP é algo que funciona, que se faz sentir lá fora. Creio que o que alicia estes países é a vizinhança, a luta para aparecer e projectar-se noutras instituições internacionais… há quem diga que o que a Guiné Equatorial pretende é lavar a imagem do seu regime, mas não vamos por aí… já a Ucrânia talvez se afigure mais difícil a razão, mas há que contar que eles têm já uma comunidade muito grande em Portugal. Luxemburgo, que já visitei até no âmbito da CPLP, tem muitos cidadãos portugueses, cabo-verdianos… as comunidades também justificam esta apetência.
P-E o momento mais agradável na CPLP?
R-É difícil, nestas coisas de política e diplomacia, são sempre momentos de luta, de muita tensão, mas … talvez o momento da saída, com resultados positivos, reconhecidos por uma moção de louvor da parte dos chefes de Estado e do Governo, com uma condecoração por Portugal, e pelo apreço de todos os estados que reconheceram o trabalho feito. Isso dá conforto e recompensa.
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11 de Janeiro de 2011 – Diário Digital / Lusa – O ex-primeiro-ministro angolano Marcolino Moco disse hoje em Luanda que a Constituição angolana não é cumprida na parte dos direitos e garantias, defendendo que existe um texto constitucional real e outro formal.
As declarações de Marcolino Moco foram feitas aos jornalistas à margem da IV Semana Social Nacional, que começou hoje em Luanda sob o tema «Democracia e Participação, organizada pela Conferência Episcopal de Angola e S. Tomé (CEAST) e pelo Centro Cultural Mosaiko, também ligado à igreja católica.
Marcolino Moço lamentou que o programa do encontro não contemplasse uma discussão sobre a Constituição angolana, porque, disse, em Angola «podemos ver que a parte dos direitos humanos não tem um funcionamento real».
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