domingo, 10 de agosto de 2014 - 11:38h

O Neointegralismo e a questão da organização partidária

Por Odilon Caldeira Neto

O integralismo,  movimento e partido político brasileiro de inspiração fascista surgido oficialmente em 1932 - sob o nome de Acção Integralista Brasileira (AIB) -, viveu um período de maior relevância política justamente a partir de sua fundação oficial (em 07 de outubro de 1932) até o momento de extinção oficial do partido, em 1937, por meio do decreto-lei nº 37 de Getúlio Vargas, momentos após a consolidação do golpe do Estado Novo. Durante este período de tempo, a AIB notabilizou-se pela disseminação a nível nacional e sobretudo pelo enorme contingente de membros, assim como sua atuação política no cenário nacional.

 

 

Abstract: This article seeks to analyze the integralism, fascist political movement, guidance in view of proposed political party, seeking in this way to discuss the motivations and implications for a non implementation of an political party proposal of the integralism in the last decades of the twentieth century and early years of the XXI century, i.e. neointegralism.

Keywords: Integralismo, Neointegralism, political party.

Palavras-chave: Integralismo, Neointegralismo, partido político

A AIB contou com uma militância que variou, segundo estimativas, entre 500 e 800 mil membros. Dentre os milhares de camisas e blusas verdes (uniformes integralistas), havia a presença de importantes intelectuais do período, sobretudo na alta hierarquia do movimento. Além de Plínio Salgado, fundador do integralismo, jornalista e escritor que havia participado da Semana de Arte Moderna de 1922, os integralistas tiveram suporte de intelectuais como Miguel Reale (jurista e escritor), Gustavo Barroso (romancista, fundador do Museu Histórico Nacional, além de membro e presidente da Academia Brasileira de Letras), Abdias Nascimento, Câmara Cascudo, entre outros.
Evidentemente, toda a significação em ser integralista naquele período não pode nem deve ser determinada por uma análise anacrônica que tome em conta os resultados da Segunda Guerra Mundial e do fascismo em âmbito internacional, sobretudo do caso alemão e italiano. É possível notar, inclusive, que diversos militantes oriundos do integralismo estabeleceram longa trajetória em setores esquerdistas da política brasileira após a atuação nas fileiras do Sigma, com foi o caso, por exemplo, de Dom Hélder Câmara. Todavia, o integralismo nos anos 1930, mesmo com um forte discurso conservador e com marcante apelo religioso (espiritualista), apresentava-se como uma nova alternativa perante as políticas supostamente arcaicas presentes na sociedade brasileira de então, o que explica, em parte, a adesão à AIB de vários intelectuais emergentes do período.
Dentre a trajetória da AIB nos anos de 1932 e 1937, é possível delimitar um grande marco de distinção, que foi a transformação do movimento que, no início tinha como configuração expressa o caráter cívico-cultural para, após deliberações realizadas no âmbito do  II Congresso Nacional Integralista (realizado em 1935), foi transformado em partido político, ou Partido da Acção Integralista Brasileira. Esta transformação, evidentemente, foi consequência do próprio crescimento e fortalecimento do integralismo que, enquanto maior organização fascista além-europa (GRIFFIN, 2006), previa a possibilidade de conquista do poder institucionalizado, inclusive pela via democrática.
Foi, inclusive, de acordo com estratégias de aproximação junto ao poder estatal, que os integralistas se alinharam a Getúlio Vargas e apoiaram a iniciativa golpista do Estado Novo. Previa-se que a demonstração pública da força integralista (por meio de marcha realizada na capital federal, que buscava mimetizar o fenômeno da Marcha sobre Roma, dos fascistas italianos), auxiliaria a efetivação de um prévio acordo entre o chefe estatal e os líderes integralistas, que teriam possibilidade de inserção ideológica dentro do futuro regime. A estratégia, contudo, mostrou-se inócua, e após a consumação do golpe, a AIB foi posta na ilegalidade, juntamente com os demais partidos políticos então existentes.
A primeira iniciativa dos integralistas na busca de reorganização pós-AIB, foi a criação da Associação Brasileira de Cultura (ABC), que teria como propósito a volta às origens não partidárias do integralismo, atuando no âmbito cívico-cultural, enquanto as condições assim fossem determinantes. No entanto, a ABC foi marcada pela efemeridade, pois não garantiu legitimidade perante o Estado Novo. Neste momento, alguns militantes integralistas já haviam deixado a vinculação ideológica com os camisas-verdes, tendo alguns manifestado apoio (ou mesmo inserção) junto às estruturas do governo federal, por notarem algumas bandeiras em comum entre as propostas integralistas e os programas estadonovista.
A liderança integralista oscilava entre tentativas de aproximação com Getúlio Vargas, numa perspectiva de barganha política, e críticas públicas contra a traição do chefe da nação. Começaram a surgir, então, iniciativas que pleiteavam o efetivo rompimento entre os remanescentes integralistas e o governo federal. A radicalização destes setores foi um dos motivos preponderantes para a formação da iniciativa golpista de integralistas contra o governo federal, no que foi conhecido como a tentativa de putsch integralista, em maio de 1938. Aliando-se à setores políticos diversos, inclusive liberais, assim como militares, militantes integralistas tentaram tomar de assalto o Palácio Guanabara, visando a derrubada do governo federal, o que, consequentemente, poderia proporcionar uma investida integralista sobre o poder.
O completo fracasso da iniciativa, caracterizada inclusive pela falta de preparo de seus líderes (SILVA, 1964) foi preponderante para a radicalização das medidas repressivas dos aparelhos políticos do Estado Novo contra o movimento integralista. Entre a apreensão e destruição de materiais de campanha e doutrina integralista, houve também perseguições e prisões de militantes e, sobretudo, a pressão sobre os líderes da AIB. Plínio Salgado, chefe nacional dos integralistas, lançou-se (forçado) ao exílio em Portugal, de onde só retornou em 1946, após o fim do Estado Novo e no momento de consolidação de sua nova empreitada integralista, sob configuração diversificada: o Partido de Representação Popular (PRP).
O PRP esteve em formação mesmo antes do retorno de Plínio Salgado ao Brasil, buscando, num primeiro momento, a desvinculação com os antecedentes integralistas. Entretanto, logo após o retorno de Salgado, o chefe integralista assumiu a presidência do partido, evidenciando a permanência do discurso integralista no PRP, embora algumas modificações fossem evidentes nesta nova iniciativa integralista. Uma das maiores modificações do integralismo no período perrepista foi a tentativa de desvinculação do integralismo com os movimentos fascistas da década de 1930, justamente por conta do panorama pós-guerra, que impunha limites às manifestações ideológicas semelhantes (ou comparáveis) ao fenômeno do fascismo internacional.
Para distanciar desta condição, o integralismo do PRP abandonou grande parte de seu referencial doutrinário e simbólico que tornavam evidente a ancestralidade fascista, sobretudo o uso de uniforme, alguns símbolos, organizações internas ou mesmo festividades. Este abandono aos referenciais da AIB não eram bem vistos por uma parcela da militância integralista, gerando inclusive pressões internas para o retorno destes referenciais ou mesmo, em casos mais extremados, iniciativas de rompimento, com proposta de criação de um partido “explicitamente” integralista.
A trajetória do PRP, como observa Calil (2010), foi marcada por constantes tentativas de retomar alguns dos pressupostos tidos como essenciais do integralismo, ao mesmo tempo em que havia a necessidade de articulá-los com a existência partidária de então. Algumas reivindicações da militância foram aceitas, como a volta da utilização do Sigma (?) como símbolo partidário, ou mesmo de alguns ritos e cerimoniais semelhantes aos tempos integralistas dos anos 1930. Tudo isto, contudo, havia de coexistir com uma lógica partidária que previa – ou mesmo impunha – recuos estratégicos, alianças e concessões partidárias e outros diversos posicionamentos que evidenciavam o quão problemática era a relação entre o ideal e anseios de alguns militantes integralistas dos anos 1930 e a lógica partidária do mundo pós-guerra.
Todas as disputas existentes entre a memória integralista e a prática perrepista eram aparentemente, e em certo sentindo concretamente, solucionadas por conta da presença e liderança de Plínio Salgado frente aos integralistas, fossem eles remanescentes dos anos 1930 ou oriundos dos quadros do PRP. Era à partir da figura de Plínio Salgado que repousavam os anseios dos integralistas e a permanência na militância do ex camisas-verdes, mesmo que aparentemente menos radicais. O processo de formação do PRP contou, inclusive, com a total centralização na figura de Salgado, tendo em vista que os outros dois maiores líderes integralistas (Miguel Reale e Gustavo Barroso)  já haviam abandonado a defesa do ideal do sigma, restando, além de Salgado, a presença de figuras intermediárias da AIB, como chefes provinciais, entre outros.
De qualquer modo, até a primeira metade da década de 1960, grande parte de atuação dos integralistas esteve circunscrita na prática partidária, ou em outras organizações também sob controle/influência de Plínio Salgado, como a Confederação dos Centros Culturais da Juventude (CCCJ), que tinha como objetivo a formação intelectual da juventude – chamados de águias brancas -sob as bases integralistas dos anos 1930. A crença na liderança de Salgado dava coesão às iniciativas pós-AIB, mesmo que em muitos aspectos diametralmente opostas aos discursos do primeiro período integralista.
Plínio Salgado, o PRP e diversos integralistas apoiaram de prontidão o processo golpista de 1964, que veio a consolidar a ditadura civil-militar. O chefe integralista foi, inclusive, um dos oradores das “Marchas da Família por Deus e pela Liberdade”, realizada em São Paulo (19 de março de 1964). Com a consolidação do golpe, o PRP foi extinto, juntamente com os demais partidos políticos e, diferentemente do ocorrido quando do golpe do Estado Novo, neste episódio a questão fora facilmente solucionada, tendo em vista que Plínio Salgado e outros membros do PRP participaram da estrutura ditatorial, sendo que o chefe integralista chegou a ocupar o cargo de deputado federal, como membro da ARENA (1966).
Isto, contudo, não significou o alvorecer ou mesmo ou mesmo a permanência da estruturas de algumas organizações integralistas do período, sobretudo a CCCJ. Ainda que a CCCJ tenha continuado a existir, perdera bastante do fôlego do período de coexistência junto ao PRP. Plínio Salgado, neste período, continuava a exercer a liderança perante os remanescentes integralista tendo, inclusive, manifestado que o integralismo teria mantido muito de seu poder, mesmo nas estruturas da ditadura pós-1964. Estas afirmações necessitam ser vistas com resalvas, sobretudo por se tratarem de artifícios propagandísticos e de mobilização, possivelmente estratégias de alocação de Plínio Salgado – e demais integralistas – nas disputas políticas existentes na estrutura da ditadura civil-militar.
De qualquer modo, é inevitável constatar que, desde o fim da AIB em 1937 até os momentos que antecederam o seu falecimento, Plínio Salgado consolidou-se como marco referencial e político para as diversas gerações de integralistas, fossem eles camisas-verdes, águias-brancas ou perrepistas. Após o falecimento do “chefe nacional”, em dezembro de 1975, os integralistas viram-se órfãos desta unidade, abrindo espaço então para disputas entre diversos atores políticos, em busca da herança e o legado integralista de Plínio Salgado, assim como de compreensões e possibilidades da atuação partidária do integralismo após a morte de Salgado. É neste momento que se dá o surgimento do que é tratado aqui como neointegralismo.
Os primeiros grupos neointegralistas que se organizaram logo após a morte de Plínio Salgado podem ser tomados como reflexos concretos desta falta de unidade presente entre os neointegralistas (e integralistas remanescentes). Em 1978, Jader Medeiros, que havia sido membro de uma pequena organização integralista (Appolo Sport Club), criou o jornal “Renovação Nacional”, que provavelmente seria o carro-chefe da Cruzada de Renovação Nacional, que tinha, de acordo com reportagem veiculada na revista Veja (08 de abril de 1981), um aspecto peculiar: dentre os membros da Cruzada, haveria um médium encarregado em incorporar o espírito de Plínio Salgado, além de psicografar cartas do chefe integralista, todas endereçadas a Jair Medeiros.
No ano de 1979, alguns ex águias-brancas (Gumercindo Rocha Dórea, Holanda Cunha, entre outros) tentaram, de acordo com Delcio Lima (1980) recriar a Associação Brasileira de Cultura, que teria como finalidade a atuação da AIB tal qual sua primeira configuração, isto é, numa perspectiva não partidária. Outra organização que buscou a rearticulação integralista foi o Movimento Popular de Apoio à Fundação Plínio Salgado (MPAPS), fundada em 1979, no estado do Maranhão, também sem expressas finalidades partidárias. A Associação Cívico-Cultural Minuano, surgida em 1957, originária das estruturas do PRP, buscava, após o falecimento de Salgado, estabelecer um espaço para conservação da memória militante, longe de iniciativas partidárias, como foi o caso também da Casa Plínio Salgado, fundada em São Paulo, no ano de 1981, por ex águias-brancas e militantes integralistas advindos de outras organizações.
Estes movimentos, evidentemente, estavam limitados de ambições partidárias por conta da própria estrutura política do período. Porém, é pertinente ressaltar a existência, desde os primeiros momentos, de uma fragmentação política entre os neointegralistas, que seria uma das futuras causas preponderantes para a não viabilização de um “partido integralista”.
No ano de 1984, no contexto da campanha pelas “Diretas Já!” e dos indícios do processo de redemocratização da política brasileira, houve o primeiro caso da possibilidade da reorganização de um partido essencialmente integralista. Anésio de Lara Campos Jr., ex membro do PRP, criou naquele ano a Ação Nacionalista Brasileira (ANB), que projetava a possibilidade futura de uma tentativa partidária. A efemeridade, contudo, foi a principal característica desta organização, tendo em vista que cessou atividades no ano seguinte.
Em 1985, Anésio Lara registrou a Ação Integralista Brasileira em seu nome, buscando congregar os militantes integralistas então dispersos, sob sua liderança. Esta iniciativa, entretanto, ainda que na legalidade (a AIB estava disponível para registro em cartório, pois havia sido extinta ainda durante o Estado Novo), provocou diversas disputas entre os neointegralistas, que acusaram Anésio Lara de usurpação da sigla. O fato acabou por gerar o envolvimento direto de D. Carmela Salgado, viúva de Plínio, que era tida como a herdeira direta (ou legitimadora) da liderança do chefe integralista.
Outro fator que gerou a cisão entre os neointegralistas foi a relação entre a AIB de Anésio Lara e o Partido de Ação Nacionalista (PAN), partido efêmero – sequer registrado, que buscou cooptar os integralistas, além de criticar organizações como a Casa de Plínio Salgado, tida pelos dirigentes do PAN como uma organização demasiadamente contemplativa. A ligação do PAN com a AIB de Anésio Lara não resumia apenas a tentativa de cooptação dos neointegralistas, pois Antônio Carlos Meirelles congregava o cargo de secretário geral do PAN e uma das lideranças da “nova” AIB.
Além do envolvimento do grupo de Anésio Lara com o PAN, houve ainda, de acordo com Dreifuss (1989), a discussão da hipótese de criação do Partido de Ação Integralista (PAI), que ficaria também sob controle do grupo – e do próprio – Anésio Lara. Esta alternativa partidária, surgida no bojo da redemocratização e das novas possibilidades de atuação política, dentre as quais justamente a via partidária, não resultaram fascínio entre os neointegralistas, sobretudo pelo descontentamento com o grupo de Anésio, que, além de serem acusados de usurpação da sigla, haviam tentado direcionar o neointegralismo a um partido alheio, além de relações com grupos ultrarradicais, como os “Carecas do Subúrbio” e alguns grupos neonazistas.
No aspecto da relação do grupo de Anésio com neonazistas, a questão partidária veio novamente à tona, por meio da vinculação de Anésio Lara com Armando Zanine Jr., que buscava criar o Partido Nacional Socialista Brasileiro (PNSB), de óbvia inspiração nazista e defensor de teses negacionistas (negação do holocausto), as quais Anésio corroborava, inclusive em inserções de mídia de alcance nacional. Neste momento, além das tensões geradas pela suposta usurpação da AIB, havia a tentativa de rearticulação dos neointegralistas em outros meios, sobretudo de conservação da memória militante, como o caso da Casa Plínio Salgado e do Centro Cultural Plínio Salgado (fundada por Arcy Lopes Estrela, ex membro da AIB dos anos 1930), como observa Márcia Regina Carneiro (2007).
O panorama neointegralista durante as décadas que sucederam a morte de Plínio Salgado até o limiar do Século XXI foi marcado por uma intensa fragmentação dos grupos e a recusa quase por completo de uma alternativa partidária que congregasse todos os grupos neointegralistas existentes. A principal alternativa de reorganização dos neointegralistas foi traçada somente no ano de 2004, quando da realização do “1º Congresso Integralista para o Século XXI”, na cidade de São Paulo. Na ocasião, estiveram presentes diversos representantes de grupos neointegralistas, assim como de outros grupos simpatizantes da extrema-direita do período, como a TFP, a União Nacionalista Democrática, a União Católica Democrática, entre outros.
Na ocasião do evento, que contou inclusive com a participação de Anésio Lara, fora decidida a criação do Movimento Integralista Brasileiro (MIB), que sucederia os diversos grupos então existentes, e proporcionaria uma articulação concreta de reorganização conjunta e uníssona dos neointegralistas. Na reunião, fora escolhido o nome (MIB), redigido os estatutos e assinada a ata da criação da organização. No entanto, quando tentaram registrar a sigla em cartório, descobriu-se que esta já havia sido registrada anos antes, justamente por Anésio Lara, que não havia mencionado a questão no evento.
Desta maneira, todos os esforços para união entre os grupos neointegralistas teve não somente um resultado pouco satisfatório, como acabou por gerar diversas dissidências entre o fracassado MIB. Se, desde o primeiro momento dos grupos neointegralistas, a organização partidária era uma possibilidade remota, quase inviável, após tal episódio tornara-se ainda mais distante. A partir de 2004, houve o surgimento de três grupos neointegralistas que reivindicam para si o postulado da legítima herança do integralismo de Plínio Salgado (sobretudo dos anos 1930), que são a Frente Integralista Brasileira (FIB), o Movimento Integralista e Linearista Brasileiro (MIL-B) e a Ação Integralista Revolucionária (AIR).
Tais grupos divergem sobre vários aspectos na visão sobre o integralismo histórico e as possibilidades de organização político partidária. A Frente Integralista Brasileira busca manter o espírito do integralismo dos anos 1930 de maneira quase intacta, tanto na utilização de elementos simbólicos e doutrinários, quando da possibilidade de atualização da doutrina integralista. São contrário à qualquer crítica ao arcabouço doutrinários dos camisas-verdes em sua primeira fase, assim como buscam desqualificar as iniciativas reformadoras. Sobre o aspecto partidário, não se posicionam contrários à uma futura investida neste âmbito, mas este é provavelmente uma das menores reivindicações da FIB.
No entanto, no âmbito partidário a FIB foi, dentre os grupos neointegralistas analisados, que estabeleceu contato mais próximos com partidos políticos, especificamente o Partido de Reedificação da Ordem Nacional (PRONA), fundado por Enéas Ferreira Carneiro, que, de acordo com Victor (2004), chegou inclusive a manifestar apreço pelos integralistas (“Todos os nacionalistas amam igualmente  seu país”), em entrevista veiculado no jornal New York Times. Não por acaso, a Frente Integralista Brasileira chegou a direcionar os votos de seus militantes para o PRONA, tido como “única legenda digna de votos pelos brasileiros conscientes” 1, ao fato que o PRONA teria absorvido grande parte dos ideais sociais e nacionalistas do integralismo.
O Movimento Integralista e Linearista Brasileiro que é pautado pela busca da atualização da ideologia integralista dos anos 1930 para bases científicas e filosóficas da atualidade (que resultaria no que o grupo chama de filosofia linearista), tem uma posição bastante crítica aos partidos políticos e a liberal democracia como um todo. Partindo de uma linha de análise próxima de autores integralistas e antissemitas como Gustavo Barroso, o MIL-B afirma que a democracia é nada mais que uma farsa gerada por um complô de dominação mundial, para escravização dos países e a manutenção da opressão sobre os povos. O discurso deste grupo neointegralista evidencia, vez ou outra, o forte elemento antissemita deste discurso, que praticamente reduz o panorama político a uma criação judaica de escravização dos povos.
Já a Ação Integralista Revolucionária tem uma visão extremamente crítica não somente referente ao sistema partidário como um todo, mas inclusive perante algumas deliberações do integralismo de Plínio Salgado e da AIB dos anos 1930. Na concepção de Jenyberto Pizotti, criador e chefe da AIR, o seu suposto conhecimento sobre a ideologia integralista condicionaria-o a perceber erros da militância não somente da atualidade (sobretudo da fragmentação, que seria solucionada por sua liderança total), como do integralismo histórico. Para Pizotti, as deliberações dos integralistas (e sobretudo de Salgado) em 1935, que transformaram o movimento, que até então tinha caráter cívico-cultural, em partido político, acabaram por “legitimar” a atitude de Getúlio Vargas, ao colocar a AIB na ilegalidade.
Para o chefe da AIR, o integralismo em sua essência seria encontrado no período de 1932 a 1935, quando não estaria limitado, condicionado e contaminado pelo jogo de interesses dos partidos políticos. Seria portanto, na perspectiva inicial do integralismo, de uma revolução interior, de costumes, espiritualistas, que estaria o caminho ideal de atuação do integralismo, tanto do início do Século XX, quanto para o desenrolar do Século XXI. Eis, portanto, a necessidade de uma ação integralista revolucionária.
As disputas internas entre os neointegralistas, referentes à qual grupo seria o legítimo herdeiro do integralismo após a morte de Plínio Salgado e também no Século XXI explicam, em parte, a desvinculação e a não efetivação de projetos políticos partidários para o integralismo pós PRP.
No entanto, é necessário levar também em conta diversos aspectos do panorama político nacional e internacional, que se consolidaram como entraves iniciais (e que merecem uma atenção futura, mais detalhada) para esta configuração. Sob um primeiro aspecto, há de ser ressaltado toda a significação que as tendências políticas fascistas tiveram no pós-guerra. Se, por um lado, no início do Século XX, o fascismo despontava como uma nova perspectiva para a direita mundial, após a Segunda Guerra Mundial, o fascismo foi tomado, com razão, como uma das causas de inúmeros conflitos e atos arbitrários de diversos países e militantes, não somente daqueles diretamente envoltos nos conflitos bélicos. Há de se compreender, portanto, a recepção de setores da sociedade, sobretudo político, que leva movimentos neofascistas, como os neointegralistas, como a síntese de um atraso ideológico, permeado por ambições anacrônicas.
Em outro sentido, é inevitável a constatação que, desde o fim da Segunda Guerra Mundial e também da Guerra Fria, o panorama político, partidário e das relações internacionais possibilitou – e determinou – o surgimento de diversas práticas e representações políticas que buscam inserir novos debates no cerne das propostas políticas, buscando um maior compreensão do objetivos e limitações dos partidos políticos no Século XXI. Desta maneira, ainda que muitos partidos políticos utilizem elementos ideológicos oriundos de movimento fascistas ou neofascistas (como o ultranacionalismo, ou mesmo apelos estéticos, ideológicos e discursivos), a possibilidade de alguns destes partidos e movimentos políticos serem relacionados a algumas das diversas formas de fascismo pode gerar um entrave às ambições destes, tornando, portanto, necessário um distanciamento oficial, ainda que as similaridades estejam evidentes em vários momentos, sob diversos aspectos, mas auxiliando, ainda assim, a não ocorrência, até dado momento, de um novo partido integralista na política nacional.



Notas

1. A Frente Integralista Brasileira: O Integralismo em defesa do Brasil. Disponível em: (acesso em 14 jun. de 2011).  A relação do PRONA com grupos neointegralistas e outras organizações merece pesquisas aprofundadas, e pretende-se fazê-lo num futuro próximo.

 

Referências bibliográficas

CALIL, Gilberto Grassi. Integralismo e Hegemonia Burguesa: a intervenção do PRP na política brasileira (1945-1965). Cascavel: Edunioeste, 2010.
CARNEIRO, Márcia Regina da Silva Ramos. Do sigma ao sigma – entre a anta, a águia, o leão e o galo – a construção de memórias integralistas. Tese de doutorado (História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007.
DREIFUSS, René. O jogo da Direita. Editora Vozes: Rio de Janeiro, 1989.
GRIFFIN, Roger. Introduction. p.22. In: BLAMIRES, Gregory (org.). World fascism: a historical encyclopedia. Santa Barbara: ABC Clio Inc., 2006.  
LIMA, Delcio Monteiro de. Os Senhores da Direita. Rio de Janeiro: Edições Antares, 1980.  
“Os diferentes rostos da direita radical”. Revista Veja, 08 de Abril, 1981
SILVA, Hélio. 1938: Terrorismo em Campo Verde. O Ciclo Vargas, Vol. X. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1964.
VICTOR, Rogério Lustosa. O integralismo nas águas do Lete: história, memória e esquecimento. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2004.

 

CALDEIRA NETO, Odilon. O Neointegralismo e a questão da organização partidária. Revista Eletrônica Boletim do TEMPO, Ano 6, Nº18, Rio, 2011 [ISSN 1981-3384]

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