Home Busca Avançada Normas de Publicação Assinaturas Fale Conosco
Contact Us
 
 

 

 

 

 
CopyRight
Grupo Editorial Moreira Jr

Gostou do artigo?

Proibida a reprodução
sem autorização expressa

curta nossa página
no Facebook:





 



Revisão
Necrobiose lipoídica
Lipoidic necrobiosis


Marcos Vinicius Lima Galles
Médico clínico geral formado pela Universidade Anhanguera (Uniderp).
Bernard Kac, Andresa Martelosso, Juliana Ventura, Natália Natividade, Renata de Araújo
Dermatologistas
Correspondência:
Marcos Vinicius Lima Galles
Av. Prefeito Dulcídio Cardoso, 1200
Bloco 2 - Apto. 1602 - Barra da Tijuca
CEP 22620-311 - Rio de Janeiro - RJ

Unitermos: necrobiose lipoídica, diabetes mellitus, relato de caso.
Unterms: lipoidic necrobiosis; diabetes mellitus; case report.

Numeração de páginas na revista impressa: 25 à 28

Resumo


Necrobiose lipoídica é uma doença crônica degenerativa do tecido conectivo dérmico, com lesões cutâneas exclusivas, de morfologia muito peculiar, frequentemente associada ao diabetes, principalmente diabetes mellitus tipo 1, e possivelmente ocasionada por vasculite por imunocomplexos. As lesões se localizam mais caracteristicamente nas regiões pré-tibiais. Os autores descrevem um caso de uma paciente de 64 anos diabética, com lesões pruriginosas, extensas e que não se restringem as regiões pré-tibiais, em evolução há três anos, sem tratamento.

Introdução

Inicialmente denominada como dermatite atrofiante diabética por Oppenheim, em 1929, a condição passou a chamar-se necrobiose lipoídica diabeticorum (NLD) por Urbach, em 1932. Os primeiros pacientes não diabéticos com NLD foram descritos em 1935, por Goldsmith, gerando o termo mais utilizado atualmente, necrobiose lipoídica 1.

Doença crônica degenerativa do tecido conectivo dérmico, com lesões exclusivamente cutâneas, de morfologia muito peculiar, associada frequentemente ao diabetes e possivelmente ocasionada por vasculite por imunocomplexos, resposta granulomatosa, espessamento das paredes dos vasos sanguíneos e deposição de gordura.

Manifestações clínicas clássicas incluem pápulas ou nódulos eritematosos bem demarcados, de crescimento lento e centrífugo, que se tornam placas, tendendo a confluir nas áreas pré-tibiais. Apresentam bordas discretamente elevadas e o centro deprimido e, às vezes, evoluem com atrofia, podendo-se perceber vários capilares formando telangectasias. A cor da lesão é quase sempre violácea, com discreta tendência ao amarelo na parte central. Pode ocorrer ulceração espontânea ou traumática, com cicatrização muito lenta. Algumas placas podem alcançar grandes dimensões e apresentar hipoidrose, hipoestesia ou anestesia, sendo então chamadas de granuloma disciforme de Miescher.

Não existem tratamentos efetivos. A proteção das pernas com meias elásticas e descanso para os pés podem ser úteis.


Figuras 1 e 2 - Placas castanho-avermelhadas bem delimitadas e centro levemente eritematoso, atrófico e telangectasias.

Figuras 3 e 4 - A biópsia da necrobiose lipoídica revela Infiltrado inflamatório linfomononuclear com células gigantes do tipo Langhans, formando granulomas ao redor e adjacente a feixes colágenos necrobióticos.

Excisão e enxerto foram bem-sucedidos, mas o retorno pode ocorrer secundário a lesões vasculares subjacentes 5.
O presente trabalho ilustra um caso de necrobiose lipoídica recidivante, com considerações sobre a investigação clínica, histopatológica e tratamento.

Relato do caso

Paciente feminina, 64 anos, natural do Rio de Janeiro, diabética insulino-dependente, referiu início de lesões pruriginosas em membros inferiores há três anos, evoluiu com aumento de tamanho desde então tornando-se cada vez mais extensas. Ao exame físico apresentava diversas lesões confluentes, castanho-avermelhadas bem delimitado e centro levemente eritematoso e atrófico em face medial de coxas e em região pré-tibial anterior bilateral (Figuras 1 e 2). Encaminhada à cirurgia dermatológica, foi realizada a biópsia da lesão em face posterior de perna esquerda, que evidenciou à microscopia, coleções de histiócitos na derme ao redor de colágeno necrobiótico em disposição paralela a epiderme, além de células gigantes multinucleadas e escassos histiócitos xantomatosos, compatível com o diagnóstico de necrobiose lipoídica (Figuras 3 e 4).

Discussão

A ocorrência de necrobiose lipoídica em pacientes diabéticos é de 0,3% (1). Segundo um estudo com 171 pacientes, foi descoberto por Muller & Winkelmann que o diabetes mellitus tipo 1 estava relacionado em aproximadamente 65% dospacientes com NLD2,3. Outro estudo, mais recente, faz a retrospectiva de 65 pacientes com NLD vistos em um ambulatório de dermatologia. Neste, constatou que apenas 11% tinham diabetes mellitus no momento da apresentação, um adicional de 11% foram, posteriormente, diagnosticados com intolerância à glicose ou diabetes3. No entanto, não há nenhuma ligação comprovada entre o nível do controle glicêmico e da probabilidade de desenvolver lesões da NLD, mas os pacientes diabéticos com NLD parecem ter uma maior taxa de diabetes relacionadas com complicações como neuropatia periférica, retinopatia e mobilidade articular limitada.

Embora não seja patognomônica da doença, é uma lesão característica, uma vez que 65% dos pacientes com necrobiose lipoídica tem diagnóstico prévio de diabetes mellitus. Estima-se que mesmo os nãos diabéticos, cerca de 15% desses pacientes com necrobiose lipoídica desenvolverão a doença muitos anos mais tarde 5. Além do diabetes mellitus, a necrobiose lipoídica tem sido associada com doença de Crohn, colite ulcerativa, granuloma anular e sarcoidose5.

A etiologia da necrobiose lipoídica é desconhecida, uma das principais teorias se correlacionam com microangiopatia diabética. Além desta, outras teorias sugerem causas traumáticas, alterações inflamatórias ou metabólicas e vasculite por imunocomplexos. Alguns investigadores consideram a NLD principalmente como uma doença de colágeno, com inflamação ocorrendo como um evento secundário. A concentração de colágeno é diminuída em lesões da NLD e a microscopia eletrônica revela uma perda das estrias cruzadas de fibrilas de colágeno e variação significativa no diâmetro das fibrilas individuais6.
É geralmente localizada nas pernas, mas podem ocorrer em outros locais como extremidades superiores, face e couro cabeludo7. As primeiras manifestações da dermatose podem ser máculas acastanhadas ou castanho-avermelhadas, que evoluem para placas confluentes, de tamanhos variados, e margens irregulares. O centro das lesões é, inicialmente, eritematoso, podendo tornar-se amarelado, com telangectasias, atrofia e textura semelhante à cera. É geralmente assintomática, exceto se ulceradas, quando então se tornam dolorosas. Ocasionalmente são relatados pruridos, dor, anestesia, hipo-hidrose e alopecia nos locais afetados 8.

No exame anatomopatológico foram observados alterações degenerativas em área extensa do colágeno na derme, infiltrado inflamatório de mononucleares intersticial, perivascular e histiócitos, por vezes multinucleados ao redor de áreas necrobióticas9,10. Há perda focal de tecido elástico, podendo ser demonstrada em áreas de esclerose do tecido conjuntivo. Entre as camadas de células inflamatórias, existem camadas horizontais de colágeno degenerado, exibindo fibras de tamanho e forma irregulares 11.

O tratamento é difícil e não há consenso terapêutico. Embora o efeito do controle da glicemia seja assunto controverso nos trabalhos que abordam a dermatose, alguns estudos mostram melhora do aspecto das lesões com controle adequado do diabetes e do estado normoglicêmico, podendo levar, inclusive, à remissão espontânea em até 20% dos casos12.
O uso de corticosteroides tópicos potentes ou intralesional parecem ser medidas mais utilizadas, embora exista o risco de piora da atrofia e/ou ulceração quando utilizado corticosteroide de alta potência 13.

Novas estratégias de tratamento vêm sendo desenvolvidas com o uso off-label dos imunomoduladores biológicos no manejo da NLD. Com bons resultados estéticos em diversos trabalhos e até alcançando remissão completa das lesões em alguns casos. Porém, trouxeram risco de desenvolver infecções sistêmicas devido ao efeito imunossupressor dessas medicações 14.

O diagnóstico diferencial principal da necrobiose lipoídica deve ser feito com o granuloma anular. Esta é uma dermatose benigna, de etiologia desconhecida, reconhecida clinicamente pelo agrupamento de pápulas ou placas confluentes em formato anular, podendo ter coloração castanho-avermelhada ou francamente eritematosa e que não traz morbidade ao paciente, exceto desconforto estético. A diferenciação com NLD é feita através de biópsia da lesão. A presença de epiderme normal, com áreas focais de alteração necrobiótica do colágeno na derme, circundadas por histiócitos, sendo comum o depósito de mucopolissacarídeos e raro o achado de lipídios na derme, bem como lesão vascular são as principais características de granuloma anular 15.

Conclusão

Considerando-se o diabetes mellitus uma doença com alta prevalência na população e o seu impacto no contexto de saúde pública que os pacientes tenham acompanhamento rigoroso visando o controle do índice glicêmico e informando sobre os cuidados necessários nesta enfermidade. Os portadores de diabetes mellitus são geralmente mais vulneráveis a uma série de complicações de natureza metabólica ou infecciosa. A associação da necrobiose lipoídica com o diabetes mellitus é possivelmente ocasionada pela vasculite por imunocomplexos, sendo que não há influência comprovada dos níveis glicêmicos no surgimento das lesões.
O encaminhamento ao especialista, endocrinologista ou dermatologista, no caso de surgimento de lesões de pele nesses pacientes, é imprescindível a fim de prevenir precocemente possíveis complicações ou desenvolvimento de outras doenças associadas, evitando-se assim agravamento da morbidade e piora da qualidade de vida.

O exame dermatológico cuidadoso deve ser associado ao seguimento ambulatorial dos pacientes diabéticos proporcionando o tratamento adequado. Somente assim será possível eliminar a associação de fatores que poderiam acentuar as dificuldades de controle da doença.
Neste trabalho foi possível descrever um caso de necrobiose lipoídica que não se restringe apenas em áreas pré-tibiais estendendo-se até região de coxas. Além disso, também se pode observar a não relação da extensão das lesões com o controle do diabetes mellitus. O que reafirma o consenso terapêutico de que a melhora do quadro dermatológico não está relacionado ao controle do índice glicêmico.




Bibliografia
. Magro CM, Crowson AN, Regauer S: Granuloma annulare and necrobiosis lipoidica tissue reactions as a manifestation of systemic disease. Hum Pathol 1996; 27:50-56.
2. Muller SA, Winkelmann RK: Necrobiosis lipoidica diabeticorumA clinical and pathological investigation of 171 cases. Arch Dermatol 1966; 93:272-281.
3. Muller SA, Winkelmann RK: Necrobiosis lipoidica diabeticorum Results of glucose-tolerance tests in nondiabetic patients. J Am Med Assoc 1966; 195:433-436.
4. O'Toole EA, Kennedy U, Nolan JJ, et al: Necrobiosis lipoidica: only a minority of patients have diabetes mellitus. Br J Dermatol 1999; 140:283-286.
5. Boulton AJM, Cutfield RG, Abouganem D, et al: Necrobiosis lipoidica diabeticorum: a clinicopathologic study. J Am Acad Dermatol 1988; 18:530-537.
6. Korber A, Dissemond J. Necrobiosis LipoidicaDiabeticorum. CMAJ, 177 (12):1498, 2007.
7. Evans CD, Pereira RS, Yuen CT, Holden CA: Anti-collagen antibodies in granuloma annulare and necrobiosis lipoidica. Clin Exp Dermatol 1988; 13:252-254.
8. Oikarinen A, Mortenhumer M, Kallioinen M, Savolainen ER: Necrobiosis lipoidica: ultrastructural and biochemical demonstration of a collagen defect. J Invest Dermatol 1987; 88:227-232.
9. Lim C, Tschuchnigg M, Lim J: Squamous cell carcinoma arising in an area of long-standing necrobiosis lipoidica. J Cutan Pathol 2006; 33:581-583.
10. Laukkanen A, Fraki JE, Vaatainen N, et al: Necrobiosis lipoidica: clinical and immunofluorescent study. Dermatologica 1986; 172:89-92.
11. Nieboer C, Kalsbeek GL: Direct immunofluorescence studies in granuloma annulare, necrobiosis lipoidica and granulomatosis disciformis
12. Tappeiner G: Necrobiosis lipoidica: treatment with systemic corticosteroids. Br J Dermatol 1992; 126:542-545.
13. Beck H, Bjerring P, Rasmussen I, et al: Treatment of necrobiosis lipoidica with low-dose acetylsalicylic acid. Acta Derm Venereol 1985; 65:230-234.
14. Statham B, Finlay AY, Marks R: A randomized double blind comparison of an aspirin dipyridamole combination versus a placebo in the treatment of necrobiosis lipoidica. Acta Derm Venereol 1981; 61:270-271.
15. Wilkin JK: Perilesional heparin injections for necrobiosis lipoidica. J Am Acad Dermatol 1983; 8:904.
16. Dowling GB, Wilson-Jones E: Atypical (annular) necrobiosis lipoidica of the face and scalp. Dermatologica 1967; 135:11-26.