Sobre o artigo[1]
Sobre o autor[2]
O presente artigo propõe-se a analisar os
discursos dos cronistas paraenses, presentes nos
periódicos da cidade de Belém, Pará,
principalmente em revistas e jornais que circulavam no estado,
no que se referem às representações dos festejos juninos na cidade nos
anos de 1950, mais precisamente, as discussões sobre o "tradicional" e o
"moderno" presentes nas referências periódicas de uma "festa ruralizada" em um
ambiente urbano. Esses cronistas nos apresentam um forte saudosismo em relação
aos festejos juninos de suas "meninices" e adolescências, sobre os quais desde
pelo menos meados do século XX é possível encontrar relatos, em jornais e
revistas da cidade, marcados pela nostalgia relativa às então chamadas "festas
joaninas de antigamente". Neste trabalho, darei destaque às crônicas de
intelectuais paraenses disponíveis na "Amazônia: Revista da Planície para o
Brasil", assim como aos recortes de noticias presentes nos jornais "O Liberal",
"A Província do Pará" e "Folha do Norte" dos anos de 1950.
Introdução
Em junho... Noites de São João... Luares
de opalescência delicada e morta!
Fogueiras ardem pela nossa porta,
fugitivos balões passam nos ares.[3]
As notícias sobre os festejos juninos começam a surgir nos periódicos da cidade
de Belém de 1950[4]
a partir de maio, aproximadamente os dez dias que antecedem o inicio do mês da
fogueira, das adivinhações, dos balões coloridos que embelezavam o céu da
cidade; mês em que mesmo "sem um tostão no bolso chegamos em casa com o estomago
cheio"[5];
mês dos sortilégios; mês em que "lindas roceiras com seus vestidos de chitas,
desfilarão em torno da fogueira arriscando a 'sorte' num próximo enlance"[6].
Nessas páginas, encontramos anúncios de casas de fogos de artifícios, lojas de
tecidos, bebidas e artefatos presentes na quadra junina. É no mês de maio que
começavam as divulgações e preparações para a festa que envolve todos a
comemorar o ciclo festivo junino, seja esse de uma forma "tradicional" ou
"moderna".
Os anúncios em destaque nas páginas dos jornais e revistas que
circulavam em Belém estavam relacionados, em sua maioria, com vendas de fogos de
artifício, de tecidos e bebidas legalizadas, como refrigerantes, cervejas e
whisky. O título do artigo em questão, "Êta festança boa", presente nas páginas
do jornal "A Província do Pará" do dia 24 de junho de 1959, faz parte de um
grupo de propaganda colhida durante o levantamento das fontes necessárias para a
pesquisa realizada nos periódicos de Belém. O anúncio adota a seguinte forma:
Êta festança boa!
No seu "arraial" não pode faltar Coca-Cola... Coca-Cola "vai bem" com a festa...
com o casamento... com os fogos!
Peça, hoje mesmo, seu suprimento de Coca-Cola... e garanta o sucesso de sua
festa junina!
SÍMBOLO DE BOM-GÔSTO
O destaque dado à frase "SÍMBOLO DE BOM-GÔSTO" é também representado na charge
que busca descrever as relações sociais dentro da festa. Na figura em questão,
está presente uma moça, provavelmente da classe alta belenense, vestida de nova
caipira, rodeada por rapazes, vestidos com "trajes matutos", que seguram em suas
mãos, cada um, uma garrafa de Coca-Cola. A intenção da propaganda é mostrar que
o moço que bebe Coca-Cola tem mais chance de conquistar a mulher desejada, e que
a mulher que escolhe o rapaz que toma Coca-Cola tem bom gosto.
Outros anúncios de destaques nas páginas dos periódicos da cidade estão
relacionados com os as vendas de fogos de artifícios e tecidos usados na "quadra
junina".
Entre os festejos populares organizados na cidade nos anos de 1950, o festejo
junino destacava-se por ser o momento em que a alegria popular invadia os clubes
de sociabilidade[7],
terreiros de rua e escolas, animadas sempre por grupos de jazzes orquestras[8],
pau e cordas ou pick-up sonoros[9]
que tocavam os mais variados ritmos musicais (polca, mazurca, xaxado, valsa,
ritmos latinos; etc.), buscando alcançar, ao máximo, a satisfação dos
brincantes. Esse festejo, de origem europeia, "recuperou no Brasil a sua
expressão de festa laica e popular, mesmo com a influência da igreja católica
desde a sua colonização no século XVI."[10].
Esse ciclo festivo, que se iniciava, segundo as referências jornalísticas, a
partir do dia 12 de junho e se prolongava até o dia 31 desse mesmo mês, desde
pelo menos o século XIX, tem como característica marcante ser
uma festa ligada aos lares, famílias, vizinhos, buscando, de alguma
forma, "suportar o trabalho, o perigo e a exploração" e reafirmar "laços de
solidariedade ou permit(ir) aos indivíduos marcar suas especificidades e
diferenças"[11].
Percebe-se que os festejos juninos realizados em Belém nos anos de 1950,
apresentados pelas folhas dos periódicos da cidade, não estão diretamente
ligados às questões religiosas, ou seja, não busca necessariamente comemorar o
sagrado, o santo (neste caso: Santo Antônio, São João, São Pedro e São Marçal),
mas sim, fazem usos dos dias dessas entidades sacras como ponto estratégico para
a realização dessas festas, procurando atrair um número significativo de
brincantes para os espaços festivos. Em relação a isso, alguns intelectuais
paraenses vão se manifestar contra a então "substituição" ou transformação desse
ciclo festivo, como foi explanado pelo jornalista e poeta José Rodrigues Pinagé,
em sua crônica "Bilhete ao outro São João":
Não me empolga o João de pés descalços, passeiando displicentemente por sôbre as
brasas da fogueira que os devotos acendem para que Êle não durma e possa
assistir na terra o dilúvio de fogo. Não conheço o João do copo dagua, da clara
do ovo formando barcos de velas brancas e pandas, a premeditarem e prometerem
uma próxima viagem ao incauto penintente. Não me impressiona o Batista da moeda
de cobre atirada no brazido para que, ao dia seguinte, se transforme em moeda de
prata com a efigide do mancebo sonhado. Não me convence o João que escreve, à
meia-noite, iniciais dos nomes das futuras noivas ou noivos gravadas na lâmina
aguçada que se entranha no ventre da bananeira virgem. (...) Não me alegra o
João dos banhos de cheiro cuja combinação de aromas vegetais deixa o corpo
trescalando à felicidade. (...) Meu João Batista, meu verdadeiro Yokanã, é
aquele que as mãos intangíveis de Jesus, molharam, dos pés à cabeça, nas águas
do Jordão, emprestando ao batismo o sentido da alta purificação espiritual. E'
aquele que, abraçando o cordeiro do seu rebanho, simboliza a mansidão, o
respeito e a igualdade entre todos os sêres vivos. Meu João Batista é o grande
sacrificado, cuja cabeça humilde, em holocausto, na impossibilidade do amor
correspondido, ensanguentara a vaidade do trono de Herodíades, quando Salomé,
sem lágrimas e sem crenças, santificara os dedos no sangue do resignado
apóstolo.[12]
O título da crônica de Rodrigues Pinagé, assim como a análise do texto, nos
direciona ao juízo de que há dois sentidos dados á festa realizada no mês de
junho. O primeiro está relacionado com a ideia de profano, do popular, sendo
esse, aos olhos do cronista, o que mais se destaca na cidade; e o segundo remete
a concepção de que a festa busca comemorar o sagrado, o religioso, que, para
Pinagé, é o sentido profundo do festejo, o qual vem perdendo espaço no meio
urbano.
O estudo das crônicas presentes nos periódicos paraenses é de suma importância,
pois elas trazem em seus discursos as transformações que ocorreram nos âmbitos
sociais belenenses, bem como as diversas formas das relações sociais que se
davam na cidade. No presente trabalho, é dado destaque a grandes escritores que
se preocuparam em escrever sobre conteúdos diversos, que discorriam sobre
assuntos femininos a questões políticas, onde as festas, fossem elas "joaninas"
ou não, tiveram também destaque entre os temas propostos.
Os discursos dos cronistas paraenses, presentes desde, pelo menos, meados do
século XX nas folhas dos periódicos de Belém, expressam um forte saudosismo
referindo-se aos festejos juninos de antigamente. Alguns letrados da época
chegaram a escrever sobre a festa junina, enfatizando a ideia de que tal festejo
estava perdendo sua "essência", ou seja, suas raízes.
Intelectuais como Rodrigues Pinagé[13],
acima citado, Lindanor Celina[14],
Georgenor Franco[15],
Bruno de Menezes[16]
e Cândido Marinho Rocha[17]
tiveram um papel fundamental na construção da história paraense, principalmente
às questões que giravam em torno da cultura[18].
No presente artigo, são enfatizadas as crônicas desses intelectuais paraenses
que se preocuparam em deixar nas folhas dos periódicos um pouco de sua memória
festiva, dando, também, ênfase aos anúncios jornalísticos, nos quais os festejos
populares ocupavam uma parcela significativa nos anos de 1950.
"Era Junho o mês"
[19]
As choupanas se transformam em palácios coloridos e iluminados e os palacios se
trasmunham em choupanas enormes, ruidosas e garridas. Todos se tornam roceiros
amáveis, de face e fala simplória e simpática. Os letrados "viram" pescadores,
os ricos são apenas remadores satisfeitos; as mocinhas em vestidos de chita, as
damas de sandalia cheirosas; os moços contentes nas calças curtas com remendos
de tecido novinho; os pobres dançam nos "cordões", cantando felicidade; os
velhos, sorridentes, recordam. E todos são compadres e amigos.[20]
(ROCHA, 1955, s.n).
Os discursos dos escritores e redatores da imprensa paraense nos mostram
que, na segunda metade do século XX, os festejos juninos em Belém possibilitavam
aos brincantes uma construção simbólica da festa do interior, não somente na
organização dos ambientes de sociabilidade, mas nas características do homem
interiorano, ou seja, nos seus trajes, costumes e fala. Além disso, os anúncios
das festas juninas nas folhas de jornais em Belém também em muito idealizavam o
rural como pano de fundo das festas.
No trecho tirado da crônica de Cândido Marinho Rocha, nota-se uma espécie
de jogo com os opostos. O intelectual, como nos apresenta Roger Chartier, mesmo
que inconscientemente, nos expõe a ideia de que "a celebração de uma cultura
popular em sua majestade se inverte em uma descrição "em negativo"; o
reconhecimento da igual dignidade de todos os universos simbólicos dá lugar à
lembrança das implacáveis hierarquias do mundo social"[21].
O folclorista brasileiro Edison Carneiro, que esteve presente em Belém no
início dos anos 50, nos mostra que essa construção simbólica das características
interioranas nas áreas urbanas, não era exclusividades das regiões Norte e
Nordeste do país, pois poderiam ser encontradas nas festas e bailes organizados
nas demais regiões do Brasil. Assim como as fontes consultadas nos periódicos
paraenses da década de 1950[22],
o folclorista mostra-nos ainda que estereótipo do indivíduo do campo é algo
corriqueiro no período de festa, sendo abandonado logo após a quadra festiva,
onde tudo voltava à "normalidade"[23].
Para Luciana Chianca:
A figura do homem interiorano, com seus traços, suas roupas e seus trejeitos,
assumem lugar central na festa de São João, mas estereotipada pelo olhar urbano,
seguindo uma tradição que vem desde o Jeca Tatu de Monteiro Lobato, esboçada no
livro Urupês (1918) e consolidada na propaganda do Biotônico Fontoura. Outros
personagens reforçariam essa imagem, como o Jeca Tatu dos filmes de Mazzaropi e
o Chico Bento, criado em 1961 e publicado em histórias em quadrinho de Maurício
de Souza[24].
Para essa autora, o estereótipo do homem interiorano passou a ganhar
destaque nas festas realizadas nas cidades pelo fato de ele ser "considerado
'mais puro' que o [homem] da capital", pois representa "a nostalgia e a
idealização do passado dos imigrantes que hoje vivem nas cidades". Isto
coincidiu também com o período de expansão urbana no Brasil, onde uma grande
parte de famílias que vivia no meio rural passa a migrar para os centros em
desenvolvimento. Em Belém, esse processo de expansão da cidade, principalmente
para as áreas periféricas, como nos diz Leila Mourão[25],
deu-se sobretudo, a partir dos anos 50 e acelerou-se após os anos 60.
Os anúncios de festas que idealizavam a construção simbólica do rural como
pano de fundo, e que buscavam se igualar ao máximo às festas de antigamente ou
ás festas realizadas nos sertões nordestinos, eram muito presentes nas páginas
dos periódicos paraenses. Chega-se a tal conclusão por meio dos destaques dados
a esses anúncios: sobressaem os anúncios de festas "onde predominava as
expressões como "São João na Roça", "São João no Sertão" e "Uma Noite no
Sertão", como título da festa, sugerem uma intenção de promover uma versão
estilizada de um mundo caipira na cidade"[26].
As fontes evidenciam que aos poucos as
características do homem interiorano iam ganhando destaque nos festejos juninos
realizados no meio urbano, porém, esse matuto, representado nas festas juninas
na Belém desse período, quase em nada se assemelhava com o homem do interior da
Amazônia, como pode verificar nos anúncios das festas, os quais evidenciam que
nos bailes realizados nos clubes de "sociais" e de "subúrbio", além dos
brincantes, "os conjuntos de buate também tentam imitar se transformando em
'bandinhas do sertão', tocando falsos baiões e falsas quadrilhas"[27].
Segundo o Antropólogo e Folclorista paraense Vicente Salles, que escreveu a
apresentação do cordel "A Festa de São João no Pará e Inimigos do Corpo", de
autoria de Apolinário de Souza, essas características do homem interiorano nas
festas juninas paraenses, estão mais próximas da realidade do homem do sertão
nordestino do que do amazônico. Talvez isso se explique pelo contato dos
intelectuais paraenses com as obras de escritores nordestinos, reconhecidas pela
produção em grande quantidade de livretos de cordéis que passaram a circular nas
cidades do Pará, assim como do contato com os próprios migrantes nordestinos, os
quais, em virtude da seca que assolava o sertão nordestino, vieram para a região
Norte, em busca de melhoria de vida[28].
Esse, quem sabe, seja um dos motivos para haver uma forte presença dos símbolos
rurais nos festejos juninos belenenses, encontrados em grande parte nas festas
juninas nordestinas[29].
O escritor paraense Georgenor Franco, cronista de grande destaque nas
páginas das revistas e jornais da cidade nos anos 50, nos apresenta em sua
crônica "Cai, cai, balão! Acenda a fogueira em meu coração!" uma espécie de
história dos festejos juninos e seus símbolos. O autor se preocupa em explicar a
origem desse ciclo festivo, assim como esclarecer quais os motivos de serem
usados alguns símbolos que compõe, até hoje, o festejo em questão.
Segundo Georgenor Franco, "os etnólogos assinalam que a origem da fogueira, que
se acende na noite de São João, hoje usada nas noites de Santo Antônio e São
Pedro, se prende à tradição de ter sido por meio de uma fogueira que Izabel
anunciou a sua prima Maria o nascimento do Bastista.". Para esse autor, a
presença da fogueira em tais festejos se dá justamente pelo fato de que ela
"simboliza consequentemente a comunicação do acontecimento"[30].
Luciana Chianca nos apresenta uma ideia bem próxima da descrita por Georgenor
Franco. Segundo a autora, logo após o nascimento de João Batista, Izabel ordenou
às pessoas mais próximas da casa: "ACENDE A FOGUEIRA, JOÃO NASCEU!", talvez
fosse essa a melhor forma, no período, de se comunicar com sua prima Maria, que
também estava grávida, e dar a notícia de que seu filho João acabara de nascer[31].
Com o decorrer do tempo, as discussões em relação à utilização desse elemento
simbólico nas festas juninas vão se modificando, sendo readaptada e conectada ao
contexto do qual está fazendo parte. No contexto da colonização do Brasil,
Georgenor Franco nos diz que "os indígenas se deixavam atrair pelas festas
sempre que havia alguma cerimônia, 'como dia de São João Batista, por causa das
fogueiras e capelas'"[32],
já para Chianca "a fogueira e os fogos de artifício despertavam a simpatia dos
nativos, ajudando na aproximação entre índios e religiosos"[33].
Com isso, percebe-se que a utilização das fogueiras nas celebrações festivas era
uma espécie de estratégias de aproximação e vínculo de confiança para com os
nativos das terras recém-descobertas.
No contexto dos anos de 1950, a presença dessas
fogueiras estava, de alguma forma, conectada com as crendices e superstições que
de ano em ano, no mês de junho, rodeavam o imaginário do povo paraense, quiçá
dos brasileiros. Segundo Renato Almeida, as superstições/crendices têm a
capacidade de aprisionar a maioria das pessoas "através de seus temores, de
coisas ou seres que lhe podem dar sorte ou azar, que fazem o bem ou o mal..."[34].
Para Luciana Chianca, essas crendices eram uma espécie de "herança" pagã, que
muito influenciou nos costumes portugueses e, que junto desses migraram para o
Brasil, sendo motivo de "tensões políticas e sociais", pois as "adivinhações, os
batismos e casamento de fogueira desagradavam às autoridades"[35].
Eram variadas as crendices e simpatias que faziam parte da festa junina do
século XX. Iam desde a utilização de cabelos até de elementos que compunham a
mesa do cidadão brasileiro. A crônica de Georgenor Franco, citada anteriormente,
nos apresenta algumas dessas crendices. Vejamos:
Para achar casamento espontâneo:
As moças cortam as pontas de seus cabelos, se o forem cumpridos, e os atira no
buraco onde vai ser erguido o mastro da bandeira junina.
Moeda na fogueira:
Coloca-se uma moeda na fogueira de São João, e pela manhã retira-se do braseiro
e dá-se de esmola ao primeiro pedinte, perguntando-se-lhe o nome. Será este o do
futuro esposo. Se for rapaz, a moeda deve ser dada à primeira esmoler.
Sombra na água:
A pessoa curva-se sobre um rio, um açude, ou mesmo uma vasilha com água,
procurando divisar as afeições retratadas. Se não aparecer, não chegará a outro
São João. Morre no duro.
Mesa Posta:
A jovem deve guardar um bocado de tudo alimento que tomar nas diversas
refeições, arranjando assim um pratinho que é posto sobre uma mesa. Indo
deitar-se a moça sonhará com o homem com quem deverá unir-se, mas tarde, pelo
matrimonio. E verá muito bem o rosto do rapaz, de maneira a reconhecê-lo no seu
prometido[36].
Com isso, percebe-se que os costumes considerados pela Igreja e pelo Estado como
pagãos, utilizados nas festas juninas realizadas na colônia portuguesa, faziam,
ainda nos anos de 1950, parte desse ciclo festivo, porém, de uma forma
readaptada ao contexto da segunda metade do século XX, e isso vai mais além,
pois a crença no sobrenatural como "instrumento de cobiça" permanece até os dias
atuais, tempos no quais tal prática não possui mais o caráter de pecado, sendo,
agora, parte de uma "tradição" popular religiosa.
É interessante notar que essas referências de simpatias presentes nos textos
jornalísticos e nas crônicas de revistas dos anos 50 estavam direcionadas a um
público feminino, considerado pelos diretores das revistas como alvo de destaque
nas compras de revistas de variedades.
Outra autora de grande importância neste trabalho é a escritora paraense
Lindanor Celina, que nos mostra, já no título de sua crônica, "Cadê meu São
João?", um discurso em relação ao "desaparecimento" ou substituição da
"tradição" pela então "ultra-civilização", pela urbanização, ou seja, pela
modernização da época:
É inútil, somos civilizados, da geladeira, do gás butano, da televisão, não mais
somos da roça. E por mais que queiramos uma quadra joanina parecida com a de
outrora, cadê côr local, cadê ambiente? Nas grandes cidades, São João é apenas
barulheiras, foguetório, quem sabe lá o que é um aluá? É São João de pick-up, de
fogos perigosos, os "cabeça - de - negro" matando menino e até mesmo gente
grande, tão diferentes dos antigos e inofensivos "busca-pés", que faziam correr,
soltando gritinhos nervosos as sinhazinhas de antanho[37].
O sentimento nostálgico, presente na crônica de Lindanor Celina era algo
corriqueiro nos periódicos de Belém. Desde pelo menos os meados do século XX é
possível encontrar relatos marcados por saudosismo relativo às então chamadas
"festas joaninas de antigamente".
A escritora constrói um discurso onde se percebe
que, mesmo com as críticas dos jornalistas tradicionalistas a favor de uma
organização e comemoração de um festejo junino mais ruralizado ou familiar, o
mesmo vai perdendo força dentro de Belém e, com isso, passam a se intensificar
as características do meio urbano, onde o que predomina é uma versão mais
estilizada da modernização da cidade. Sobre isto, Néstor Canclini nos direciona
à concepção de que a tendência à modernização não provoca o desaparecimento das
culturas tradicionais, mas nos proporciona saber de que forma o dito tradicional
se transforma e como esse interage com as forças da modernidade[38].
Por meio das análises das fontes, percebe-se que os cronistas da imprensa
paraense almejavam influenciar com seus discursos os organizadores dos festejos
juninos na cidade de Belém na década de 1950, através de uma lógica totalmente
"tradicional", lógica essa que, aos olhos de muitos, deveria ser estática, sem
nenhuma influência do novo que surgia, ou seja, do que se vivia no momento.
A crônica "Cadê meu São João?" nos apresenta bem o que diz Canclini sobre o
papel do "moderno" e do "tradicional". Para esse autor, os tradicionalistas e os
modernistas buscavam construir objetos puros acreditando que suas culturas não
estavam sujeitas a influências externas. Os primeiros "imaginaram culturas
nacionais e populares autênticas", buscando se "preservar" do novo que surgia,
da industrialização, da massificação, já os últimos imaginavam que não havia
"fronteiras territoriais", pois procuravam inovar suas "fantasias de progresso".
Entretanto, percebe-se que aquilo que é visto como tradicional "não é apagado
pela industrialização", pelo novo que está surgindo, pois o novo pode em alguns
casos "diminuir o papel do culto e do popular tradicional", mas não os fazem
entrar em extinção[39].
O processo de modernização que tanto incomoda
Lindanor Celina e os outros intelectuais paraenses, no caso dos meios de
comunicação, como o rádio e a TV, são responsáveis por difundirem maneiras de se
comportar, propor estilos de vida, além dos modos de vestir e falar[40]
(SANTOS, 1987, p. 69).
Esse processo de transformação da cultura é visto por José dos Santos como algo
criativo. Para esse autor, a cultura sobrevive de
acordo com as transformações que acontecem com o decorrer dos tempos, pois esta
tem por sua própria condição um aspecto dinâmico, estando preparada para se
adaptar às mudanças sociais que ocorrerem. Ele nos diz ainda que "nada do que é
cultural pode ser estanque, porque a cultura faz parte de uma realidade onde a
mudança é um aspecto fundamental"[41].
Portanto, pode-se concluir que sendo o homem resultado do meio social em que
vive, como nos diz Roque de Barros Laraia, de alguma forma passará a interagir
positivamente com as transformações ocorridas em seu ambiente de sociabilidade,
permitindo, mesmo que de início resista, as inovações e invenções[42].
Lindanor Celina, assim como Georgenor Franco, nos apresenta em seu texto, a
partir de uma visão elitista do popular, os costumes do povo paraense em relação
às crendices e superstições realizadas durante os festejos juninos. Segundo essa
autora:
As adivinhações da clara do ôvo no copo dágua, os vintens (quem ainda conhece
vitem?) que a gente jogava na fogueira crepitante, para manhãzinha, ao
alvorecer, ir apanhá-los, catando-os por entre as cinzas ainda quentes, para
dá-los ao primeiro pobre que passassem cujo nome seria, infalivelmente, o do
nosso prometido. Ainda me lembro de um beberrão a quem perguntei, ansiosa, o
nome e ele respondeu, entre tombos, a voz pastosa: "Colondino, menina". Esfriei.
Sabe lá o que é casar com um homem chamado Colondino? E o banho de igarapé, à
meia - noite, água geladíssima, os garrafões de cheiro, para dar sorte?[43].
Ao fazer os levantamentos e análises das fontes, percebi que são poucos os
discursos sobre tal assunto nos jornais e revistas do Pará de 1950, mas quando
esses surgem nas páginas dos periódicos, é dado
um grande destaque, principalmente, aos banhos de cheiro tomados na virada do
dia 23 para o dia 24 de junho. Segundo a tradição, esse banho proporciona
felicidade, sorte e muita saúde até o próximo São João, data em que se renovava
tais pedidos com outro banho. Bruno de Menezes, em seu livro "Batuque", nos
apresenta, ainda nos anos de 1930, um pouco de sua memória em relação a tal
costume:
São das capelinhas, dos banhos felizes, recendendo a raízes raladas e trevos e
pripioca dos cheiros cheirosos que se grudam na pele da gente e vão passando pra
dentro. São João dos terreiros suburbanos, com mufuás nos currais enfeitados de
palhas de açaí. São João do tempo do "Pé-de-bola", do maranhense Golemada, do
meu padrinho Miguel Arcanjo. [...] Por que não é mais o mesmo meu São João do
passado?![44].
Percebe-se que com um tom bem nostálgico o autor nos apresenta os festejos
juninos do período de sua juventude, bem como nos apresentou a escritora
Lindanor Celina em relação aos festejos juninos de sua infância e adolescência.
Além disso, percebe-se também que esses autores, principalmente Bruno de
Menezes, nos apresentam as festas realizadas no subúrbio belenense como as mais
próximas da realidade do campo.
Considerações Finais
É importante deixar claro que a festa, seja ela junina ou não, "mantém vínculos
importantes com o tempo em nossa sociedade"[45],
pois é também a partir dela que podemos perceber quais foram os fatores que
contribuíram para as relações e transformações de uma determinada sociedade.
A imprensa da cidade, ao divulgar os festejos juninos em Belém, nos mostra que
tais celebrações passaram a ser reinventadas sempre em função das expectativas
dos brincantes, expectativas essas que se pautavam na necessidade de se viver
dentro do modelo "tradicional", ou seja, uma festa mais ruralizada, ou em um
modelo "moderno", onde o que predominavam eram os elementos da urbanização. Vale
lembrar que, em relação a isso, Néstor Canclini nos mostra que a tendência à
modernização não provoca o desaparecimento das culturas tradicionais, mas nos
proporciona saber de que forma o dito tradicional se transforma e como esse
interage com as forças da modernidade.
Compreende-se também que, para a maioria dos intelectuais paraenses o mês de
junho é o período responsável por uma espécie de "encanto e lirismo" que
"aproxima as pessoas e reduz um pouco, pela simplicidade de seus motivos, a
vaidade humana"[46].
Como podemos ver, essas festas serviam para construir e ao mesmo tempo
solidificar os laços sociais entre os indivíduos das camadas sociais da cidade,
tornando uma manifestação da vida de cada sujeito, onde as pessoas celebravam
suas festas e, ao mesmo tempo, suas identidades culturais em uma só festividade,
sendo essas "tradicionais" ou "modernas", satisfazendo as vontades dos
brincantes. Com isso, percebe-se que as práticas culturais estão em constante
movimento, expostas sempre a uma reinvenção festiva.
Com esse artigo, propôs-se fazer uma discussão a cerca da presença das festas,
nesse caso, os festejos juninos, em Belém nos anos de 1950, por meio de um
discurso nostálgico.
Referências
ALMEIDA, Renato. Manual de Coleta
Folclórica (1965). In: GRINBERG, Isaac (Ed.). Folclore de Mogi das Cruzes.
São Paulo: Ed. LIS, 1981.
BENCHIMOL, Samuel. Amazônia:
formação social e cultural. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas,
1999.
CANCLINI, Néstor García.
Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.
CARNEIRO, Edison. Folguedos
tradicionais. Rio de Janeiro: FUNARTE/INF, 1982.
CASTRO, Acyr; ILDONE, José; MEIRA,
Clóvis. Introdução à Literatura no Pará. Belém: CEJUP, 1990. v. 3.
CELINA, Lindanor. Cadê meu São
João? Amazônia: Revista da Planície para o Brasil, ano 1, jun. 1955.
CHARTIER, Roger. "Cultura
Popular": revisitando um conceito historiográfico. Estudos Históricos,
Rio de Janeiro, v. 8, n. 16, p. 179-192, 1995.
CHIANCA, Luciana. Chama que não se
apaga. Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 4, n. 45, p.
18-23, 2009.
CHIANCA, Luciana. Devoção e
diversão: Expressões contemporâneas de festas e santos católicos. Revista
ANTHROPOLÓGICAS, ano 11, volume 18(2): 49-74, 2007.
COSTA, Antonio Maurício; GOMES,
Elielton. A "quadra joanina" na imprensa, nos clubes e nos terreiros da Belém
dos anos 1950: "tradição interiorana" e espaço urbano. Cadernos de Pesquisa
do CDHIS, Uberlândia, v. 24, n. 1, p. 195-214, jan.-jun. 2011.
COSTA, Antonio Maurício Dias da;
MACEDO, Cátia Oliveira. "Festa de antigamente é que era festa": memória, espaço
e cultura numa comunidade camponesa do nordeste paraense. Revista Estudos
Amazônicos, v. 5, n. 2, p. 105-124, 2010.
DEL PRIORE, Mary. Festas e
utopias no Brasil Colonial. São Paulo: Brasiliense, 2000.
FRANCO, Georgenor. Cai, cai,
balão! Acende a fogueira em meu coração. Amazônia: Revista da Planície para o
Brasil, ano 3, jun. 1957.
LARAIA, Roque de Barros.
Cultura: um conceito antropológico. 19. ed. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 2007.
MENEZES, Bruno de. Batuque.
7. ed. Belém: Ed. Sagrada Família, 2005.
MOURÃO, Leila. O conflito
fundiário urbano em Belém (1960-1980): a luta pela terra de morar ou
de especular. 1987. 148 f. Dissertação (Mestrado em Planejamento do
Desnvolvimento) - Universidade Federal do Pará, Belém, 1987.
PINAGÉ, Rodrigues. Bilhete ao
outro São João. Amazônia: Revista da Planície para o Brasil, ano 1, jun.
1955.
ROCHA, Cândido Marinho. Junho
Feliz. Amazônia: Revista da Planície para o Brasil, ano 1, jun. 1955.
ROCHA, Cândido Marinho. Vila
Podrona. Belém: Luzes-Gráfica Editora, 1964.
SANTOS, José Luiz dos. O que é
cultura. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
SOUZA, Apolinário. Festa de São
João e Inimigos do Corpo. Belém: UFPA, 1997.
[1]Este
artigo é resultado da pesquisa "Ecos do São João que passou:
representações dos cronistas da imprensa paraense sobre os festejos
juninos de Belém nos anos de 1950" desenvolvida durante os anos de
2011/2012 e orientada pelo professor Dr. Antonio Maurício Dias da Costa.
A execução da pesquisa conta com financiamento da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado do Pará (FAPESPA). Agradeço a todos os integrantes do
grupo de pesquisa "História, Cultura e Meios de Comunicação", que
colaboraram direta ou indiretamente com esse trabalho.
[2]
Graduando em Licenciatura e Bacharelado em História pela Universidade
Federal do Pará. Bolsista de Iniciação Cientifica financiada pela
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará (FAPESPA). Email:
elieltonbcgomes@bol.com.br
[3]
MORAIS, Orlando de. JUNHO. Amazônia: Revista da Planície para o
Brasil, Ano 1, jun. 1955.
[4]
Os periódicos consultados durante a pesquisa foram "O Liberal"
(maio/junho de 1951, 1952, 1953, 1954, 1958 e 1959), "A Província do
Pará" (junho de 1950-1959), "Folha do Norte" (junho de 1950-1959) e a
"Revista Amazônia" (junho de 1955, 1956 e 1957), todos alocados na
Biblioteca pública Artur Viana, Centro Cultural Tancredo Neves (CENTUR),
em Belém.
[5]
Mês da Fogueira. A Província do Pará, Belém 02 jun. 1951.
[6]
Santo Antônio na Roça. O Liberal, Belém 13 jun. 1952.
[7]
A imprensa paraense classifica os clubes de sociabilidade, locados no
meio urbano, considerando sempre as diferenças entre os localizados no
subúrbio belenense, denominados de "clubes de subúrbio", e aqueles
localizados nos bairros nobres da cidade, classificados como "clubes
sociais", "aristocráticos", "elegantes" ou "chics". Vale enfatizar que a
imprensa paraense, ao anunciar as festas, fossem elas "joaninas" ou não,
buscava fazer uma alusão de destaque dos festejos realizados nos "clubes
sociais" de Belém.
[8]
Os principais grupos de "jazzes orquestras" que ganhavam destaques nas
folhas dos periódicos da cidade eram: "Batutas dos ritmos", liderado por
Sarito; "Jazz Internacional", liderado pelo Professor Candoca, mais
conhecido como o "Mago da Viola"; "Jazz Orquestra Martelo de Ouro",
liderado por Vinícios; "Jazz Vitória", liderado por Raul Silva; e "Jazz
Marajoara", liderado por Oliveira da Paz.
[9]
Espécie de aparelhagens que animava as festas, principalmente aquelas
realizadas nos clubes suburbanos da cidade de Belém. Sobre isto, ver
COSTA, Antonio Maurício; GOMES, Elielton. A "quadra joanina" na
imprensa, nos clubes e nos terreiros da Belém dos anos 1950: "tradição
interiorana" e espaço urbano. Cadernos de Pesquisa do CDHIS,
Uberlândia, v. 24, n. 1, p. 195-214, jan.-jun. 2011.
[10]CHIANCA,
Luciana. Devoção e diversão: Expressões contemporâneas de festas e
santos católicos. Revista
Anthropológicas,
ano 11, v. 18, n. 2, p. 49-74, 2007. p. 49.
[11]
DEL PRIORE, Mary. Festas e utopias no Brasil Colonial. São Paulo:
Brasiliense, 2000, p. 10.
[12]PINAGÉ,
Rodrigues. Bilhete ao outro São João. Amazônia: Revista da Planície
para o Brasil, ano 1, jun. 1955.
[13]
[13]
José Rodrigues Pinagé nasceu em Natal, Rio Grande do Norte, em outubro
de 1895, e chegou a Belém aos 15 anos, onde iniciou a carreira de
jornalista e trabalhou nos periódicos "A Província do Pará", "O Estado
do Pará" e a "Revista Paraense" ao lado de grandes jornalistas e
intelectuais. A partir dos anos de 1929, Rodrigues Pinagé passou a
ocupar vários cargos públicos em Belém. Foi assessor da Secretaria de
Educação e Cultura e ingressou na Academia Paraense de Letras em 1950,
ocupando a cadeira de número 36, que anteriormente foi ocupada por
Terêncio Porto. Esse jornalista e intelectual "poetou, rimando e
metrificando, a vida inteira e nisso mostrou, sem dúvida, mestria. (...)
Dele fala Jurandir Bezerra (citado por Georgenor): "... pertence a uma
geração de boêmios, que não sabem criar poesias nos gabinetes (o que, no
momento, não interessa saber se é erro, se é virtude)". Por isso, sua
poesia traz a marca do seu temperamento e da sua formação intelectual,
marca que dá ao poeta uma personalidade digna de admiração". Ver CASTRO,
Acyr; ILDONE, José; MEIRA, Clóvis. Introdução à Literatura no Pará.
Belém: CEJUP, 1990. v. 3, p. 246-251.
[14]
Lindanor Celina foi uma escritora paraense nascida em Castanhal. Aos 11
anos de idade, passou a morar em Belém, no internato do Colégio Santo
Antônio, onde permaneceu até os 16 anos, quando foi diplomada
professora. Desde os anos 50, passou a se inclinar para os assuntos das
letras, com prêmios de menções honrosas, prêmio da Academia Paraense de
Letras (APL), entre outros. Foi escritora dos romances "A Volta de
Irene", "Menina que veio de Itaiara" e "Estrada do tempo-foi". Essa
escritora, apesar de ter morado por um longo tempo na Europa, nunca se
esqueceu de Belém, "cidade onde plasmou a sua cultura literária, fazendo
incursões periódicas e tomando contacto com os intelectuais paraense".
Ver CASTRO et al., op. cit., p. 65-70.
[15]Georgenor
de Sousa Franco foi jornalista e escritor, conhecido como Príncipe dos
Poetas. Foi presidente por aproximadamente 14 anos da Academia Paraense
de Letras, onde ocupava a cadeira de número 38. Era membro do Conselho
Estadual de Cultura, Instituto Histórico e Geográfico do Pará, Federação
das Academias de Letras do Brasil, Instituto Brasileiro de Educação,
Ciências e Cultura - Sepo Bruno de Menezes foi um importante antropólogo e folclorista
belenense, além de ser um personagem de
paraense, "um homem liberto dos cânones e dos preconceitos do passado,
no momento em que viveu". Foi um boêmio que se reunia nas noites com os
poetas e cancioneiros em verdadeira ebulição. Era um "escritor por
vocação, com alma de poeta". Com a publicação de "Batuque", em 1931,
livro que teve grande destaque no Brasil, conseguiu firmar a sua posição
no meio das letras no Pará e ganhar um conceito nos meios culturais de
todo o país. Esse intelectual publicou diversos trabalhos na "Revista
Belém Nova", "Terra Imatura", além de diversos jornais do estado e,
inclusive, fora dele. Ver CASTRO et al., op. cit., p. 229-301.
[17]
Cândido Marinho Rocha nasceu em 1907 na cidade de Belém, Pará, foi
Contador Oficial da Reserva do Exército (CPOR), Técnico em Conferências,
Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Metodologia) e detém o
título de Honra ao Mérito, concedido pela Câmara Municipal da sua cidade
natal. Esse intelectual iniciou suas publicações de contos e crônicas a
partir dos anos de 1926, quando tinha 19 anos. Foi também colaborador da
revista "A Phênix", da Academia Livre de Comércio da Phênix Caixeiral
Paraense, dirigida por Ramiro Castro. Nos anos de 1958, foi eleito
Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Seu discurso de
posse da cadeira de número 01 da Academia Paraense de Letras, no ano de
1961, defendia a ideia de uma literatura por ele sugerida de "O
Paraensismo". Além disso, era colaborador da revista "Amazônia". Ver
ROCHA, Cândido Marinho. Vila Podrona - Sobre o Autor. Belém:
Luzes-Gráfica Editora, 1964.
[18]
É importante deixar claro que todos os intelectuais, presentes nesse
artigo, tinham uma ligação direta com a Academia Paraense de Letras
(APL), sendo essa a instituição que estava por trás das revisões e
publicações de textos e artigos presentes na revista "Amazônia". Além
disso, a Academia Paraense de Letras, a partir dos anos de 1952,
"instituiu concursos anuais de literatura, com prêmios de quatro mil
cruzeiros, cada um, aos autores das melhores obras, publicadas ou
inéditas, de poesias, conto, romance, ensaio, crítica e teatro".
Apresentação da Revista Amazônia. In: Amazônia: Revista da Planície
para o Brasil, ano 1, jun. 1955.
[19]
Fragmento tirado da crônica "Prece a São João" de Maria Brigito,
disponível em "Amazônia: Revista da Planície para o Brasil", ano
1, jun. 1956.
[20]
ROCHA, Cândido Marinho. Junho Feliz. Amazônia: Revista da Planície
para o Brasil, ano 1, jun. 1955, s.n.
[21]
CHARTIER, Roger. "Cultura Popular": revisitando um conceito
historiográfico. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 8,
n. 16, p. 179-192, 1995. p. 180.
[22]No
jornal "O Liberal" de 23/06/1959, foi publicada uma reportagem
intitulada "Continuam vivas as tradições de São João", com a intenção
era de nos apresentar a ideia de que, mesmo com toda transformação que
se vivia no âmbito urbano, os festejos juninos organizados na cidade
ainda buscavam se aproximar daqueles realizados no campo, tendo como
principal referência os do sertão nordestino, no esforço de manter vivas
características, que aos olhos dos jornalistas, faziam parte da raiz
desse ciclo festivo. Segundo o registro, nas festas realizadas nos
salões, sejam eles "chic's" ou de subúrbios, "as grantas deixam o nylon,
o contonsil, o crillon etc., para vestir chitinhas e florões coloridos,
numa tentativa de se tornarem 'matutas' e 'caipiras'; enquanto os
cavernas arranjam uma calça 'meio pau' com remendos cuidadosamente
burilados ou umas 'farwest' e colocam na cabeça onde o topete
desafia (devido a goma) o vento até de Salinas, um resto de chapéu de
palha que o jardineiro jogou fora".
[23]
CARNEIRO, Edison. Folguedos Tradicionais. Rio de Janeiro:
FUNARTE/INF, 1982, p. 22.
[24]
CHIANCA, Luciana. Chama que não se apaga. Revista de História da
Biblioteca Nacional, ano 4, n. 45, p. 18-23, 2009, p. 23.
[25]
MOURÃO, Leila. O conflito fundiário urbano em Belém (1960-1980):
a luta pela terra de morar ou de especular. 1987. 148 f. Dissertação
(Mestrado em Planejamento do Desnvolvimento) - Universidade Federal do
Pará, Belém, 1987. p. 3.
[26]
COSTA; GOMES, 2011, p. 203.
[27]
Continuam vivas as tradições de São João. O Liberal de 23 jun.
1959.
[28]
Quanto à migração de nordestinos para a região amazônica a partir da
segunda metade do século XIX, Samuel Benchimol nos apresenta como se deu
esse processo de movimento migratório dos "cearenses-nordestinos" para a
região amazônica, principalmente em 1892, considerado 1º ciclo da
borracha, ano em que "as entradas registraram uma imigração de 13.593
nordestinos". Em relação ao 2º ciclo da borracha, que, segundo o autor,
se inicia em 1941 e vai até 1945, "foram encaminhados oficialmente à
região amazônica, durante o período de 1943 a 1945 - 16.235
trabalhadores e 8.065 dependentes, totalizando 24.300 pessoas". Sobre
isto, ver BENCHIMOL, Samuel. Amazônia: formação social e cultural.
Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1999.
[29]
SOUZA, Apolinário. Festa de São João e Inimigos do Corpo. Belém:
UFPA, 1997.
[30]
FRANCO, Georgenor. Cai, cai, balão! Acenda a fogueira em meu coração.
Amazônia: Revista da Planície para o Brasil, ano 3, jun. 1957.
[31]CHIANCA,
2009, p. 18.
[32]FRANCO,
op. cit., s.n.
[33]
CHIANCA, op. cit., p. 21.
[34]
ALMEIDA, Renato. Manual de Coleta Folclórica (1965). In. GRINBERG,
Isaac. (Ed.) Folclore de Mogi das Cruzes. São Paulo: Ed. LIS,
1981, p. 65.
[35]
CHIANCA, 2009, p. 22.
[37]
CELINA, Lindanor. Cadê meu São João?. Amazônia: Revista da Planície
para o Brasil, ano 1, jun. 1955.
[38]CANCLINI,
Néstor García. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair
da modernidade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2008. p. 218.
[40]
SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. 6. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1987. p. 69.
[42]
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico.
19. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007, p. 46.
[44]
MENEZES, Bruno de. Batuque. 7. ed. Belém: Ed. Sagrada Família,
2005. p. 44-45.
[45]
COSTA, Antonio Maurício Dias da; MACEDO, Cátia Oliveira. "Festa de
antigamente é que era festa": memória, espaço e cultura numa comunidade
camponesa do nordeste paraense. Revista Estudos Amazônicos, v. 5,
n. 2, p. 105-124, 2010.p. 106.