Ano V - março  2003 - nº 55

Sua revista com a cara e a alma brasileiras


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SUMÁRIO - EDIÇÃO 55
FESTANÇA
CANCIONEIRO
IMAGINÁRIO

setaquad.gif (95 bytes)O preguiçoso e o demônio, uma história de Zé do Norte.

setaquad.gif (95 bytes)A noiva de São Pedro, por Viriato Padilha.

setaquad.gif (95 bytes)João Palavrão, por Alceu Maynard de Araújo.

OFICINA
PALHOÇA
COLHER DE PAU
PANACÉIA
CATAVENTO
ALMANAQUE
REALEJO
COLABORAÇÕES

 

IMAGINÁRIO - Nesta seção, textos sobre lendas e mitos; contos; personagens; fábulas; narrativas populares; seres fantásticos...

O PREGUIÇOSO E O DEMÔNIO

Zé do Norte


Ilustração de Marcos JardimEra uma vez um casal. Seu João e dona Rosa.

Seu João era o sujeito mais preguiçoso que existia no lugar. Um dia ele foi ao mato escolher um lugar para fazer uma roça. Chegando no determinado lugar, não teve mais coragem, deitou-se e dormiu um sono. Quando acordou, ainda com mais preguiça, disse: Isto não está direito. Deus não se lembra de mim, eu preciso ter quem me ajude de qualquer maneira. Seja Deus ou até o demônio, eu quero é botar uma grande roça.

De repente, ele ouviu uma voz dizer:

— Seu João, o senhor quer que lhe ajude a fazer sua roça?

Seu João respondeu:

— Ora, ainda pergunta se defunto quer buraco?

Então uma voz gritou:

— Vamos todos ajudar o seu João, que ele está precisando de nós. E seu João viu, na sua frente, uma roça prontinha.

Mas o demônio disse:

— Quando o senhor quiser qualquer auxílio de minha parte é somente bater em qualquer coisa, que eu estarei presente.

E seu João, muito satisfeito, foi para a. casa e disse à mulher:

— Agora eu tenho quem me ajude. Tenho uma roça e lá só quem pode mexer sou eu e mais ninguém.

A mulher perguntou:

— Por que? Eu não sou sua mulher?

— É um contrato que fiz com meu amigo e protetor.

A roça estava uma maravilha. Tinha tudo: milho, feijão, abóbora, melancia e muitas outras coisas. Então disse seu João:

— Eu vou fazer uma viagem e só volto daqui a uma semana. Você não vá à roça, senão...

— Senão o que?

— Senão pode haver muita coisa.

Quando já faziam mais ou menos quatro dias que seu João viajava, a mulher foi fazer uma experiência. Entrou na roça, viu milho verde e teve desejo de comer. Imediatamente quebrou uma espiga. De repente, uma voz gritou:

— Quem está aí?

Dona Rosa respondeu:

— É a mulher de seu João.

— Então vamos todos ajudar a mulher do seu João a quebrar milho.

E, dentro de dez minutos não tinha nem mais um pé de milho. A mulher ficou horrorizada. Mas, deu-lhe desejo de comer feijão e quando pegou na primeira vagem, a voz perguntou:

— Quem está catando feijão?

— É a mulher de seu João.

— Então vamos ajudar a mulher de seu João.

E, afinal de contas, dentro de poucas horas a roça não tinha mais nada.

A mulher ficou como uma maluca. Não sabia o que fazer. Quando chegou seu João e vendo aquele espalhafato, pegou a mulher e deu-lhe um tapa. Então a voz perguntou:

— Quem está batendo aí?

— É seu João que está batendo na mulher.

— Então vamos todos ajudar seu João a bater na mulher.

E dentro de um minuto estava à morte a mulher de seu João. Vendo isso, o roceiro preguiçoso deu um grito e bateu no peito pedindo misericórdia. Novamente a voz perguntou:

— Quem está batendo aí?

Outra voz respondeu:

— É seu João que está batendo no peito.

— Então vamos todos ajudar seu João a bater no peito.

E em pouco tempo seu João levou tanto tapa que acabou morrendo.

Isso para deixar de ser preguiçoso.



(Norte, Zé do. Brasil sertanejo. Rio de Janeiro, Artes Gráficas, 1948, p.41-42)

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