Com Suas Mil-e-Uma Vozes, os
Dubladores
ganham a vida falando pelos outros
e os outros é que levam a fama.
Já imaginaram um Kojak barbado e com
muito cabelo? Ou um Harry O louro, que ao invés
de praia deserta passa o dia inteiro dentro de
um estúdio escuro? E que tal uma Mary Tyler
Moore míope e falando pouco e pausado? Quem
seria capaz de acreditar que Elizabeth Taylor
ganha tão pouco que não pode nem sonhar com
jóias de camelôs? O que aparentemente parece
brincadeira vira coisa séria quando se entra num
estúdio de dublagem: as vozes desses heróis da
tevê pertencem, na verdade, a pessoas muito
simples, em geral ex-radioatores, que levam uma
vida sem nada em comum com os seus personagens.
Eles ganham por hora (e só conseguiram isso em
1969), dependem de uma escala de horários e
recebem o script dentro da sala de dublagem. Sua
profissão não é regulamentada, pois todos são
atores (o que, no Brasil, significa o cargo de
comerciário, na Carteira Profissional). Mas têm
muitas coisas em comum: gostar do que fazem, é
uma delas. E todos sonham com o dia 15 de julho.
(quando haverá aumento de salários.) Mas as
surpresas não param por ai. O Filme a que você
assiste calmamente de sua poltrona favorita
leva, em média, cinco horas para ser dublado,
através de um processo que começa na divisão da
película em loops (anéis, para os paulistas),
passa por um estúdio de gravação e termina na
sala de montagem, onde um funcionário paciente
controla se o bocejo de um ator não está
coincidindo com o barulho do mar ou com uma fala
de mulher. Que explica o processo é Luís Manuel,
que começou na Rádio Nacional há 20 anos e já
dublou, para a tevê, Robin, o inseparável
companheiro de Batman, apesar de preferir dublar
desenhos animados (ele já foi o Mickey Mouse e o
Catatau). Ele é diretor de dublagem do Estúdio
Herbert Richers, no Rio.
"Recebemos uma cópia de trabalho das
distribuidoras, com a tradução. Fazemos uma
marcação no script e dividimos o filme em loops
(uma hora de filme representa mais ou menos 100
loops). O diretor de dublagem daquele filme - ou
da série - escala as vozes mais apropriadas a
cada personagem e faz um esquema de trabalho.
Por exemplo: você entra às oito horas e sai às
11 e meia; você entra às 11 e sai às duas etc."
Atualmente um ator ganha 84 cruzeiros pela
primeira hora de dublagem e 61 pelas seguintes.
Quando se trata de um personagem fixo, ganha um
pouquinho mais: 111 cruzeiros e 84 cruzeiros
respectivamente. A partir do dia 15 de julho
serão 115 cruzeiros para a primeira hora e 84
para as seguintes, em personagens comuns, e 154
e 115 para os fixos. Todo dublador é ator, mais
nem todo ator pode ser dublador.
"Muito ator consagrado não conseguiu se adaptar
ao trabalho de dublador", explica Luís Manuel,
destacando duas qualidades fundamentais para um
bom dublador: "Ele deve, em poucos segundos,
sincronizar sua voz com o movimento labial do
ator, e dramatizar sua fala."
Na sala de dublagem, à prova de som, ficam o
diretor e os dubladores daquela série de loops
que, com um fone de ouvido, acompanham a fala do
personagem e repetem o script, enquanto a imagem
é projetada numa tela á sua frente.
"Hoje, o processo de dublagem já está bastante
aperfeiçoado" um filme como Kojak é dublado em
cinco horas, e um longa-metragem em 10 ou 12
horas. Há sete anos - quando a remuneração era
por loop e o ator tinha que ficar o dia todo à
disposição da dubladora, o processo era bem mais
demorado e um longa-metragem levava dois ou três
dias para ficar pronto. O Julgamento de
Nuremberg por exemplo levou duas semanas."
O efeitos sonoros - barulho do mar, tiros,
música etc. - vêm numa fita magnética à parte, a
chamada banda internacional (O Rin-Tin-Tin nunca
precisou de dublador). Se essa fita não vier, o
contra-regra do estúdio entra em ação.É comum a
mesma pessoa dublar duas vozes diferentes num
mesmo filme. (Um filme com 80 personagens pode
ser dublado com 60 atores). "Mas só em papéis
menores - justifica Luis Manuel.O público
reconhece. Além disso, há pessoas com vozes
muito marcantes."
Como, por exemplo a Ida Gomes, que com sua voz
de "madrasta da Branca de Neve", faz sempre o
papel de mulher má, nos filmes de Betty Davis e
Joan Crawford.
Luís Motta, aliás, o Tenente Kojak, ia
causando, sem querer, uma grande decepção a seus
fiéis telespectadores: É que, de repente, a voz
do másculo e dinâmico (e, dizem charmoso)
detetive começou a dar ordens com uma voz
arrastada, de caipira, sem a entonação de
costume. Os mais distraídos (que vêem tevê lendo
o jornal) pensaram que o filme tinha saído do
ar; os mais atentos logo identificaram uma voz
diferente saindo da boca do ator Telly Savalas
e, na semana seguinte, desligaram a
tevê.Explica-se: Luís Motta desistira de dublar
o detetive careca, com exclusividade para a Tv
Globo, sem nada em troca. E entrou um outro
dublador no ar - o que não agradou aos
espectadores. A pressão do público - que nunca
se interessa por conhecer as vozes de seus
ídolos - obrigou a Globo, a gravadora e Luís
Motta a um acordo de cavalheiros - como seria de
se esperar num verdade Kojak. Luís Motta voltou
e a série recuperou sua audiência. "Acho Kojak
simpático - diz Luís - oferecendo muitas
possibilidades de se criar em cima.Faço muitas
piadas e tenho a voz parecida com a dele, até
mesmo quando canto. Acho que foi por isso que me
escolheram." Mas ele faz questão de dizer que
não vive como dublador. E que, nessa atividade,
já gravou, antes, vozes tão diversas quanto Mr.
Magoo (do desenho animado; Jim Backus, no
original); Lawrence Olivier (em Otelo), Orson
Welles e Peter Ustinov. Como ator, já trabalhou
nas novelas A Ponte dos Suspiros, O Verão
Vermelho, já fez teatro e teve recentemente sua
primeira experiência em cinema, no ainda inédito
Xica da Silva, de Carlos Diegues. "O que acho
injusto é o nome do dublador não sair no
créditos do filme."
André Filho (o Kwai-Chan Caine da
série Kung Fu), aos 30 anos, já pode se
considerar um veterano. Com 16, ele foi à casa
de Paulo Porto pedir uma vaga de dublador de
filmes para televisão. Só precisou falar. Dai em
diante, foi locutor de rádio, disc-jóquei, fez
comerciais e andou pintando até em novelas
(Escalada e Vejo a Lua no Céu).
Mas seu forte mesmo é a dublagem. E vai por ai
emprestando sua voz Alain Delon, Robert Redford,
Sammy Davis Jr., Steve McGarret (Danny, de
Hawaii 5-0), Lee Major (o Steve Austin, do Homem
de Seis Milhões de Dólares, e o Corredor X, do
desenho Speed Racer, isso só pra falar nos
atuais.
E, como nada acontece por acaso, ele precisou
mostrar que era o melhor, para conseguir dublar
David Carradine no Kung Fu. O papel tinha sido
dele no primeiro filme, mas, quando a série ia
ser lançada, convidaram outro. Não deu certo.
Foi chamado um terceiro, que também não agradou.
O jeito foi buscá-lo. E André garantiu o
sucesso.
Em sua opinião, o maior problema dos dubladores
é a falta de regulamentação da profissão, o que
os deixa sem nenhum amparo legal. Se um deles
falta a uma gravação, é imediatamente
substituído.
"O dublador é mais que um simples instrumento de
laboratório, é um ator. E deve ser tratado como
tal."
Diana Morel começou sua vida artística
com 15 anos. Como dubladora, está entre as
pioneiras, tendo começado nos estúdios da Agif -
a primeira empresa do ramo a se instalar no
Brasil. Angie Dickinson, de Police Woman, é a
sua dublagem do momento.Filme de muita ação, a
heroína, muitas vezes, se encontra em situações
de perigo, obrigando Diana Morel a um trabalho
intensivo para acompanhar todas as nuances da
fala da atriz.
Ela também criou a Mulher Maravilha, participa
de outros papéis menores do seriado Kojak e O
Homem de Seis Milhões de Dólares. Mas considera
que muita coisa melhorou para os que se dedicam
ao trabalho de dublagem:
"Conseguimos o salário-hora, o contrato
coletivo, definindo um teto mínimo salarial. No
entanto, a luta não terminou. Existem problemas
a resolver, como o trabalho de pé, sem luz, e
sem renovação de ar, durante 10 ou mais horas."
Diana é carioca, fez teatro com Maria Della
Costa, Paulo Autran e Tônia Carrero. No cinema,
fez nove filmes e foi uma atriz consagrada na
tevê em programas cômicos e musicais da antiga
Tv Rio e atualmente participa eventualmente de
novelas. Como dubladora, faz Jane Russel, Joan
Crawford, Jeanne Moreau, entre outras. Não
conhece Angie Dickinson pessoalmente, mais
considera a atriz uma mulher formidável: "Mesmo
como policial, o seu charme é incrível."
Nota: Quando Diana disse "Agif", respondendo
a pergunta de onde começou a dublar para o
entrevistador, na verdade quis dizer "A Ziv" e
ele entendeu "Agif", e concluiu que era tudo
junto e com essa pronuncia, um erro do repórter,
pois Agif nunca existiu, já Ziv sim, e foi a
primeira empresa de dublagem junto com a
CineLab, no Rio. |