A Geomorfologia é uma geociência que estuda,
de forma racional e sistemática, as formas de relevo, tomando por base
as leis que determinam a gênese e a evolução dessas formas.
O trabalho geomorfológico, que pressupõe
do pesquisador uma série de conhecimentos de outras ciências, implica
nas seguintes atividades: descrição, localização
e dimensionamento dos diversos compartimentos e feições de relevo
verificados na epigeoesfera. Além dessas preocupações,
a Geomorfologia volta-se, principalmente, à gênese e à evolução
do relevo terrestre. A Geomorfologia é, portanto, uma ciência descritiva
e genética.
Será a Geomorfologia uma ciência geológica,
geográfica ou geofísica? Onde se situa, portanto, a Geomorfologia
no quadro geral das ciências da Terra?
O geocientista francês, Jean Goguel, apresentou uma
classificação das geociências, bastante simples, que pode
servir para subsidiar a resposta à questão anteriormente apresentada.
Para este autor, as ciências da Terra podem ser agrupadas em três
categorias distintas: a) Ciências da Geofísicas, b) Ciências
Geológicas e c) Ciências Geográficas.
As Ciências Geofísicas compreendem aquelas
que tratam de fenômenos terrestres, de natureza física, mas sob
a ótica da Física. A Sismologia, a Meteorologia e a Hidrologia
Fluvial exemplificam esse grupo de ciências.
As Ciências Geológicas se propõem à
reconstituição da história física do planeta Terra,
tal como ela pode ser vista ou lida nos diversos estratos rochosos presentes
na epigeoesfera. As ciências geofísicas, em geral, prendem-se ao
aspecto atual dos fenômenos físicos, quer os que têm uma
evolução rápida, tais como os envoltórios fluidos
e alguns fatos da litosfera, a exemplo dos abalos sísmicos e o magnetismo
terrestre, quer os de caráter permanente, como a aceleração
da gravidade.
Podem ser mencionados diversos exemplos de Ciências
Geológicas, algumas das quais mantêm estreitos vínculos
com a Geomorfologia. A Geotectônica, a Geologia Estrutural, a Paleontologia,
a Sedimentologia e a Estratigrafia são os exemplos mais notáveis.
As ciências geológicas, quando se dedicam
à descrição da natureza dos terrenos e ao estudo das distribuição
da litomassa, fá-lo com vistas à interpretação de
fenômenos passados, que são reconstituídos por métodos
geohistóricos.
A Geologia, quando investiga a história da Terra,
desempenha essa tarefa através, sobretudo, de uma analogia com o que
a observação dos fatos naturais, feita de forma direta, pode proporcionar.
Por exemplo, ao se constatar que no presente determinadas causas produzem tais
efeitos, efeitos análogos pressupõem as mesmas causas.
A Geomorfologia estuda o passado para compreender o presente.
A Geologia faz exatamente o inverso. A Geomorfologia procura explicar as formas
atuais de relevo, que podem ser facilmente divisadas na paisagem, por sua gênese,
por seu passado, às vezes muito distante. Porém, a exemplo da
Geologia, a Geomorfologia não pode avançar, a não ser a
partir de uma raciocínio analógico, que parte do presente. Essas
idéias, na verdade, estão contidas no célebre Princípio
do Atualismo, examinado mais adiante nestas Notas.
As Ciências Geográficas têm como objeto
de estudo o fato geográfico. Assim ensina a Geografia Clássica.
O fato geográfico é algo que possui uma estrutura extremamente
complexa e resulta da combinação de elementos e fatores solidários
( Andrade, 1965) .
São três as escalas de complexidades da combinação
geográfica: físicas, combinações físico-biológicas
e físico-biológico-humanas.
O relevo terrestre, abstraindo-se a cobertura vegetal,
é um bom exemplo da complexidade das combinações físicas.
Estrutura geológica, condições climáticas atuais
ou pretéritas e os processos erosivos materializam tais combinações.
A estrutura geológica compreende, dentre outros aspectos,
as forças tectônicas, a natureza das rochas, a disposição
das camadas rochosas e os graus de resistência da litomassa aos processos
de meteorização e de erosão.
As condições climáticas determinam os
efeitos da meteorização mecânica ou química e os
processos morfoclimáticos esculturadores das paisagens geomorfológicas
continentais. Tais processos definirão os vários sistemas de erosão
encontrados na superfície terrestre.
As combinações físico-biológicas,
que indicam o segundo nível da escala crescente da combinação
geográfica, definem-se com a inclusão do elemento biológico,
particularmente a vegetação.
A vegetação decorre de combinações
climáticas, relevo e tipos de solos. Mas ela também influencia
o relevo, o clima e os solos. E´ a solidariedade do complexo geográfico
(Andrade, op. cit).
O último nível da combinação geográfico
está representado pelas combinações físico-biológico-humanas.
Esse é o mais elevado grau de complexidade do fato geográfico.
Ainda, segundo Andrade( op. cit, p. 328), "A Geografia se consuma assim,
com a consideração do homem na cena da natureza. A natureza de
uma parte, cujas condições e recursos impõem ao homem o
esquema de seu destino. Introduzindo o homem nas ciências da Terra, o
geógrafo se esforça por ver claramente essa síntese de
condições naturais e da presença do homem. Supera, assim,
a distância entre os fenômenos humanas. Essa a sua originalidade
principal. Esse o seu "passaporte" legítimo com que penetra
nas "áreas marginais", onde tantas outras ciências da
Terra, da vida e do homem se exercitam".
A Geomorfologia , no quadro geral das Ciências da Terra,
se situa na interface existente entre as Ciências Geológicas e
as Ciências Geográficas, segundo a classificação
de Goguel. Essa ciência mantém profundos vínculos, já
assinalados, com a Geologia. Mas é também essencialmente geográfica,
na medida em que depende dos conhecimentos de Climatologia, Paleogeografia,
Fitogeografia, Pedologia e Hidrografia e se fornece substanciais informações
necessárias ao entendimento da produção do espaço
geográfico.
Segundo Kostenko (1975), a Geomorfologia funciona como uma
ponte entre a Geografia e a Geologia, e estuda uma série de problemas
complexos e heterogêneos, alguns dos quais resolvem-se através
de métodos fisico-geográficos e outros mediante a aplicação
de métodos geológicos.
2
ESTUDAR O PRESENTE PARA COMPREENDER O
PASSADO
Henri Poincaré, no artigo " L’evolution des
lois", publicado no ano de 1913, em Dernières Pensées, afirmou:
" Nada poderemos saber do passado se não admitirmos que as leis
não mudaram; se o admitirmos, a questão será insolúvel,
como, de resto, todas as demais questões que se reportam ao passado."
Eis o fundamento do Princípio do Atualismo ou Postulado do Atualismo.
Serão transcritos, a seguir, algumas anotações
de aula feitas por Gilberto Osório de Andrade e Rachel Caldas Lins, sobre
o Princípio do Atualismo, durante a disciplina Bases e Métodos
da Geomorfologia, ministrada em 1978 por aqueles professores.
"A Geologia reconstitui o passado a partir do presente. A geomorfologia
explica desde logo o presente pelo passado. Uma e outra devem, portanto admitir
o princípio do atualismo. De resto, esse princípio foi, sem
dúvida, entrevisto desde que o espírito humano concebeu nitidamente
a causalidade como encadeamento constante de fenômenos, permitindo remontar
tão bem o curso do tempo, como descer nele.
Ainda no século XIX, viva resistência era oposta a essas idéias.
Antes de mais nada, graças à brevidade do tempo atribuído
aos fenômenos geológicos. Brevidade admitida não somente
pela cronologia deduzida do Gênesis, como também pelos primeiros
experimentadores. Assim Buffon ensaiou calcular a idade da Terra segundo a
velocidade de resfriamento duma esfera metálica aquecida ao rubro.
Outros propuseram geocronologias fundadas no grau de salinidade dos oceanos,
ou na velocidade da sedimentação, ou ainda no resfriamento presumido
do globo. Nos domínios da Paleontologia, só prefigurando destruições
instantâneas era possível explicar o fato de Ter havido tantas
criações sucessivas que desapareceram. Cuvier defendia essa
concepção com toda sua autoridade científica em 1820.
Beaumont estabeleceu a idade relativa das montanhas no pressuposto
de que cada uma delas surgira bruscamente, como por uma espécie de
cataclisma."
O Princípio do Uniformitarismo preconiza, portanto,
que os mesmos processos e leis físicas que atuam no presente , agiram
no passado, mas não necessariamente com a mesma intensidade. Assim, para
os uniformitaristas, a Terra chegou a ser o que é mediante a ação
de processos graduais e uniformes. Essa idéia se opõem, assim,
aos conceitos catastrofistas.
" Precisamente, o ritmo e a intensidade da atuação
pretérita das causas atuais são os pontos sobre os quais se centra
o ataque ao Princípio do Uniformitarismo. E´óbvio que existiram
erupções vulcânicas mais violentas e extensas quaisquer
das registradas na história humana; os testemunhos das ações
glaciais antigas mostram que as geleiras de hoje são pequenas e fracas,
quando comparadas com os de outras épocas, e as crateras da Lua são
indícios de uma classe de atividade agora existente. No entanto, as leis
físicas que regem as erupções vulcânicas, a ação
dos gelos e queda de meteoritos não mudaram, mas apenas a sua intensidade
variou."
(STOKES, 1969)
3
O PAPEL DA ESTRUTURA GEOLÓGICA NA
DEFINIÇÃO DO RELEVO TERRESTRE
A estrutura geológica é um tema que não
pode ser desprezado na análise da gênese e da evolução
do relevo terrestre. Ela engloba diversos aspectos relacionados à crosta
terrestre, alguns dos quais apresentam uma extrema complexidade. Boa parte dos
aspectos estruturais da crosta terrestre é estudada por diversas geociências,
como por exemplo a Geotectônica, a Geologia Estrutural, a Petrografia
e a Geomorfologia Estrutural.
A Geomorfologia Estrutural foi, durante muitas décadas
do século XX, a parte da Geomorfologia que recebeu a maior atenção
dos pesquisadores, mas , atualmente, vem recebendo um peso menos nas matrizes
curriculares dos cursos de Geografia, infelizmente. Esse importante ramo da
Geomorfologia analisa a participação da estrutura geológica
na definição de alguns compartimentos de relevo sob dois aspectos
básicos. Em primeiro lugar, ela examina os elementos fundamentais do
arcabouço estrutural, como por exemplo a constituição do
globo terrestre, a estrutura e a dinâmica da crosta terrestre, as rochas
e os grandes conjuntos estruturais, constituindo , assim, uma abordagem eminentemente
geológica. Em segundo lugar, volta-se para aspectos mais exclusivamente
geomorfológicos, tais como as diferenças litológicas numa
paisagem e seus efeitos morfológicos ou o modelado do relevo em litomassas
específicas ( calcário, por exemplo) , ou ainda as morfoestruturas
em áreas de colisão de placas litosféricas etc.
Pierre Birot ( 1958) considerava que a explicação
do relevo terrestre reduzia-se a dois princípios básicos: a) "toda
região deprimida é composta de rochas tenras ou rebaixadas por
esforços tectônicos, b) toda região elevada se compõe
de rochas mais resistentes ou foram levantadas por processos tectônicos".
A estrutura geológica compreende, portanto, entre
outros, os seguintes aspectos:
- diferenças de dureza das rochas
- disposição das camadas rochosas
- movimentos crustais
- falhas
-fraturas
-dobras
-litomassas específicas.
As diferenças de dureza das rochas vão desempenhar
um papel fundamental num processos geomorfológico destacado, que é
a erosão diferencial. A erosão diferencial é um processo
erosivo eminentemente seletivo. Ela faz-se mais enérgica em rochas frágeis
e mas "suave" em rochas mais resistentes. Essa modalidade de erosão
seletiva tem como principal mérito ressaltar as diferenças de
dureza do material rochoso.
A erosão diferencial depende dos seguintes fatores:
a) a consistência da rocha mais ou menos compacta e de sua textura. Por
exemplo, os calcários e as argilas são mais facilmente desagregáveis
pelos filetes d’água do que os granitos; b) do estado de fraturamento
da rocha; o sistema de diaclasamento facilita uma concentração
da rede de drenagem e da infiltração das águas; c) o grau
de permeabilidade da rocha.
As camadas rochosas, sobretudo as sedimentares, dispõem-se
nas paisagens geomorfológicas horizontalmente ou de forma subhorizontal
a inclinada. Na periferia de uma sinéclise, que não foi arqueada,
as camadas são mais inclinadas do que no centro. Neste, as camadas são
mais horizontais. Esse fato , de natureza estrutural, contribui para a existência
de cuestas, na periferia da bacia sedimentar e de chapadas e chapadões
no centro. Há notáveis exemplos dessa influência estrutural
na bacia sedimentar do Meio Norte.
As áreas intensamente fraturadas, quando situadas
nas imediações de corpos rochosos não fraturados, respondem,
em geral, como áreas deprimidas. O intenso fraturamento colabora para
que haja uma maior infiltração das águas e, conseqüentemente,
uma maior intemperização química dos materiais rochosos.
Esses materiais, assim alterados, tornam-se presa fácil para os processos
erosivos subseqüentes.
Os quartzitos, rochas decorrentes da metamorfização
do arenito, são, na maioria dos casos, mais resistentes ao intemperismo
e à erosão do que diversas outras rochas. No caso de quartzitos
mais homogêneos e fortemente cimentados pela cristalização
da sílica, o relevo resultante é quase sempre representado por
cristas elevadas e alongadas, segundo a orientação tectônica.
Se esses quartzitos são friáveis, podem ocupar posição
de vales ou regiões rebaixadas. E , no caso de se acharem dispostos de
maneira horizontal, podem dar relevos tabulares. Os dois casos podem ser visualizados
na Região Nordeste do Brasil.
Os diques de diabásio e de andesito, dependendo
da qualidade das rochas encaixantes, possuem comportamentos geomorfológicos
distintos. Se as rochas encaixantes são mais resistentes, os diques condicionam
a formação de vales, em decorrência da remoção
efetiva das rochas ígneas básicas. Se, por outro lado, as rochas
encaixantes são menos resistentes e passíveis de desgaste rápido,
os diques constituem elevações que se dispõem de forma
grosseiramente paralela .
A superimposição de um rio sobre um núcleo
de determinadas rochas, sem seguir alinhamentos tectônicos, é um
indicador de movimento epirogenético ( soerguimento de massa continental).
Os fatores estruturais do relevo podem ser, de forma bastante
sintética, agrupados em duas grandes categorias: fatores tectônicos
e fatores litológicos.
Os fatores tectônicos correspondem às forças
tectônicas, de caráter endógeno, que edificam o relevo mediante
deformação da litomassa. Ocasionam intensos dobramentos, falhamentos,
subsidências, basculamentos e exaltações. Para compreender
esses fatores, faz-se necessário um conhecimento dos grandes traços
da teoria da Tectônica de Placas, um dos mais importantes paradigmas da
moderna Geologia.
Para a teoria da Tectônica de Placas, a litosfera encontras-se
subdivida em fragmentos, que se movem entre si, denominados placas litosféricas.
A zona de interação entre as placas litosféricas definem-se
por convergência litosférica, divergência litosféricas
e falhas de transformação.
As zonas de convergência são as áreas onde
se dá a colisão de placas. Nestas áreas configuram-se morfoestruturas
do tipo trincheira oceânica e/ou sistemas orogenéticos.
As zonas de divergência são aqueles limites onde
se dá a separação de placas litosféricas. Exemplificam-na
as morfoestruturas chamadas dorsais oceânicas, cujo exemplo mais próximo
é a Dorsal do Atlântico.
As zonas de falha de transformação são
os limites ao longo dos quais as placas "deslizam". No Oeste dos Estados
Unidos, a falha de Santo André é um bom exemplo desse limite de
placas litosféricas.
Os fatores litológicos resultam da maior ou menor resistência
dos corpos rochosos aos processos erosivos, conforme foi anteriormente assinalado.
Esses fatores podem determinar plataformas estruturais de relevo, como por exemplo
o bordo de uma camada mais dura, destacada pela erosão diferencial. Na
Figura 4, mostram-se esquemas ilustrativos de escarpas litológicas.
Os fenômenos tectônicos influenciam também,
e de maneira significativa, os processos de sedimentação, que
são importantes à análise morfoestrutural das paisagens
geomorfológicas. Sobre esse assunto, há um interessante trabalho,
escrito em 1974 por Benjamim Bley de Brito Neves, publicado no Boletim do Núcleo
do Nordeste da Sociedade Brasileira de Geologia, n° 2. Encontram-se transcritos
a seguir trechos desse artigo, seguidos de uma atividade prática, que
poderá ser levada a efeito em sala de aula.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
AB’SÁBER, A. N. Formas de Relevo. São
Paulo: Edart, 1975
ANDRADE, G. O. DE Curso de iniciação ao estudo
da Geografia em grau superior. Bol. Geogr., Rio de Janeiro, Ano XXIV, n° 185,
IBGE, 1965.
BIROT, Pierre. Morphologie Structurale. França:
Presses Universitaires de France, 1958.