Conjunturando

por admin publicado 03/12/2017 10h31, última modificação 24/01/2018 21h00

Política

Ataque às Universidades

Quando o combate à corrupção favorece os corruptos
por David Carneiro* — publicado 28/12/2017 14h51, última modificação 27/12/2017 15h30
Polícia Federal

Foto: Rovena Rosa/ Agência Brasil

A condução coercitiva do Reitor da UFMG, ocorrida poucos meses após o suicídio do professor Luiz Carlos Cancellier, fez-me lembrar de um encontro fortuito com um amigo, gestor respeitado por todo o espectro político, indivíduo com padrão de vida modesto e cidadão completamente decepcionado com a gestão pública. À certa altura, disse-me ele: “agora estou com mais tempo para cuidar do meu filho, tenho novos projetos na Universidade e, nunca, nunca mais, quero assinar um papel na vida”.

Histórias como essa repetem-se o tempo todo. Vítimas de um paradigma chamado por alguns de “administração pública do medo”, muitos brasileiros e brasileiras idealistas e sonhadores têm abandonado a gestão pública por conta de processos judiciais abertos por questões formais, diligências pouco cuidadosas ou mesmo pelo gosto de certos membros dos órgãos de controle por holofotes. Tudo incentivado por um marco legal que, além de nivelar por baixo gestores decentes e bandidos, ignora os próprios custos que acarreta para a administração.

Se esse paradigma já não fosse o suficiente para brecar vocações e gerar uma série de episódios lamentáveis que destroem carreiras e reputações, há um novo reforço à expulsão das pessoas decentes do espaço público: o avanço do direito e do processo penal do espetáculo seletivo.

Tal fenômeno por certo não é novo. Mas agora conta com a irascível demanda de turbas de manifestantes pela punição exemplar como meio de catarse, punição essa que a turba chama de justiça. Nesse cenário, autoridades constituídas, que deveriam encontrar na Constituição e na legalidade os seus limites, sentem-se autorizados a tudo, munidos de justificações herméticas facilmente apoiadas pela turba e seus representantes na grande mídia.

Graças a isso, se muitos gestores já temiam serem condenados por improbidade por tomarem decisões supostamente contrárias aos “princípios da administração”, se muitos médicos já temiam serem presos por não acatarem decisões judicias esdrúxulas e se muitos professores universitários recusavam cargos na administração por temerem ter suas reputações arrasadas pelo primeiro pasquim conservador que lhes cruzasse o caminho, todos agora podem temer, com fundamento, serem conduzidos coercitivamente ou presos, ao arrepio da lei, para satisfazer a sanha do justiçamento. Em um movimento que, por vezes, não esconde nem mesmo seu forte viés ideológico, como ficou patente no deboche contido no nome da operação recente realizada contra a UFMG, alcunhada sem peias de “Esperança Equilibrista”.

Dessa maneira, seja pelo modelo de controle que desenvolvemos, seja por competências constantemente abusadas ou por um movimento de justiçamento midiaticamente amplificado, estamos criando modos de combate à corrupção que estranhamente tendem a favorecer os corruptos. Cada vez mais, a administração pública pertencerá àqueles que não estão preocupados com suas famílias e reputações e nem a servir ao público mais do que servir-se dele. Deus queira que restem os abnegados, estômagos de aço, resistentes, ainda que temerosos, contra a paralização pela burocracia e pelo medo.

A consequência desse diagnóstico, é claro, não deve ser a do cinismo em relação à corrupção que acomete parte não desprezível dos setores progressistas. Muitos são hoje os que, por dolo ou negação, tentam justificar o injustificável, naturalizando a roubalheira com argumentos funcionalistas pouco críveis para além dos convertidos.

Mas é justamente para que não deixemos que a administração pública caia nas mãos dos corruptos, e apenas deles, juntamente com seus parceiros na oligarquia judiciária e na mídia, que precisamos denunciar o mal que se faz ao país em nome do combate à corrupção. Muitos dos tais “movimentos contra a corrupção”, aliás, fizeram pouco mais, até agora, do que favorecer a corrupção de seus favoritos, os reacionários, contra a corrupção de quem não gostavam, e recrudescer, por legitimação, os ataques às garantias e liberdades individuais no país.

Para romper o ciclo da melancolia e adentrar em ares mais produtivos, no entanto, é preciso ir além da denúncia contra a hipocrisia e os ataques à Constituição. É preciso reconstruir um programa progressista para a administração pública. Iniciativas que protejam o trabalho dos gestores, como a contida no PL 7448/2017, combinadas com iniciativas que promovam e radicalizem a transparência, podem ser bons caminhos para dobrarmos a aposta no combate à corrupção.

Enquanto viger, no entanto, a República do ataque seletivo e do espetáculo, o “combate à corrupção” muitas vezes não passará de instrumento de satisfação estética ou entretenimento a uma plateia devidamente condicionada a pedir cabeças em bandejas de prata. E tudo isso com um custo altíssimo para a verdadeira decência e integridade no serviço público.

*David Carneiro é Doutor em Direito pela UERJ      

Economia

A necessária reforma da previdência e a blindagem dos privilégios

A reforma perdeu seus aspectos mais regressivos, mas se omite quanto a privilégios protegidos pelo direito adquirido
por Rafael Bianchini Abreu Paiva* — publicado 26/12/2017 21h12, última modificação 27/12/2017 15h23
Temer discute reforma da Previdência com CNM e prefeitos

Temer discute reforma da Previdência com CNM e prefeitos. Foto: Marcos Corrêa/PR

A Constituição de 1988 ampliou consideravelmente o alcance da seguridade social, instituindo benefícios de um salário mínimo mensal sem a necessidade de contribuições previdenciárias para trabalhadores rurais (art. 201, §7º, II) e idosos de baixa renda (art. 203, V), bem como a universalidade da cobertura de saúde (art. 196). No primeiro governo Lula, a emenda constitucional 47/2005 criou a possibilidade da instituição de sistema especial de inclusão previdenciária para trabalhadores de baixa renda ou sem renda devido à dedicação ao trabalho doméstico, o que resultou na possibilidade de trabalhadores contribuírem com 11% ou 5% do salário mínimo para obterem aposentadoria por idade.

A combinação de um sistema especial de inclusão previdenciária com a expansão do emprego formal resultou em aumento da cobertura previdenciária da população ocupada de 16 a 64 anos, de 63,4%, em 2004, para 72,9%, em 2014, segundo estudo publicado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA)[1], que também constatou que, em 2014, 91,3% dos idosos de 65 anos recebia benefícios previdenciários.

A ampliação do acesso à saúde pública foi decisiva para a queda da mortalidade em praticamente todas as faixas etárias. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)[2], entre 1980 e 2015, a expectativa de vida ao nascer aumentou de 62,5 para 75,5 anos, enquanto a expectativa de sobrevida daqueles com 65 anos aumentou de 13,1 para 18,4 anos. A ampliação da cobertura de saúde também contribuiu para a abrupta redução da taxa de fecundidade, que, segundo o IBGE[3], foi de 3,8 filhos por mulher em 1980 para menos de 2,1 filhos por mulher (taxa de reposição populacional) na década passada e atualmente se encontra em 1,7 filho por mulher, com projeção de queda para 1,5 até 2030.

Para se ter uma ideia do que isso representa, nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)[4], grupo que reúne os países desenvolvidos e algumas economias emergentes de renda per capita maior que a do Brasil, em 2015 a expectativa de sobrevida era de 18,3 anos para homens e 21,3 anos para mulheres. A fecundidade, que foi de 2,05 filhos por mulher em 1980, caiu para 1,71 filhos por mulher em 2015, similar à brasileira. Segundo a OCDE, em 2015 a proporção entre idosos e a população de 20 a 64 anos foi de 13,0% no Brasil, quase metade dos 27,9% nos países pertencentes à OCDE. Em 2075, os idosos passariam a representar 62,3% da população de 20 a 64 anos no Brasil e 58,3% nos países membros da OCDE. Há, portanto, uma grave questão demográfica para a previdência pública brasileira que independe da discussão sobre os números na atualidade.

Em estudo sobre indicadores sociais de 2016[5], o IBGE utilizou a linha de pobreza do Banco Mundial para a América Latina, de 5,50 dólares por dia, correspondendo a uma renda domiciliar per capita de R$ 387 por mês, e estimou que 25,4% da população brasileira vivia em situação de pobreza naquele ano. Entre as pessoas com 60 anos ou mais, esse índice era de 7,5%, o menor entre os grupos etários, contrastando com 42,4% de crianças e adolescentes de até 14 anos vivendo em situação de pobreza. Entre mães solteiras, esse índice era de 55,6% e entre mães solteiras negras, 64,0%. O mercado de trabalho tampouco é desfavorável aos mais velhos. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, no 3º trimestre de 2017 a taxa de desemprego entre as pessoas com 60 anos ou mais era de 4,3%, um terço da taxa nacional, de 12,4%, e um sexto da taxa de desemprego de jovens de 18 a 24 anos, de 24,5%[6].

De acordo com estudo publicado pelo IPEA[7], aposentadorias (contributivas ou não) e pensões representam 20% de todos os rendimentos, contribuindo marginalmente para aumento da desigualdade. As aposentadorias e pensões da iniciativa privada contribuem levemente para a redução da desigualdade devido ao piso de um salário mínimo, aposentadorias rurais e um teto para os benefícios, atualmente de pouco mais de R$ 5 mil. Os benefícios assistenciais para idosos pobres também ajudam a diminuir a desigualdade. Interessante notar que, com exceção do teto para aposentadorias e pensões do setor privado, os fatores que colaboram para a queda da desigualdade foram criados pela Constituição de 88.

Já a previdência de servidores públicos contribui fortemente para aumentar a desigualdade, anulando todos os ganhos distributivos dos benefícios pagos pelo Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS). Isso ocorre porque, ao contrário do que já ocorria na iniciativa privada, o estabelecimento de um teto de aposentadorias e pensões para servidores públicos foi uma possibilidade criada apenas em 2003, pela Emenda Constitucional 41. Ainda assim, a mudança atinge apenas servidores civis admitidos após a instituição dos regimes de previdência complementar. A União criou a previdência complementar dos seus servidores civis em 2012 e diversos entes federativos, a exemplo do Município de São Paulo, ainda não regulamentaram seus regimes próprios de previdência complementar.

Os trabalhadores da iniciativa privada podem se aposentar por tempo de contribuição, 30 anos para mulheres e 35 anos para homens, ou por idade, 60 anos para mulheres e 65 anos para homens, cumulados com no mínimo 15 anos de contribuição. Os segurados individuais que contribuem para os regimes especiais para pessoas de baixa renda possuem direito apenas à aposentadoria por idade. Segundo o INSS, em 2015 a idade média na concessão de aposentadorias era de 60,8 anos para aposentadorias por idade e 54,7 para aposentadorias por tempo de serviço.

Um argumento comum em defesa das aposentadorias por tempo de contribuição é que favorecem os mais pobres, que necessitam trabalhar mais cedo. Entretanto, se deve ter em mente que as pessoas mais pobres estão mais sujeitas à informalidade. De fato, um estudo publicado pelo IPEA[8] contatou que, excluindo-se aposentados rurais, 59,6% dos aposentados precoces (mulheres na faixa de 46 a 54 anos e homens na faixa de 50 a 59 anos) pertencia aos 30% mais ricos da população quando se considera a renda familiar mensal per capita.

Em 2016, a União despendeu R$ 667,7 bilhões, 53,4% das despesas primárias ou 10,7% do Produto Interno Bruto (PIB), com benefícios do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) urbano e rural, Benefício de Prestação Continuada (BPC) para idosos e deficientes pobres e aposentadorias e pensões do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) de servidores civis e militares da União[9].

Nos entes subnacionais a situação tende a ser mais precária devido à aposentadoria antecipada de professores e ausência de idade mínima para aposentadoria de militares. Em 2016 o déficit dos regimes previdenciários dos estados e do Distrito Federal foi de R$ 60,9 bilhões (1,0% do PIB). Alguns estados gastam mais com servidores inativos que com servidores na ativa. Devido à transição demográfica, as despesas previdenciárias tendem a aumentar ao longo do tempo, tanto em termos absolutos, como em proporção do PIB.

O texto original da reforma da previdência estipulava como requisitos para aposentadoria o tempo mínimo de 25 anos de contribuição cumulado com idade mínima de 65 anos para aposentadoria de trabalhadores urbanos, rurais e servidores públicos civis, homens e mulheres. O cálculo dos benefícios seria feito pela média dos salários de contribuições, sendo aplicado um redutor de 1% por ano que falta para atingir 49 anos. A idade mínima seria vinculada à expectativa de sobrevida aos 65 anos, atingindo 67 anos em meados deste século. O BPC seria desvinculado do salário mínimo e concedido a partir dos 70 anos. Seriam vedados tanto o acúmulo de aposentadorias e pensões, como o acúmulo de aposentadorias do regime geral da previdência social e dos regimes próprios. Os servidores públicos admitidos até 2003 somente manteriam a instituição de um regime de previdência complementar para vencimentos acima do teto do RGPS e a instituição de regimes de previdência complementar seria obrigatória para os entes subnacionais que não a tivessem feito.

Essa proposta foi criticada por prejudicar diretamente trabalhadores rurais e idosos pobres, bem como não levar em conta que os trabalhadores mais vulneráveis ao desemprego e à informalidade, como as mulheres, teriam dificuldades em atingir o tempo mínimo de 25 anos de contribuição para a previdência. Por essa razão, o governo foi obrigado a recuar e manteve as regras vigentes para trabalhadores rurais e idosos pobres, bem como o tempo mínimo de contribuição de 15 anos. A idade mínima foi mantida em 65 anos para homens e reduzida para 62 anos para mulheres. A concessão foi inadequada, pois o ideal seria uma redução no tempo mínimo de contribuição, o que beneficiaria sobretudo as mulheres mais sujeitas à informalidade. O tempo de contribuição para aposentadoria integral foi reduzido para 40 anos e o acúmulo de benefícios seria permitido até o limite de dois salários mínimos – em outubro de 2017, 84,7% dos benefícios do INSS eram de até dois salários mínimos.

Em outras palavras, ao longo de 2017 a pressão política eliminou os aspectos mais regressivos da reforma da previdência, mantendo sua espinha dorsal: a instituição de uma idade mínima de aposentadoria para todos os trabalhadores da iniciativa privada e o aumento da idade mínima para aposentadoria de servidores civis, de 60 para 65 anos em se tratando de homens e de 55 para 62 anos para mulheres. Vale lembrar que para os trabalhadores mais pobres, que dificilmente conseguem atingir tempo de contribuição de 30 a 35 anos, a idade mínima existe há décadas.

A transição para as novas regras também se tornou mais suave, em até 20 anos. É neste último aspecto, porém, que reside a principal medida regressiva das emendas ao texto original: os servidores públicos civis admitidos até 2003 não precisarão trabalhar até os 65 anos para manter a integralidade, ou seja, a aposentadoria com o último vencimento da carreira e reajustes atrelados aos servidores da ativa. Em geral, bastará trabalhar alguns meses a mais para garantir esse privilégio.

Ironicamente, a reforma da previdência é problemática pelos interesses que ela não se propõe a enfrentar. A começar pelos militares, que, diferentemente dos servidores civis, ainda não têm idade mínima para ir para a reserva, não estão sujeitos ao teto do RGPS e contribuem proporcionalmente menos que servidores civis para custear sua previdência. Em 2016, a União arrecadou R$ 2,9 bilhões com o regime previdenciário dos militares e gastou R$ 37,0 bilhões com aposentadorias e pensões. O déficit da previdência dos militares representou 44% do déficit previdenciário de servidores da União, com a diferença que, devido à ausência de idade mínima e teto de benefícios, o desequilíbrio tende a se aplicar ao longo do tempo em uma trajetória explosiva. No início do ano, a justificativa do governo era que, por não terem previdência disciplinada na Constituição, seria enviado projeto de lei complementar alterando a previdência dos militares. Isso nunca ocorreu.

Outro problema que a reforma da previdência nunca se propôs a rediscutir é o dos benefícios concedidos com regras muito generosas no passado. Nesse sentido, há convergência com uma interpretação jurídica que se encontra enraizada em decorrência do patrimonialismo do Estado brasileiro: a noção de direito adquirido, cláusula pétrea da Constituição de 88. Ao longo de décadas, o Estado brasileiro concedeu privilégios para algumas categorias de servidores públicos e hoje todo tipo de absurdo do passado está albergado pelo respeito ao direito adquirido, roupagem jurídica elegante para a boa e velha manutenção do status quo. Há um bom precedente que poderia servir de inspiração para se rediscutir esses “direitos adquiridos”: a reforma da previdência dos servidores públicos de 2003 determinou a cobrança de contribuição previdenciária de 11% sobre o valor dos benefícios que excedessem o teto do RGPS. Porém, o ideal seria estipular alíquotas progressivas e mais elevadas para tributar essas rendas mais altas que tornam a previdência pública brasileira concentradora de renda.

É compreensível que em sua versão inicial a reforma da previdência tenha gerado ampla reação negativa. Entretanto, a proposta atual é razoável, pois preserva as regras mais sensíveis aos mais pobres, como os regimes especiais, a aposentadoria rural e o BPC. A introdução de uma idade mínima, espinha dorsal da reforma, já é uma realidade para a maioria dos brasileiros e, diante da transição demográfica que vivemos, é essencial para assegurar que a ampla cobertura previdenciária conquistada em decorrência da Constituição de 88 não inviabilize a solidez fiscal do Estado brasileiro. Por outro lado, é forçoso reconhecer que a atual reforma da previdência nunca se propôs a diminuir distorções já existentes e, no que tange à previdência dos militares, o prometido projeto de lei sequer foi apresentado.

*Rafael Bianchini Abreu Paiva é Bacharel em Economia (Unicamp), Bacharel, Mestre e Doutorando em Direito (USP) e Analista do Banco Central do Brasil


Análise

A "Juventude Caldeirão" de Luciano Huck

A nova direita que pretendia lançar o apresentador global à presidência da República tem slogans demais e propostas de menos
por Daniel Vargas* — publicado 19/12/2017 18h00, última modificação 26/12/2017 20h53
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A "Juventude Caldeirão" de Luciano Huck

Entre a Globo e Brasília, Huck optou pela primeira

O mais "novo" fenômeno da política brasileira é a "juventude caldeirão". Formada por legião de "jovens", entre 35 e 50 anos, adeptos ao bom-mocismo, ela é a nova aposta dos bilionários e da ala mais conservadora da mídia. Seu líder e garoto-propaganda é Luciano Huck. Sua marca principal é superar as polarizações. De “novo”, na verdade, não possui nada: nem a idade, nem as ideias, muito menos o coração.

No início do século XX, o Brasil era governado pela política dos salões. O roteiro funcionava mais ou menos assim: os caciques da nação se reuniam entre quatro paredes na capital, acertavam as alianças e repartiam as tarefas: você traz o dinheiro, eu trago a mídia, ele leva o povo pra votar... Na antevéspera do processo eleitoral, apresentavam-se ao País as suas "lideranças". Nem uma ideia. Nem um projeto. Só marketing.

Como em vinil arranhado, o script do filme foi repetido dezenas de vezes em nossa história. O resultado, conhecemos. Mudaram os nomes, os "jingles", o corte do paletó e o penteado. Por trás das aparências, o espetáculo da política continuou exatamente igual. Nos bastidores, caciques iluminados acertavam o jogo, enquanto ao povo, miserável e iludido, restava seguir os desígnios da sua aristocracia.

Avance a história 100 anos.

Chegamos a 2017, diante de uma das maiores crises políticas e econômicas do Brasil. Escancarada, diante de nós, a podridão quase completa do sistema. É hora de reconstruir nosso futuro.

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Qual a atitude da juventude mais esperta? Ir ao encontro do Brasil profundo e botar o dedo nas grandes feridas nacionais? Com ousadia e inteligência, apresentar um caminho original para resolver nossos problemas?

Não.

Como nos velhos tempos, ela se congrega entre iguais, alia-se ao que há de mais viciado em nossa história, pactua o apoio dos maiores bilionários do Sudeste e embarca de cabeça no caldeirão do Huck.

“Somos os líderes do futuro", proclamam. Mas... de qual futuro?

O que, de fato, a juventude caldeirão pensa, além do bom-mocismo vulgar?

Sugiro um teste simples. Considere seis fraturas expostas da sociedade brasileira. Do seu enfrentamento, depende nosso destino como República.

1. A miséria se alastra como um tufão nas cidades brasileiras, enquanto meia dúzia de banqueiros bate recorde de lucros, em boa parte enviados para as  “offshores” nas Ilhas Cayman.

O que a juventude caldeirão pensa sobre o câncer do rentismo, que aniquila a economia e produz um baronato de financistas com residências no estrangeiro, que aqui praticamente não pagam imposto?

2. A mídia brasileira é a mais concentrada entre aquelas das democracias ocidentais. Controlada a mão-de-ferro por um visão ideológica, comunica apenas o que lhe convém. Como se diz no interior: "O Jornal Nacional espirra e o País todo pega gripe". Não há, nem haverá, democracia real sem a democracia na comunicação.

O que a juventude caldeirão pensa a respeito? Vamos promover a democratização profunda dos meios de comunicação brasileiros (um serviço público)?

3. A violência transformou-se em epidemia nacional. O Brasil mata mais que metade do globo terrestre junto. Menos de 10% dos homicídios são resolvidos. Ao mesmo tempo, as prisões são verdadeiros "navios negreiros", com uma massa de miseráveis abandonada, metade dos quais deveria estar solta. Não é preciso ser gênio para ver o óbvio: o sistema de segurança pública ruiu completamente.

O que a juventude caldeirão, coletivamente, tem a dizer? Vamos construir um verdadeiro Sistema Nacional de Segurança Pública, reinventar as polícias e seu papel e pôr fim aos abusos da legalidade e à Justiça racista?

4. A educação brasileira é catastrófica. Cerca de 70% de nossos jovens se formam sem saber o básico de português. Menos de 15%, o básico de matemática. Nas Américas, estamos no fundo do poço em escolaridade. Perdemos para todos, com exceção do Haiti, Honduras e Nicarágua. No ensino privado, a tragédia é igual: as 25% melhores escolas privadas do Brasil são piores do que as 25% piores da OCDE.

E a juventude caldeirão? Vai exibir a foto da mocinha que ganhou “medalha” no soletrando, ou vamos de uma vez por todas promover uma revolução educacional?

Vamos ou não vamos criar o FUNDEB 2.0 para promover uma redistribuição profunda de recursos de áreas mais ricas para mais pobres e inventar uma proposta curricular nacional para valer (a que está aí a elite brasileira jamais aceitaria para a educação dos seus próprios filhos)?

5. A maior invenção em saúde pública da América Latina (e talvez do mundo democrático) foi a criação do Sistema Único de Saúde, hoje na UTI. O desmonte do SUS avança em alta velocidade, ao mesmo tempo em que, em várias cidades brasileiras, não existe um único médico.

Vamos ou não revitalizar o SUS, e reestruturar nosso complexo farmacêutico, dinamitado nos anos 1990 por quinquilharia ideológica, e que apenas serviu para hoje comprometer nosso próprio orçamento (gastamos uma fortuna no "aluguel" do conhecimento internacional em remédios básicos que não conseguimos produzir)?

6. As regiões brasileiras foram sucateadas: em breve, 23 estados devem estar quebrados (atualmente, alguns não conseguem pagar funcionalismo). Tamanho desastre é fruto de uma política centralista, que incha as responsabilidades locais, mas concentra a arrecadação na União. Como resultado, prefeitos e governadores viram "pedintes" nos corredores de Brasília, sempre de joelhos e com o pires na mão.

E aí, juventude caldeirão? Vamos revirar o federalismo e jogar fora a camisa de força de regras padronizadas, que condenam a maioria à postura de serviçal? Que tal defender a regulamentação, de uma vez por todas, do artigo 23 da Constituição, para construir um federalismo mais solidário, cooperativo e inovador?

As perguntas são apenas uma provocação retórica.

Na verdade, sabemos o que a juventude caldeirão pensa sobre estas questões.

Ela não pensa “nada”.

Produzem apenas platitudes. Seu modus operandi é o “network” (a versão moderna do tapinha nas costas) e marketing. Sua tática é manter-se a mil anos-luz de distância de qualquer questão sensível aos interesses dos poderosos.

A vida lhes deu o melhor do mundo. Com um pouco de grandeza, poderiam transformar o Brasil em um lugar melhor. Mas preferiram a tarefa pequena: promover o nada, o não-debate, nunca se posicionar.

Por fora, um verniz de novidade. Por dentro, como há 100 anos, o mesmo oportunismo que serve apenas para manter as estruturas e classes sociais intocadas.

Loucura, loucura, loucura... 

*Daniel Vargas é Doutor em Direito por Harvard. 

Opinião

Carta do Rio de Janeiro: a Lava Jato parte para a ação política

A "Batalha Final" de Deltan Dallagnol parece ignorar os anos de engavetador geral e a própria seletividade da operação Lava Jato
por Vitor Martins Dias* — publicado 12/12/2017 00h16, última modificação 26/12/2017 20h57
Pedro de Oliveira/ALEP
Deltan Dallagnol em uma audiência pública em Curitiba em outubro de 2017

Deltan Dallagnol: a atuação é política e não jurídica

Em 27 de novembro de 2017, o procurador da República Deltan Dallagnol, mais uma vez, foi parar no centro dos holofotes ao afirmar que “2018 é a batalha final da Lava Jato, porque as eleições de 2018 determinarão o futuro da luta contra a corrupção no nosso País”. A declaração ocorreu em uma coletiva de imprensa na Procuradoria da República no Rio de Janeiro. Neste evento, procuradores de Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo – centros das forças tarefas da Operação Lava Jato – assinaram e divulgaram um documento intitulado “Carta do Rio de Janeiro”.

Primeiramente, a estrutura da fala do procurador deve ser analisada em conjunto com as suas funções institucionais enquanto membro do Ministério Público. Havendo indícios de autoria e materialidade do delito, segundo o artigo 129, I, da Constituição Federal, cabe ao MP iniciar “a ação penal pública, na forma da lei”. Como pode, então, essa batalha ser final se a luta contra a corrupção é um valor inerente à manutenção do já fragilizado Estado democrático de direito brasileiro?

A declaração de Deltan sugere, por um lado, que se existe um ponto final nessa batalha, trata-se da sua participação nessa luta. A instabilidade dos sistemas político e econômico e as mudanças institucionais recentes no comando do Ministério Público Federal (MPF) levam a crer que isso seja possível. Deltan, particularmente, perdeu fôlego ao longo de muitas coletivas de imprensa sem sequer ter participado de uma única audiência processual na presença de um dos principais investigados da Lava Jato, o ex-presidente Lula.

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Por outro lado, é possível interpretar que a perspectiva apresentada por Deltan refere-se à batalha final entre os membros do sistema jurídico e do sistema político sobre o tipo ideal de candidatos, eleições e política após 2018. Para tanto, é preciso analisar a fala do procurador conjuntamente com o conteúdo da Carta do Rio de Janeiro. Este documento é divido em oito pontos, os quais analiso abaixo.

Uma primeira limitação do texto é a menção aos problemas da corrupção no sistema político apenas. Ocorre, contudo, que a falta de controle adequado sobre atos administrativos é um grande gargalo do Estado brasileiro no combate à corrupção, não se restringido a órgãos e atores do sistema político. Por exemplo, em vários anos, o Judiciário e o MP foram identificados como as instituições que menos cumpriram a Lei de Acesso à Informação. Isso mostra a dificuldade em, primeiro, se obter dados para, posteriormente, controlar atos administrativos de forma eficaz no Brasil.

A própria Lava Jato emergiu em um contexto em que diversos órgãos de controle e o próprio Judiciário falharam em apurar ilicitudes que vinham ocorrendo há décadas, como sugerem documentos de governos anteriores ao da ex-presidente Dilma.

Com a Lava Jato, esses mesmos órgãos se redimem com a opinião pública sob o argumento de que “desde 2014, a Lava Jato vem revelando” a disseminação da corrupção no sistema politico brasileiro. Se 2014 é esse divisor de águas no combate à corrupção, Deltan e os demais procuradores sugerem que seus antecessores não trabalharam adequadamente para impedir essa disseminação da “corrupção endêmica” no Brasil por não terem investigado esses casos de forma eficiente antes de 2014. Nesse sentido, a Carta do Rio de Janeiro apenas enfraquece o papel e a imagem do Ministério Público.

Ademais, são apresentados alguns resultados da operação. Fala-se em acusações, prisões, condenações, buscas e apreensões e outras medidas relacionadas à esfera penal. Porém, estes resultados causam uma distorção que cria um espetáculo em torno da atuação criminal apenas, o que já foi analisado sob outra ótica. Dados indicam que nas ações de improbidade administrativa, que poderiam ajudar a mitigar a “corrupção endêmica” citada na carta dos procuradores, se tem condenado agentes públicos (não apenas políticos) muito mais por violações de princípios administrativos que por enriquecimento ilícito. Apesar das esferas civil e penal serem independentes, seria importante conhecer o trabalho do MPF em ações civis que porventura tenham precedido as ações penais da Lava Jato.

Em seguida, os procuradores não são tão detalhistas com os dados sobre membros do sistema político como quando falaram dos resultados da Lava Jato. Afirmam, genericamente, que “políticos envolvidos nos crimes” não foram afastados. Citam os desdobramentos da CPI da Petrobras, da CPMI do JBS e projetos de lei “prejudiciais à punição dos grandes corruptos”.

Lava Jato
Ato de apoio à Lava Jato em Brasília: a carta dos procuradores traz ainda mais polarização (Foto: Antonio Cruz / Agência Brasil)

Por exemplo, ao se discutir no Congresso mudanças quanto ao abuso de autoridade, isto serviria para “intimidar as autoridades”. Hipoteticamente, considere-se que este seja, de fato, o intuito do Congresso. Ainda assim, caberia aos procuradores ajuizar as ações competentes para remediar quaisquer injustiças geradas pelo legislativo. Afinal, o texto constitucional estabelece poderes para o MP, mas não apenas ele, para litigar em casos de vício da atuação legislativa.

O que causa estranheza é o fato dos procuradores não optarem pelos poderes expressos lhes conferidos pela Constituição Federal para exercer sua voz por meio de um procedimento judicial, mas sim tratar do assunto via coletiva de imprensa. Agindo desse modo, o Ministério Público, na figura dos autores da Carta do Rio de Janeiro, passa de uma atuação jurídica para uma clara atuação política.

No ambiente político, contudo, os procuradores estão lutando fora de casa, já que o MP é uma instituição do sistema jurídico. E um dos pilares de sustentação política é a opinião pública, com a qual os procuradores tentam dialogar. A Carta do Rio de Janeiro termina pedindo aos eleitores que escolham “apenas deputados e senadores com passado limpo (...) e que apoiem efetivamente a agenda anticorrupção”. Antes dessa conclusão republicana, os procuradores ainda pedem ao povo que acompanhe e suporte os seus atos nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal e suas manifestações no Congresso.

Portanto, se 2018 será a batalha final da Lava Jato, a Carta do Rio de Janeiro oferece todos os indícios de que essa será uma guerra política. Os membros do sistema jurídico representados pelos procuradores das forças tarefas já estão no campo de batalha contra os membros do sistema político.

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Tal como colocado na carta, os que se alinharem aos procuradores na hora de selecionar um candidato são contra a corrupção e os que se opõem não o são. Do mesmo modo, todos os candidatos que ainda respondem a um processo criminal iniciado pela Lava Jato, ainda que sem julgamento transitado em julgado, são corruptos.

Se pensarmos por essa lógica, apesar de o MPF ser um órgão bem equipado e contar com profissionais qualificados, não há como se investigar adequadamente todos os candidatos em 2018. Como, então, os procuradores que assinam a carta poderão justificar o foco investigativo em um ou em outro candidato? Além disso, independente de partido político, há uma judicialização cada vez maior de prestações de contas eleitorais de candidatos. Só pelo fato de um candidato ter exercido cargo eletivo, ele tem maiores chances de responder a um processo judicial decorrente da sua gestão. Estará ele, então, em desvantagem em comparação com um candidato que nunca exerceu cargo eletivo por não ter um “passado limpo” como colocam os procuradores?

As perguntas acima não são respondidas na Carta do Rio de Janeiro. Nem há menção à continuidade da luta contra a corrupção após 2018. Mas o arsenal político dos procuradores da Lava Jato já foi apresentado. Num contexto político polarizado como o atual, o conteúdo desta carta apenas contribui para aumentar esta polarização. Mais divisão numa sociedade já desigual e polarizada é tudo o que não precisamos para lutar na batalha contra a corrupção enquanto sociedade.

Por isso, não necessitamos de uma Carta do Rio de Janeiro para 2018, mas sim de uma nova Carta aos Brasileiros, ressaltando os valores do Estado democrático de direito, entre eles, o da política, ainda que imperfeita.

*Vitor Martins é Bacharel e mestre em Direito. Doutorando em Sociologia na Universidade de Indiana, em Bloomington (EUA)

Direitos individuais

É preciso discutir a sério o aborto

O projeto aprovado por uma comissão da Câmara dos Deputados vai na contramão do tratamento do tema no mundo desenvolvido
por Afonso Oliveira Júnior* — publicado 30/11/2017 03h36, última modificação 03/12/2017 10h31
Tomaz Silva/Agência Brasil
Manifestação aborto

Manifestação a favor do direito de escolha

Uma comissão especial da câmara dos deputados, criada como uma resposta à decisão do Supremo Tribunal Federal de não considerar crime a interrupção da gravidez em caso de anencefalia, vista como um primeiro passo rumo à futura descriminalização pela via judicial, aprovou o texto de uma proposta de emenda constitucional que inicialmente tinha o condão de ampliar a licença-maternidade no caso de nascimento prematuro.

O texto passou a dispor também sobre a criminalização do aborto em qualquer hipótese, incluídos até os casos de gravidez decorrentes de estupro, em relação aos quais hoje resta afastada a punibilidade por norma do Código Penal, e a gestação de fetos anencefálicos.

Muito embora a proposta possa ser vista como mais uma cortina de fumaça moral para demonstrar força e desviar a atenção da pauta economicamente relevante (como o estatuto da família ou a redução da maioridade penal) e de difícil êxito (dado que para além de seu caráter polêmico, é ainda uma emenda constitucional e portanto requer maioria qualificada), a simples aprovação em comissão da câmara tem gerado ampla inquietação social.

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Dada a seriedade do assunto, qualquer possibilidade de aprovação de uma emenda com esse teor deveria levar a uma reflexão séria, com observação atenta de indicadores da realidade, a fim de se discutir com clareza as possíveis consequências, por meio de um profundo debate com a sociedade e com as principais interessadas, as mulheres.

Um amplo estudo realizado em 2010 demonstrou que mais de uma em cada cinco mulheres brasileiras, ao fim da vida reprodutiva, fez um aborto. A mesma pesquisa demonstrou ainda que a prática se mostra muito mais comum entre mulheres com menor escolaridade, pretas, pardas e indígenas habitantes nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

E que em cerca de metade dos casos a utilização de medicamentos foi o método utilizado para indução do último aborto e que também em cerca de 50% houve internação após a interrupção voluntária da gestação.

Não existem dados oficiais a respeito, e, por ser tal prática considerada crime no Brasil, existe uma natural resistência por parte dos envolvidos em relatar o ocorrido. Sabe-se que apenas o SUS realiza mais de 250 mil cirurgias anuais de curetagem decorrentes de aborto (a depender do ano, a cirurgia mais realizada no Brasil ou a segunda mais realizada, atrás apenas do parto normal), o que serve para dar uma ideia da dimensão do problema.

De acordo com os dados existentes, a estimativa é que algo entre 750 mil e um milhão de abortos são realizados a cada ano no Brasil, número superior ao estoque total da população carcerária no País, de 620 mil presos.

Guarde esse dado: se prendermos durante alguns meses as brasileiras que realizam abortos, nossa população carcerária vai dobrar. Em poucos anos, alcançaríamos um percentual imenso da população encarcerada se essa decisão de política criminal fosse efetivada.

Existem ainda outras graves consequências diretamente extraídas da regra penal proibitiva, e uma delas é o não oferecimento do procedimento no SUS e a inevitável existência das clínicas clandestinas de altíssimo custo para a gestante, em geral, proibitivo, e sem qualquer fiscalização sanitária.

Um amplo dossiê realizado em 2005 mostra que à época o custo do aborto numa clínica clandestina variava entre 1,5 mil a 3,5 mil reais. Corrigidos pela inflação, em 2015 esses valores equivaleriam a um custo entre 3 mil e 7 mil por procedimento.

Em um país onde o valor dessa operação cirúrgica é maior que a própria renda mensal para mais de 90% da população e, mais revelador, que mais da metade da renda anual para mais de 50% da população não surpreende que metade dos abortos tenham sido praticados por meio da autoingestão de medicamentos ou da introdução no útero de objetos cortantes, dada a impossibilidade de custeio do procedimento cirúrgico para a maioria das mulheres.

O Cytotec, marca fantasia mais famosa sob a qual é vendido o Misoprostol, medicamento para úlcera largamente utilizado para práticas abortivas, pode ser facilmente encontrado na internet por preços abaixo de 200 reais, mas são conhecidos os riscos de insucesso e sequelas tanto para a mãe quanto para o feto. Metade das mulheres que realizaram um aborto se valeram de medicamentos para tanto.

Não é preciso muito esforço para concluir que a chance de vir a óbito em virtude de complicações decorrentes de aborto aumenta conforme se é mais pobre. Pela própria estrutura do sistema penal, a possibilidade de se ter problemas com a Justiça em decorrência de tal fato também apresenta o mesmo quadro (e a própria incidência proporcional de abortos é maior em mulheres de escolaridade e renda menores).

Em que pese a frequência social dessa prática e a atuação histórica veemente de certos segmentos religiosos na busca de manter o quadro legal de criminalização, estudo realizado por Marcelo Medeiros e Débora Diniz destacou ainda a irrelevância estatística da filiação religiosa no que tange à possibilidade de a mulher praticar o aborto.

Pouco menos de dois terços das mulheres que fizeram aborto são católicas (aproximadamente a proporção católica da população), um quarto delas são protestantes ou evangélicas (o que igualmente traduz a proporção aproximada desse segmento na população) e menos de um vigésimo é de outras religiões.

Importante destacar que, embora a defesa da criminalização e da consequente não-inserção no âmbito do SUS de uma política pública de realização do procedimento seja movida por segmentos religiosos e seus representantes legislativos, existem na própria Igreja Católica (cuja opinião é de relevância destacada por representar, no último censo, mais de 60% da população brasileira) uma série de movimentos pró-escolha (contrários portanto à posição ainda hegemônica da instituição).

No segmento neopentecostal, o tema é controvertido e são diversas as manifestações públicas em defesa da descriminalização do aborto. A mais relevante delas é a frequente defesa do direito à escolha por parte do bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, a maior denominação religiosa dentre as neopentecostais. No judaísmo, em caso de risco à mãe, o aborto é permitido.

Considerando-se então que entre 750 mil e um milhão de abortos são realizados por ano no Brasil e onde mais de um quinto das mulheres ao fim da vida reprodutiva realizou ou terá realizado um aborto, e onde metade dessas mulheres que praticam o aborto tem de ser internada após a interrupção, salta aos olhos que a norma que criminaliza o aborto não tem obtido grandes êxitos no que se refere a seu efeito intimidador/desestimulante da prática (para que a mulher se veja compelida a levar até o fim a gravidez indesejada), mas, ao contrário, pode ser apontada como a causa de inúmeras mortes de mulheres e de imposição de graves sequelas a muitas outras.

Outra referência útil para uma discussão séria é o fato de que no mundo desenvolvido o aborto, ao menos até o terceiro mês de gestação, não pode ser criminalizado. Nos EUA, desde 1973 (com o caso Roe vs. Wade) e na Alemanha desde 1975 (BVerfGE 39:1) as cortes constitucionais decidem nesse sentido. Mesmo no âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos, à qual o Brasil é vinculado, existe decisão (Caso Artavia Murillo) no sentido de afirmar a impossibilidade da criminalização.

O estudo realizado pelos pesquisadores de Brasília afirmou ainda que “os níveis de internação pós-aborto são elevados e colocam o aborto como um problema de saúde pública no Brasil. Cerca de metade das mulheres que fizeram aborto recorreram ao sistema de saúde e foram internadas por complicações relacionadas”.

Afirmou-se ainda que “boa parte dessa internação poderia ter sido evitada se o aborto não fosse tratado como atividade clandestina e o acesso aos medicamentos seguros fosse garantido”.

Um dos princípios fundamentais adotados no ordenamento jurídico brasileiro prescreve que o direito penal deve ser mínimo, isto é, devem ser criminalizadas apenas as condutas de maior reprovação social, com danos à esfera jurídica de outrem.

Não é papel da política criminal numa democracia determinar como criminosa a conduta de quem não age de acordo com uma dada concepção religiosa ou moral, sobretudo à custa de tantas vidas e consequências trágicas.

É no mínimo lamentável que num momento histórico no qual a discussão deveria girar em torno da redução de nosso atraso de meio século em relação ao mundo desenvolvido nesse tema, tratando da descriminalização e inclusão dos procedimentos no SUS de modo a evitar mortes absolutamente desnecessárias, o debate seja pautado por uma possibilidade de ampliação do alcance da norma penal.

*Doutorando em direito com co-orientação em ciência política (USP)

Correntes de pensamento

Em busca da social-democracia brasileira

A esquerda que superou o fetiche do estatismo, reconhece os benefícios do mercado e não faz concessões ao autoritarismo precisa se unificar
por David Carneiro* — publicado 16/11/2017 11h38, última modificação 16/11/2017 13h05
Paulo Pinto/AGPT
Em busca da social-democracia

Ato na Praça da Sé contra a reforma trabalhista

No Brasil, a verdadeira social-democracia está dispersa. Depois de anos de experiência progressista de governo, entre avanços sociais e desvios éticos e programáticos, muitos jovens militantes, sindicalistas, estudantes e intelectuais fragmentaram-se em pequenos coletivos ou grupos de discussão. Os que permaneceram nas vidas partidárias e das grandes organizações muitas vezes têm dificuldades internas de exprimir seus pontos de vista e sentem-se desconfortáveis com camisas e rótulos que não lhes servem. Mas quem são os social-democratas? O que é a social-democracia brasileira?

O termo, identificado com o socialismo reformista, ao menos desde a grande cisão no movimento socialista internacional ocorrido em 1919, passou por grandes ressignificações ao longo do século XX. Se os social-democratas estiveram à frente da implementação de uma série de reformas sociais fundamentais por onde governaram, seus partidos e organizações não ficaram imunes à crise das grandes utopias e às próprias mudanças estruturais no mercado e no mundo do trabalho. Nas últimas décadas, a social-democracia no governo contentou-se em “humanizar o existente”, aplicando, com mediações pontuais e contrapontos identitários, o programa do neoliberalismo

Nessa situação, tal significante deveria ser pouco mais que uma curiosidade histórica ou, como de fato ocorre, um adorno ideológico para partidos de direita. Por que então o termo continua importante para tanta gente na esquerda? Correndo um risco da simplificação, responder a essa questão pode servir para simbolizar o desconforto e a diáspora comum a muitos que querem seguir um novo rumo e, ao mesmo tempo, livrar a si mesmos de representações que consideram, a um só tempo, anacrônicas e redutoras.

Em primeiro lugar, social-democratas de hoje não utilizam a muleta teórica da “dialética” para disfarçar a falta de imaginação política. Sabem que a resposta não será dada “no processo histórico” e que são absolutamente responsáveis por ter ou não respostas aos problemas dos cidadãos, por saber ou não implementá-las de modo eficiente. Para os social-democratas existem soluções boas e ruins, mas não existe o lado certo da história. 

Em segundo lugar, social-democratas aprenderam, seja na luta contra a ditadura, seja na construção da democracia contra o Estado oligárquico e de exceção, a importância das liberdades individuais e das garantias democráticas. Para eles, a radicalização da democracia não é apenas o fortalecimento do assembleísmo, mas a valorização profunda da autonomia e da reflexividade humanas. Para os social-democratas, não existem bons e maus ditadores e a existência do fascismo não é uma desculpa para adotar práticas similares àquelas do fascismo, mas dobrar a aposta na democracia. 

Em terceiro lugar, por não acreditarem em filosofias da história enigmáticas e valorizarem a reflexividade, social-democratas revisam periodicamente seus programas, desafiam seus dogmas e sacrificam verdades consagradas ao altar das melhores evidências disponíveis. Ao superar, por exemplo, a disputa hidráulica entre mais Estado e menos mercado e vice-versa, sabem que ambos são apenas instrumentos maleáveis a serviço da transformação social.

Social-democratas também enfrentam seus dilemas. Confrontam-se permanentemente com o fantasma da mera humanização do existente, como se a distribuição marginal da renda fosse o horizonte último de seus esforços. Por isso, muitos preferem assumir outras identidades, que os lembrem dos fundamentos utópicos de seu nascimento, dos sonhos de emancipação do trabalho e do engrandecimento de homens e mulheres comuns. Justamente por adotar, no presente, a prática como critério da verdade é que são, porém, genuinamente social-democratas.

No Brasil, contra as versões sociais-liberais genéricas, os verdadeiros social-democratas também sabem muito bem da vocação colonial e golpista das elites brasileiras, não acreditam no discurso que as instituições, muitas vezes oligárquicas e partidarizadas, fazem sobre si mesmas. Criticam duramente o oligopólio dos meios de comunicação. Por outro lado, contra seus pares niilistas, usam a crítica, mais uma vez, para dobrar a aposta democrática e não para reificar as instituições como meras mistificações de classe.

A verdadeira social-democracia brasileira merece se reunir mais uma vez como força política unificada. Por ora, oscila entre o desconforto da adesão às alternativas sociais-liberais e a convivência com discursos e referências estéticas de uma esquerda anacrônica, aguardando o momento de construir uma força radicalmente democrática e que possa liberar, contra todos os tipos de determinismo, a imaginação institucional a serviço de um mundo melhor. 

*É doutor em Direito pela UERJ 

Análise

Balanço da gestão Doria nas finanças públicas, educação e saúde

A falácia do “rombo” fiscal esconde as razões dos cortes nas áreas sociais
por Rafael Bianchini Abreu Paiva* — publicado 08/11/2017 03h00, última modificação 26/12/2017 20h50
Rovena Rosa/Agência Brasil
Balanço da gestão Doria nas finanças públicas, educação e saúde

Doria, gestor de si mesmo

A relação entre a Dívida Consolidada Líquida (DCL) e a Receita Corrente Líquida (RCL) é o principal indicador utilizado para avaliar a higidez fiscal de estados e municípios. Devido à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a partir de 2017 os municípios com relação DCL/RCL superior a 120% não podem receber transferências voluntárias da União.

No início da administração de Fernando Haddad na prefeitura de São Paulo, a DCL/RCL era igual a 197%. Ao longo dos quatro anos de administração, a queda acumulada de 4% no Produto Interno Bruto (PIB) comprimiu receitas e aumentou a pressão pela oferta de serviços públicos.

Ainda assim, quando João Doria assumiu a prefeitura, a DCL/RCL era de 92%. Embora boa parte dessa redução se deva à renegociação da dívida entre a prefeitura e a União ocorrida no início de 2016, a renegociação da dívida somente foi possível porque a cidade se encontrava com as finanças equilibradas: entre 2013 e 2015, a DCL/RCL caiu para 182%.

Ademais, em 2016, ano eleitoral, a gestão Haddad aumentou as tarifas de ônibus em 8,6% e cortou as despesas com publicidade para menos da metade do valor empenhado em 2015, segundo dados publicados pelo Relatório Anual de Fiscalização (RAF), elaborado pelo Tribunal de Contas do Município de São Paulo.

Por essa razão, houve estranhamento quando Doria alegou que a prefeitura teria um rombo de 7,5 bilhões de reais. Segundo o RAF, no fim de 2016 o caixa era de mais de 5,35 bilhões, sendo dois terços desses recursos vinculados a determinados usos (3,6 bilhões) e um terço (1,74 bilhão) desses recursos livres.

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O artigo 42 da LRF determina que no fim do mandato as disponibilidades sejam suficientes para cobrir as obrigações financeiras de curto prazo, que encerraram no ano passado em 1,44 bilhão de reais. Portanto, no fim do mandato de Haddad, o caixa da PMSP excedia o mínimo legal em mais de 305 milhões.

A prefeitura tem enfrentado dificuldade de caixa devido à decisão de manter congelada a tarifa de transportes coletivos em 3,80 reais, decisão que custará cerca de 400 milhões ao longo de 2017, valor superior ao caixa livre que a PMSP tinha no final de 2016. Portanto, foi o cumprimento dessa promessa de campanha de Doria que exauriu o caixa livre da prefeitura, não um suposto rombo nas contas.

O alegado valor de 7,5 bilhões de reais decorre de uma interpretação desonesta do significado das estimativas de receitas que constam das leis orçamentárias anuais (LOAs). Qualquer gestor com conhecimentos rudimentares de finanças públicas sabe que as estimativas não são uma previsão exata, mas uma projeção do máximo que seria arrecadado no ano.

Politicamente, isso é uma forma do Poder Executivo depender menos do Legislativo ao longo do ano. No caso, a Lei 16.608/16, que disciplina o orçamento deste ano prevê receitas de 54,7 bilhões, valor significativamente superior à receita efetivamente arrecadada, que nos 12 meses encerrados em setembro de 2017 foi de aproximadamente 49,7 bilhões.

Mesmo se não soubesse dessa dinâmica, qualquer um com acesso à internet poderia verificar nos Balancetes orçamentários da PMSP, que, com exceção de 2010, ano em que o Brasil teve o maior crescimento econômico das últimas três décadas, as receitas efetivamente arrecadadas têm sido significativamente menores que as respectivas previsões nas LOAs. Ainda assim, nos nove primeiros meses de 2017 a prefeitura arrecadou 35,7 bilhões de reais, valor 6,9% superior ao arrecadado no mesmo período do ano passado. Se há alguma surpresa quanto à arrecadação da cidade, ela é positiva.

Portanto, a ideia do rombo orçamentário é simplesmente mentirosa. Mesmo após uma profunda recessão, Doria assumiu a prefeitura com sobra de caixa de mais de 305 milhões de reais, que evaporou com apenas uma decisão eleitoreira. Isso, por sua vez, é o que explica os diversos cortes na assistência social, educação, saúde e paralisação de obras essenciais nessas áreas prioritárias.

O artigo 212 da Constituição determina que os municípios apliquem 25% da receita líquida de impostos em ações de manutenção e desenvolvimento de ensino (MDE), sendo que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) determina o que pode (art. 70) ou não (art. 71) ser considerado MDE.

Como a LDB é silente com relação aos proventos de servidores inativos, a Lei Municipal 13.245/01 autorizava, em seu art. 2º, IX, a prefeitura a incluir a despesa com servidores inativos da educação para atingir o mínimo constitucional. De fato, não fosse a referida lei, a prefeitura não teria conseguido cumprir com o mínimo constitucional até 2013. A Lei Municipal 15.963/2014 determinou a redução do percentual das despesas com inativos para fins de atendimento ao mínimo constitucional até sua completa exclusão a partir de 2018.

Quando se cruza os dados do RAF publicados anualmente pelo Tribunal de Contas com o Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (SIOPE) é possível constatar que, entre 2014 e 2016, a prefeitura gastou entre 25,9% e 26,5% dos impostos com MDE sem ter de incluir as despesas com inativos, cumprindo desde 2014 algo que somente será obrigatório a partir do ano que vem. Infelizmente, isso não vem ocorrendo neste ano.

De janeiro a agosto de 2017,  reduziu as despesas com MDE para apenas 23,9% dos impostos, mesmo incluindo 20% das despesas com inativos da educação, como autorizado pela Lei Municipal 15.963/2014. Desse modo, ou a PMSP aumenta a despesa com MDE no último quadrimestre, ou descumprirá o art. 212 da Constituição Federal.

Um reflexo evidente na redução das despesas com educação é a queda abrupta no ritmo de criação de vagas na educação infantil (0 a 5 anos), etapa de ensino de competência dos municípios. Segundo a Secretaria Municipal da Educação (SME), de janeiro a setembro de 2017, houve aumento de 10,1 mil matrículas na rede municipal de educação infantil, queda de 70% em relação ao mesmo período do ano passado e de 42% em relação às 17,3 mil vagas criadas nos 9 primeiros meses da administração Haddad.

Há que se fazer algumas ponderações: durante a administração de Haddad, nem todas as escolas da rede municipal ofereciam ensino fundamental a partir dos 6 anos de idade e havia uma demanda não atendida por vagas em pré-escolas (4 e 5 anos), etapa que atualmente é obrigatória.

Por essa razão, do aumento de 101,9 mil matrículas no ensino infantil ocorrida entre 2013 e 2016 (administração Haddad), 31,8 mil (31%) foram em pré-escolas e o restante, pouco mais de 70 mil matrículas, em creches (0 a 3 anos).

Desse modo, no início do mandato de Doria, a demanda por vagas em pré-escolas era localizada e residual, exigindo aumento de pouco mais de 4 mil vagas no primeiro semestre. Com toda a rede municipal oferecendo ensino fundamental em 9 anos e com a demanda por pré-escolas zerada, era de se esperar que a nova gestão se concentrasse na expansão do número de vagas das creches municipais, principalmente levando-se em conta que durante a campanha o tucano prometeu zerar a demanda existente até o fim de 2017, meta adiada para o início de 2018.

Com paralisação generalizada de obras de construção de escolas, até setembro a atual administração criou quase 5,8 mil vagas nas creches municipais, apenas um quarto do aumento nas matrículas ocorridos no mesmo período de 2016. Com esse ritmo lento de criação de vagas, a demanda por vagas em creches, de mais de 132 mil vagas, caiu apenas 0,5% em relação a setembro de 2016. As famílias mais pobres, que não têm condições de arcar com os custos de creches particulares, são as principais prejudicadas pelos cortes na educação.

Cortes na saúde e paralisação das obras de hospitais na periferia

Em 2016, Haddad elevou as despesas com saúde para 22,4% dos impostos, valor expressivamente acima dos 18,1% de 2012 e dos 15% estipulados pelo art. 7º da Lei Complementar 141/12. Em grande medida, foi esse aumento relativo das despesas com saúde que possibilitou o início da construção dos hospitais da Brasilândia e de Parelheiros, regiões periféricas com déficit de leitos e indicadores de saúde bastante precários, conforme se pode verificar no Mapa da Desigualdade.

Doria reverteu essa trajetória e, de janeiro a agosto de 2017, a PMSP gastou 19,8% dos impostos com saúde, congelando diversas verbas, fechando algumas unidades de saúde e paralisando as obras dos hospitais da Brasilândia e de Parelheiros, sendo que o último estava quase pronto.

Não por outra razão Doria tenta direcionar todas as discussões sobre saúde pública no “Corujão”, programa que consiste na realização de alguns exames em hospitais privados durante a madrugada. O programa diminuiu a fila para exames, mas isoladamente é um problema secundário na gestão municipal de saúde pública, que possui desafios mais complexos.

Gestor... da própria imagem

No início do mandato, Doria adotou uma estratégia de comunicação que consistia em transmitir a imagem de um gestor eficiente, que resolve rapidamente problemas de longa data do município, como pichações, limpeza pública, fila de espera para exames de imagem etc.

Essa comunicação centrou as críticas e elogios em temas de menor importância e, inicialmente, alavancou a popularidade do prefeito. Ao longo do tempo, aumentou a percepção da população de que as ações do prefeito tiveram efeito efêmero e aquém do necessário, o que explica em boa parte sua queda de popularidade. Neste artigo procuramos demonstrar que os resultados da atual gestão são ainda piores, pois a deterioração de indicadores em áreas prioritárias como finanças públicas, assistência social, educação e saúde ficou de fora dos holofotes e do debate público.

*Rafael Bianchini Abreu Paiva é Bacharel em Economia (Unicamp), Bacharel, Mestre e Doutorando em Direito (USP) e Analista do Banco Central do Brasil

Opinião

Democratização dos partidos: a agenda (quase) ausente na reforma política

No Brasil, muitos partidos ainda têm "donos" e funcionam como feudos. Algumas mudanças poderiam alterar esse quadro
por David Carneiro* — publicado 25/10/2017 00h28, última modificação 26/12/2017 21h01
Lula Marques /AGPT
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Democracia também deve funcionar dentro dos partidos

Partidos políticos são fundamentais para a democracia. Ainda que não sejam o único vetor de organização democrática, os partidos têm sido, pelo menos até agora, uma peça fundamental na agregação de interesses e ideias, organização dos parlamentos e produção e sustentação de governos. Mesmo quando não detêm o monopólio da representação, como detêm no Brasil, os partidos são atores proeminentes nas democracias contemporâneas.

Dado esse papel, fica a pergunta: não deveriam os partidos, como atores proeminentes nas democracias, serem democráticos também da porta para dentro? Trata-se de uma pergunta nada trivial, que vem, inclusive, capturando a imaginação sociológica desde o clássico ensaio de Michels, sobre a “lei de ferro (ou bronze) da oligarquia” e as tendências não-democráticas de todas as organizações que, com a divisão do trabalho, produzem também interesses especiais.

Mas se “quem diz organização, diz oligarquia”, várias têm sido as estratégias, em diversas partes do mundo, para contrapor essas tendências. Na Alemanha, por exemplo, o “Ato dos partidos políticos”, de 1967, foi considerado fundamental para a consolidação democrática do país e exige, por exemplo, igualdade de direitos entre filiados, renovação periódica dos comitês executivos e eleição de pelo menos dois terços dos órgãos deliberativos.

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A Lei Orgânica 6/2002, da Espanha, é outro exemplo de estatuto legal que avançou sobre a necessidade de democracia interna dos partidos políticos. Dentre outras coisas, dispõe que os partidos devem ajustar suas organizações e atividades aos princípios democráticos e que os órgãos diretivos devem ser preenchidos mediante voto livre e secreto. Já a Lei Orgânica no.2/2003, de Portugal, prevê que as organizações partidárias devem ser regidas pelos princípios da “organização, gestão democrática e participação dos filiados”, exigindo também equilíbrio entre os gêneros nas direções partidárias.

Na América Latina, o Chile é um exemplo de país que também avançou nesse sentido. Com as reformas trazidas pela Lei no.20.925/16, os partidos políticos devem conter especificação detalhada dos direitos dos filiados, dentre os quais participar das instâncias partidárias e possuírem direito a voto nas eleições internas. Preveem ainda a necessidade de contratação de auditoria externa para a prestação de contas e suas submissões à Lei de Acesso à informação.

No Brasil, sempre houve uma resistência histórica ao avanço da legislação sobre a vida interna dos partidos. Segundo o cientista político Bolívar Lamounier, um dos argumentos públicos levantados é o de que, no contexto da redemocratização, os partidos buscaram fugir da designação de “pessoas de direito público interno”, o que lhes dava a conotação de “braços do estado”. Os debates no curso da redemocratização sempre atuaram no sentido da “desregulamentação”.

Recentemente, com o crescente debate acerca da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, experiências frustradas de muitos militantes e políticos com mandato e, principalmente, pressões da sociedade, o debate volta à tona. Não bastasse isso, a própria Constituição afirma em seu art. 17 que os partidos devem resguardar o regime democrático e os direitos fundamentais da pessoa humana. Não há por que interpretar que possam, já que não devem, atuar como pequenas ditaduras ou feudos dentro de suas próprias instâncias.

No curso dos debates acerca da reforma política de 2017, o relatório do deputado Vicente Cândido (PT-SP) chegou a propor algumas medidas de promoção da democracia partidária. Dentre elas, o estabelecimento de princípios na Lei 9096/95 (a Lei dos Partidos Políticos), como a renovação periódica das direções, gestão democrática dos filiados e transparência na utilização de recursos públicos e privados. Além disso, chegou a estabelecer a necessidade de realização de prévias ou primárias para a escolha dos candidatos de cada partido. Infelizmente, essas medidas não obtiveram maioria e foram retiradas na fase de Plenário.

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A bandeira da democratização dos partidos sofreu ainda um segundo golpe com a constitucionalização das comissões provisórias na votação da PEC 282 (aprovada como Emenda Constitucional 97/17), que tratava do fim das coligações proporcionais e estabelecimento da cláusula de desempenho.

As comissões provisórias, ainda que nem sempre o sejam, têm sido um instrumento muito utilizado pelos partidos para manter indivíduos ou grupos diretamente indicados pelas cúpulas partidárias nos estados e municípios, sem que os partidos se institucionalizem e possam ganhar uma vida orgânica e democrática.

Estima-se, atualmente, que 80% dos órgãos partidários municipais sejam comandados por comissões provisórias. Nos Estados, esse percentual é de cerca de 56%. Apenas PT e PSOL indicaram voto contra a constitucionalização. Rede liberou a bancada, mas o Deputado Miro Teixeira também declarou pessoalmente o voto contrário.

De todo o modo, o debate segue. O argumento da autonomia total como condição de liberdade não mais prospera, tanto pela experiência internacional, quanto pelos preceitos constitucionais e as próprias exigências que a Lei dos Partidos já faz no Brasil, como a igualdade de direitos entre os filiados (art. 4º) ou mesmo o amplo direito de defesa na apuração de infrações e aplicação de penalidades (art. 15º).

É preciso, de certo, ter cuidados com algumas disfuncionalidades que exigências de democratização podem gerar, como problemas à coesão partidária e mesmo a reprodução interna de fenômenos como a patronagem e captação ilícita de sufrágio. No país em que muitos ainda são conhecidos como os “donos do partido”, no entanto, a não-democracia continua sendo o pior dos mundos. 

*David Carneiro é doutor em Direito pela UERJ. 

Livro

Deaton: o mundo avança, mas desigualdade é o grande desafio

Em "A Grande Saída", o nobel de economia Angus Deaton discute os avanços na luta contra a pobreza e os desafios da desigualdade crescente
por David Carneiro* — publicado 13/10/2017 06h00, última modificação 26/12/2017 21h19
Holger Motzkau - CC
Angus Deaton

Para o Nobel de Economia, desigualdade é uma ameaça ao bem-estar global

Ao contrário dos que pregam o iminente colapso do mundo e a debacle econômica generalizada, forjada “nas próprias contradições internas do capitalismo”, para o escocês Angus Deaton, vencedor do prêmio Nobel de economia, o mundo melhorou. Esse é o tema de “A grande saída: saúde, riqueza e as origens da desigualdade”, publicado recentemente no Brasil pela editora Intrínseca.

Do lado de Deaton, os números. O livro aponta para uma série de conquistas humanas, em grande parte incontroversas. Crianças nascidas na África subsaariana têm mais chance, hoje, de completar cinco anos do que tinham as nascidas na Inglaterra do século XVIII. Desde a década de 60, a expectativa de vida ao nascer dispara na maior parte do mundo.

Por outro lado, o autor reconhece que os processos recentes de fuga da morte e da miséria humanas nos últimos séculos foram também atravessados por processos de espoliação e subjugação de povos, aceitando em parte o adágio de que “todo o ato de civilização também é um ato de barbárie”. Para o economista escocês, os níveis de desigualdade também estariam se tornando alarmantes, o que prejudicaria, inclusive, a redução da pobreza e a expansão do bem-estar no mundo.

Seja como for, no entanto, o mundo teria mudado. Para Deaton, vivenciamos desde 1980 a maior e a mais rápida redução da pobreza mundial já vista, puxada, sobretudo, pelas melhorias nas condições de vida na Índia e na China. Entre 1981 e 2008, caiu de 40 para 14% a parcela da população com renda inferior a um dólar por dia. A despeito das controvérsias, estima-se também que a renda média de todos os habitantes do mundo teria crescido de sete a oito vezes entre 1820 e 1992. Por outro lado, cerca de um bilhão de pessoas ainda viveriam na penúria extrema. Desse modo, se muitos encontraram “a grande saída”, outros muitos ficaram para trás.

Mas a que fatores poderiam ser creditadas tantas mudanças? No que diz respeito à saúde, segundo Deaton, quando tentamos atrelar o início do crescimento econômico aos progressos alcançados, os calendários simplesmente não coincidem. As melhorias nos indicadores mostram-se demasiado uniformes e beneficiaram, muitas vezes, mesmo os países que apresentaram um crescimento pífio nas últimas décadas. O Haiti, por exemplo, cuja economia encolheu entre 1960 a 2009, teria logrado reduzir a mortalidade infantil com intensidade, muitas vezes, superior às visualizadas na China e na Índia.

Os resultados, segundo o economista escocês, deveriam ser creditados aos avanços no controle de doenças, principalmente em função de políticas de saúde pública. A assimilação da teoria microbiana das doenças, as melhorias no abastecimento de água, no saneamento básico e a vacinação periódica, por exemplo, foram alguns dos instrumentos utilizados em todo o mundo que melhoraram substancialmente a qualidade de vida da humanidade e lograram aliviar situações de penúria e privação extremas.

Segundo Deaton, as melhorias substanciais na qualidade de vida em todo o mundo não estariam sendo acompanhadas, por outro lado, de uma distribuição justa da riqueza global. Utilizando o exemplo dos Estados Unidos, o autor mostra que, a partir da década de 70, há uma dissociação entre crescimento econômico e redução da pobreza. “A maior renda estava indo para algum lugar, mas, sem dúvida, não para aqueles oficialmente classificados como pobres”, diz a certa altura.

A resposta estaria, em parte, na globalização. A migração dos postos de trabalho e o achatamento dos salários mostrariam que a abertura dos mercados, benéfica em muitos aspectos, segundo o economista, também produziria uma face perversa, gerando muitos “perdedores” no meio do caminho do “progresso”. Outra explicação restaria nos crescentes gastos com os serviços de saúde, que pesariam de forma demasiada no orçamento do trabalhador americano.

Deaton vai além, no entanto, ao mostrar que a desigualdade ou a “globalização” não são dados naturais, imunes às injunções e escolhas políticas. No caso da desigualdade, mostra por exemplo, o efeito das políticas de salário mínimo sobre a divisão da riqueza, aplicadas, muitas vezes, como se não houvesse contestação científica de seus pressupostos. Da mesma forma, os cortes de impostos para os mais ricos foram outro tipo de política deliberada que teriam feito crescer a desigualdade.

Nesse ponto, o economista contesta firmemente a ideia de que a crítica da desigualdade, per se, seria fruto do ressentimento contra os ricos, argumento corrente no debate ideológico. O ponto central, para Deaton, é que a desigualdade econômica estaria cada vez mais minando a igualdade política. Cada vez mais os muito ricos estariam influenciando o desenho das políticas públicas e as escolhas dos governantes. Quando somamos esse cenário a novas correlações encontradas entre desigualdade e uma série de males sociais, restaria claro que o combate às desigualdades não seria questão de ressentimento, mas uma agenda central para o bem-estar dos povos.

Ao narrar a “grande saída” ou a “grande fuga” da humanidade da morte e da privação, Deaton não enfrenta de maneira mais profunda os argumentos mais céticos em relação à globalização, reconhecendo, porém, que, excluído o desempenho chinês, de fato, a melhoria nas condições de vida vivenciada no mundo seria bem mais modesta. Da mesma forma, Deaton também não enfrenta problemas caros às maiorias trabalhadoras atuais, como as condições de trabalho e o peso da insegurança nas novas formas de vida geradas pelas demandas de flexibilização e similares.

Por outro lado, Deaton está longe de poder ser acusado de alguma visão celebratória da “Grande Saída”. A crítica de sua própria disciplina, a economia, das políticas públicas e da divisão de poder, somadas ao entusiasmo apenas moderado com o futuro da humanidade, são exemplos disso. No caminho no otimismo, restariam preocupações como o avanço de movimentos conservadores, representados no negacionismo climático e no fundamentalismo religioso. Sua crescente preocupação com a desigualdade, no mesmo sentido, mostra que, mesmo para um legítimo representante do mainstream econômico, há questões vitais para o futuro da humanidade que já não podem ser ignoradas.

* David Carneiro é Doutor em Direito pela UERJ

Quarta Revolução Industrial

Indústrias do futuro e o Brasil do futuro

Transformações em curso podem aumentar ainda mais o abismo social, mas também abrir janela histórica para formas mais colaborativas de produção
por Rodrigo Medeiros* — publicado 03/10/2017 00h13, última modificação 26/12/2017 21h22
Jonathan Juursema/Creative Commons Attribution-Share Alike 3.0 Unported
Impressora 3D

Uma das expressões da Quarta Revolução Industrial, a impressora 3D pode alterar radicalmente a oferta de bens e serviços

Tendo acumulado passivos ambientais e sociais, o Brasil precisa repensar urgentemente os caminhos do seu desenvolvimento. A grave crise econômica, política e institucional sinaliza para o fato de que devemos estar bem atentos para os problemas estruturais acumulados. Nesse sentido, o debate plural ganha grande destaque na articulação de políticas públicas.

Entre os desafios a serem enfrentados para termos um crescimento socialmente inclusivo, sustentado e sustentável do ponto de vista ambiental, merece destaque uma revolução produtiva em curso. A Carta 803 (01/09/2017), do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), traz reflexões relevantes sobre o futuro da indústria.

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A intensidade da crise sofrida pela indústria brasileira, entre 2014 e 2016, bem como a fragilidade da sua retomada na primeira metade de 2017, criam complexos desafios para que o setor se prepare para as profundas transformações tecnológicas que começam a redefinir o processo de produção industrial no mundo. Não se pode esperar que a indústria do futuro oferte tempo para a indústria brasileira se restabelecer.

Para o Iedi, “a incorporação no processo industrial de novas tecnologias, como a internet das coisas e inteligência artificial, que vem sendo denominada de Indústria 4.0, abre a possibilidade de integrar diferentes atividades internas à empresa, mas também toda sua cadeia produtiva, dos fornecedores de primeiro grau ao consumidor”. Esse viés tecnológico permitirá a personalização radical da oferta de bens e serviços. De certa maneira, ele deverá permitir a reconcentração de atividades produtivas nos países desenvolvidos.

Quatro áreas devem ganhar projeção no futuro – a da robótica e a de inteligência artificial, a da ciência da saúde humana, a de codificação do dinheiro, e a de big data. Elas se desenvolvem mais rapidamente nos países onde existe uma conexão entre impulso tecnológico e demanda tecnológica puxada. Esses países são aqueles que mais ativamente desenham políticas públicas para acelerar o surgimento da manufatura avançada.

Segundo afirma o Iedi, “além de ser o grande gerador de receitas fiscais para o Estado e de empregos de qualidade, o setor industrial é um destacado polo criador de novas tecnologias, fundamentais não apenas para o aumento da complexidade de produtos e processos no âmbito da indústria, mas também para o desenvolvimento de outros setores”. Estamos atrasados e desorganizados para essa corrida.

Não restam dúvidas de que o processo de desenvolvimento econômico é aplicável a situações de industrialização. De acordo com pesquisas, as diferenças de renda média entre países eram bem baixas antes da primeira revolução industrial, a partir da segunda metade do século XVIII: de um para menos de dois. Após processos diferenciados de industrialização, diferenças de renda média e de produtividade se mostraram claras.

O livro “A quarta revolução industrial”, de Klaus Schwab, editado pela Edipro, em 2016, traz reflexões oportunas. Crescentes automações de atividades e usos da inteligência artificial desafiam os mais diversos campos da vida humana. Schwab, que é fundador do Fórum Econômico Mundial, aponta três dimensões da revolução em curso – velocidade (ritmo exponencial em um mundo multifacetado), amplitude e profundidade (mudanças profundas no “como” fazemos as coisas) e impacto sistêmico (transformações de relações de produção entre e dentro de países). Um mundo mais conectado traz oportunidades e riscos.

Entre os riscos mapeados por Schwab, “os desafios criados pela quarta revolução industrial parecem concentrar-se principalmente no lado da oferta – no mundo do trabalho e da produção”. Os grandes beneficiários desta revolução são os provedores de capital intelectual ou físico, os inovadores e os acionistas.

Cresceu a distância entre a riqueza daqueles que dependem do trabalho e aqueles que possuem capital nos últimos trinta anos. A desilusão entre tantos trabalhadores em relação ao fato de que terão grandes dificuldades de melhorar a vida de seus filhos é parte desse contexto.

Para Schwab, “a ruptura que a quarta revolução industrial causará aos atuais modelos políticos, econômicos e sociais exigirá que os atores capacitados reconheçam que eles são parte de um sistema de poderes distribuídos que requer formas mais colaborativas de interação para que possa prosperar”.

Ainda que se possa considerar como “boa” a força deflacionária do progresso técnico, é preciso olhar para os efeitos distributivos, que tendem a favorecer o capital sobre o trabalho. Tal situação pode muito bem reduzir a demanda doméstica em muitos países.

Os debates sobre as reformas institucionais no Brasil deveriam estar mais atentos a este tipo de reflexão. Afinal, desejamos nos tornar um país efetivamente mais desenvolvido e equitativo? De acordo com os levantamentos da consultoria Ipsos, para 95%, o Brasil está no caminho errado.

*Rodrigo Medeiros é professor do Instituto Federal do Espirito Santo (Ifes)