Quarta-feira, 9 de Dezembro de 2009
Sobre Maria João Pires
Maria João Pires não teve muita sorte com o país em que nasceu. Sessenta anos de carreira (e que extraordinária carreira a sua) justificariam uma homenagem de âmbito nacional capaz de expressar a nossa gratidão por pisarmos o mesmo chão e respirarmos o mesmo ar. Não será assim, pelos vistos, ainda que não lhe venham a faltar na terra portuguesa outras manifestações de admiração e respeito. Foi em casa de uns amigos que a ouvi pela primeira vez, quando ela não passava de uma adolescente que, com o seu frágil corpo, mal parecia haver saído da infância, e que me fez temer se os braços e as mãos lhe chegariam para enfrentar-se ao gigantesco teclado. O piano familiar, vertical, talvez não estivesse em perfeito estado de afinação, mas as primeiras notas saltaram límpidas, cristalinas, dando-me a sensação, não de serem a mera consequência do choque dos martelos com as cordas, mas de haverem brotado directamente dos dedos da própria pianista. Foi o meu baptismo na arte de Maria João Pires. Depois, ao longo dos anos, sempre que ela, já viajante emérita, aparecia por Lisboa a dar os seus recitais, eu lá estava, rogando às potestades celestes que a protegessem do mau-olhado, de um simples sopro de ar que a perturbasse. Talvez por efeito das minhas petições e do crédito que tenho no céu, todos os concertos e recitais de Maria João Pires a que assisti chegaram felizmente ao seu termo. Desta vez, por razões de distância e também de saúde, não poderei estar presente, dar palmas e beijar as suas mãos tão cheias de música, de humanidade, de beleza. Por tudo o que me fez ouvir e sentir, Maria João, obrigado.


publicado por Fundação Saramago às 21:47
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Segunda-feira, 7 de Dezembro de 2009
No-B day
Se Cícero ainda vivesse entre vós, italianos, não diria “Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência?”, mas sim: “Até quando, ó Berlusconi, atentarás contra a nossa democracia?” Disso se trata. Com a sua peculiaríssima ideia sobre a razão de ser e o significado da instituição democrática, Berlusconi transformou em poucos anos a Itália numa sombra grotesca de país e uma grande parte dos italianos numa multidão de títeres que o seguem de rastos sem se aperceberem de que caminham para o abismo da demissão cívica definitiva, para o descrédito internacional, para a irrisão absoluta.

Com a sua história, a sua cultura, a sua inegável grandeza, Itália não merece o destino que Berlusconi lhe traçou com criminosa frieza e sem o menor vestígio de pudor político, sem o mais elementar sentimento de vergonha própria. Quero pensar que a gigantesca manifestação contra a “coisa” Berlusconi, na qual estas palavras irão ser lidas, se converterá no primeiro passo para a libertação e a regeneração de Itália. Para isso não são necessárias armas, bastam os votos. Ponho em vós toda a minha esperança.


publicado por Fundação Saramago às 21:43
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