Ano 3 - nº 9 - fevereiro/maio de 2011

THE LONE RANGER
Luiz Antônio Sampaio



A fantasia é gostosa, agradável, cativante. A realidade é feia, amarga, decepcionante. Talvez por isso as narrativas sobre o Velho Oeste americano prefiram seguir a trilha da fantasia. Nela, a verdadeira história de um povo e de um lugar pode ter uma roupagem nova, bonita, elegante. É a lenda prevalecendo largamente sobre a realidade. E, assim, as histórias de Faroeste, sejam elas produzidas para o Cinema, os Quadrinhos, a Literatura ou a TV, sempre preferem, em sua maioria, falsear a realidade. Exemplo típico disso é The Lone Ranger, que surgiu como seriado radiofônico.
Mas, antes de continuar, abre um parêntese.
Recuso-me a usar a palavra Zorro para designar The Lone Ranger. Trata-se de um nome estúpido e sem propósito, criação de editores e tradutores nossos. E refere-se a outro personagem.
Fecha o parêntese.
Como eu dizia, The Lone Ranger surgiu como seriado radiofônico. E foi uma criação de dois homens: George W. Trendle, que, desde 1929, era proprietário da WXYZ, uma estação de rádio de Detroit, no estado de Michigan; e Fran Striker, um escritor de histórias para revistas pulp.

The Lone Ranger cavalgou pela primeira vez em 30 de janeiro de 1933 (...). Era apresentado três vezes por semana, tinha meia hora de duração, permanece no ar até 3 de setembro de 1954 e tornou-se tão popular que seu narrador, o locutor Fred Foy, teve muita dificuldade em encontrar outro emprego depois do término da série, já que, para os produtores, ele ficara definitivamente marcado pelo programa e ninguém mais poderia dissociá-lo de The Lone Ranger. No início de cada programa, com sua voz característica, Foy fazia a introdução de cada história, lendo o seguinte texto: ‘Com o seu leal companheiro Tonto, o destemido cavaleiro mascarado das planícies se empenhava na luta pela Lei e a ordem no Velho Oeste dos Estados Unidos. Em nenhum lugar nas páginas da História se pôde encontrar um semelhante campeão da Justiça. Retorne conosco agora àqueles emocionantes dias de outrora. Do passado longínquo ouve-se o galopar do vigoroso cavalo Silver. The Lone Ranger cavalga novamente’.”
Marcus Vinicius de Lima Arantes

A saga de The Lone Ranger começou quando seis rangers do Texas, comandados pelo Capitão Dan Reid, foram emboscados por Butch Cavendish e sua quadrilha. Todos os rangers morreram na emboscada, exceto o irmão mais moço do capitão, John Reid, salvo pelo índio Tonto, a quem, anos atrás, salvara a vida. Tonto cavou seis sepulturas e enterrou os cinco rangers mortos (uma das sepulturas ficou vazia). Em seguida, John Reid colocou uma máscara e partiu, em companhia do índio, atrás de Cavendish e de qualquer outro fora-da-lei. A partir de então, John Reid deixou de existir (fora “enterrado” para sempre na sepultura vazia) e surgiu The Lone Ranger (O Patrulheiro Solitário, numa tradução literal).
George W. Trendle era um homem com visão para negócios. Assim, quando percebeu que The Lone Ranger poderia ser lucrativo, criou a The Lone Ranger, Inc., uma empresa para explorar (de todas as formas) o nome e a figura do herói mascarado. Surgiram então revólveres, brinquedos diversos, roupas, livros e muitos outros objetos levando o nome de The Lone Ranger. Era uma forma fácil de se ganhar muito dinheiro. E, quanto mais se vendiam os produtos, mais o nome e a fama de The Lone Ranger se espalhavam. Trendle tinha um prato cheio pela frente. E não deixou escapar a oportunidade de vender The Lone Ranger para o Cinema. Com isso, o personagem apareceu em dois seriados cinematográficos, produzidos pela Republic e dirigidos por William Witney & John English: O Guarda Solitário (The Lone Ranger, 1938) e A Volta do Cavaleiro Solitário (The Lone Ranger Rides Again, 1939), que não refletiram o mesmo espírito do seriado radiofônico e acabaram contando de forma diferente a história de The Lone Ranger.
Nessa mesma época, a vontade de ganhar mais dinheiro levou Trendle a ter a idéia de criar uma história em quadrinhos com The Lone Ranger. Uma história em quadrinhos para ser publicada nos jornais, em forma de tiras diárias em preto-e-branco e páginas dominicais em cores. E a história em quadrinhos The Lone Ranger fez sua estréia em setembro de 1938, escrita pelo próprio Fran Striker e desenhada por Ed Kressy (no Brasil, The Lone Ranger estreou em 17 de dezembro de 1938, nas páginas do número 232 do tablóide O Globo Juvenil). A escolha do desenhista, no entanto, não foi nada feliz. Kressy era bastante inábil e não conseguia desenhar de acordo com aquilo que o personagem merecia e os leitores esperavam. Seu trabalho deve ter desagradado muito aos leitores, pois logo foi substituído por outros desenhistas. Dessa infeliz fase inicial de The Lone Ranger, Jon L. Blummer pareceu ter sido o desenhista mais capaz.
O personagem era promissor nessa nova mídia, mas seus primeiros meses de “cavalgadas” pelo jornais foram um fracasso. O que salvou The Lone Ranger foi a entrada de um novo e mais competente desenhista.
Quando a King Features Syndicate, responsável pela distribuição de The Lone Ranger aos jornais, percebeu que as coisas não estavam indo bem com a série, o que fatalmente a levaria a um fim bastante prematuro, procurou entre seu pessoal um desenhista de talento. O escolhido foi Charles Flanders, que já havia desenhado algumas histórias em quadrinhos distribuídas pela King: Robin Hood e Secret Agent X-9. Na época, ele desenhava King of the Royal Mounted, também distribuída pela King.
Logo nas primeiras semanas de 1939, Charles Flanders já estava trabalhando em The Lone Ranger. Trazendo consigo alguns anos de experiência como desenhista de quadrinhos e tendo inegavelmente um grande talento para desenhar, Flanders tirou The Lone Ranger da apatia visual anterior e transformou-a numa história em quadrinhos bonita, elegante, dinâmica, viva. Os leitores gostaram, aplaudiram e mantiveram The Lone Ranger circulando pelo jornais até 1971 (foi a cavalgada mais longa de um western pelas tiras diárias e páginas dominicais).
Mas nem tudo correu bem com The Lone Ranger e Charles Flanders. Sem dúvida, foi uma vida longa pelos jornais dos Estados Unidos e de diversos países – mais de trinta anos. Mas foi uma trajetória bastante desigual, caracterizada por pontos altos e pontos baixos, momentos bons e momentos maus, dias de esplendor e dias de grande mediocridade. Flanders era um desenhista competente; entretanto, tinha falhas. Falhas que foram aparecendo com o passar dos anos e empobrecendo o visual de The Lone Ranger. O cenário de uma história em quadrinhos de Western deve ser bastante rico e exuberante, repleto das inúmeras paisagens que caracterizam o Velho Oeste. Porém, Flanders nunca soube retratar isso. Umas poucas árvores e uma montanha distante, apenas delineada, era o background quase constante desenhado por ele. E isso era um fundo vazio para um cenário que poderia, e deveria, ser rico. Outra falha de Flanders estava nos personagens secundários. Quase todos tinham a mesma aparência. E os defeitos de Flanders não paravam aí. Com o tempo foram aparecendo outros (falarei deles mais adiante).
A década de 1940 representou o apogeu de The Lone Ranger nas histórias em quadrinhos. Tanto as tiras diárias como as páginas dominicais, que mantinham aventuras separadas, apresentaram o melhor de Charles Flanders, apesar das falhas já apontadas. Eram desenhos bem feitos, seguindo um estilo limpo e clássico. A saga do personagem estava ainda começando nos Quadrinhos; portanto, ainda havia muito a mostrar, a contar. Os roteiros eram simples, repetitivos, típicos dos westerns “B” de então; mas agradavam em cheio. Nunca houve uma preocupação com uma caracterização mais íntima e psicológica dos personagens, ou com quaisquer especulações de ordem filosófica ou social. Mas esta era a sua maneira de ser, era o modo como The Lone Ranger, dentro de sua simplicidade, apresentava o mito do Velho Oeste.
E a saga de The Lone Ranger continuou forte. Em 15 de setembro de 1949, teve início a série As Aventuras do Zorro (The Lone Ranger), feita para a TV e exibida pela rede ABC. Desta vez, a caracterização foi excelente. Clayton Moore, que já havia trabalhado em um grande número de seriados cinematográficos, encarnou de forma perfeita o herói mascarado. E Jay Silverheels, um índio mohawk, desempenhou a contento o papel de Tonto. Até mesmo John Hart, que substituiu Moore por dois anos (1952-1954), esteve muito bem. A série foi produzida durante oito anos e, depois disso, houve reprises e mais reprises dos velhos episódios. Em 1956 e 1958, foram lançados nos cinemas dois filmes com The Lone Ranger: O Justiceiro Mascarado (The Lone Ranger) e Zorro e o Ouro do Cacique (The Lone Ranger and the Lost City of Gold), estrelados por Clayton Moore e Jay Silverheels.
Se o nome e a figura de The Lone Ranger estavam sendo tão explorados em diversos meios, outro excelente veículo para ele seriam os comic books, ou seja, as revistas em quadrinhos. E seria fácil também, uma vez que o personagem já estava presente nos quadrinhos dos jornais. Mas The Lone Ranger acabou chegando um pouco atrasado aos comic books. De 1945 a 1947, apareceu em sete números (82, 98, 118, 125, 136, 151 e 167) da segunda série de Four Color, revista publicada pela Dell Publishing Co. Depois, ganhou revista própria, cujo primeiro número foi lançado em janeiro/fevereiro de 1948. Porém, o material publicado nesses gibis não era inédito. Eram histórias produzidas para os jornais, reprisadas sem nenhuma ordem lógica ou cronológica (e sem muito critério de paginação também). Foi somente a partir do número 38 (datado de agosto de 1951) da revista The Lone Ranger que surgiram histórias produzidas especialmente para os comic books. O roteirista e o desenhista dessas histórias, Paul S. Newman e Tom Gill, respectivamente, foram espertos em não mexer na concepção original do personagem, procurando seguir os mesmos modelos já estabelecidos pelo seriado radiofônico e pelas tiras diárias e páginas dominicais. Em virtude disso, a revista teve sucesso. Circulou até o número 145 (datado de maio/julho de 1962) e foi retomada pela Gold Key (foram mais 28 números, que circularam de 1964 a 1977). Os argumentos de Newman, apesar da simplicidade exigida pelos comic books, eram bons. E os desenhos de Tom Gill, agradáveis e bem adequados ao personagem e ao gênero.
Contudo, as melhores histórias em quadrinhos de The Lone Ranger foram produzidas para os jornais. E deve ser dito que, se Charles Flanders desenhou The Lone Ranger com dignidade por mais de uma década, foi também o principal causador de seu empobrecimento visual. Empobrecimento visual esse que começou nos anos 1950 e foi se acentuando com o passar do tempo. Segundo dizem, isso aconteceu devido a um sério problema de Flanders com a bebida. Então, outros desenhistas começaram a ajudar, anonimamente, Flanders. Entre eles estava Tom Gill, cuja colaboração foi muito importante. Nos últimos anos, Flanders, já cansado e chateado, procurava sempre desenhar seus personagens por trás, evitando assim preocupações com as feições dos mesmos. E até mesmo os roteiros (escritos agora por Paul S. Newman, que sucedeu a Bob Green, que, por sua vez, sucedera a Fran Striker) em nada ajudavam The Lone Ranger, que teve um fim melancólico nos quadrinhos de jornal. De um belo e emocionante western... tornou-se uma série de vergonhosos clichês visuais e narrativos.
Resta dizer que uma boa parte da atração de The Lone Ranger está justamente no personagem (ou nos personagens, se considerarmos também a figura de Tonto) e no mito do Velho Oeste. The Lone Ranger foi, possivelmente, o mais representativo de todos os westerns dos Quadrinhos. Com sua máscara e praticamente sem expressão facial, The Lone Ranger representava a justiça cega, imparcial. A tarefa a que se propôs foi a de levar justiça aos necessitados, impor a lei numa terra rude e oprimida pelos fora-da-lei. E as balas de prata que usava representavam claramente a sua tarefa: na crença popular, balas de prata matam lobisomens, eliminam o mal. Era esta a razão de existência de The Lone Ranger: eliminar o mal no Velho Oeste americano.
Poderíamos também, sem muito esforço, encontrar no companheirismo de The Lone Ranger e Tonto uma alegoria à união de duas das raças que formaram a nação americana: a branca e a índia. Tonto não era igual a outros companheiros típicos dos heróis dos faroestes: um sujeito cômico e atrapalhado. Ele era um personagem perfeitamente capaz de atos heróicos (um herói, na acepção mais ampla da palavra). E era tratado com dignidade e igualdade.
Em 1981, tentou-se um novo filme do herói: A Lenda do Zorro (The Legend of the Lone Ranger), no qual mexeram na concepção original do personagem, resultando nem fracasso de bilheteria.
Porém, essa tentativa de relançar o herói trouxe The Lone Ranger novamente para os jornais, numa história em quadrinhos escrita por Cary Bates e desenhada por Russ Heath. O resultado foi uma obra razoavelmente boa, bem escrita e bem desenhada. Mas só que não era o velho The Lone Ranger que todos conheciam. Era o The Lone Ranger do novo filme. E ninguém gostou dele. Assim, em pouco tempo, The Lone Ranger fracassou e foi cancelada.
Hoje, The Lone Ranger já não cavalga mais. No entanto, ele jamais será esquecido. Será sempre lembrado como uma das grandes figuras que povoaram a moderna mitologia dos cavaleiros andantes do Velho Oeste. Mas o The Lone Ranger que jamais será esquecido é o das histórias em quadrinhos desenhadas por Charles Flanders... e o interpretado por Clayton Moore.

 

Luiz Antônio Sampaio é colecionador e pesquisador de Quadrinhos