Descrição de chapéu Perspectivas

Reprodução de imagens e visitas online a acervos criam 'museu imaginário'

Tecnologia transforma praticamente todos os setores da cadeia produtiva das artes, diz autor

Daniel Rangel

O escritor e crítico francês André Malraux desenvolveu, em 1947, o conceito de “museu imaginário”, que está relacionado, de certa forma, ao surgimento da fotografia a partir do princípio do século 20, sobretudo a sua capacidade de reproduzir imagens fidedignas de obras de arte.

O “museu imaginário” seria composto por estas reproduções imagéticas, incluindo pinturas, esculturas e mesmo obras arquitetônicas, permitindo que se tornassem “conhecidas” por meio das fotografias. Assim, surgiria um museu contido em um ou vários livros de arte, recheados de imagens que representem uma possível história da arte.

Outra perspectiva, mais ampla, abrangeria o repertório imagético de cada pessoa ou de toda a humanidade em relação às figuras da história da arte, de forma geral.

Apesar de visionário, Malraux não teria como imaginar que, em menos de 80 anos, o museu descrito por ele estaria tão facilmente acessível, ao alcance de todos.

A revolução tecnológica da internet vem transformando o meio artístico com velocidade estonteante. Pode-se notar a presença da tecnologia em praticamente todos os setores da cadeia produtiva das artes.

Mostras com temáticas tecnológicas, artistas que usam ferramentas de última geração, exposições virtuais, galerias, leilões e uma infinidade de imagens, textos e referências disponíveis online —enfim, podemos, de nossas casas, ter acesso a quase qualquer obra de arte que se tenha conhecimento a respeito.

A plataforma Google Arts & Culture, antigo Google Art Project, oferece visitas virtuais aos principais museus e galerias do mundo, usando a tecnologia Street View. Pode-se “flanar” por montagens de exposições e ter acesso às imagens das obras, com suas respectivas fichas técnicas e outras informações relevantes sobre seus autores e movimentos.

O MoMa e o Metropolitan, de Nova York, a National Gallery e o Tate Britain, de Londres, o Museu Reina Sofia e o Thyssen, de Madri, o Palácio de Versalhes, nos arredores de Paris, e o Museu Van Gogh, de Amsterdã, são algumas das centenas de instituições internacionais disponíveis para visitação na plataforma online. 

Os principais museus brasileiros também estão no site, a exemplo do Masp, da Pinacoteca, do Instituto Inhotim, do MAM do Rio de Janeiro e do Museu Nacional, em Brasília.

Também teve crescimento exponencial a presença de tecnologias digitais em espaços expositivos tradicionais do meio artístico. Se antes estavam restritos a mostras específicas sobre o tema, como o File (Festival Internacional de Arte Eletrônica), hoje aparatos tecnológicos, como óculos de realidade virtual, começam a se tornar comuns em exposições coletivas e em individuais.

O Itaú Cultural, que já tem programação com tradição digital, e o MuBE (Museu Brasileiro de Escultura), historicamente mais calcado em suportes tradicionais, apresentaram recentemente obras em realidade virtual de Regina Silveira, uma das mais importantes artistas em atividade no Brasil, que há quase cinco décadas busca novas formas e ferramentas de expressão.

Na última edição da Bienal de São Paulo, havia ao menos duas propostas relacionadas a esse tema, uma montada no próprio espaço expositivo, de Luiza Crosman, e uma online, conduzida pelo artista Bruno Moreschi, intitulada “Outra 33ª Bienal de São Paulo” —um arquivo “não oficial” do evento, paralelo à mostra. 

Outros nomes com trajetórias consistentes e pesquisas relacionadas a tecnologia são Tadeu Jungle, Muti Randolph, Giselle Beiguelman, Lucas Bambozzi, a dupla Gisela Motta e Leandro Lima, o VJ Vigas e o coletivo Embolex, além de Eduardo Kac, considerado um dos primeiros artistas digitais do país —sem contar os grandes pioneiros Waldemar Cordeiro, Augusto de Campos e Erthos Albino de Souza.

Mas estamos falando de relações distintas entre arte e tecnologia. No caso das exposições virtuais, há consequências positivas, como a democratização de conteúdos quase inalcançáveis para muitos, e negativas, como a possível perda da “aura” da obra de arte —conforme refletiu o teórico alemão Walter Benjamin ao afirmar que apenas pelo confronto direto com a materialidade do objeto de arte, no aqui e no agora, torna-se possível atingir a potência imaterial contida nele.

Já no caso dos artistas, é recorrente e fundamental a experimentação de novas ferramentas para a criação de obras. Arte e tecnologia são quase sinônimos e caminham juntos há muito tempo.

Pode-se pensar na invenção do lápis grafite e do papel como marcos tecnológicos revolucionários; ou na criação do tubo de tinta, fundamental para o surgimento do impressionismo; ou ainda na máquina fotográfica, reprodutora da imagem perfeita mencionada no início deste texto, mas também criadora de figuras originais e belas.

Outros paradigmas começam a surgir, como a criação de espaços expositivos virtuais habitados por avatares —com obras, artistas e mercados próprios—, mas este já é tema para um futuro próximo.


Daniel Rangel é curador e mestrando em poéticas visuais pela ECA-USP.

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