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terça-feira, 16 de abril de 2019

A Verdade sobre Valak - Lendas e histórias medievais sobre forças diabólicas


Dentre os filmes recentes de horror, um se destaca ao apresentar uma criatura especialmente assustadora e sinistra. A entidade conhecida como Valak aparece em Conjuração do Mal 2, Annabelle e mais recentemente A Freira, filmes de sucesso, com bilheterias consideráveis mundo à fora.  

Com sua aparência ameaçadora e aura absurdamente macabra, escondendo sua face atrás do hábito de freira, Valak imediatamente se tornou popular entre os fãs do gênero. É uma presença demoníaca a ser lembrada (e temida). Parece bem provável que ele apareça em outras produções, consolidando sua presença como um dos novos monstros do terror.

Mas, será que existe alguma base de verdade nesse personagem? Será que Valak é citado em algum tomo de conhecimento místico ou não passa de uma construção inteiramente Hollywoodiana? A resposta para essa pergunta, pode surpreender os leitores.

Por estranho que possa parecer, a força maligna dos filmes conhecida como "Valak" é de fato baseado na mitologia demoníaca, embora os produtores tenham tomado uma série de liberdades com a fonte que decidiram adaptar. O ser demoníaco Valak, chamado em algumas versões de Valac, Ualac, Valu, Volac, Volach, e Coolor ou ainda Doolas, foi descrito em vários Grimórios de Magia através dos séculos.

Pesquisadores acreditam que ele foi mencionado pela primeira vez em um famoso manuscrito de magia chamado "The Clavicule of Solomon" ou A Chave Menor de Salomão. Esse texto se dedica quase que inteiramente a arte de invocar e controlar espíritos, tanto os benignos quanto os maldosos. Dentre as páginas desse grimório estão listados os nomes de 72 entidades malignas, ou demônios, que foram derrotados pelo lendário Rei Salomão do Antigo Testamento, bem como os rituais e feitiços que descrevem como conjurá-los e bani-los. Na lista, o demônio de número 62 é nenhum outro senão, Valak. 


Ele é descrito como um dos grandes governantes do Inferno, líder de legiões e comandante de forças nefastas. Possuidor de enorme poder, astúcia e a capacidade de localizar tesouros ocultos. Em alguns textos mais contemporâneos, Valak possui a capacidade de controlar serpentes e animais peçonhentos de toda ordem, e segundo certos documentos, estende esse mesmo poder àqueles que invocam seu nome, fornecendo a eles imunidade a venenos mortais. A aparência física de Valak não é a de uma freira velha e aterrorizante, mas de um tipo de querubim - um anjo em forma de menino, com asinhas pequenas nas costas e uma aparência delicada, que é totalmente enganadora. Valak controla uma serpente ou dragão de duas cabeças que sempre surge ao seu lado, ou com ele a cavalgá-lo. Curiosamente, em nenhum livro ou manuscrito do mundo real, ele é descrito como uma freira vingativa. 

A Chave Menor de Salomão diz a respeito de Valak:

"O sexagésimo segundo espírito é Volac, ou Valak, ou Valu. Ele é o poderoso governante de uma parte do inferno e possui a aparência de uma criança com asas de anjo, cavalgando um dragão de duas cabeças. Ele concede respostas verdadeiras sobre tesouros ocultos e avisa da presença de serpentes que se submetem à sua vontade. Ele governa a 38a Legião de Espíritos profanos".

O sinistro e diabólico Valak também é mencionado em vários outros tratados de magia medievais tais como o Pseudomonarchia Daemonum de Johann Weyer, o Liber Officium Spirituum, o Manual de Magia Demoníaca de Munich e o Fasciculus Rerum Geomanticarum. Cada livro apresneta maneiras de negociar e barganhar com Valak, algo que francamente não parece uma boa ideia.

O já citado Chave de Salomão, contudo, sempre foi a fonte mais importante a respeito dele. O livro era considerado tão ofensivo e herético pela Igreja Medieval que até hoje figura no Índice dos títulos proibidos, desde 1599. 


Um elemento curioso é que o livro apesar de proibido, tornou-se extremamente popular justamente entre sacerdotes no período medieval. Várias bibliotecas no mundo cristão medieval mantinham cópias de livros proibidos, à despeito das ordens do Vaticano de destruir os volumes que constavam no Índice. Para burlar os agentes da Inquisição, responsáveis por incinerar os livros perigosos, os bibliotecários geralmente encadernavam os tomos com uma capa falsa. Também inseriam páginas no meio de outro trabalho ou simplesmente disfarçavam as páginas com iluminuras inofensivas. Assim, uma consulta casual não revelaria o teor diabólico dos textos e eles poderiam sobreviver. Na melhor tradição de segredos e mistérios monásticos, alguns livros traziam códigos secretos e legendas para localizar os livros proibidos convenientemente escondidos.

Estima-se que mais de uma dúzia de monastérios medievais franceses possuíssem em seus acervos uma cópia desse livro profano, o que é suficiente para apontá-lo como um livro muito popular em termos medievais. Estar de posse de um livro como esse podia ser perigoso, não apenas para o bibliotecário mas para a ordem inteira. Em 1546, agentes da inquisição descobriram em um Monastério nos arredores de Turim uma vasta coleção de livros proibidos, entre os quais a Chave Menor de Salomão. O bibliotecário e três de seus assistentes foram presos e julgados por heresia, os livros recolhidos e enviados para Roma.

Mas voltemos a Valak.

Na vida real, Ed e Lorraine Warren, o celebrado casal de os investigadores do paranormal retratados nos filmes da franquia Conjuração do Mal, jamais mencionaram o nome de Valak. Em momento algum de suas investigações transcorridas em Amityville e Enfield, eles apontam Valak como causador dos incidentes paranormais. Tudo isso é uma criação dos roteiristas.


Outro detalhe curioso abordado no filme "A Freira" diz respeito a sinistra abadia localizada na Romênia. Na produção, ela é assombrada por uma presença demoníaca que elimina os monges um a um e pretende escapar de seu confinamento. Por bizarro que possa parecer, essa história parece inspirada em um incidente real, embora Valak não seja citado em momento algum.  

A Abadia em questão chamava-se Cârța ou Monastério de Cârța, e se localiza no Sul da Romênia, na região mundialmente conhecida como Transylvania. O lugar era tão isolado, sombrio e assustador quanto o prédio em estilo gótico que aparece no filme. O monastério pertencia a Ordem Beneditina, mas ele foi originalmente construído por monges cistercienses por volta de 1200 como uma igreja. Em algum momento do século XIII, o prédio se incendiou misteriosamente, várias pessoas ficaram presas no seu interior e morreram queimadas. Isso é claro, contribuiu para que alguns passassem a considerar o lugar assombrado.

Os monges decidiram transferir o que havia restado e que foi reduzido a ruínas para os beneditinos. Estes reconstruíram a estrutura e erigiram ali o seu Monastério. Dizia-se que os monges viviam em total isolamento e jejuavam ao longo de todo ano. O abade era um homem severo que obrigava a todos seguirem suas ordens sob pena de serem duramente disciplinados. Havia rumores que os irmãos dormiam sobre palha seca, eram proibidos de falar e que tinham permissão de trocar seus hábitos apenas uma vez a cada 3 meses. Os dias transcorriam em orações e trabalho pesado, o único alimento vinha de uma pequena horta e não era suficiente para todos. A vida deles era de extrema austeridade, em completa observância às regras de São Benedito que previa uma existência frugal, trabalho constante e humildade. 

Segundo as lendas, em algum momento os monges se rebelaram contra a tirania do abade. O sujeito teria sido assassinado e seu corpo colocado nas fundações do prédio principal, escondido atrás de uma parede erguida rapidamente para sepultá-lo. Acontece que o abade era parente do Rei da Hungria Matthias Corvinus que não ficou nada satisfeito com o acontecido. Em 1474 Corvinus mandou prender e torturar os monges até que revelassem quem havia participado da conspiração. Doze monges foram julgados, oito acabaram condenados e executados. O complexo foi então abandonado, ainda mais depois que muitos acreditavam que o lugar era assombrado pelo espectro do abade. Apenas no século XVII, o lugar foi renovado e transformado em uma igreja pela paróquia local.     


Os monges enterravam seus mortos em um pátio na frente do monastério que recebeu o nome de Jardim dos Sepulcros, onde supostamente a vegetação não crescia uma vez que a única coisa plantada ali eram cadáveres. Posteriormente o lugar recebeu os cadáveres de soldados mortos na Grande Guerra. Estranhamente uma escavação realizada em 1920 para remover os restos de militares e transferi-los para Bucareste, revelou duas ossadas de homens medindo dois metros de altura, uma estatura incomum tanto para a época quanto para os habitantes da região. Alguns passaram a acreditar que os dois eram vampiros ou homens vindos de terras distantes, ninguém jamais soube.

O estilo gótico da construção e as muitas histórias contadas ajudaram a construir uma reputação sinistra do local. O que não faltava eram incidentes inexplicáveis reportados pelos religiosos que habitavam as instalações. Tremores misteriosos, sombras espectrais que atravessam paredes e vozes gritando eram os fenômenos mais frequentes. Contudo havia ainda lamentos, cheiro de queimado e uma estranha presença fantasmagórica; um homem de aspecto maligno que teria sufocado mais de um sacerdote que se aventurava sozinho pelos corredores à noite. O rumor mais persistente é que esse seria o fantasma do abade, mas ninguém sabe ao certo.

Em meados de 2000, parte do monastério foi desativado e acabou se deteriorando rapidamente. Já em 2008 um campanário ruiu e o sino colocado ali em 1495 veio ao chão. Posteriormente a igreja foi restaurada e se tornou um destino procurado por turistas. É claro, o demônio Valak não parece ter qualquer relação com a história local, mas isso não impediu os roteiristas de criar uma conexão para escrever um filme.


Embora filmes assumam uma espécie de licença poética e criativa para mudar certos elementos da história e mitologia, alguns deles ainda possuem raízes no mundo real, com lugares que de fato existem e que são tão assustadores no mundo real, quanto no mundo de faz de contas. É curioso como alguns elementos aterrorizantes acabam se tornado material para entretenimento, como é o caso de Valak e do monastério romeno.

Na próxima vez que você assistir um filme de horror, talvez caiba se perguntar o quanto de sua história é baseada em lendas e quanto é focado no mundo real.

domingo, 16 de dezembro de 2018

A Lenda de Bloody Mary - Repita seu nome diante de um espelho, se tiver coragem


Todos já ouviram a história.

Muitos, inclusive, já devem ter brincado disso quando criança ou adolescente.

Consiste em parar diante de um espelho, e repetir uma, duas, três vezes o nome de alguma entidade. Segundo as histórias, quando o nome é dito pela terceira vez, a criatura (espectro, fantasma ou sombra) se manifestaria de forma visível e poderia ser percebida no reflexo do espelho.

Parece familiar? Pois bem, variações dessa história são conhecidas em várias partes do mundo, inclusive no Brasil.

A origem da lenda é difícil de ser determinada, mas acredita-se que ela tenha surgido com o nome de Bloody Mary na Inglaterra em meados de 1800.

A Lenda de Bloody Mary também é conhecida por outros nomes como Maldição de Mary Worth e Aparição de Mary Whales. Todas elas parecem se referir a mesma entidade, cuja aparência e história tem poucas variações. 


O Fantasma é descrito como uma mulher bonita e pálida, cabelos loiros e longos, vestindo um traje simples como uma camisola, igualmente imaculada. Essa forma frágil, no entanto, esconde a natureza perversa de Bloody Mary. Ao abrir os olhos, estes transbordariam de ódio e ressentimento pelos vivos. De sua boca, escorreria sangue em profusão, e seu pescoço penderia num ângulo impossível, evidenciando estar quebrado. Uma marca clara de corda poderia ser visto, onde o nó foi apertado até arrancar de seu corpo o último suspiro.

Em algumas versões, a cabeça da Bloody Mary poderia se soltar do corpo e rolar pelo chão deixando um rastro de sangue. Em outra, os pés do espectro não tocariam o chão, e ela flutuaria no ar. Finalmente um terceiro rumor diria que quando a Bloody Mary se manifesta, ocorre uma queda acentuada da temperatura, na qual o ambiente fica sombrio e frio.    

Uma das lendas mais difundidas sobre a origem da assombração diz respeito a uma mulher que teria vivido nos tempos da Inquisição. Mary seria curandeira e parteira, prestando serviços para os aldeões de um vilarejo próximo. Bonita e independente ela atraía a inveja das mulheres e o ódio dos homens, já que não se sujeitava a nenhum marido. Mary teria sido acusada de praticar malefícios contra os aldeões e de ter causado a morte de uma mulher e seu bebê durante o parto. Ela foi denunciada como bruxa e presa, acabando por ser condenada à morte. A forma escolhida de execução foi a degola, feita com uma cinta de couro que foi passada em torno de seu pescoço e apertada com uma manivela até que ela asfixiasse. 

Dizem que durante a execução, assistida por todo o vilarejo, Mary amaldiçoou seus algozes. Aqueles que repetissem seu nome, seus filhos e descendentes, seriam amaldiçoados e encontrariam seu espírito inquieto em busca de vingança.


Em 1978, a escritora Janet Langlois publicou um livro intitulado “Mary Whales: Eu acredito em você”. No ensaio ela traçou as origens da lenda e tentou encontrar a verdadeira Mary através de registros históricos e documentais. Segundo as pesquisas de Langlois, uma mulher chamada Mary Whales teria sido executada em 1662, acusada injustamente de prática de bruxaria em Devon, no sul da Inglaterra. 

Ela acredita que esse incidente tenha dado origem à lenda que posteriormente se espalhou pelo país.

O livro apresentava ainda o relato de pessoas que teriam testemunhado a aparição de Mary após repetir seu nome diante de um espelho, uma crença que aparentemente sempre fez parte da lenda.

A brincadeira, um típico jogo de desafio e coragem, incorporava um método consagrado de invocação espiritual que envolve o nome e um espelho. A brincadeira é, portanto, embasada em princípios consagrados do ocultismo ritualístico. Nomes sempre foram parte importante de rituais. Tradições ancestrais ditam que o "nome verdadeiro" é uma maneira de se invocar entidades, desde espíritos, até gênios, passando por anjos e demônios. Conhecer o nome verdadeiro é a maneira correta de realizar uma invocação e sujeitar a entidade à vontade do realizador. O espelho também é uma parte importante, uma vez que constituiria uma conexão com o mundo sobrenatural. Seria através de espelhos que portas e portais poderiam ser abertos. A superfície cristalina seria uma espécie de janela para outra realidade, pela qual seria possível ver e ser visto, falar e ouvir.

Em algumas variantes da lenda, seria possível usar a invocação de Bloody Mary para ter um vislumbre do futuro. Se a pessoa em questão demonstrasse respeito, na superfície do espelho apareceria uma visão clara de seu futuro, que poderia ser bom ou ruim. Segundo a lenda, algumas vezes, via-se um futuro desejado com riquezas, amor e sucesso, em outros a profecia de acidentes, morte e tristeza. Segundo consta, a tal visão se concretizaria, independente da vontade da pessoa. 


As histórias mais populares, contudo, atestam que invocar Bloody Mary poderia resultar em grande perigo.

Se o espectro ouvisse seu nome sendo repetido três vezes com grande concentração e propósito, ele surgiria no espelho atrás da pessoa que realizou o chamamento. Em algumas versões, o espectro surge vingativo, disposto a matar e desfigurar o rosto da pessoa que ousou chamá-la. Alguns no entanto, afirmam que ao surgir, o choque causado pela assombração, é tão apavorante que pode matar de medo, provocando um ataque cardíaco fulminante. Os sobreviventes da experiência poderiam ficar com sequelas: gagueira, loucura ou teriam os cabelos totalmente embranquecidos.

Como evolução da lenda, mais recentemente, Bloody Mary se tornou um nome invocado para obter vingança. A assombração poderia ser invocada por pessoas interessadas em pedir que ela realizasse uma vingança contra um inimigo, em especial alguém que foi injusto ou cruel. Mary saberia reconhecer uma alma atormentada, assim como a dela, e aceitaria ajudar. Para isso, o nome da pessoa contra a qual se desejava extrair vingança deveria ser escrito na superfície do espelho, ao contrário para ser lido pela assombração do outro lado. Esta então apareceria para a pessoa em questão, saindo de um espelho para puni-la pelos seus maus feitos.


No Brasil, a história foi traduzida como a Lenda da Maria Sangrenta ou então da Bruxa do Espelho, Maria Degolada e mais tarde daria ensejo à famosa Loira do Banheiro que assombra os banheiros de colégios de todo país. 

Ela teria sido introduzida no país através de alunos de escolas britânicas que carregaram a história de Bloody Mary para outros países. Registra-se que no Brasil, ela foi citada pela primeira vez em meados de 1910 como uma "brincadeira" de crianças na famosa Escola Inglesa no Rio de Janeiro.  

Outra lenda, igualmente difundida no Brasil, e possivelmente uma adaptação à história original, diz que Mary era uma mulher muito bonita, mas um tanto superficial quanto a sua aparência. Ela teria sofrido um acidente automobilístico no qual seu rosto ficou horrivelmente marcado por cicatrizes. Para esconder as deformidades ela passou a andar por aí com um véu preto cobrindo-lhe o rosto. Certa vez, o tal véu teria caído em um evento social e as pessoas ficaram horrorizadas pela aparência dela. Mary então correu para casa e destruiu o espelho de seu banheiro. Com um estilhaço de vidro, cortou a própria garganta. Enquanto o sangue se esvaia, sua alma teria ficado aprisionada no espelho.

Enlouquecida e sem descanso, ela passou a habitar todos os espelhos, enxergando as mulheres se arrumando e maquiando com uma inveja mortal. Quando seu nome era repetido três vezes, por alguma pessoa diante de um espelho, ela poderia sair dele, espalhando morte e loucura.

E você?

Você teria coragem de repetir esse nome diante de um espelho depois de conhecer esses detalhes da lenda?


terça-feira, 30 de outubro de 2018

A Casa dos 200 Demônios - A história real da Casa mais assombrada de Indiana


A noção de possessão demoníaca está entre nós há séculos, e a ideia de que nós possamos nos tornar veículos para forças sinistras e diabólicas tem nos assombrado e assustado desde eras passadas.

Mas seria possível que um lugar se tornasse o portão de entrada para algo maligno? Seria possível que algo inanimado fosse tomado por uma força sobrenatural de tal maneira que ela inteira fosse compelida pelo mal? Nesse contexto, pode uma família inteira ser afligida por essas forças?

Em um caso recente, uma família alegou que seu lar estava sob a influência de entidades malignas, inteiramente infiltrada por demônios e presenças aterrorizantes. Assim, surgiu a lenda da Casa Demoníaca. O local se localiza no estado norte-americano de Indiana e se tornou rapidamente um dos endereços mais macabros e aterrorizantes do país. Alvo de muita especulação e histórias inacreditáveis.

Em novembro de 2011, uma jovem mulher chamada Latoya Ammons, sua mãe, Rosa Campbell, e três crianças com idades de 7, 9 e 12, chegaram a cidade de Gary, Indiana e se mudaram para uma modesta e tranquila vizinhança. Eles passaram a residir no número 3860 da Rua Carolina, um lugar aparentemente como qualquer outro. No início eles estavam felizes lá, e embora a casa fosse apenas um lugar como outro qualquer, ela se tornou sua Casa dos Sonhos. Entretanto, tão logo a família Ammons chegou e começou a se estabelecer, estranhos e curiosos fenômenos também tiveram início. Como uma praga invisível, algo começou a se manifestar e agir contra os novos moradores fazendo com que eles temessem pela sua sanidade e mesmo, pelas suas vidas. 


A primeira coisa estranha que a família percebeu, aconteceu em meados de dezembro, quando um número assombroso de moscas começaram a ser atraídas para o terreno da casa. Enormes moscas varejeiras apareciam zumbindo e zunindo, como se algo na casa estivesse chamando pelos insetos. Paredes e janelas ficavam escuras com centenas delas pousadas, produzindo um ruído incômodo. Os moradores perceberam que elas apareciam em maior número no final da tarde, concentradas em grande quantidade no alpendre que levava à porta de entrada ou na janela do sótão. Era muito estranho, ainda mais que se tratava de um mês frio, no auge do inverno. O pior é que essas moscas se juntavam em verdadeiras nuvens grossas e barulhentas. Sempre no mesmo local, nunca nas casas vizinhas, sempre ali, por razões impossíveis de compreender.

A família tentou lidar com o problema da maneira tradicional. Contrataram exterminadores para liquidar com a profusão de insetos, mas não importava o método usado, o problema era resolvido apenas por alguns dias e retornava logo em seguida, ainda pior. Por mais que matassem insetos eles continuavam se acumulando, entrando na casa, nos quartos e na cozinha.

Infelizmente, a praga de moscas acabaria sendo a menor das preocupações. Mais ou menos na mesma época, os moradores da casa começaram a se queixar de estranhos ruídos ouvidos no meio da madrugada. Como se alguém pesado estivesse andando pelo assoalho, produzindo passos na escada e no sótão. Portas também se abriam misteriosamente, tanto a dos quartos, quanto dos armários. Da mesma forma gavetas apareciam escancaradas e o interior revirado, mesmo depois destas serem trancadas e a chave removida. Certa noite, a família foi surpreendida por um forte estrondo, compatível com algo pesado caindo e rolando as escadas. Todos estavam dormindo, mas acordados pelo barulho, correram para ver do que se tratava: não encontraram ninguém estranho na casa. As portas estavam trancadas e as janelas fechadas, contudo, ao revistar a cozinha se depararam com pegadas enlameadas aparentemente deixadas por botas. Essas pegadas seguiam da sala para a cozinha e desapareciam misteriosamente perto da porta de saída que permanecia trancada com chave e uma corrente de segurança.

Após esse estranho incidente, numerosos casos de atividade poltergeist começaram a se manifestar a qualquer hora do dia ou da noite. Portas batiam, quadros caiam da parede, objetos eram arremessados e se moviam de um lugar para o outro. A atividade era tão forte que certa vez um copo de água foi arrancado da mão de Rosa Campbell e lançado contra a parede se despedaçando. Uma imagem santa também foi arrancada da parede e desapareceu por dias, sendo encontrada posteriormente do lado de fora, quebrada em pedaços. Em um incidente ainda mais apavorante, a Sra. Campbell certa noite percebeu um vulto escuro no corredor da casa, como uma sombra negra espreitando. A coisa literalmente sumiu em um piscar de olhos. Toda essa intensa atividade paranormal continuou crescendo, e as crianças da Família Ammons começaram a perder aulas pois ficavam acordadas a noite inteira aterrorizadas pelas estranhas ocorrências.    


A escalada de ataques sobrenaturais apenas piorou a partir desse ponto. Vários membros da família reclamavam que uma presença invisível os empurrava ou cutucava com força. Uma das crianças chegou a dizer que foi violentamente agarrada e sacudida por "mãos invisíveis". Em outra ocasião, um dos meninos, de 12 anos foi jogado pelo quarto como se fosse um boneco de pano, vindo a se chocar com uma mesa. Nada disso se comparava com o incidente ocorrido em 13 de março, quando uma das crianças, foi encontrada levitando acima de sua cama, em um estado de transe. De acordo com a versão de Latoya Ammons e Rosa Campbell as duas encontraram a menina flutuando a cerca de um metro de altura, com o corpo rígido sobre a cama. As duas gritaram aterrorizadas e então a criança despertou e caiu. Ao acordar, alegava não ter qualquer lembrança do que havia ocorrido, como se a sua mente tivesse sido apagada. 

Após este aterrorizante evento, as crianças começaram a manifestar uma série de comportamentos e surtos que sugeriam a influência de uma força sobrenatural externa. Os olhos por vezes rolavam deixando apenas o branco à mostra, elas sibilavam e rosnavam como animais, chegavam a latir e uivar durante a noite, e quando despertavam desse estado pareciam perfeitamente normais, sem memória do que havia acontecido segundos antes. Certa noite, Latoya afirmou ter acordado com um estranho som vindo do quarto de sua filha mais nova de apenas 7 anos. A menina estava em pé, diante da cama, seus olhos brancos e seu corpo rígido. A cabeça virada para trás enquanto ela pronunciava palavras sem sentido em uma língua que ninguém foi capaz de compreender. Quando percebeu que não estava sozinha, a menina irrompeu em uma série de gritos estridentes que terminaram em ameaças de "vou te matar" e "vocês todos vão morrer", com uma voz que não pertencia a criança. O surto durou alguns minutos e quando terminou, a menina precisou ser levada para um hospital, pois havia deslocado o ombro por ter se batido violentamente contra a parede.

Desesperada com tudo isso, Ammons foi aconselhada a procurar ajuda da igreja. Os padres foram bastante solícitos e entrevistaram membros da família para tentar compreender o que estava acontecendo. Chegaram a enviar um observador até a casa para testemunhar os incidentes. Nos primeiros três dias em que ele ficou como hóspede na casa, não houve nenhum incidente, mas no quarto dia, a atividade demoníaca retornou com força. Luzes piscava, objetos se moviam e uma garrafa alegadamente flutuou no ar. O observador da Igreja aconselhou a família a realizar uma limpeza espiritual no ambiente e espalhar crucifixos pela casa. Mas infelizmente nada disso surtiu efeito. Eles decidiram então contatar um médium, recomendado por um vizinho, para tentar entender que manifestação era aquela que os perturbava. 

O especialista, um senhor de meia idade conhecido pela sua seriedade, visitou a casa e andou pelos cômodos, concentrando-se. Em mais de um aposento ele parou e fechou os olhos como se estivesse incomodado com alguma coisa que apenas ele podia sentir. Seu prognóstico não foi nada bom. Segundo, o médium a casa estava "infestada" por presenças demoníacas, nada menos do que 200 entidades diferentes, todas elas malignas. Ele aconselhou a "limpar" a casa com ervas e erguer um altar religioso no sótão, que segundo ele, era o lugar mais afligido pelas presenças. Finalmente, disse que os Ammons deveriam considerar deixar a casa para sempre. Infelizmente, a família era muito pobre para simplesmente se mudar, e havia investido suas economias na compra do imóvel não tendo para onde ir.


Eventualmente o Departamento de Assistência Social acabou se envolvendo no caso. Uma agente social chamada Valerie Washington foi enviada para verificar se as crianças estavam sendo bem tratadas, uma vez que um professor denunciou que uma das meninas apresentava estranhas marcas nos braços. A agente foi testemunha então de uma das mais impressionantes manifestações na casa. Ela viu aterrorizada um dos meninos andar na parede, agarrado a ela desafiando a gravidade. A agente ficou tão aterrorizada que mais tarde deu uma entrevista relatando o que havia visto: "Ele estava agarrado na parede, passou correndo pelo teto, agachado de quatro. Era impossível! Simplesmente impossível que pudesse ser um truque. Não havia como tal coisa ser encenada. Eu acredito que alguma coisa fora do reino da normalidade está acontecendo com essa pobre família. Eles estão enfrentando uma situação terrível!".

Outras autoridades também se manifestaram a respeito dos bizarros acontecimentos na propriedade. O Capitão de Polícia Charles Austin afirmou que acreditava na explicação de que uma força sobrenatural estava atacando a Família Ammons. Ele próprio testemunhou mais de um incidente inexplicável ao ser chamado por vizinhos que se queixavam de gritos e perturbação da ordem vindos da casa. O Capitão teria inclusive, com a permissão da família,  tirado fotografias com seu iPhone, capturando em imagem estranhas formas sombrias e sons misteriosos. A despeito de tudo isso, o Departamento de Apoio a Crianças acabou preenchendo uma queixa contra Latoya Ammons acusando-a de maus tratos. As crianças foram afastadas e colocadas em um lar temporário por seis meses até serem devolvidas a sua guardiã legal.    

A essa altura, a imprensa já havia tomado conhecimento de todos os terríveis acontecimentos na vizinhança. O local foi apelidado de "A Casa dos 200 Demônios" e apareceu em várias reportagens de televisão e jornais de costa a costa. Um artigo de 2014 no Indianapolis Star afirmava que a casa era o lugar mais assombrado do estado e que fotografias tiradas pelos jornalistas enviados para cobrir o caso haviam registrado estranhas sombras nas janelas. A cobertura da mídia propeliu o caso até a estratosfera, e a terrível história de uma família tendo de lidar com a presença de demônios capturou a imaginação do público e se tornou sensação na mídia. 

Em meio a toda repercussão, o Padre Católico, Reverendo Michael Maginot se ofereceu para ajudar a família, desde que seu envolvimento e o da igreja fosse tratado com discrição. Nas palavras do padre, eles não queriam que a situação se transformasse em um espetáculo para a mídia. Maginot recomendou que fossem realizados três exorcismos consecutivos na casa e nas vítimas. O Padre descreveu o lugar como um tipo de "portal para a entrada de demônios" em nossa realidade.


Especialistas no sobrenatural e investigadores do paranormal levantaram histórias a respeito do endereço. Descobriram que a casa havia sido erguida em 1990, mas que antes disso, no terreno havia uma outra casa que segundo rumores havia servido como sede para o que foi chamado de "um culto diabólico" nos anos 1960. Supostamente, uma congregação diabólica se encontrava no local realizando rituais de invocação que tencionavam trazer entidades demoníacas e deles obter favores. Segundo rumores, a tal congregação teria encerrado suas atividades em 1970, depois que a casa foi parcialmente incendiada. Apesar de não haver registros do caso, uma senhora que preferiu não se identificar, afirmou que teria participado do culto que usou o endereço como base de seus rituais. Essa senhora, que afirmava ser uma cristã renascida, arrependida de seus maus feitos, contou que reconheceu imediatamente o endereço quando o caso ganhou notoriedade.

Ela relatou que a propriedade era usada como centro para a realização dos rituais e que no período em que participou dessas reuniões testemunhou muitas coisas inexplicáveis. Segundo ela, entidades eram frequentemente chamadas para se apoderar dos corpos de membros da congregação, falar através deles e presidir os rituais. A casa original teria sido posteriormente vendida e derrubada para a construção de outra casa, que por sua vez também foi demolida para que a atual fosse erguida. Uma reportagem completa, que incluía uma entrevista com essa testemunha foi publicada no Daily Indianapolis e obteve enorme repercussão. 

Com tudo que aconteceu, a família Ammons que estava no centro do debate recebeu a ajuda de pessoas sensibilizadas com seu drama. Eles ganharam uma casa bem afastada e puderam deixar a Casa dos 200 Demônios.  

Mas a história do endereço assombrado não terminou nesse ponto. Em 2016 a casa foi alugada pela produção do programa Ghost Adventures do Travel Channel que pretendia fazer um documentário e programa especial com base nos acontecimentos. Zak Bagans, apresentador do programa aceitou se mudar para o endereço que foi equipado com câmeras, sensores de movimento, microfones de captação e outros dispositivos tecnológicos para registrar qualquer manifestação. O programa que recebeu o título "Demon House" não poupou despesas, entrevistando testemunhas, contratando atores para encenar os acontecimentos e até convencendo o Padre Maginot a relatar o que viu na casa. Apenas a Família Ammons decidiu manter distância do caso, preferindo não ter qualquer ligação com a produção.


Logo ficou claro que a manifestação demoníaca na casa e sua influência não ficariam tímidas diante do aparato montado pela produção do programa. Bagans registrou alguns discretos sons e imagens no interior da casa - muitos dos quais considerados como encenados por contra-regras interessados em criar um ambiente assustador. O Padre Maginot implorou para que Bagans e sua equipe de filmagem desistissem da empreitada, ou que ao menos fizessem uma preparação espiritual antes de permanecer na casa. Pediu ainda que eles usassem crucifixos e outras proteções religiosas, mas Bagans alegou que desejavam exatamente registrar os efeitos sobrenaturais, se estes se manifestassem. 

De acordo com o diário de produção, desde o início houveram muitas dificuldades técnicas, acidentes esquisitos com membros da equipe e acontecimentos inexplicáveis. Objetos sumiam e depois apareciam em lugares diferentes, trechos de filmagem simplesmente eram apagados e misteriosos odores podiam ser sentidos. Alguns membros da equipe desistiram do trabalho, alegando que não se sentiam a vontade para prosseguir, outros diziam que a aura da casa estava cobrando um pesado preço para quem ficava lá por tempo demais. Alguns afirmavam sentir desconforto, dores de cabeça, náusea e outros efeitos. 

A situação chegou ao limite quando o próprio apresentador se ausentou por quatro dias, tendo de ser hospitalizado em caráter de emergência em decorrência de uma repentina infecção intestinal. No hospital ele teria dito que "A filmagem estava amaldiçoada" e que tinha medo de prosseguir no trabalho, embora o Canal quisesse que ele completasse as filmagens. Os custos haviam sido elevados e era preciso cumprir o contrato. Bagans declarou posteriormente que temia que qualquer pessoa assistindo as filmagens corria perigo. Segundo ele, a casa era um "gatilho" para ampliar a aflição das pessoas, fazer com que se sentissem amarguradas e especialmente oprimidas. Dois dos membros da equipe de "Demon House" alegavam estar passando por um quadro agudo de depressão. 

Após finalizar as filmagens em 2016, Bagans, que havia comprado a casa, decidiu contratar uma empresa de demolição para derrubá-la de uma vez por todas. Sua decisão era que a propriedade deveria ser destruída e o terreno deixado vazio para sempre. De acordo com o Padre Maginot tal medida não resultaria em benefício já que nenhuma limpeza havia sido realizada previamente e o mal se manteria ali. Na sua opinião, o tal portal demoníaco se manteria aberto a despeito de haver sobre ele uma casa ou não. Maginot escreveu em uma carta aberta quando consultado a respeito:

"Eu sempre fui contrário a usar a casa em um programa de televisão. É algo extremamente perigoso usar o sobrenatural como mera forma de entretenimento. Isso não é um parque de diversões. Há perigos e não há como controlar a situação. Derrubar a casa, não trará nenhum benefício. O ideal é que ela fosse mantida no lugar e gradualmente limpa de qualquer presença maligna que a habita através do Sagrado Ritual Romano de Exorcismo. Derrubar as paredes não irá encerrar a questão. Como religioso, eu gostaria que chegássemos a um final feliz, que a casa não mais representasse um mal e que as presenças malignas fossem expulsas. Ao invés disso, com ela sendo derrubada, parece apenas que Satã obteve algum tipo de vitória"


Atualmente a casa não passa de um terreno vazio, com mato e ervas daninhas crescendo em meio aos restos. Uma cerca de arame foi erguida ao redor dela, mas isso não impede que pessoas pulem sobre ela e explorem o local em busca de algum souvenir macabro nas suas fundações. Alguns vizinhos afirmam ouvir sons estranhos e perceber sombras vagando por ali, mas compreensivamente poucos gostam de falar a respeito. Também há aqueles que afirmam que o terreno vazio se tornou um imã para curiosos e satanistas que convergem para o lugar para buscar o "Portal Demoníaco".

Os estranhos acontecimentos no local continuam sendo matéria de grande debate. Há muito ceticismo quanto a veracidade do que a Família Ammon relatou ter experimentado enquanto vivia no lugar e não faltam aqueles que consideram todo incidente como uma fraude grosseira. Mediuns e especialistas em desvendar fraudes sobrenaturais afirmaram que não captaram nada de estranho na propriedade em visitas posteriores e que o caso inteiro foi manipulado para ganhar a atenção do público. Muitas das testemunhas segundo esses céticos seriam propensos a acreditar em superstições sobrenaturais, inclusive o Capitão de Polícia e a Assistente Social que testemunharam "manifestações inexplicáveis". Segundo alguns estudiosos, o caso foi hiperdimensionado pelo sensacionalismo. Nem mesmo o Padre Maginot foi poupado de críticas, já que segundo um famoso debunker ele teria escrito três livros a respeito de sua participação na investigação da Casa dos 200 Demônios.    

A despeito de todo o ceticismo, o caso permanece como um dos mais famosos registros de atividade paranormal e o mais conhecido incidente da história de Indiana. A Família Ammons jamais quis se manifestar a respeito dos acontecimentos e se negou a dar entrevistas sobre o caso, considerando que sua participação nos eventos está finalizada. O Padre Michael Maginot realmente escreveu três livros sobre o caso, e posteriormente mais dois sobre exorcismos e a presença do mal em nosso mundo. Ele é tratado como uma espécie de celebridade em seu campo de estudo. Zak Bagans, apresentador do Ghost Adventures liberou uma versão (supostamente) editada de seu programa "Demon House" em 2018 que foi exibida em um especial de 6 partes no Travel Channel. Ele não trabalha mais com o programa e se dedica a outros trabalhos atualmente.

A Casa Assombrada da Rua Carolina continua cativando a imaginação das pessoas, apesar de não existir mais. Ela é considerada como um dos casos mais sensacionais de lugares assombrados da última década e ainda rende muita discussão quando abordado. No fim das contas, é difícil dizer se algo realmente aconteceu com a família que viveu ali e se existia uma força sinistra habitando sob o mesmo teto que ela.

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Necromancia - A mais macabra das Ciências Ocultas


Há milênios, humanos demonstram uma verdade obsessão com a ideia da morte: como adiar a sua chegada, como se preparar para o que vem depois, como entender o nosso destino… e, é claro, como retornar de lá. 

Necromancia é a prática de comunicação com aqueles que habitam o além, que ultrapassaram a fronteira da vida e penetraram nos domínios da morte e que possuem um conhecimento único de algo que transcende nosso saber terreno. Ele é o saber da tumba, compartilhado pelos espíritos e fantasmas que tem sido estudado, testado e ensinado ao longo da história humana.

Robert Masello, um jornalista premiado e autor, conta a história da Necromancia em seu livro "Erguendo o Inferno: Uma História Concisa das Artes Negras e das Pessoas que ousavam praticá-la" (Raising Hell: A Concise History of the Black Arts and Those Who Dared to Practice Them). Nele, o autor deixa claro que os indivíduos adeptos desta modalidade da feitiçaria fazem bem mais do que procurar cadávres e entoar palavras mágicas, embora tal coisa também aconteça.

Necromantes reais possuem um código de conduta muito severo que lhes impõe uma série de limitações. Por exemplo, eles devem se restringir de consumir sal ou carne, também não devem se render aos prazeres mundanos e promover um estilo de vida celibatário. Necromantes não vestem roupas claras, mas não são obrigados a trajar preto como muitos pensam. Uma vez que suas atividades são basicamente noturnas, muitos deles escolhem trocar o dia pela noite, horário em que suas atividades são mais propícias.

Na Espanha Medieval, pré-reconquista, o estudo da Necromancia atingiu o seu ápice como uma disciplina ensinada por professores e aprendida por alunos. As salas de aula eram construídas em catacumbas de cemitério ou no anexo de mausoléus onde os estudantes podiam ter acesso ao material de seu estudo e com ele se familiarizar: a morte. Há indícios de que célebres universidades espanholas, como a famosa Salamanca, possuíam Cursos de Necromancia, embora estes não fossem abertos a qualquer pessoa interessada. Havia uma rede de informantes dentro de disciplinas como filosofia, medicina e mesmo teologia, que descobria possíveis interessados e os convidava para atender a esse curso. Nele, os adeptos aprendiam noções de anatomia, alquimia e ocultismo, e mais importante, os fundamentos das artes negras.


É curioso, mas a necromancia sempre considerou a si mesma a mais neutra das ciências ocultas. Ela não se inclinava para o bem ou para o mal, visto que seu foco se referia a todos, sem distinção de alinhamento social. A morte chegava a todos, era um visitante inevitável para o Rei ou para o servo, para o nobre e o plebeu, para o rico e para o pobre. Necromantes consideravam a si mesmos uma espécie de canal através do qual, os segredos poderiam ser compartilhados e desvendados. Ainda que certos rituais pudessem parecer sinistros e suas atividades soassem macabras, os verdadeiros necromantes não eram praticantes de sacrifícios ou de atrocidades.    

Não obstante, a prática foi transformada em uma anátema da fé cristã. A Necromancia passou a ser intimamente associada ao satanismo e como tal, perseguida pelos inquisidores. A morte era um território exclusivo para a cristandade e o envolvimento com seu saber se tornou reprovável. Mas isso não significa que a prática desapareceu nos séculos seguintes. De fato, ela continuou entranhada nas sociedades despertando o mesmo interesse e fascínio que sempre teve.

Um dos princípios da Necromancia clássica é que os rituais são extremamente complexos e demandam enormes preparativos. Outro princípio é que os segredos do além não são entregues gratuitamente e o envolvido em sua exploração, por vezes, tende a se expor a riscos. Fantasmas e espíritos, na maioria das vezes, não se mostram cooperativos e não ficam satisfeitos ao serem invocados.

Por que então incomodá-los?

Segundo a tradição da necromancia, existem várias razões para ingressar no estudo dessa arte, alguns mais puros do que outros.


Espíritos conjurados, são por vezes invocados por afeição, o feiticeiro sente falta de um ente querido ou age como uma ponte para aliviar o sofrimento e preocupação de alguma pessoa em profundo luto. Algumas vezes, os espíritos são assim invocados para confortar os vivos e reduzir seu lamento.

Outras vezes, os espíritos são invocados por serem eles, uma fonte de conhecimento secreto. Um adágio da arte diz que "mesmo o fantasma menos informado sabe mais a respeito do além que a maioria dos necromantes". Além disso, eles conhecem todos segredos que carrearam consigo para o outro lado - a localização de tesouros, o nome de assassinos e criminosos, segredos que não podiam ser divulgados em vida, que após a morte finalmente podem vir à tona. Um necromante não sabe apenas como se comunicar com os mortos, mas aprende a persuadir os espíritos, por vezes através de agrados e promessas, em outros casos, por intermédio de coação e intimidação.

De acordo com o folclore, os espíritos podem ser acessados perto de seu descanso final por cerca de um ano após sua morte. Não é por acaso que necromantes eram famosos por rondar cemitérios e saber quando cada pessoa morreu. Nesse período, a invocação do morto se tornava mais fácil, uma vez que ele ainda não entendia sua condição de desencarnado. Com o passar do tempo, se tornava mais difícil, em alguns casos, impossível alcançar o falecido o que podia demandar um longo ritual.

Esses rituais tinham requisitos e careciam de total seriedade e comprometimento por parte do necromante. Antes de sua realização, o necromante fazia uma série de preparativos para se limpar espiritualmente: jejuava e evitava certos tipos de comida, não bebia nada fermentado, se eximia de sexo e da companhia de entes queridos, além de que, passava parte de seu tempo em meditação. Também era comum um preparativo que envolvia lavar o corpo em frequentes abluções purificadoras no mesmo horário e seguindo o mesmo ritual. Não apenas a parte exterior era foco de sua atenção, mas por dentro também. Por isso, consumiam ervas purgativas que induziam ao vômito e diarreia. A ideia é que quanto mais limpo estivesse o organismo, melhor.

O período compreendido pela maioria dos estudiosos do assunto envolve um tempo de preparação de no mínimo nove dias. Nesse período simbólico de vazio, eles tentam se harmonizar com o mundo que planejam explorar. Todos esses preparativos visam criar uma espécie de elo complacente entre o necromante e as almas daqueles que ele espera conjurar.


Os rituais deviam também obedecer a várias diretrizes. Primeiro o lugar escolhido é de extrema importância para a realização do ritual mágico. Os locais mais favoráveis para estabelecer contato com os mortos são câmaras subterrâneas, catacumbas de cemitérios, mausoléus e outros lugares em que a morte esteja próxima. Encruzilhadas também são considerados como lugares propícios, talvez pela crença de que elas funcionavam como um eixo para o trânsito dos vivos, e também dos mortos. Uma representação terrena de que os caminhos se cruzam e convergem. Além destes lugares consagrados segundo a crença, outros cenários podem ser ruínas, casas abandonadas, igrejas fechadas, monastérios e cavernas isoladas. O ideal é que o realizador tivesse paz e quietude, que não fosse interrompido após iniciada a sua exploração e que nada pudesse desviar sua atenção. 

Assim como fazia com seu corpo, preparando-o para a cerimônia, o local escolhida deveria passar por uma purificação. Velas negras e incensos almiscarados podiam ser queimados para abrir os caminhos através do uso de fragrâncias e substâncias específicas como losna, cicuta, açafrão, aloés, sândalo, mandrágora e ópio. Alguns acreditavam que um pequeno sacrifício é necessário, por isso ofereciam pombos ou coelhos que eram cerimonialmente mortos por decapitação. Outros sacrifícios podiam ser o sangue do realizador coletado em um cálice, bem como sua urina, o sangue menstrual de virgens ou bile. Uma coroa de louros, terra de cemitério, a crina de um cavalo, as penas de corvos e uma infinidade de outras coisas dependendo da crença do realizador também poderiam fazer parte do preparativo.  

A imagem que se faz dos necromantes condiz com o figurino adotado por eles quando praticam seus rituais. Ao contrário das bruxas e dos feiticeiros pagãos, o necromante raramente conduz seus rituais nu. O manto negro de tecido rústico dotado de capuz é a vestimenta mais propícia para seus rituais. Mas apenas ele é usado, o necromante não veste nada além desse traje simples. Por vezes próximo ao local ele deixa uma adaga, seus livros, velas e qualquer amuleto que ele tenha consagrado e que possa lhe ser útil.

O melhor momento para se realizar o contato com o mundo dos mortos, como é de se esperar, é entre a meia-noite e uma da manhã. Se a lua estiver cheia e cilhante, as condições se mostram ideais. A chuva torrencial ou o granizo, além de outras manifestações da natureza, como raios, também oferecem portentos. Existe a crença de que tempestades podem ajudar no contato com o além uma vez que eles causariam um tipo de ruptura nos tecidos que separam os mundos.

Dentre os rituais mais importantes dentro da Necromancia, nenhum é mais conhecido que a comunicação com os mortos.


Para realizar tal façanha, o Necromante e seus associados precisam cumprir uma última formalidade: eles precisam do cadáver da pessoa que desejam invocar. E é nisso que talvez resida a parte mais mórbida de seu ofício e a que concede a esta atividade o caráter mais medonho, já que Necromantes são em essência ladrões de sepultura.

Segundo os preceitos, o corpo deve ser removido de seu lugar de descanso durante a madrugada. Um círculo de proteção é desenhado ao redor da sepultura que será escavada. Após a exumação do ataúde, este é aberto e o corpo removido com um cuidado que beira a reverência. No passado ele era envolto por um saco de tecido escuro para ser mais facilmente carregado até o local escolhido para hospedar o ritual.   

O cadáver é posicionado sobre uma superfície semelhante a um altar (que pode ser de madeira ou pedra) e no qual são desenhados símbolos de proteção para afugentar maus espíritos. Tochas queimam ervas e substâncias que acrescentam ao ambiente um elemento odorífero particular. A posição do cadáver é importante segundo as convenções, sua cabeça deve estar voltada para o oriente (na direção do nascer do sol) e suas pernas devem ser dispostas com a direita sobre a esquerda. Próximo da mão direita, o necromante coloca um pequeno prato ou bacia, onde deve queimar uma mistura de vinho, betume e óleo essencial. O corpo deve ser tocado três vezes com uma vara de visco, enquanto o necromante repete palavras de seu Grimório repetindo então o nome do morto. Em uma pequena variação, se o morto cometeu suicídio, este deve ser tocado com a vara nove vezes, invocando outros nomes para que o cadáver seja liberado dos sofrimentos a ele impostos.

Ao fim, o necromante diz algo como "através de minha arte, eu te ordeno (filano de tal) que se manifeste e responda as perguntas que eu lhe dirigir".

Se tudo tiver sido realizado corretamente, o espírito será invocado e retornará ao seu velho corpo. Com um tom de voz pesaroso e sepulcral, o falecido irá responder todas as perguntas que o necromante fizer - o que existe além do mundo das lágrimas, que demônios estão lhe afligindo, onde um tesouro se encontra, qualquer coisa. Quando o interrogatório termina, o feiticeiro recompensa o espírito pela sua cooperação assegurando que ele não será perturbado no futuro. Os restos são queimados ou enterrados para que não sejam perturbados novamente. A destruição do corpo é uma maneira de impedir que ele seja sujeito novamente a ocupar seus restos.


Um famoso necromante da antiguidade, Sextus, filho de Pompeu, o Grande, teria aprendido o ritual com uma bruxa. Ele desejava saber como havia transcorrido uma determinada batalha em que seu pai estava envolvido durante a campanha para conquistar Roma. Ele teria ordenado a exumação de um soldado próximo de seu pai que havia morrido na batalha, mas o resultado do ritual obteve apenas respostas confusas. De acordo com Lucano, que relatou a história em sua obra Farsália, Sextus ficou enojado pelas descrições da batalha feitas pelo cadáver. 

Ele teria então buscado o aconselhamento de uma bruxa chamada Erichto.

Essa bruxa seria uma criatura assustadora, que tinha fama de não apenas se comunicar com os mortos, mas usá-los como seus guardiões e escravos. Para facilitar sa comunicação com os mortos, ela vivia em um cemitério, dormindo em uma tumba, cercada de ossos e relíquias funerárias. Quando Sextus pediu a ela que invocasse os mortos para que eles revelassem os augúrios, ela explicou que primeiro era necessário trazer diante dela um cadáver fresco.

Por sorte, havia ali perto um campo de batalha, e depois de buscarem por uma sepultura recente encontraram o cadáver de um soldado que havia acabado de ser enterrado. Erichto examinou o cadáver e aprovou seu uso, uma vez que nem bem havia esfriado. Ele não havia sido ferido na boca, nem nos pulmões ou na garganta, então não haveria problemas de responder às suas questões.

A gruta usada por Erichto era consagrada em nome dos deuses do submundo. Erichto havia preparado um nauseante cozido com a carne de hienas que por sua vez haviam devorado a carne de homens mortos, a pele de cobras, a espuma da boca de cães ferozes, e todo tipo de erva daninha de odor repulsivo. Quando a horrível mistura entrou em ebulição, a bruxa ordenou que Sextus fizesse um corte no peito do cadáver, exatamente acima de seu coração, para que ali fosse inserido uma cânula. O líquido foi então derramado para que se tornasse uma espécie de substituto de seu sangue.

Erichto começou então a proferir encantamentos, chamando por Hermes, para que guiasse o morto, e Caronte, que transporta as almas através das águas escuras do Rio Styx. Ela apelou a Hecate e Proserpina, a Rainha do Submundo, e a Caos, o senhor obscuro cujo objetivo é espalhar a destruição e a discórdia entre os homens. Ela lembrou a todos eles que sempre foi fiel discípula deles e que havia repetido os seus nomes em altares. Enquanto tais nomes eram proferidos, uma tempestade irrompeu, com raios e trovões. Sextus ouvia à distância o uivo de lobos e das serpentes sibilando.


Gradualmente Sextus percebeu uma forma transparente surgir flutuando sobre o cadáver do soldado. Erichto ordenou que o espírito entrasse no corpo desmazelado, mas ele se negou; ela ordenou mais uma vez ameaçando condená-lo ao submundo e aos seus tormentos. Mas o espírito novamente disse que não faria conforme ela ordenava. A bruxa então tentou uma nova abordagem: se o espírito fizesse conforme ela dizia, ela prometeu que destruiria seu corpo e dessa maneira não seria possível invocá-lo novamente por aquele horrível ritual. 

O cadáver acabou concordando; e reentrou em seu corpo. O sangue voltou a circular em suas veias e seu corpo decrépito se ergueu de maneira solene do altar. Com palavras carregadas de maus agouros, ele se voltou para Sextus quando este perguntou qual seria o destino da Campanha Militar que seu pai havia iniciado. "A Batalha será perdida: teu pai, teus parentes e você mesmo, não viverão para ver a próxima estação do ano. Tua campanha está fadada a ruína. Logo tua carne irá apodrecer em uma tumba e nada restará de ti além de ossos. Isso é o que te aguarda".

Diante da resposta decepcionante, Sextus dispensou o espírito. Ele e Erichto mantiveram sua promessa, montaram uma pira funerária e incineraram o cadáver. Conta a história que Sextus tentou convencer o pai do que havia acontecido, mas que Pompeu não desistiu de seu plano de reinar sobre o Império romano. Plano este que foi frustrado e resultou na sua morte. Fiel ao pai, Sextus ficou ao seu lado até o fim. Ele também não viveu para ver a estação seguinte.

Verdadeira, falsa, mero charlatanismo ou superstição, a Necromancia persiste como parte indissociável do mundo oculto e uma das tradições mais misteriosas, dividindo opiniões há séculos.

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Scholomance - A verdadeira Escola de Magia do Leste Europeu


Nas Montanhas cinzentas dos Cárpatos, nas profundezas do Leste Europeu, existe uma lenda a respeito de uma Ordem de Feiticeiros. Eles estudam os meandros das Magias Ritualísticas, tentam desvendar os mistérios da Alquimia, os segredos da Necromancia e da Magia Negra. Eles se reúnem para compartilhar seu saber uns com os outros, e assim um elo entre mestres e discípulos se forma, inquebrável há séculos.

O nome dessa Ordem é Scholomance ou a Escola de Salomão.

Muito antes de ser o nome escolhido para uma Cidade de Feiticeiros em um popular jogo de MMORPG, Scholomance era um nome temido e raramente pronunciado abertamente. No Leste Europeu, ele era tido como uma lenda, mas muitos tinham motivos para acreditar na sua existência e temer a sua influência como algo vil e perigoso. Membros da Scholomance teriam encomendado ou eles mesmo perpetrado assassinatos, eliminado desafetos, manipulado pessoas importantes e até apoiado a queda ou surgimento de regimes. Mais do que sua influência política e econômica, a Scholomance era capaz de coisas muito piores, já que seus associados eram mestres nas artes místicas.

Na Europa Oriental e em qualquer outro lugar do mundo, o Rei Bíblico Salomão não é visto apenas como um homem sábio, mas também como um mestre nas artes da magia e alquimia. Salomão era capaz de operar verdadeiros milagres, alterar a realidade, prender demônios e compelir forças malignas a se submeter a ele. Hoje em dia, não são todos os estudiosos da Bíblia que reconhecem essa faceta do Rei Hebreu, mas basta apanhar o bom livro para descobrir que ele é descrito como um poderoso utilizador de magia.

Não é por acaso, portanto, que o Rei Salomão é uma espécie de patrono da Ordem.


A Scholomance surgiu como uma Ordem, mas em algum momento de sua longa história, que supostamente pode ser traçada até antes do Império Romano, ela se converteu em algo que poderia ser compreendido como uma Escola de Magia.

As classes da escola eram compostas por dez alunos que ficavam sob a tutela de magos instrutores que tinham vasto conhecimento em misticismo, alquimia e em outros ramos das Ciências Proibidas. Não se sabe quanto tempo durava o período letivo, mas é provável que ele compreendesse pelo menos cinco anos, tempo em que cada aprendiz era testado, recebia treinamento em diferentes técnicas, aprendia idiomas esquecidos e tinha acesso a um saber restrito. 

As instalações da Escola, localizada encravada em algum lugar quase inacessível das Montanhas da Romênia, no território fantasmagórico da Transilvânia, escondiam sua verdadeira natureza. Dizem que ela se apresentava como uma Ordem Monástica que se organizava num sistema asceta muito parecido com o cristão. Seus membros tinham regras muito rígidas, e horários severos que deviam ser respeitados sob pena de expulsão. Havia um voto de silêncio a respeito do propósito da Escola. Quebrar a promessa de jamais revelar o que acontecia atrás dos altos muros do Mosteiro podia dar ensejo a punições e até à morte. Recorrendo a esse sigilo, a Scholamance sobreviveu por incontáveis séculos, mesmo durante o período mais perigoso das perseguições religiosas. 

No interior do mosteiro haviam diferentes salas de aula, cada qual destinada a transmitir uma disciplina. Elas eram conhecidas como Capelas (ou Chantrias) e cada qual tinha um mestre responsável por cuidar de todos aspectos relacionados ao seu funcionamento. Uma Chantria podia se devotar a ensinar os princípios da Alquimia, contando com um vasto laboratório, ingredientes raros e material para criação de fórmulas. Outra Chantria se destinava a ensinar Necromancia e portanto possuía um laboratório de dissecção e um estoque de cadáveres frescos comprados no mercado negro. Outras Chantrias tratavam de magia enoquiana, magia planetar, astronomia, demonologia e assim por diante. Não se sabe os detalhes a respeito do que era ensinado, mas é razoável supor que a maioria das tradições místicas clássicas estavam à disposição dos alunos.


Mais famosa do que as Disciplinas ensinadas nas Chantrias, talvez fosse a renomada Biblioteca de Magia da Scholomance. Famosa em várias partes do mundo, motivo de curiosidade para ocultistas e feiticeiros ao longo da Idade Média, o acervo era tido como dos mais completos. Além de possuir tomos raríssimos e Grimórios famosos, a Biblioteca tinha a fama de reunir algumas edições únicas. Estariam nas suas prateleiras obras vindas do oriente distante, escritas em árabe, aramaico, sânscrito e até chinês. As coleções não reuniam apenas obras de magia, mas também uma fartura de material a respeito de filosofia, teologia, medicina, alquimia e ciências em geral. Haviam ainda manuscritos únicos extremamente valiosos, pergaminhos escritos por mestres e textos talhados em tábuas de barro cozido que haviam sobrevivido a passagem dos séculos. Supostamente, todos os magos que vinham de longe para visitar a Scholomance tinham de fazer a doação de alguma obra, para assim ganhar acesso ao acervo como um todo. Os vetustos bibliotecários, tinham como prerrogativa avaliar os livros oferecidos e julgar se ele teria lugar na coleção. Baseado em seu julgamento, o acesso podia ser vedado ou garantido.

Nenhum livro jamais deixava a biblioteca depois de incorporado ao acervo. Eles podiam ser consultados nas mesas e laboriosamente copiados, mas a regra da Scholomace era que nenhum trabalho veria o exterior dos muros. Essa regra pétrea, garantiu que a Biblioteca do Mosteiro se tornasse uma das mais completas e invejáveis da era das trevas.

Era tradição que nove aspirantes a magos, após aprender o suficiente, eram dispensados e podiam voltar para seus lugares de origem. Eles não tinham permissão para ensinar o que haviam aprendido na Scholomance, mas podiam indicar novos aprendizes quando julgassem adequado. Depois de receber seu treinamento estes voltavam, em geral para o mago que os havia indicado, para se tornarem discípulos.  

Um dos aspirantes, no entanto, era escolhido para ficar na Escola em caráter perpétuo. Aqueles que se destacavam eram convidados a assumirem o posto de  Dragão; um membro efetivo da Scholomance, escolhido para se tornar instrutor, mestre ou bibliotecário. Os Dragões eram os defensores de vanguarda da Escola, escolhidos à dedo para receber um conhecimento secreto que ia muito além daquele ensinado para os demais. Este recebia um livro onde suas magias e rituais eram copiados para posteriormente serem incorporados à biblioteca. Os Dragões dominavam técnicas superiores, aprimoravam seu repertório místico e aprendiam magias que lhes permitiam entre outras coisas se comunicar com animais, invocar demônios, controlar o clima, mudar de forma e em alguns casos, alcançar a imortalidade.


Supostamente, alguns agentes da Scholomance vagavam pela Europa em busca de candidatos para a escola. Se ouviam falar de algum feiticeiro ou bruxa, os procuravam, tencionando transformá-lo em um recurso valioso para a Ordem.  Os agentes também prestavam atenção a alguns detalhes: cabelos ruivos era uma marca distinta de estudantes em potencial. Crianças nascidas com polidactilia ou caudas vestigiais também eram tidos como bons candidatos.

Muitos falavam da influência da Scholomance na Europa e no poder que seus membros possuíam sobre as casas reais em várias nações. Acredita-se que Reis e Rainhas da Idade Média se aconselhavam com indivíduos que haviam recebido instrução da Scholomance e que estes os auxiliavam a governar recorrendo sempre que necessários às suas habilidades místicas. Uma vez que a Ordem se esforçava para ter um de seus alunos em cada corte importante da Europa, não é exagero dizer que ela era capaz de manipular decisões políticas e escolher o que lhe seria mais vantajoso. Em um jogo de intrigas, a Scholamance estava sempre disposta a tirar vantagem de suas conexões. Também era mencionada a habilidade dos magos de matar à distância e eliminar obstáculos recorrendo sempre a magia para alcançar seus objetivos. Um recurso valioso para os monarcas da Europa.

Um elemento bizarro frequentemente associado a Scholomance e seus membros diz respeito ao vampirismo. Em muitas histórias, membros da Ordem milenar seriam vampiros. As ideias de alquimia, dragões e vampirismo acabaram sendo unificadas na lenda da Família Tepes, ninguém menos do que o próprio Dracula. Vlad, o terceiro, o nobre que seria a inspiração para a criação do Drácula de Bram Stoker era um membro de uma Ordem de Cavalaria conhecida como Ordem do Dragão. Seria possível que esta fosse uma face pública da Scholomance?

 O que devemos nos perguntar é sobre a origem da escola. Em geral os historiadores acreditam que no final da Idade das Trevas, no início da Primeira Cruzada, dois cavaleiros, possivelmente templários, descobriram a biblioteca secreta do Rei Salomão em Jerusalém. Os cavaleiros retornaram a sua terra natal, a Wallachia e começaram a estudar os curiosos livros que haviam trazido consigo como espólios. Entre estes haviam importantes tomos a respeito de magia e alquimia. Um dos cavaleiros se devotou ao estudo da Cabala e eventualmente desenvolveu um sistema de magia similar ao que é descrito na Chave de Salomão. O outro cavaleiro, dizem, reviveu as tradições a respeito do culto do Dragão de seus ancestrais em um sistema de magia que combinava elementos de magia cerimonial e pagã com a figura do Dragão como uma divindade simbólica. Em algumas lendas, este dragão seria ligado a Chernebog, Deus da Noite, do inverno e do eclipse do Sol.


As imagens recorrentes de dragões indicam que o símbolo da Scholamance era possivelmente baseado na bandeira da Dacia, um Dragão com cabeça de lobo e um corpo de cobra formando um oroborus. Alguns supõem que o cavaleiro que acolheu o caminho da cabala teria seguido para o ocidente e mais tarde teria dado início a Ordem chamada Illuminati. A tradição do outro cavaleiro teria dado origem ao que é comumente chamado de Caminho da Mão Esquerda.

Digno de nota, novamente, são as similaridades entre esta lenda e o saber de Set e Sutekh, do Egito Antigo. Sutekh teria os cabelos vermelhos e favorecia os ruivos com o dom para a magia; como Chernebog, Sutekh era o Deus da noite e dos eclipses. As duas divindades divergem no fato de que Chernebog é um deus de frio e do inverno, enquanto Sutekh favorece o calor e o verão. No geral, essa diferença parece muito grande, mas é preciso levar em conta o ambiente de cada cultura, ambos atendem a mesma corrente de destruição e entropia.   

No final dos anos 1980, a lenda da Scholamance foi cooptada por um grupo de ocultistas com ligações na Europa Oriental. Em 4 de maio de 1990 (a Noite do Dragão segundo a tradição romena), este grupo composto por nove homens fundaram uma ordem baseada em sua interpretação da lenda da Scholamance. Relacionando Chernebog e Sutekh com os dogmas da Ordem, eles conceberam a noção de que vampirismo e a existência de um Deus da Noite, estavam de alguma forma ligadas. Eles acreditavam que a Scholomance havia sido fundada por indivíduos que tiveram contato direto com vampiros que por sua vez faziam parte de uma raça chamada Upyreshi. Essa Sociedade havia se espalhado pelo mundo, carregando seu conhecimento, o que explicava como o vampirismo estava presente em várias culturas. 

Os excêntricos membros da Nova Scholamance afirmavam ser estudiosos de várias tradições místicas e ocultismo e que também dominavam a alquimia e inúmeras modalidades de magia ritualística. A Scholamance passou a oferecer instrução mística em cinco disciplinas: Magia Ritual, Feitiçaria, Taumaturgia, Arcanismo e finalmente a Ciência dos Pactos. Cada membro da Ordem conhecia as disciplinas, mas se especializava em apenas uma ou duas, tornando-se assim mestres. O Vampirismo continuava tendo grande importância, visto que cada membro acreditava possuir uma descendência entre os Upyreshi. Esse revival da Scholamance tencionava se converter em uma nova e poderosa Ordem de Magia, que abriria aos seus interessados a chance de alcançar a iluminação.


Apesar de seus grandes sonhos, a Ordem durou apenas alguns anos e se separou após brigas e disputas internas entre os seus associados. Com o fim da Nova Scholamance, nos anos 1990, surgiu uma nova sociedade que atendia pelo nome Ordo Tenebri Astrum, ou O,T.A. Hoje ela é uma das Ordens Herméticas mais respeitadas da Europa, dedicada ao estudo do ocultismo.

Para alguns a Scholamance original continua ativa, alguns teóricos da conspiração acham que ela nunca deixou de existir. Ela permaneceria instruindo feiticeiros, criando novos magos e agindo nas sombras como os regentes ocultos do mundo de um mundo secreto.

terça-feira, 9 de outubro de 2018

Conhecimento Arcano III - Tomos com Magia Celestial e para criar Artefatos Mágicos


Outra forma de magia que frequentemente aparece nos Grimórios é aquela que confia seu poder nos corpos celestes como luas, planetas e estrelas. A Chave Menor de Salomão teria sido bastante influenciada por outro livro mais antigo chamado Heptameron, escrito por um filósofo italiano e astrólogo Peter de Albano no final do século XIII e início do XIV. Ele foi publicado em meados de 1400 muito depois dele ter definhado lentamente em uma prisão acusado de heresia.

O livro lidava em grande parte com magia planetária, com forte ênfase em astrologia, alinhamentos planetários, passagem de cometas e eclipses. Cada um desses fenômenos astrais favorecia de alguma forma um tipo de ritual ou uma magia portentosa. o livro trazia rituais de invocação de anjos, bem como a purificação e consagração de objetos, instruções para a criação de círculos mágicos para diversos propósitos.

Outro tomo escrito por um filósofo e tratando com astrologia e magia planetária é considerado um dos mais respeitados grimórios mágicos, o Libri Tres de Occulta Philosophia, ou "Os Três Livros de Filosofia Oculta". O pedigree desse Grimório é impressionante, tendo sido escrito pelo famoso místico e alquimista alemão Heinrich Cornelius Agrippa. Tratando majoritariamente de magia elemental e celestial, bem como astrologia, alquimia e comunicação espiritual, o tomo é dividido em três grandes livros. Sua aproximação intelectual é bastante distinta tratando da natureza da magia sob um ponto de vista racional. Nessa concepção, magia seria um tipo de ciência a ser compreendida e dominada. Além disso, ao longo da obra podiam ser encontradas vários passagens codificadas e trechos cifrados remetendo a notáveis intelectuais como Pitágoras, Ptolomeu, Platão e Aristóteles, que tornavam o livro único entre os outros tipos de grimórios existentes e ajudaram a cimentar a noção moderna de magia.

Um dos maiores e mais conhecidos volumes de magia possui também natureza astrológica. Datando de antes do século XI, o Picatrix foi originalmente escrito em árabe sob o título Ghayat Al-Hakim, que se traduz como "Para alcançar a Sabedoria" ou "O Objetivo do Sábio". Trata-se de uma vasta obra de 400 páginas a respeito de teoria mística e magia, incluindo várias magias com o foco no controle de energias advindas dos planetas, estrelas, cometas e demais corpos celestes e considerado um dos primeiros e mais completos trabalhos no campo das ciências astronômicas jamais escritas. Alguns dos efeitos que podem ser alcançados através do conhecimento contido no livro incluíam induzir viagens astrais, teleportação, alterar os estados de consciência, precognição, controle mental, influenciar pessoas... magias realmente poderosas sugeriam atuar sobre os mortos, destruir pessoas, devastar cidades e liberar pestes. Alguns dos símbolos retratados nas páginas também serviriam para criar amuletos e encantar objetos.


 Escrito em árabe, o enorme Grimório foi traduzido para o espanhol e então para o Latim, onde ele recebeu o título Picatrix. Embora o livro tenha se tornado extremamente importante para a Magia Ocidental, sendo citado por magos da Renascença como Cornelius Agrippa e Marsilio Ficino, não se sabe quem o escreveu originalmente, ainda que existam suposições de que sua autoria cabe ao matemático árabe Ahmad Al-Majriti que viveu na Espanha Moura.

Uma das características mais notáveis do Picatrix são os grotescos e perturbadores, algumas vezes considerados obscenos, ingredientes usados na maioria das magias contidas nas suas páginas ancestrais. Recorrendo a materiais exóticos para criar as medonhas misturas que alimentam os rituais e magias, temos uma lista de ingredientes desagradáveis que incluem sangue, esperma, saliva, cera de ouvido, ossos, lágrimas, fezes, suor, urina e matéria cerebral tanto de humanos quanto de animais. Boa parte desses materiais são queimados em cadinhos ou caldeirões para que a fumaça resultante que se ergue da mistura ative as magias. O Picatrix também lida com a utilização de várias plantas e ervas de natureza alucinógena e psicoativa, como hachiche, ópio e outras drogas extraídas de plantas. Talvez por essas razões não seja de se surpreender que alguns utilizadores do tipo de magia descrita no Picatrix afirmassem que seu uso poderia causar uma profunda confusão mental, insanidade, desmaios, doença e um estado de comatose semelhante a morte.

Alguns feiticeiros que tiveram acesso ao tomo advertiam de enormes perigos aio empregar as magias ali descritas. Alardeavam que demônios e elementais surgiam durante sua realização para causar a ruína e destruição dos magos inexperientes que ousavam fazê-lo. É provável, contudo, que a maior parte desses perigos viessem das misturas insalubres e dos vapores que emergiam a partir da queima de tais extratos.


Além dos Grimórios Astronômicos, haviam ainda aqueles que se concentravam na Criação de Artefatos Mágicos e Objetos Encantados ao invés de Magias e Rituais. Um Tomo nessa categoria é o Black Pullet, escrito na França em algum momento do século XVIII. O autor teria sido um soldado ou oficial de baixa patente que serviu no exército de Napoleão Bonaparte que alegava ter sido resgatado do Deserto do Egito por um misterioso feiticeiro turco que o ajudou a se recuperar de seus ferimentos. Posteriormente esse mago teria lhe ensinado mistérios e segredos arcanos que ele transcreveu no livro.

O Black Pullet (A Galinha Preta) se dedica a descrever como criar e construir 22 objetos mágicos, desde talismãs e amuletos, até anéis, varinhas e cajados imbuídos de magia e capazes de operar efeitos miraculosos no mundo. Entre as qualidades destes itens estavam a capacidade de controlar a mente alheia, proteger contra ferimentos, curar doenças, encontrar segredos, revelar a mentira e causar ferimentos apenas apontando na direção de quem se desejava ferir. Alguns dos objetos serviam para invocar seres místicos como gênios, demônios e elementais que eram aprisionados dentro deles. Os objetos eram construídos com material nobre: seda, bronze, aço e adornados com pedras preciosas, recobertos de símbolos e inscrições contendo palavras de poder reveladas pelo livro em detalhes. 

O item mais famoso listado pelo livro é justamente aquele que dá nome à obra, o "Black Pullet", que é uma galinha que é capaz de encontrar tesouros ocultos assim como por ovos de ouro. De acordo com o Grimório, qualquer pessoa que fosse capaz de criar e controlar esse feitiço seria rico além de seus sonhos mais febris. O tomo influenciou vários outros trabalhos no campo do ocultismo, inclusive o Grand Grimoire, que já foi citado. 


Outro texto que trata especificamente da criação de objetos místicos se concentrava especificamente na legendária Pedra Filosofal. Esta seria um dos mais valiosos artefatos da alquimia e do universo do ocultismo ocidental; segundo as histórias a pedra não apenas era capaz de transmutar chumbo em ouro, mas serviria para concotenar o fabuloso "Elixir da Vida", que curaria toda doença, ferimentos e garantiria imortalidade.

Estes incríveis segredos místicos estariam contidos em uma série de manuscritos ao invés de um livro, e teriam sido escritos por um monge de Yorkshire chamado George Ripley no século XV. Embora Ripley fosse um religioso, aparentemente ele era fascinado pelo mundo oculto e pela alquimia tradicional. Ele teria passado quase 20 anos vagando pela Europa, coletando conhecimento arcano que foi reunido em seus textos.

Os Manuscritos de Ripley, continha não apenas textos notáveis, mas ilustrações, iluminuras e textos cifrados que alegadamente escondiam a fórmula para criar a Pedra Filosofal. Ripley teria obtido uma enorme riqueza pessoal, que não tinha qualquer explicação razoável, visto que ele levava a vida modesta de um monge. Segundo as histórias, ele teria realizado enormes doações, em especial para a Ordem de Cavaleiros de Malta que defendiam a Ilha de Rodes dos Turcos, teria emprestado dinheiro a abadias e compartilhado ouro com nobres benevolentes. Quando morreu, muitos acreditavam que ele teria escondido um tesouro inestimável em algum lugar de seu monastério. 

Curiosamente, alguns cientistas importantes demonstravam enorme interesse nesse material. Ninguém menos que Isaac Newton acreditava que os manuscritos realmente tinham fundamento e que poderiam conter os segredos da transmutação alquímica, algo que ainda era buscado pelos primeiros químicos modernos. Os Manuscritos de Ripley desapareceram misteriosamente, mas segundo rumores eles teriam sido enviados após a morte do monge para uma Ordem que prometeu guardá-los e evitar que seus segredos caíssem em mãos erradas. De tempos em tempos, versões deles surgem na Europa em coleções particulares, mas não se sabe ao certo se eles seriam os originais redigidos pelo misterioso Monge de Yorkshire.


Outro livro que trata de objetos mágicos transbordando com poderes sobrenaturais é o curioso Galdrabok. Escrito no século XVI na Islândia, esse Grimório descreve como Runas e Símbolos mágicos podem ser usados para transferir a objetos capacidades notáveis. 

O Galdrabok, descreve em suas mais de 300 páginas as propriedades de cada runa associada a um poder esotérico e um fundamento místico. Tais símbolos podem ser escritos em papel, velino e pele, ou então entalhados em madeira ou metal para que o objeto onde ele é afixado receba aquela magia. Os itens mais comuns descritos no Grimório seriam os Galdrastafur: cajados, varinhas e cetros, contudo anéis, braceletes e mesmo espadas podiam receber as runas de poder e assim se tornarem encantados.

Uma vez cobertos com os símbolos os itens poderiam realizar vários efeitos místicos. Alguns concederiam sorte, atrairiam riqueza, saúde, afastariam aflições, induziriam o medo ou a coragem, aumentariam a fertilidade, abririam portas sem chave, aumentariam habilidades naturais e afastariam espíritos malignos ou animais selvagens. Se uma espada recebesse uma determinada runa de poder,  por exemplo, ela seria capaz de desferir golpes fatais ou até fulminar qualquer um, além de seu dono original que ousasse erguê-la. Alguns poderes eram mais estranhos ou inusitados: uma varinha poderia comandar os peixes de um lago a saltar para fora da água dentro de uma canoa, um cetro poderia controlar ovelhas e fazer com que elas não se afastassem, já um anel de latão era capaz de provocar em uma pessoa um ataque repentino de gases e flatulência incontrolável. No total, o Galdabrok trazia nada menos do que 47 runas que poderiam ser combinadas a pelo menos 12 diferentes objetos individuais para gerar efeitos.


O Galdabrok se converteu em um dos mais conhecidos Grimórios a respeito de magia tradicional pagã e foi contrabandeado para os países nórdicos onde passou a ser usado por feiticeiros. Até o século XIX ele ainda era bastante usado por supostos magos e curandeiros que viviam em áreas afastadas. Em meados da década de 30, ocultistas redescobriram o Grimório e o associaram a uma espécie de magia que foi muito popular entre as sociedades arianas em voga na Alemanha Nazista.

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Bem, esta série de artigos cobriu alguns dos principais Grimórios e Tomos de ocultismo no Mundo Ocidental. É claro, existem outros além destes e possivelmente muitos outros foram mantidos em segredo e jamais foram descobertos. Alguns ainda devem estar em prateleiras empoeiradas em velhas bibliotecas esperado que alguém os encontre e revele seus segredos milenares para o mundo.  

Estes Grimórios conhecidos mundialmente oferecem muitas revelações, um vislumbre de uma época muito distante em que a intuição e as atitudes eram reconhecidas como misticismo e que estavam ligadas a magia. Eles são relíquias de tempos antigos que carregam o conhecimento e saber de coisas que não mais acreditamos ou que cederam lugar para a ciência moderna. Ainda assim, eles serviram para criar a fagulha que resultou na nossa curiosidade para decifrar o que nos cerca e compreender o que aos nossos olhos parecia impossível. Nas palavras de Arthur Clarke, tudo aquilo que não compreendemos e que nos causa espanto pelos seus efeitos na natureza, pode ser compreendido como... 

Magia!