Inovações que foram longe demais: engenhocas da F1 que acabaram banidas

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O verdadeiro ofício de um projetista de F1 é encontrar, de alguma maneira, brechas para melhorar o rendimento dos carros. A criatividade destas mentes magníficas ajudou a tornar a F1 tão interessante, já que suas obras são frutos de ideias impressionantes.

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Em alguns casos, as soluções encontradas pelos engenheiros podem ser mirabolantes e inimagináveis a ponto de a linha entre “encontrar uma brecha” ou “cometer uma trapaça” se tornar tênue. Alguns casos mais antigos se tornaram clássicos, mas outros mais recentes mostram que a F1 de hoje em dia ainda evidencia o trabalho de engenheiros brilhantes. Vamos à lista!

BRABHAM BT46B, O CARRO VENTILADOR (1978)

Niki Lauda pilota o BT46B, versão da Brabham com ventoinha na traseira, no GP da Suécia de 1978
Niki Lauda pilota o BT46B, versão da Brabham com ventoinha na traseira, no GP da Suécia de 1978

Começamos com um exemplo que se tornou um clássico da F1 por seu aspecto visual curioso, que evidenciava o experimentalismo vivido pela categoria durante os anos 70. Em 1978, no auge da corrida pelo efeito-solo, a F1 contava com o domínio da Lotus, que aplicava o conceito com extrema eficiência ao construir seus carros em forma de asa invertida.

A Brabham não conseguiu adotar solução semelhante, já que o seu motor, um Alfa Romeo 115-12, era robusto demais e impedia que tal conceito aerodinâmico se aplicasse ao carro. Assim, o projetista Gordon Murray decidiu tirar “na marra” o ar da parte de baixo do bólido com a instalação de um ventilador na traseira, o que também aumentava a estabilidade do veículo nas curvas.

A ideia, na verdade, já havia sido implantada no início daquela década, com o Chaparral 2J (já contamos sua história no Projeto Motor). No GP da Suécia de 1978, Niki Lauda venceu com folga a bordo do BT46B, e, claro, a concorrência chiou. Por mais que o carro nunca tenha sido declarado ilegal de fato, a Brabham removeu a solução e o carro nunca mais competiu.

MCLAREN MP4/13 E OS PEDAIS DUPLOS DE FREIO (1997-1998)

Esta engenhoca passou despercebida por um tempo e só foi descoberta quando um fotógrafo se espremeu no cockpit e registrou uma imagem dos pedais do MP4/12. A McLaren introduziu um pedal extra para os freios ainda no fim de 1997, e o flagra aconteceu no GP de Luxemburgo, que viu os carros prateados liderarem até sofrerem falhas mecânicas.

Fotógrafo "estragou a festa" da McLaren e flagrou um terceiro pedal de freio (Darren Heath)
Fotógrafo “estragou a festa” da McLaren e flagrou um terceiro pedal de freio (Darren Heath)

Àquela altura, carros de F1 com três pedais já estavam extintos há alguns anos, desde a adoção do câmbio semiautomático (que fez com que a embreagem passasse a ser usada no volante). No caso da McLaren, o pedal extra era dedicado exclusivamente aos freios traseiros, o que permitia a Mika Hakkinen e David Coulthard seu uso no momento certo, melhorando, assim, o equilíbrio nas curvas.

Se o sistema causou barulho em 97, no ano seguinte virou estardalhaço. O MP4/13 iniciou o ano detonando a concorrência, o que fez com que várias outras equipes protestassem contra o artefato. O terceiro pedal foi banido ainda no início da temporada de 98, o que não impediu a McLaren de vencer dois títulos seguidos.

MCLAREN MP4/25 E O DUTO FRONTAL (2010)

Se você acha que engenhocas técnicas criativas são coisas da F1 do passado, temos aqui um exemplo recente que pode te fazer mudar de ideia. Em 2010, a McLaren desenvolveu um conceito que buscava chegar ao meio termo ideal entre o pouco arrasto nas retas e grande pressão aerodinâmica nas curvas.

Percebeu a entrada de ar do lado direito do bico? Ali era o início do duto frontal (McLaren)
Percebeu a entrada de ar do lado direito do bico? Ali era o início do duto frontal (McLaren)

Para isso, o time desenvolveu o duto frontal, também conhecido como “F-Duto”. De forma bem resumida, o sistema contava com uma entrada de ar na porção dianteira do carro, que era conectado a dutos que atravessavam o bólido e chegavam à asa traseira. Quando o piloto ativava o sistema por dentro do cockpit, havia uma mudança na pressão do ar que chegava às asas traseiras. Isso diminuía o efeito do arrasto e aumentava a velocidade nas retas; quando o duto era liberado, a pressão voltava ao normal, o que permitia melhor pressão aerodinâmica nas curvas.

Perfeito, não? Mais ou menos. A rigor, o sistema poderia ser considerado um acessório aerodinâmico ativado com interferência do piloto, que era proibido pelo regulamento. Além disso, a engenhoca causou certa polêmica por motivos de segurança, já que seu acionamento exigia certo malabarismo. Por exemplo, os pilotos da McLaren precisavam apoiar o joelho esquerdo na borda do cockpit para ativar o recurso; já Renault e Ferrari, que não perderam tempo ao copiar a ideia, exigiam o uso da mão para a tarefa. Isso significava que, em boa parte do tempo, os pilotos guiavam com apenas uma mão no volante.

O duto frontal foi proibido a partir de 2011 e substituído pelo DRS, que é uma espécie de versão mais “comportada” da ferramenta. Afinal, a atual asa traseira móvel é acionada de maneira mais prática (por um botão no volante, ou, no caso da Ferrari, com uma trava ao lado dos pedais) e somente em áreas específicas da pista.

DIFUSOR SOPRADO, A MODA DA F1 DO INÍCIO DA DÉCADA (2011)

Red Bull de 2011 usou com maestria a teoria do difusor soprado (WikkiCommons)
Red Bull de 2011 usou com maestria a teoria do difusor soprado (WikkiCommons)

Temos aqui mais uma solução do início desta década que causou dor de cabeça nos chefes de equipe e no corpo técnico da FIA. A fim de melhorar a estabilidade aerodinâmica dos carros, as equipes passaram a direcionar os gases que saíam do escapamento para o difusor, situado na parte traseira do veículo.

A ideia foi desenvolvida de maneira meteórica em 2011. Inclusive chegou-se ao ponto de que o fluxo de combustível para o motor fosse aumentado à força, o que permitia que os gases fossem soprados ao difusor mesmo quando o acelerador não estava acionado pelo piloto.

Boa parte das equipes do grid adotaram a ideia – aliás, é mais fácil mencionar quem não usava: Williams, Sauber, Toro Rosso, Hispania e Virgin. Contudo, o diretor de provas da FIA, Charlie Whiting, considerou o artefato ilegal porque usava “as partes móveis do motor para influenciar na aerodinâmica’, o que , em sua interpretação, descumpria o regulamento.

RENAULT R26 E O CONTROVERSO AMORTECEDOR DE MASSA (2006)

Alonso e Schumacher em 2006, auge da guerra Bridgestone vs. Michelin
Alonso e Schumacher em 2006, durante a polêmica do amortecedor de massa

Este é um tópico que deu o que falar durante a temporada de 2006 e por pouco não foi fator decisivo na disputa do título. Depois de dominar a F1 em 2005, Fernando Alonso e a Renault vinham em grande forma no ano seguinte e o bicampeonato estava bem encaminhado.

Um dos grandes trunfos do time na época era o chamado amortecedor de massa, uma estrutura na parte dianteira do carro. Seu objetivo era reduzir as vibrações nas rodas dianteiras através de molas ligadas a um disco, que faziam o “contrapeso” ao se mover quando o carro passava sobre alguma irregularidade, sobretudo nas zebras. Isso basicamente dava ao carro mais estabilidade nas curvas, o que permitia que os pilotos carregassem maior velocidade.

Além disso, o recurso mantinha estável altura do carro sobre essas irregularidades, o que proporcionava um rendimento mais linear da aerodinâmica. Foi aí que veio a brecha da FIA para banir o sistema: o argumento utilizado era de que o dispositivo móvel afetava diretamente a aerodinâmica do R26, o que era proibido. Assim, o item foi banido a partir do GP da Alemanha de 2006, em uma decisão que causou grande controvérsia – afinal, o amortecedor de massa era utilizado pela Renault sem problemas desde o fim de 2005.

Muitos afirmaram que a decisão tinha um viés político, para permitir que o campeonato daquele ano ganhasse maior competitividade. Mesmo assim, a Renault foi campeã novamente e Michael Schumacher se aposentou sem seu sonhado octa.

MERCEDES E A SUSPENSÃO INTERCONECTADA (2014)

Mercedes contava com suspensões integradas em 2014 (Mercedes)
Mercedes contava com suspensões integradas em 2014 (Mercedes)

Por fim, um exemplo que foi visto já na atual fase da F1. O conceito do FRIC era aplicado desde 2008 pela Renault, mas viu seu desenvolvimento chegar a um novo nível com as Flechas de Prata.

O nome é sigla para front and rear interconnected, o que seria, em tradução livre, uma suspensão interconectada da parte dianteira e traseira. Como o próprio nome diz, o sistema ligava a porção da frente e de trás da suspensão por um conector hidráulico situado na área central do carro.

Isso fazia com que o veículo mantivesse sua altura ideal em diversos pontos da pista, ou seja, praticamente emulava uma suspensão ativa, algo que é proibido na F1 desde o início de 1994. Assim como aconteceu com os amortecedores de massa, o FRIC foi retirado de ação com o argumento de que se tratava de um recurso mecânico que afetava o desempenho aerodinâmico do carro. Muitos avaliaram que, com o banimento, o domínio da Mercedes estaria em risco. Não foi o que aconteceu…

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Bruno Ferreira

Sempre gostou de automobilismo e assiste às corridas desde que era criança. A paixão atingiu outro patamar quando viu – e ouviu – um carro de F1 ao vivo pela primeira vez. Depois disso, o gosto pelas corridas acabou se transformando em profissão. Iniciou sua trajetória como jornalista especializado em automobilismo em 2010, no mesmo ano em que se formou, quando publicou seu primeiro texto no site Tazio. De lá para cá, cobriu GPs de F1 no Brasil e no exterior, incluindo duas decisões de título (2011 e 2012), além de provas de categorias como Indy, WEC, WTCC e Stock Car.