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Como o mercado de DVDs e blu-rays sobrevive na era do streaming

Indústria de filmes e séries em mídia física perdeu espaço para as formas de distribuição digital. Mas há um nicho sendo explorado

    Temas

    Assistir a um filme ou a uma série de TV nunca foi tão fácil. Com uma conexão de internet e a assinatura de uma plataforma de streaming, é possível ter acesso a uma grande quantidade de títulos, dos mais variados gêneros, épocas e países.

    Mas há uma indústria que, apesar de não ter mais o tamanho de outrora, ainda consegue sobreviver: o mercado de home video, que engloba os DVDs e os blu-rays.

    Em 2016, foram produzidos no Brasil 1,1 milhão de aparelhos de DVD. Três anos depois, em 2019, o número estava em 373 mil unidades. Os dados são da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos.

    A mesma tendência de queda aconteceu com os aparelhos de blu-ray: em 2016, 41.571 aparelhos foram fabricados; em 2019, o número caiu para 6.200 unidades.

    Os números de vendas de títulos não são divulgados pelos estúdios, mas megastores, como Saraiva e Livraria Cultura, ainda contam com espaços dedicados ao DVD e ao blu-ray, indicando que ainda há procura.

    O fato de a Amazon, maior loja online do mundo, ter aberto uma seção dedicada ao home video em agosto de 2019 também indica que, mesmo pequeno, esse é um mercado que de alguma forma se sustenta.

    A propriedade sobre a mídia física

    Juliano “Jotacê” Vasconcelos é editor do site Blog do Jotacê, que, desde 2009, realiza a cobertura do mercado brasileiro de home video.

    No site e nas redes sociais, Vasconcelos advoga pelo consumo de cinema e TV em mídia física. Segundo ele, os DVDs e os blu-rays dão uma segurança maior em relação às transmissões digitais.

    “Os serviços de streaming não são confiáveis. Se você começa a assistir uma série de 10 temporadas no seu ritmo, pode ser que você chegue na metade e ela não esteja mais disponível no catálogo da plataforma”, disse Jotacê ao Nexo.

    “Quando você compra uma mídia física, aquele conteúdo é seu”, afirmou Vasconcelos, apontando ao fato de que, com um DVD ou blu-ray, o indivíduo pode consumir determinada obra no momento em que quiser, sem depender de muitas variáveis externas.

    Vasconcelos também diz que o fato de existirem muitos serviços de streaming faz com que seja necessário assinar várias plataformas para se ter acesso a tudo que se quer ver – sem garantia de que o título esteja disponível. “A distribuição digital não é confiável, e a mídia física é. Eu tenho DVDs aqui da década de 90 que ainda funcionam”, disse.

    Vale frisar que a durabilidade dos discos físicos está diretamente relacionada à forma com que eles são manuseados, já que podem sofrer riscos e danos, dependendo do cuidado de cada um.

    O entra e sai de filmes nos streamings

    Nas plataformas de streaming, os títulos disponíveis são negociados individualmente com os estúdios e produtoras, que estabelecem um tempo de contrato com os serviços. Ao final do acordo, os filmes podem ser removidos ou renovados por mais um período pré-determinado.

    A retirada repentina de títulos pôde ser vista nos EUA, em janeiro de 2020. A série de filmes “Esqueceram de mim” sumiu do catálogo da plataforma Disney+ após o período de festas de final de ano.

    A justificativa dada pela Disney é que o contrato dos filmes em plataformas presentes em outros países impediu que os longas ficassem permanentemente disponíveis.

    A Netflix protagonizou uma campanha de fãs em 2019, que pediam pela inclusão dos filmes da série “Harry Potter” no catálogo. No final do ano, o pedido foi atendido parcialmente, com os últimos quatro longas da saga chegando na plataforma.

    Já os quatro primeiros estão disponíveis somente no Telecine Play – ou seja, para se ter acesso aos oito filmes da saga via streaming, é necessário ter a assinatura de dois serviços diferentes, no valor de R$ 59,80 nos planos básicos.

    A ampla oferta de serviços digitais fez com que se configurasse no mercado a chamada guerra dos streamings.

    A questão dos aparelhos

    Além de o consumo de filmes em mídia física ter diminuído pela facilidade do digital, Vasconcelos vê que o streaming também reduziu a oferta de aparelhos dedicados à reprodução de DVDs e blu-rays no Brasil.

    “Você hoje só tem um modelo de aparelho blu-ray de R$ 400 disponível no mercado”, disse. “Dá pra assistir DVD e blu-ray nos videogames, como o Xbox One e PS4, mas esses aparelhos são direcionados a um outro público, o público geek, que vai pagar R$ 2.000 em um aparelho desses”, afirmou.

    No comparador de preços Buscapé é possível encontrar apenas três modelos de aparelho blu-ray: um tocador da LG vendido por R$ 449, um sistema completo de home theater da LG por R$ 1.800 ou um outro sistema completo da Sony por R$ 1.999.

    O fator colecionismo

    Há também no consumo de filmes e séries em mídia física um aspecto de colecionismo.

    Estúdios e produtoras têm trabalhado cada vez mais para tornar os DVDs e blu-rays em objetos de desejo. Um exemplo disso são os steelbooks, edições que são vendidas em caixas de metal, com detalhes em relevo e um projeto gráfico diferente da versão tradicional vendida no estojo de plástico.

    Também há a iniciativa de se produzir edições limitadas, vendidas apenas em determinados mercados.

    Em 2012, o canal americano AMC comercializou uma edição limitada da segunda temporada da série “The walking dead”, com os discos alocados dentro da cabeça de um zumbi.

    Foto: Divulgação /AMC
    Uma cabeça de zumbi de plástico, com discos blu-ray dentro
    Edição limitada da série 'The walking dead' em blu-ray traz discos escondidos na cabeça de um zumbi

    Sete anos depois, em 2019, a Amazon anunciou uma caixa exclusiva com os quatro filmes dos “Vingadores”, disponível apenas na versão brasileira da loja.

    O fim das locadoras

    A popularização do streaming e do consumo de filmes em versão digital também trouxe o fim das locadoras de vídeo.

    A cidade de São Paulo chegou a ter 4.000 locadoras de vídeo no final da década de 1990. Hoje, são poucas as que ainda sobrevivem – cinco, de acordo com a indexação do Google Maps. Nem grandes redes, como a americana Blockbuster, sobreviveram às mudanças de paradigmas e têm apenas uma única loja ainda aberta nos EUA.

    A locadora Video Connection, localizada no Edifício Copan, região central de São Paulo, é uma dessas poucas que ainda resistem.

    “Quem vem aqui está em busca de coisas que não acham no streaming”, disse ao Nexo Paulo Sérgio Pereira, 63, que comanda a Video Connection desde 1985.

    Ao todo, a locadora tem cerca de 15 mil títulos, entre DVDs e blu-rays, com clássicos – como “Os incompreendidos” (1959) e “Psicose” (1960) – e também obras recentes, como “Rocketman” e “Coringa”, ambos de 2019.

    As séries também têm algum espaço dentro da locadora – “Game of thrones” e “The walking dead” estão no catálogo – mas, segundo Pereira, não contam com muita procura.

    “Eu dou destaque só pra ‘Game of thrones’ mesmo. Série quase não sai. Os filmes são o nosso forte”, afirmou.

    De acordo com Pereira, o movimento foi diminuindo ao longo dos anos. Na década de 1990 e no começo dos anos 2000 – auge do negócio e das locadoras –, havia uma média de 800 filmes alugados semanalmente. Agora, segundo ele, uma semana de grande movimento registra 200 locações.

    “O pessoal busca mais os filmes de arte e essas coisas que não acham no streaming. Além dos filmes em si, quem vem aqui quer ver comentários do diretor, vídeos de bastidores, extras que não estão disponíveis no streaming”, disse.

    Dentre o público cativo de Pereira estão pessoas que frequentam a Video Connection desde sua criação, moradores do próprio Copan e também universitários e professores que estão em busca de títulos específicos para uso educacional.

    “Mas todo mundo que vem aqui gosta muito de cinema”, disse, com um sorriso no rosto, mostrando o DVD de seu filme favorito: “A partida”, drama japonês lançado em 2008.

    Com a diminuição do movimento, fechar as portas já esteve no horizonte de Paulo Sérgio Pereira. “Já pensei. Mas não quero fechar não, vamos continuar nosso trabalho”, afirmou.

    As perspectivas do mercado

    Mesmo diminuto, ainda há perspectivas para o mercado no médio prazo. Em janeiro de 2020, a Universal e a Warner – dois dos maiores estúdios de Hollywood – anunciaram uma parceria para a distribuição de DVDs e blu-rays nos EUA e Europa por pelo menos 10 anos.

    A próxima geração de videogames – que será inaugurada em 2020 pelo PlayStation 5 e pelo Xbox Series X – ainda terá suporte a discos físicos, possibilitando o consumo de filmes e séries por meio dessas mídias.

    Apesar da demanda nichada, Vasconcelos não vê perspectiva para uma retomada em grandes proporções do mercado. “Eu acho que como era antes, nos tempos de ouro do colecionismo, é muito difícil”, afirmou.

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