"SOU CONTRA O ABORTO MAS NUNCA CONDENARIA UMA MULHER QUE ABORTA"
TEXTO | VÍTOR RAINHO E BEATRZ MARTINHO
FOTOGRAFIAS | MIGUEL SILVA
VÍDEO | FILIPA TRAQUEIA
Nasceu em Algueirão?
Sim, em Sintra, há 35 anos.
O que faziam os seus pais?
O meu pai era comerciante e a minha mãe trabalhava no apoio ao secretariado e assim foi sempre, desde que me conheço. Tiveram algumas dificuldades em pagar-me os estudos, sobretudo na universidade. Foi sempre isso que fizeram e agora estão já retirados.
Os seus pais não eram católicos. De onde vem essa vontade de se batizar aos 14 anos?
Os meus pais não nos batizaram. Optaram por nos dar liberdade religiosa. E eu sentia uma diferença muito grande em relação aos outros miúdos da escola: os outros eram batizados e eu não era, os outros tinham vida religiosa e eu não tinha. Portanto, quis perceber porquê. Ao querer perceber porquê, descobri Deus. E hoje Deus é um fator importantíssimo na minha vida. Descobri Deus aos 14 anos. Aos 14 anos, fui eu próprio pelo meu pé à igreja de Algueirão. O padre António Fernando pode confirmar isso. Fui lá e encontrei-me com ele. Ainda hoje somos amigos. Na altura, disse-lhe que queria conhecer Deus e queria ser batizado. Conheci Deus pela minha própria vontade, a ir à missa. Batizei-me por minha própria vontade. Fiz a primeira comunhão por minha própria vontade. Fiz o crisma por minha própria vontade. Fui para o seminário, para ser padre, pela minha própria vontade. E tudo isto foi feito por ter descoberto uma coisa que me mudou a vida: Deus.
Como se descobre Deus?
Eu descobri Deus através de duas coisas: ao perceber que o vazio em que estava a viver não me completava e ao sentir que havia alguma coisa que me orientava para um determinado caminho. E aí eu percebi que Deus estava na minha vida. Foi a descoberta mais feliz que fiz até hoje. Não fui padre porque me apaixonei e sou sério e, portanto, não podia estar no seminário e estar apaixonado ao mesmo tempo. Mas Deus nunca mais saiu da minha vida. Ainda hoje está presente e rezo todos os dias quando me deito.
Normalmente associa-se alguém que andou no seminário e teve esse percurso a uma pessoa calma e moderada, que é tudo aquilo que o André não é.
É uma coisa estranha. Eu vejo a fé como São Paulo a vivia: ou é para sermos radicais ou não vale a pena. Talvez eu seja um pouco radical em tudo o que faço na vida. No futebol e na política sou uma pessoa de convicções muito fortes. E acho que, de alguma forma, Deus me ajudou a perceber isso. Há uma frase de São Paulo que diz: «Deus vomitará os mornos». Ou seja, aqueles que estão sempre à procura de coisas mornas, de lugares em que a vida lhes corra sempre bem, são os mornos, os equilibrados, os moderados. Eu, como não estou a pensar nisso, estou a pensar naquilo em que acredito, sou sempre um bocado mais radical. Hoje olho para trás e vejo os colegas que estiveram no seminário comigo e, de facto, todos são mais moderados do que eu. Mas vou continuar assim, porque é nisto que eu acredito. Estou disposto a levar até ao fim as minhas convicções.
Abandona o seminário, vai para a universidade e torna-se um aluno brilhante…
Sim, acabei o curso com 19 valores. Foi um esforço muito grande. Esses são os tempos de que mais me orgulho e, ao mesmo tempo, mais me arrependo na minha vida. Tenho orgulho porque fiz um esforço monumental. Estava quase obcecado com ser o melhor. Não tenciono fazer-me de vítima, mas vim de uma zona de subúrbios, onde as pessoas não passavam de uma determinada fase. Muitos dos meus colegas de escola em Mem Martins hoje trabalham na mercearia com o pai ou na fábrica. Eu sentia que também não ia passar dali. Por isso, esforcei-me a triplicar. Quem me acolheu em Lisboa foi uma igreja, a igreja de São Nicolau, com o padre Mário Rui. Vivi aí durante o meu tempo na faculdade e tinha o objetivo de ser o melhor. E isso orgulha-me muito. Fui um dos melhores alunos de sempre da Universidade Nova de Lisboa. Lutei sempre muito por isso. Mas ao mesmo tempo sinto que perdi uma fase muito importante da vida. Perdi o tempo das saídas à noite, da diversão própria da universidade, porque só pensava em Direito e só queria ser o melhor. E isso prejudicou-me de alguma maneira. Se fosse hoje não fazia a mesma coisa.
Uma vez que vivia tão perto de Lisboa, em Mem Martins, por que fala da vinda para Lisboa como uma mudança tão grande?
Eu saí do seminário porque me apaixonei. No seminário onde eu andei, em Penafirme, havia alunos externos, rapazes e raparigas. Eu apaixonei-me por uma dessas raparigas, chamada Ana Luísa. E decidi sair, porque queria ser sério na vivência da fé, mas o chamamento de Deus e da Igreja nunca me deixou. Portanto, apesar de viver perto de Lisboa, são 20 quilómetros, achei que devia viver numa igreja. O padre Mário Rui convidou-me para fazer a vida da universidade dentro da igreja. Vivi interno e ia a casa só aos fins de semana às vezes. É uma igreja e por cima tem uma residência. Ainda hoje vivem lá alunos, principalmente dos PALOP. Só saí de lá quando terminei o curso.
Durante esse período, teve alguma briga com alguma etnia?
A minha cultura cristã sempre me levou por caminhos de integração e de promoção da diversidade. Mas foi na Baixa de Lisboa que comecei a perceber que muita da comunidade cigana que hoje temos – não toda mas muita – dá uma má imagem de Portugal para fora. Dá uma má imagem, por exemplo, ao vender produtos que não sei se são droga ou não mas que são apresentados como tal, na rua Augusta e em zonas de muito turismo. E talvez tenha sido nesse primeiro confronto pessoal que eu senti que a comunidade cigana estava muito desintegrada. E estou a referir-me não só à comunidade cigana nacional, mas também à internacional. Foi nessa altura que comecei a perceber que a maioria da comunidade cigana não respeita o Estado de Direito. E o Estado de Direito também se esquece dela. Por muito que eu não quisesse dizer isto é isto que eu sinto.
Mas não há nenhum momento que tenha sido determinante, como uma briga ou um assalto?
Já fui assaltado, mas não foi determinante. Já fui assaltado na Baixa de Lisboa, até mais do que uma vez. Um dia estava numa esplanada, com a carteira em cima da mesa, e vieram umas romenas com um mapa a perguntarem-me se eu sabia onde era a rua que ia dar ao Elevador da Graça. Quando eu estava a explicar, fiquei sem carteira. Mas não é isso que me motiva na minha luta. De resto, na casa onde eu vivia moravam também angolanos, cabo verdianos e eu sempre me dei bem com todos. Neste novo projeto que tenho, o Chega!, existem pessoas de todas as raças e etnias. Mas, nesta questão específica da etnia cigana, tive a minha perceção desde cedo.
Quando esteve a fazer o doutoramento na Irlanda, não sentiu que era uma pessoa que estava a mais em relação à comunidade local?
Eu estive em Cork, na Irlanda, e fui muito bem recebido. Queria doutorar-me e foi isso que fiz. Especializei-me na questão da luta contra o terrorismo e da segurança interna. Senti efetivamente que havia duas Europas: uma Europa do Norte com os países ricos e a Europa do Sul. Acho que quem esteve em Inglaterra e na Alemanha sente que portugueses, espanhóis e italianos têm imediatamente uma afinidade comum na vida universitária. Senti que não temos uma Europa comum, temos uma Europa a dois. O que senti ao mesmo tempo foi que portugueses, espanhóis e italiano, da tal Europa do Sul, vão para estes países para trabalhar, ou seja, para contribuir. E o que eu sinto é que hoje há etnias e grupos que não estão para contribuir, estão para receber do Estado. Ou seja, para sugar o Estado.
NÃO FUI PADRE PORQUE ME APAIXONEI. MAS DEUS NUNCA MAIS SAIU DA MINHA VIDA
DIZEM QUE ESTOU OBCECADO COM OS CIGANOS. MAS SE NÃO RESOLVERMOS O PROBLEMA DA INTEGRAÇÃO VAMOS TER CONSEQUÊNCIAS MUITO GRAVES
NÃO SOU A FAVOR DO ABORTO. MAS NUNCA DEFENDERIA UM PROCESSO CONTRA UMA MULHER QUE ABORTOU
FALA-SE DISTO NOS CAFÉS MAS QUANDO SE DIZ EM PÚBLICO É UM TERROR