São Paulo Contra país estagnado, comunidade russa foge e se estabelece no Brasil

Contra país estagnado, comunidade russa foge e se estabelece no Brasil

Cerca de 200 mil russos moram hoje em terras brasileiras, sendo a maioria no Estado de São Paulo. O processo de migração começou no ano de 1917

  • São Paulo | Plínio Aguiar, do R7

Russa, Anna Smirnova pousou em terras brasileiras no ano de 1997

Russa, Anna Smirnova pousou em terras brasileiras no ano de 1997

Reprodução Facebook

Atravessar a fronteira. Mergulhar em novas culturas. Render-se ao mundo. Esse era o objetivo da professora Anna Smirnova, hoje com 38 anos, quando saiu de Tomsk, cidade com 500 mil habitantes, na região da Sibéria, na Rússia, em 1997. O destino era uma terra diferente e nunca habitada por ela antes: São Paulo, cidade com 11,5 milhões de pessoas a mais.

Anna faz parte, hoje em dia, dos 1,8 milhão de descendentes de imigrantes e refugiados russos que moram no Brasil, segundo Igor Chnee, autor do livro Imigrantes Russos no Brasil. A história começou em meados da década de 1920 e 1930, após a Rússia enfrentar a sua maior revolução.

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Denominada de 'Revolução Russa de 1917', a população lidava com o desarranjo econômico, a falta de comida, diversos protestos por todo o País e um túnel que não tinha uma luz no final. O contexto fez com que muitos russos começassem o processo de emigração e um dos países escolhidos por eles foi o Brasil, prometido como uma terra fértil e progressista.

“A Rússia sempre teve muito interesse em estrangeiros. Da mesma forma, de se tornar um”, conta o doutor em literatura e cultura russa Valteir Vaz. Após o auge da revolução, houve uma grande debandada para o Brasil, principalmente em Estados como São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná.

Na foto, casa na aldeia de Tchergâ, em Altai, na Rússia

Na foto, casa na aldeia de Tchergâ, em Altai, na Rússia

Reprodução Facebook

Nova Odessa, no interior de São Paulo, é uma das cidades reflexo do processo migratório brasileiro. Em 1904, houve uma política vigente de criação de núcleo colonial para imigrantes com o então secretário de agricultrua Carlos Botelho. Na prática, o governo comprava terras particulares e a dividia em lotes, então doados para estrangeiros, muitos deles, russos. Em abril do ano seguinte, um contrato com a companhia de navegação Royal Steam Packet Company foi feito com a vontade de trazer maios russos para a cidade. Cinco meses depois, mais de 300 afincaram suas casas na cidade.

De acordo com o professor, os russos eram segmentados em dois grupos: agricultores e os da classe artística. Os primeiros foram diretamente para cidades no interior dos Estados para, principalmente, produzirem plantações de algodão. Os da classe artística, por sua vez, viviam nas grandes cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba. “Os russos invadiram os teatros, as orquestras sinfônicas e as universidades”, conta Vaz.

Mas o cenário começou a se transformar e, na década de 1950 e 1960, os russos camponeses foram percebendo que a agricultura não era de fato tão promissora da maneira que pensavam que seria, o que acabou no deslocamento destes para as metrópoles. “Os camponeses foram assimilando as novas condições urbanas e se adaptando nas cidades”, conta. “Como tinham habilidade em agricultura, abriram estabelecimentos do setor”.

Essa realidade, no entanto, é diferente da professora Anna. Na época em que se graduava em biologia, pela Universidade Estatal de Tomsk, seu pai era pesquisador de física quântica na USP (Universidade de São Paulo). “Por ele, soube que tinha oportunidades interessantes para aqueles que são acadêmicos, então decidi vir para cá”, conta.

Exposição sobre a comunidade russa no Museu da Imigração, em São Paulo

Exposição sobre a comunidade russa no Museu da Imigração, em São Paulo

Divulgação Museu da Imigração

Pousou pela primeira vez em solo brasileiro quando tinha 21 anos para cursar o mestrado em genética de câncer na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). “Sempre quis morar fora, conhecer outras culturas, me render ao mundo”, declara.

Da primeira vez, morou nove anos na capital paulista. Terminou o mestrado e iniciou o doutorado — embarcou para a França, onde morou no sudeste do País por cinco anos. Durante o tempo em que esteve no velho continente, também ocupou a vice-presidência da Associação da Comunidade Russa na França. “Envolvi diretamente com o povo do meu país fora do meu país”, disse. Anna realizava encontros, palestras, atividades culturais, entre outras coisas. “Foi super legal”, avalia.

Em 2015, retornou para São Paulo, onde fez pós-doutorado na USP. “E voltei com a mesma ideia de juntar os russos, de também fazer encontros por aqui”, disse. Desde então, comanda um grupo no WhatsApp onde só é permitida a entrada de russos – hoje conta com a participação de pelo menos 250 pessoas.

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Hoje, o pai de Anna voltou para São Petersburgo (a segunda maior cidade da Rússia, com quase 5 milhões de habitantes). Anna, por sua vez, mora em um apartamento no bairro da Bela Vista, região central de São Paulo e leciona russo em uma escola de idiomas, na Vila Maiana, na zona sul. “Acredito que cada vez que conhecemos uma cultura, nós perdemos um pouco da nossa. Então eu me adaptei nos lugares onde vivi e absorvei um pouco de cada um”, diz, quando questionada se sente saudades da Rússia, datada como a 12° maior economia do mundo, segundo o World Bank Group, em 2016.

Dos 12 anos em que mora no país tropical, Anna retornou ao país que este ano sedia a Copa do Mundo apenas duas vezes. “A gente vai levando do jeito que dá”, sorri.

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