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RESSIGNIFICAÇÕES DO VIDEOGAME MORTAL KOMBAT NO SOFTWARE M.U.G.E.N. Ricardo Cortez Lopes1 RESUMO Este trabalho busca estudar uma ressignificação expressa através do personagem da franquia multimídia Mortal Kombat chamado Ermac, modificado na engine (a qual consideramos como um software aberto) M.U.G.E.N. Após contextualizar a própria franquia Mortal Kombat, Ermac e discutir o próprio M.U.G.E.N, partimos para a análise dos sprites do personagem, produzidos ao longo dos anos. Esta produção conectiva expressou a modificação do personagem de um dos jogos (o Ultimate Mortal Kombat 3) a partir da recombinação de elementos (ilustrados por imagens), baseada em criações autorais e em inspirações em versões oficiais posteriores. Assim, a ressignificação trabalhou no sentido de tomar um contato com o personagem e o modificar em um sentido que apontamos no decorrer do texto: no começo, pequenas modificações mais superficiais, seguidas de intervenções mais profundas e que apontam para o desenvolvimento de saberes. Assim, faz-se uma sociologia da construção coletiva do conhecimento na era online. Palavras-chave: M.U.G.E.N; Mortal Kombat; Ressignificação. ABSTRACT This paper aims to study a connective intelligence, expressed through character of the multimedia franchise Mortal Kombat’s Ermac, modified in the engine (which we consider as an open software) M.U.G.E.N. After contextualizing Mortal Kombat franchise, Ermac and discussing M.U.G.E.N itself, we set out to analyze the character’s sprites. Analysis expressed the modification of the character of the games (the Ultimate Mortal Kombat 3) from the recombination of elements (illustrated by images), based on author creations and inspirations in later official versions. Thus, connective intelligence worked to make contact with the character and modify it in a sense that we pointed out in the course of the text: in the beginning, more superficial modifications, followed by deeper interventions that point to the development of knowledge. Keywords: M.U.G.E.N; Mortal Kombat; Ressignification. 1Doutor e Mestre em Sociologia (UFRGS). Licenciado em Ciências Sociais (UFRGS). Analista de Educação (Faculdade IBCMED). E-mail: ricardo@ibcmed.org. v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 4 1 INTRODUÇÃO Neste artigo pretendemos apontar para a ressignificação de jogos de videogame por via de um software. O jogo em questão é o Mortal Kombat Project, uma “tradução livre” e criativa dos jogos originais Mortal Kombat - oriundos da década de 1990 do século XX, produzidos pela empresa Midway - no software livre M.U.G.E.N, uma engine2 de jogos de luta. Devido aos muitos elementos envolvidos no jogo - que abrangem desde as obras originais até as criações autorais dos desenvolvedores - optamos por focar nossa análise em um personagem, Ermac. Nossa opção por esse personagem se deu por conta de sua própria origem: fruto de um erro de processamento no primeiro jogo - sobre o qual explanaremos adiante, ele foi incorporado oficialmente em jogos posteriores como um personagem com background. Ou seja, o personagem em si não foi uma criação apenas de sua equipe, ele foi oportunizado no diálogo com outros atores sociais, técnicos (desenvolvedores de M.U.G.E.N) e não técnicos. 2 COMO ACONTECE A RESSIGNIFICAÇÃO? O objetivo geral da pesquisa foi perceber as mudanças da obra original a partir das diferentes versões do programa, por meio da análise dos fragmentos simbólicos dispostos nas imagens selecionadas. Assim, os jogos foram experimentados de maneira imersiva (download e zeramento); contudo, no método de exposição, optamos por trazer as evidências em imagens retiradas da Internet - que ilustram páginas de onde tiramos informações. O critério de seleção foram os MK M.U.G.E.N.S com maior número de versões; em seguida, promovemos o tabelamento das gambiarras registradas em screenshot. Assim, o que seriam gambiarras? "Hoje, talvez por uma evolução do significado, o uso informal do termo muitas vezes reflete idéias como 2Engine, ou motor de jogo, é um programa que consegue ler e articular uma série de arquivos para criar o ambiente de um jogo. v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 5 "adaptação", "improvisação", "dar um jeito", "conserto" ou "remendo" (BOUFLEUR, 2006, p.23). O foco dos desenvolvedores pareceu ser recriar a experiência do jogo 3D (programado pelos desenvolvedores oficiais) em um ambiente de recursos digitais precarizados (código pronto do M.U.G.E.N). O foco da análise imagética foram a) Trajes, b) Fatalities, c) Movimentos e d) Pose de vitória. A partir disso foram gerados os resultados, mostrados nas próximas sessões. 3 O M.U.G.E.N. Desenvolvido pela empresa Elecbyte em 1999, o M.U.G.E.N “[...] trata- se de um motor gráfico, o mesmo é destinado ao desenvolvimento de jogos, porém com uma facilidade enorme de manejamento. O M.U.G.E.N permite a criação de personagens e cenários de forma simples e rápida” (VOCÊ, 2015). Trata-se de um abandonaware3 que programa cenários e personagens em wordpad4. A sua interface conta com um menu inicial - com os seguintes itens: Arcade, Treino, Observar, Opções e Sair - e com um conjunto de comandos para cada personagem (char) - 4 botões direcionais, com mais 6 de ataque (customizáveis) e com um adicional. A pasta do sistema operacional que contém o programa possui os seguintes tipos de extensão: SFF (os sprites do jogo), ACT (a paleta de cores disponíveis), SND (os sons do jogo), CMD (os comandos de movimento e de ataque), AIR (coloca os SFF em sequência), DEF (define os arquivos que serão acessados na execução do jogo), CNS , ST e TXT (essas três últimas acerca da licença de uso do personagem/char). É possível ao usuário realizar download de personagens e de cenários (stages), que podem ser inseridos por digitação em um documento chamado select.def, um bloco de notas. A partir desta base programacional, é possível criar e recriar os “mais famosos games de luta 2D como Street Fighter e King Of 3 Abandonaware é um programa que foi descontinuado, e sua licença já expirou. 4 Processador de texto do Windows. v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 6 Fighters” (VOCÊ, 2015). No nosso caso de estudo, o objeto é a trilogia clássica do Mortal Kombat, que foi traduzida da linguagem de programação original para a linguagem do M.U.G.E.N. Talvez uma possibilidade de ligação entre conceito e empiria esteja na própria trajetória da Elecbyte: criada na metade dos anos 1990, ela foi formada por um time recluso e é amplamente conhecida somente pelo produto M.U.G.E.N e por seus recorrentes “sumiços” - o primeiro deles em 2003, quando a versão de Windows ainda não estava terminada por conta de uma “travada”(hit a snag) experimentada pela equipe (HISTÓRIA, 2008), seguida de uma retomada entre os anos 2009 e 2015, quando foi apresentada a versão 1.0, seguida de novo sumiço até os dias atuais (ELECBYTE, S/D). A licença de uso da Elecbyte sobre o M.U.G.E.N já expirou e não parece estar em vias de ser renovada. Embora a redistribuição do programa por outros sites seja, essencialmente, ilegal, a Elecbyte nunca tomou providências legais (HISTÓRIA, 2008). Algumas fontes da Internet afirmaram que a empresa montava um projeto de financiamento coletivo e que sumia com o dinheiro sem entregar melhorias no programa. Em síntese: não existe uma regulação formal e penal do código programacional, os usuários o mantêm intacto mais por uma questão ética de comunidade do que por ocultação de recursos. Essa ideia fica reforçada pelo fato de que os códigos são baseados em texto, pois a Elecbyte pretendia que os criadores pudessem aprender uns com os outros, mesmo que isso dificulte a atribuição de permissões entre eles (HISTÓRIA, 2008). Sobre a criação que os desenvolvedores realizam, há uma regra: Mundialmente, uma regra é tomada como certa: Você não pode pegar os códigos de um personagem e usar no seu personagem, sem prévia autorização. Apesar da linguagem de programação do Mugen ser interpretada (como HTML) e não única como Linguagem C ou JAVA, ou seja você não cria códigos exatamente e sim os organiza (haja visto que você não pode criar funções novas), é de bom tom que você peça autorização antes de usar qualquer coisa. Muitos criadores permitem que você use os códigos dele para estudo, mas muitas pessoas confundem isto: Estudo não quer dizer copiar e colar, mas quer dizer você entender o código e melhorá-lo (HISTÓRIA, 2008) v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 7 Estabelecidos os parâmetros da relação da empresa com os usuários e dos usuários entre si, podemos entender, agora, a relação com os copyrights. De acordo com revisão, conteúdo SFF e SND são de propriedade das empresas originais (como a Midway ou a Capcom, por exemplo). Já os CMD, AIR e CNS são propriedades do desenvolvedor individual. É importante ressaltar que muitas empresas encaram este uso como fanart5 (HISTÓRIA, 2008), e por isso não cancelam ou proíbem a produção de M.U.G.E.N baseado nos personagens. 4 A FRANQUIA MORTAL KOMBAT E ERMAC: IDAS E VINDAS DO 2D AO 3D O jogo Mortal Kombat foi uma espécie de resposta ao jogo de luta japonês chamado Street Fighter II (1987), que foi um grande sucesso comercial e foi seguido de muitos jogos nele inspirado. O diferencial de Mortal Kombat estaria em duas características: (1) a utilização de sprites realizados a partir da digitalização de fotos e (2) a violência (traduzida no sangue e na possibilidade de execução dos fatalities, movimentos de finalização). É importante ressaltar que este jogo ajudou a criar o inédito selo para jogos de videogames, até aquele momento considerados como uma diversão pueril. Em síntese, no universo de Mortal Kombat existem 4 reinos: Terra (earthrealm), Inferno (netherrealm), Edência e a Exoterra (outworld). Esses reinos vivem em constante guerra e ficam tentando se expandir, mas as suas capacidades bélicas são muito díspares (Edência, por exemplo, foi invadida pelo imperador da Exoterra, Shao Kahn). As entidades reguladoras chamadas Deuses Anciões (Elder Gods) optam por intermediar essas relações criando uma condição para que um reino invada o outro: através de dez vitórias seguidas em um torneio chamado Mortal Kombat, que une os melhores guerreiros de dois reinos - que se desenvolve no território do reino que se defende. O vencedor do 5 Obra baseada em personagens ou mesmo outras obras amplamente divulgadas. v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 8 torneio recebia uma extensão de sua vida para poder participar do torneio posterior. No contexto do jogo Mortal Kombat, de 1992, a Exoterra havia ganho 9 torneios e estava prestes a obter a autorização para invadir a Terra. Todavia, o guerreiro shaolin Liu Kang venceu o torneio e interrompeu as vitórias seguidas. Seria possível reiniciar-se o processo, mas o imperador Shao Kahn decide por propor uma aposta: se os terráqueos vencessem um novo torneio, realizado na Exoterra, a Exoterra nunca mais reiniciaria os torneios. Os lutadores da Terra aceitaram as condições e, novamente, Liu Kang sagrou-se o vencedor ao derrotar o próprio Shao Kahn. Este foi o contexto do jogo Mortal Kombat II, de 1993. No Mortal Kombat III (de 1995), Shao Kahn decide por invadir de vez o plano terreno com o seu exército, com a justificativa de que sua esposa, Sindel (rainha de Edênia antes da invasão), havia sido ressuscitada na Terra. Na invasão, Shao Kahn é derrotado novamente por Liu Kang e as forças da Exoterra retornam para o seu reino. Mortal Kombat III teve ainda duas outras expansões, Ultimate Mortal Kombat III e Mortal Kombat Trilogy, mas estas não adicionam elementos estruturais ao enredo. Esses jogos se referem à fase 2D da franquia, que é aquela que foi relida a partir da engine. Após essa franquia principal, todos os outros jogos principais foram feitos ou em 3D ou em 2.5D. Não nos aprofundaremos no enredo destas produções porque os aspectos estéticos foram reaproveitados em detrimento das suas sinopses. No aspecto programacional, ressaltamos que, além dos sprites digitalizados, o jogo possuía uma outra característica muito marcante: personagens que tinham, basicamente, o mesmo sprite, mudando apenas os movimentos especiais e a paleta de cores do personagem. Alguns personagens que possuem essa característica: os ninjas (Scorpion, Subzero, Reptile) e os ciber-ninjas (Smoke, Cyrax). Portanto, já desde o próprio começo do jogo existe uma ressignificação dos sprites. v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 9 Ermac é um desses casos. Ele é um dos ninjas do jogo, e a sua escolha aconteceu por conta de sua própria origem e pela mudança de sua identidade visual ao longo dos jogos principais da franquia: Quando as primeiras versões de arcade de Mortal Kombat haviam sido lançadas, houve uma listagem nos menus que indicam "ERMACS". Mais tarde, em outras versões, foram listados em baixo "Reptile Battles", dando a aparência de que eles formavam grupos. Acreditava- se que faziam referências a um personagem da mesma maneira que as "batalhas de Reptile" e isso fez com que as pessoas acreditassem que Ermac também era um personagem secreto em Mortal Kombat. A listagem ERMAC é uma abreviatura do termo "Erro de macro" (ERMAC, s/d). De início, o personagem era apenas um erro da leitura do personagem Scorpion, que mudava de paleta e passava a ser vermelho e a barra de energia aparecia com o nome Ermac (sigla para Error Macro), o que gerou muitos rumores de um novo personagem. O seu background é de que: Ermac é uma junção de inúmeras almas mortas em guerras que assolaram Outworld. Sendo uma concentração absoluta de almas, Ermac tem o dom da telecinese, além do estranho poder de viajar entre os diferentes reinos. No entanto, a parte mais "funda" de Netherrealm tem a capacidade mística de drenar as forças vitais de todas as almas, que enfraquecem-o drasticamente por lá (ERMAC, s/d). Por mais que o desenvolvimento do personagem do ponto de vista do enredo seja interessante, o que é mais relevante é a parte visual dessa composição. Porque muitos dos referentes partem dessa verdadeira “história visual” do personagem, que, por característica da franquia, volta (RODRIGUES, 2016). A imagem 1 mostra a primeira aparição: v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 10 Imagem 1: sprite de Ermac no MK1 Fonte: https://www.giantbomb.com/ermac/3005-371/concepts/. Acesso em 04/01/2019 São, basicamente, os sprites do personagem Scorpion, mas com uma outra paleta de cores. No Ultimate Mortal Kombat 3 (UMK3), o personagem é oficializado e volta com uma história: ele é um corpo que recebe diferentes espíritos e que é utilizado para lutar nos torneios Mortal Kombat. O seu design era o de um ninja, com uma paleta de cores vermelha, tal como pode ser acompanhado na imagem 2: Imagem 2: alguns sprites originais de Ermac no UMK3 Fonte: http://www.gfxvoid.com/forums/showthread.php?29169-Make-a-Sprite-Signature-MK- Style. Acesso em 04/01/2019 v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 11 Note-se, é a partir desses sprites que a comunidade do M.U.G.E.N cria os personagens, modificando-os para expressar suas criações. O personagem aparece também no game Mortal Kombat Trilogy, mas sem modificações, visto que este título se trata de uma expansão. Esta é a última versão do personagem em 2D, e ele ficou de fora da franquia até o ano de 2004. Quando o ambiente se deslocou para a programação 3D, o personagem ganhou uma identidade própria. No jogo Mortal Kombat Deception (de 2004, ao qual chamaremos de MKD), que não utiliza a tecnologia dos sprites, Ermac já possui uma roupagem própria e olhos brilhantes, tal como é mostra na imagem 3: Imagem 3: Ermac em Mortal Kombat Deception Fonte: http://www.game-art-hq.com/mortal-kombat-deception-wallpapers/mortal-kombat- deception-ermac-wallpaper/ Acesso em 04/01/2019 No jogo Mortal Kombat Unchained (de 2006, ao qual chamaremos de MKU), o visual é praticamente o mesmo, mudando, talvez, a cruz na máscara. Isso fica patente na Imagem 4: v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 12 Imagem 4: Ermac em Mortal Kombat Unchained Fonte: https://www.fightersgeneration.com/characters/ermac.html. Acesso em 04/01/2019 No jogo Mortal Kombat Armageddon (de 2008, o qual chamaremos de MKA), podemos observar que algumas mudanças mais profundas finalmente acontecem: Imagem 5: Ermac em Mortal Kombat Armageddon Fonte: https://www.fightersgeneration.com/characters/ermac.html Acesso em 04/01/2019 v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 13 A máscara se torna menos fechada, os braços aparecem novamente e o colete se mostra mais parecido com as primeiras versões, mas o cinto se mantém o mesmo. Aparecem joelheiras e abaixo da cintura duas faixas de tecido caem. O jogo Mortal Kombat 2011 (MK2011) se pretendeu como um reboot, um recomeço para a história da franquia. No entanto, o Ermac de MKA é muito mais parecido com o de MK do que o do MK2011, como podemos observar na imagem 6: Imagem 6: Ermac em Mortal Kombat 2011 Fonte: https://www.vg247.com/2015/01/29/mortal-kombat-x-ermac-announced/. Acesso em 04/01/2019 A máscara se fecha novamente, e o cinto do Ermac 3D some. O colete se fecha novamente, e as mangas retornam. O primeiro colete ressurge como resquício, perto do pescoço. A última versão é do game Mortal Kombat X (de 2015, ao qual chamaremos de MKX). Nela, Ermac tem suas características elevadas ao v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 14 extremo, ele se mostra um ser menos “corporal” e mais “espiritual”, como se pode ver na figura imagem 7: Imagem 7: Ermac em Mortal Kombat X Fonte: http://www.game-art-hq.com/81630/ermac-from-the-mortal-kombat-series-game-art- cosplays-and-an-overview-about-the-mysterious-ninja/. Acesso em 04/01/2019 Esse conceito conduz a uma espécie de mumificação do personagem: ele vai se tornando cada vez mais vestido (primeiramente com tecidos ordenados, e depois com tecidos que retratam a origem em diferentes almas) e menos humano, além de a luz verde estar presente no modelo como um todo (e não apenas na execução dos golpes). Vamos observar que a ressignificação do sprite de UMK3, separando o que é autoral do que é inspirado nos jogos 3D a partir de uma análise comparativa. v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 15 5 ANÁLISE DA RESSIGNIFICAÇÃO A PARTIR DE SPRITES O primeiro contato com Ermac, depois de sua seleção, é na chamada “tela de encarada”. Nela, imagens dos chars ficam frente a frente, enquanto os arquivos (sprites, cenário e indicadores) são carregados sem o usuário poder acompanhar esse progresso. O personagem que aparece está na imagem 7: Imagem 8: arte de “encarada” com máscara de Ermac 3D Fonte: http://www.trmk.org/forums/showthread.php/26153-Kustom-MK-Kharacters-for-Arcade- VS-screen/page3?styleid=18. Acesso em 04/01/2019 Podemos observar que se trata, basicamente, do sprite de UMK3, mas com a máscara de Ermac do Mortal Kombat Unchained (imagem 3). Quando o jogo é, finalmente, carregado, podemos observar o sprite do personagem, tal como na imagem 9: v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 16 Imagem 9: sprite de posição de luta Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=dDVUG0ZOmAg. Acesso em 04/01/2019 Excetuando-se a paleta de cores (cuja tonalidade vermelha é mais forte, por exemplo), podemos observar que se trata do mesmo sprite da figura 3, com a exceção dos olhos: na imagem 8, os olhos possuem coloração verde, que é a força espiritual característica do personagem. Tal força não se manifestava no sprite original, não fosse em movimentos especiais - não aparecia nem mesmo na pose de vitória e nem nos fatalities. Os desenvolvedores, portanto, trouxeram esta influência também da imagem 3. Podemos observar que a ressignificação não se manifesta apenas no aspecto dos olhos. Ela também trata de uma reconstrução do próprio sprite, e não apenas uma edição pontual. Como mostra a imagem 10, há uma skin6 feita para Ermac que remete explicitamente para o referente: 6 Aspecto alternativo possível para um software. v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 17 Imagem 10: skin adaptando modelo 3D Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=KpoyC-rEvuo. Acesso em 04/01/2019 À direita podemos ver Ermac parcialmente com os trajes da imagem 3. Apenas da cintura para baixo é da imagem 2. Mas essa é uma skin, não é o sprite mais conhecido. Talvez como resquício desse skin, há uma mudança do Ermac da imagem 11, como aparece na imagem seguinte: v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 18 Imagem 11: sprite com a máscara do Ermac 3D Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=uR9ZQwuaZ6w . Acesso em 04/01/2019 Essas evidências mostram que, no tocante aos trajes do char colaborativo, a maior influência é a do Ermac do MKU. Mas na questão dos movimentos do personagem, vamos observar que a influência é muito maior dos MK 2011 e MKX. Basicamente, os movimentos do char são ainda os mesmos do UMK3, mas vamos observar algumas outras autorias. Da imagem 12 até a imagem 14, podemos observar a sequência de dois fatalities: M.U.G.E.N e MK2011, sobre os quais teceremos mais detalhes para mostrar essa inspiração. Na construção fica evidente a conexão desses jogos a partir dos programadores. Na imagem 11, podemos perceber que Ermac ergue o adversário (um movimento do sprite original, mas sem a energia verde concentrada na mão). É de se notar que o adversário, o char Tanya (que apareceu pela primeira vez no jogo Mortal Kombat 4) - ela foi criada pela comunidade também com base em v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 19 sprites já existentes, das personagens Kitana e Milenna. De qualquer maneira, podemos ver: Imagem 12: Ermac erguendo adversário com força espiritual Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=oZLGWi3RJjM. Acesso em 04/01/2019 Quando apreciamos em MK2011, tal movimento da imagem 12 é muito parecido com o executado na Imagem 13: v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 20 Imagem 13: Ermac erguendo com energia espiritual em Mortal Kombat 2011 Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=GM_CJk2-Oxw. Acesso em 04/01/2019 Podemos notar, já de saída, que a existência de uma modelagem permite uma mudança de foco na câmera em MK2011, o que não é possível para jogos com sprite, que podem, no máximo, afastar ou aproximar a câmera. Também notamos que os desenvolvedores utilizaram um sprite já disponível anteriormente (o do braço erguido), dando um novo uso para esse contexto. O adversário também utiliza um sprite de colisão, e que também é diferente do modelo 3D. Mas o movimento, como pode se observar, é o mesmo. A imagem 14 mostra a sequência da cena: v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 21 Imagem 14: Ermac executando desmembramento Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=oZLGWi3RJjM . Acesso em 04/01/2019 O sprite de Ermac permanece o mesmo, mas o do adversário sofre um desmembramento. É possível de se ver que se trata do reaproveitamento de sprites, utilizados em outras situações. Os modelos 3D da imagem 15 mostram a mesma situação, mas por outro ângulo: v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 22 Imagem 15: Ermac executando desmembramento em Mortal Kombat 2011 Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=GM_CJk2-Oxw. Acesso em 04/01/2019 A mudança de câmera não impede que vejamos que se trata do mesmo movimento. A sequência do fatality é diferente: Ermac MK2011 atira o tronco do adversário no chão, o que os desenvolvedores não conseguiram literalmente emular. Na versão de M.U.G.E.N, o tronco simplesmente explode: talvez os desenvolvedores tenham tentado realizar a cópia perfeita dos acontecimentos, mas o resultado pode não ter sido satisfatório e a explosão foi a solução encontrada. Por não se tratar de um personagem popular na franquia, não encontramos mais fatalities que emulassem completamente aqueles dos modelos 3D (o que encontramos em outros personagens mais populares, mas que não vamos expor aqui). Na imagem 16, podemos observar uma leve influência na composição da cena: v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 23 Imagem 16: Ermac com cabeça decepada Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=oZLGWi3RJjM. Acesso em 04/01/2019 O fatality, na sua sequência, foi completamente autoral por parte dos desenvolvedores. Mas o movimento final, o da cabeça do adversário indo parar na mão de Ermac, encontra seu referente na cena da imagem 17: v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 24 Imagem 17: Ermac com cabeça decepada em Mortal Kombat X Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=GM_CJk2-Oxw. Acesso em 04/01/2019 Os fatalities dos personagens, em essência, são diferentes, mas o final é o mesmo. Talvez este encerramento seja o único aspecto ao qual os desenvolvedores conseguiram emular de maneira convincente, pois já existia o sprite com as mãos espalmadas e só seria preciso colocar a cabeça do outro personagem naquela região para que se tornasse convincente. Outro aspecto interessante dessa ressignificação é a pose da vitória. Das imagens 18 a 19, podemos observar a pose sendo realizada paulatinamente: v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 25 Imagem 18: pose da vitória Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=oZLGWi3RJjM. Acesso em 04/01/2019 As mãos juntas não são originais do personagem. Provavelmente, ou estas foram unidas com a reorganização das figuras dos braços ou com o reaproveitamento de um sprite de algum outro ninja. Nos sprites originais do UMK3 não havia, também, a energia verde. Na imagem 19, podemos ver que essa energia se transforma em 4 pequenas esferas: v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 26 Imagem 19: pose da vitória Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=oZLGWi3RJjM. Acesso em 04/01/2019 Por fim, o último aspecto que gostaríamos de ressaltar dessa ressignificação é o da reinterpretação de uma parte do próprio jogo original. Podemos apreciar, na imagem 19, Ermac executando um movimento de ataque com um machado: v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 27 Imagem 19: golpe do machado Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=oZLGWi3RJjM. Acesso em 04/01/2019 Este machado não foi feito do zero pelos desenvolvedores do M.U.G.E.N. Ele foi reaproveitado de outro personagem, como podemos ver na imagem 20 que, ironicamente, foi o personagem que cedeu o seu sprite para Ermac no MK1: v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 28 Imagem 20: Scorpion original e seu machado Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=gY__YTNnvoI. Acesso em 04/01/2019 O trabalho de ressignificação foi o de pinçar a figura, mudar a sua paleta de cores (de cinza para verde) e girá-la. Assim, isso reforça que a ressignificação considera que o personagem deve ser focado, precisamente, na questão da energia verde. Talvez isso explique porque o personagem oficial foi sendo marcado por esse aspecto: possivelmente os desenvolvedores oficiais tenham se adornado da ideia reforçada pela comunidade de desenvolvedores. E assim se estabelece uma dialética no qual o próprio jogo oficial é resultado também de uma ressignificação, mas por uma diferente da de pesquisa de mercado ou da mera venda de unidades. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo tratou de uma ressignificação, evidenciada através do Mortal Kombat Project, este desenvolvido a partir do software (que denominamos livre) M.U.G.E.N. Observamos como a obra original (UMK3) foi relida a partir desses v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 29 desenvolvedores, cujo processo implicou, também, uma releitura a partir do 3D. Optamos pela análise do personagem Ermac, dado que esse foi fruto de um erro de programação do primeiro jogo da franquia Mortal Kombat, e que foi incorporado como personagem pela equipe de produção a partir dos boatos gerados pelos consumidores. Notamos que a construção do personagem se trata mais de uma atividade de edição do que de inovação: os desenvolvedores fazem uma reorganização dos elementos do jogo original com base em outras influências. Foi possível notar, também, uma aproximação paulatina dessa ressignificação com o seu objeto. Esta foi editando o personagem aos poucos, o que se evidencia pela complexidade das intervenções no sprite original. O sprite começou a ser editado com mais profundidade a partir de 2004, apreciável pelas influências de MKU com a adição dos olhos brilhantes apenas. Quase dez anos depois foi acontecendo um maior número de modificações e a adição de movimentos mais complexos como o dos fatalities, quando já estava lançado o MK2011, e essa influência fica patente no material analisado. É claro que a produção da ressignificação não se trata de uma produção com o mesmo padrão de um estúdio: seria necessário um polimento muito maior nos artefatos do M.U.G.E.N para que superassem a obra original, até porque o código se mantém inalterado. Todavia, essa esfera de inacabado parece ser um incentivo para o aumento de interações e da execução de ideias nos ambientes propícios. Cumpre ressaltar que Mortal Kombat é a franquia de jogos de luta mais modificada pelos desenvolvedores, aparentemente muito mais do que Street Fighter ou do que King Of Fighters (outras franquias extremamente famosas). Isto porque existem verdadeiras dinastias de MK em M.U.G.E.N: “Atualmente existem vários games baseados em MKP, como MK Antology e Chaotic (feito por Indrid Cold & Haso), MK Bloodstorm (WIP por Bruno and Japa) e uma versão de MKP do MK 9 feito por Maxi619” (MORTAL, s/d). Encontramos, ainda, um MK Trilogy X, um MK Quadrilogy e, ainda um MK Defenders Earth Talvez a explicação para tal fenômeno seja uma espécie de cumplicidade da franquia com v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 30 seu público, o que faz de Mortal Kombat um caso bem específico de interação com o seu consumidor. Um último ponto é que Ermac parece refletir um desejo de “pureza” por parte dos desenvolvedores, que pode ter sido aproveitada pela equipe de produção. As versões mais recentes do personagem vão mostrando que o personagem “toca” cada vez menos em seus inimigos, utilizando de sua magia para atacá-los. O personagem oficial foi tendo essa “energia” ressaltada nas suas versões posteriores, o que pode ser um indicativo da aprovação do por parte da base de fãs. Assim, a pesquisa de mercado assume outras potencialidades que não apenas perguntar, há ação envolvida. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABOUT M.U.G.E.N. Elecbyte. 1999. 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