Melhores do Mundo

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Jan 4


Versões 2.0

A Saga da Fênix Negra. Wolverine: Arma X. Os Maiores Clássicos do Demolidor: Frank Miller. Crise nas Infinitas Terras. Lanterna Verde & Arqueiro Verde: Sem Destino. Em maior e menor grau, essas edições especiais retratam momentos de inquestionável importância pra quem acompanhou o circuito mainstream das HQs nos últimos 30 anos. O que houve ali foi uma transcendência única da costumeira burocracia de iniciar/concluir arcos vazios e repetitivos. É tudo uma questão de química: escritores e desenhistas no auge da energia criativa, trabalhando para reciclar personagens unidimensionais, ou mal-aproveitados ou até mesmo secundários. O resultado às vezes impressiona. As obras citadas, por exemplo, têm duas coisas em comum: todas foram publicadas dentro da cronologia normal e tiveram um efeito real em seus respectivos universos. E todas são atemporais – ao menos o suficiente para ganharem edições encadernadas recentes.

Apesar de estarmos atravessando uma fase calculadamente “bombástica” (que começou bem com Avengers Disassembled, mas que já ficou preocupante com Identity Crisis), nenhum arco ou saga ficou estabelecido como uma passagem clássica, até agora. Matar personagens obscuras (Sue Dibny?!), desmistificar a dignidade de outras mais famosas (como Gwen Stacy), ou convocar Jim Lee e Michael Turner para desenhar sempre o mesmo cara em uniformes diferentes não ajuda muito. Mas vende. Contraste flagrante com o sucesso comercial que essas edições encadernadas andam fazendo. Nada mais justo: o público quer conhecer as fases clássicas e precursoras, o trabalho que fez de alguns artistas as referências que eles são hoje dentro da nona arte. Em outras palavras, as pessoas estão atrás de um produto que anda em falta no mercado ultimamente: talento.

E com essa onda toda de relançamentos bem-sucedidos, não custa sonharmos com a possibilidade de mais alguns resgates. Uns mais conhecidos que outros, mas todos absolutamente dignos de serem (re)conhecidos pela nova geração.

Entre 1984 e 1985, o Homem-Máquina recebeu um inesperado toque de Midas do roteirista Tom De Falco, do desenhista Herb Trimpe e de Barry Windsor-Smith (o Midas em pessoa). Foram 4 edições memoráveis, publicadas no Brasil na antiga Heróis da TV, a partir da edição #102. O personagem até então era apenas um tapa-buraco, um joão-ninguém por excelência, mas que foi literalmente reinventado por essa equipe abençoada. Em 2020 (naquela época isso era num futuro distante!), a Baintrônica dominava com mão de ferro todas as formas de comunicação e tecnologia. Liderada pela inescrupulosa Sunset Bain (antiga inimiga do Homem de Ferro), a super-corporação totalitária e opressora era própria personificação do ‘Sistema’.

E para cada mal, uma revolução: o Che Guevara da vez era um grupo de libertação open-source denominado Saqueadores da Meia-Noite. Durante uma geral em um dos depósitos de e-lixo da Baintrônica, eles encontram o Homem-Máquina desmontado dentro de uma caixa. Logo ele é reconstruído, e daí pra ele lutar ao lado dos mocinhos é um pulo. Participações especialíssimas de um Homem de Ferro mercenário versão 2020 e da insinuante “fembot” Jocasta.

Leitura obrigatória, especialmente para aficcionados por Ghost In The Shell, Neuromancer, Blade Runner, Eu, Robô e cultura cyberpunk em geral. E um detalhe interessante na equipe de criação é que Herb Trimpe é um notório meia-boca no traço. Só que o destino colocou Windsor-Smith na arte-finalização. Confira o resultado final. É Windsor-Smith puro! O nível dele é tão absurdo que praticamente anulou o trabalho de Trimple. Ainda bem.

Houve uma época em que comprar a revista O Incrível Hulk havia se tornado praticamente uma obrigação. Além da sensacional fase do verdão sob o comando de John Byrne, a revista ainda trazia um verdadeiro tesouro em suas páginas: Os Novos Mutantes, de Chris Claremont e Bill Sienkiewicz. Antes de tudo, devo confessar: nunca fui muito chegado aos adolescentes chatinhos da Mansão X. E a presença tosca de um personagem conterrâneo (o Mancha Solar) só piorava as coisas. Sendo assim, este caso se torna ainda mais especial, pois um produto original fraco foi alçado ao status de arte, ganhando em dimensão e qualidade. Na época, Chris Claremont estava no auge. Com uma estrondosa (e rentável) fase nos X-Men, ele assumiu a revista solo dos Novos Mutantes, zerou todo o seu direcionamento burocrático e deu um novo fôlego às histórias. Faltava apenas uma recíproca nos desenhos que estivesse à altura de seu texto.

O veterano Sal Buscema, que o acompanhou até The New Mutants #17 (publicada aqui em O Incrível Hulk #71), tinha um estilo old school padronizado demais, simplesmente não combinava com a proposta. Com a chegada do gênio Sienkiewicz na edição seguinte (agosto de 1984), formou-se um perfeito dream team das HQs. A narrativa emocionante, misturando situações reais com climas tétricos de suspense era a ponte para Sienkiewicz exibir seu estilo surreal, com uma atmosfera onírica pesada, próxima de um pesadelo. Se não fosse pelos seus desenhos, um arco como A Saga do Urso Místico, iniciada com a história Caçada Mortal (O Incrível Hulk #72), provavelmente não teria o mesmo impacto. E a parceria dos dois foi bem produtiva, durando até The New Mutants #31, sempre mantendo um altíssimo nível e com momentos marcantes, como a chegada de Warlock na Terra e o encontro com Manto e Adaga.

Quadrinho de primeira e a prova definitiva de que qualquer coisa pode ser melhorada quando está em boas mãos.

Por inúmeras vezes, o Homem-Coisa foi chamado de Monstro do Pântano da Marvel, de cópia descarada, etc. O certo seria afirmar o contrário, visto que o Homem-Coisa, criado por Roy Thomas e Gerry Conway em 1971, estreou cerca de cinco meses antes de seu “inspirador”. Mas esse equívoco fica perfeitamente compreensível quando damos uma pequena revisada na cronologia do Monstro do Pântano, criado por Len Wein e Bernie Wrightson. Originalmente, ele tinha um approach B, próximo de um pulp de horror. Lembra daqueles almanaques clássicos, tipo Capitão Mistério e Kripta? É por aí. Nada o diferenciava muito de seu primo pobre da Marvel, e assim seria até hoje, até que em 1984, a DC colocou o personagem nas mãos do ‘Senhor do Caos’ Alan Moore, acompanhado do excelente desenhista Stephen Bissette.

O Monstro do Pântano começou uma nova vida a partir dali. As histórias, mais góticas, passaram a abordar temas existencialistas e até metafísicos. O personagem ganhou um novo background, repleto de elementos novos e característicos, como o poder de transmigrar o seu espírito para qualquer ponto do Universo e criar um novo corpo a partir de qualquer organismo vegetal. Ele também deixou de ser apenas um acidente bioquímico ambulante (tal qual o Homem-Coisa) para ser o guardião elemental da Terra. Tudo isso acarretava uma “perda” sistemática de sua humanidade, causando um belo e triste contraste com a relação entre ele e Abby, sua namorada humana. De quebra, Moore ainda concebeu um senhor personagem de ‘apoio’: o mago, bebum e salafrário-mor John Constantine. Desnecessário dizer que essa fase foi um divisor de águas e que influenciou toda uma geração de profissionais da nona arte. O personagem recebeu tratamento vip desde então, se tornando alvo de constantes “disputas criativas” pós-Alan Moore: foi roteirizado por gente do porte de Nancy A. Collins, Grant Morrison, Mark Millar e Neil Gaiman, entre outros.

Uma edição encadernada focando essa época nem seria muito difícil de arquitetar. Bastaria o lançamento nacional do álbum Swamp Thing: The Curse, que saiu nos EUA em 2000. Lá, o nosso herói (ciceroneado por John Constantine), enfrentava vampiros subaquáticos, mortos-vivos, poltergeists, um lobisomem, e outras belezinhas. Agora vamos espalhar certo por aí: “o Monstro do Pântano é o Homem-Coisa que ganhou na loteria”.

Com o sucesso de Os Maiores Clássicos do Demolidor: Frank Miller, muita gente andou fazendo promessa para que fosse relançado também o Demolidor de Kevin Smith. Eu sou fã do gordinho desde O Balconista e também curto essa fase, mas se é pra se ajoelhar por aí, que seja por prioridades: em primeiríssimo lugar vem a fase do Homem Sem Medo com o roteiro de Ann Nocenti e os desenhos de John Romita Jr.

Após a reformulação histórica de Miller, o personagem precisava seguir adiante com as próprias pernas. O risco maior era que ele regredisse até sua fase inicial, mais super e menos herói. Miller construiu um patamar muito alto e difícil de ser alcançado. O grande desafio era abordar a sua rotina, seus relacionamentos e conflitos, sem cair no lugar-comum e ainda manter o mesmo nível de interesse. Por algum capricho de Odin, todas essas exigências foram supridas, e com talento ímpar. Apesar de criticada na época, Ann Nocenti sem dúvida era a mulher certa, na editora certa, escrevendo para o personagem certo. Assumindo a partir da Daredevil #236, Ann tinha uma mão sensível, mas sem ser emotiva demais, dando o tom ideal de intimismo ao herói. Nunca o Demolidor teve tantos dilemas éticos e ideológicos, tanto na vida de vigilante, como na profissional e, principalmente, na sentimental (pobre Karen Page). Ao mesmo tempo, a menina Ann não poupava o herói de contatos físicos mais, digamos, “intensos” - devidamente ampliados pelo grafismo do estilo então recém-adotado por Romita Jr.

Um exemplo clássico aconteceu na história Vital Signs, publicada na DD #260, em 1988 (aqui, na Superaventuras Marvel #97, em julho/1990). Após um início idílico, com Matt Murdock conversando com Karen em seu apartamento, ele mergulha em um verdadeiro inferno astral nas páginas seguintes. Uma cilada armada por Mary Tyfoid a mando de Wilson Fisk coloca o Demolidor pra ser espancado implacavelmente durante horas a fio. Diversos inimigos trabalhando juntos (Bullet, Guerrilheiro e alguns punks), literalmente esfregam o chão com a cara do Homem Sem Medo. Ann também sabia ser cruel. Na mesma história, Mary e o Rei protagonizam uma seqüência tão ordinária, que parece até coisa de Nelson Rodrigues, e Johnny Storm (o Tocha Humana) faz a sua aparição mais cool até hoje, incluindo aí as histórias do Quarteto. Isso sem contar o excepcional arco Os Sete Pecados Capitais, iniciado em DD #278 (SAM #136), onde o Demolidor enfrentou as investidas infernais de Mefisto e de seu filho, Coração Negro.

Demolidor fase Ann Nocenti/John Romita Jr. merecia um encadernado, sem dúvida. Foi uma fase perfeita. Como a própria Ann. Sabiam que ela é uma gracinha?

Esse tinha tudo pra ser um enorme desperdício de celulose. Baseada em uma idéia original de Scott Lobdell, A Era do Apocalipse teve sua concepção, desenhos e argumento dividido por um verdadeiro exército. Além do próprio Lobdell, escreveram na série Mark Waid, Fabian Nicieza, Terry Kavanagh, Jeph Loeb, entre outros. Desenhistas então, nem se fala (Salvador Larroca, Chris Bachalo, Steve Skroce, Roger Cruz, Carlos Pacheco, Andy Kubert, Joe Madureira, e mais uma carreirada de gente). A logística das publicações também não ajudava, sendo a mais extorsiva possível e percorrendo todas as revistas mutantes da época (X-Men, Os Fabulosos X-Men, Fator X e Wolverine). Várias sub-tramas e contextos foram abordados ao mesmo tempo. Apesar disso tudo, A Era do Apocalipse – um projeto pretensioso - sempre mostrou uma estabilidade exemplar, com poucas escorregadas.

Na história, o mutante Legião, filho do Professor Xavier e de Gabrielle Heller, volta cerca de 20 anos no tempo, com o propósito de assassinar Magneto, o maior inimigo de seu pai. Por acidente, ele acaba matando Xavier, que se sacrificou para salvar Magneto (na época, o seu melhor amigo). Com a morte do Professor X, toda existência a partir dali toma um novo direcionamento. Magneto, resignado, cria os X-Men na tentativa de perpetuar o sonho de Xavier (a co-existência pacífica entre mutantes e humanos). Com a ascensão do tirânico mutante Apocalipse, ocorre um verdadeiro genocídio em escala mundial. Apocalipse acreditava apenas na sobrevivência do mais forte, não fazendo distinção entre humanos e mutantes que fossem contrários a ele. Holocausto (antes chamado de Nêmesis) era seu braço direito e comandava diretamente os massacres. À frente da resistência, estavam os X-Men liderados por Magneto. E foi justamente aí que a série se superou.

Todos os personagens que conhecemos estão lá, mas não da maneira tradicional. O efeito dominó temporal causado pela morte de Xavier modificou o background não só dos mutantes, mas de quase todo mundo da Marvel. O psicopata Dentes-de-Sabre passou a ser um grande herói, assim como o Selvagem. Wolverine perdeu uma das mãos num confronto contra Ciclope (que fez jus ao codinome, pois tinha apenas um olho), e namorava com Jean Grey. Henry McCoy, o Fera, se chamava Fera Negro, inteligente como sempre, só que maléfico e impiedoso. O mutante japonês Solaris teve o seu país e sua família destruídos por Apocalipse, virando um ser de puro ódio em busca de vingança. Colossus continuava ao lado dos heróis, mas ganhou contornos de assassino psicopata, sendo extremamente violento. O Anjo era um agente duplo, muito pouco confiável. Vampira era uma das líderes principais e mantinha uma relação com Magneto. Juntos tiveram um filho, chamado Charles. Os menos modificados foram Mercúrio (o segundo em comando) e Tempestade. Entre os personagens novos, Nathan Grey, o poderoso X-Man (criado geneticamente pelo Sr. Sinistro numa conspiração para destituir Apocalipse), Morfo e Blink. A chave para o fim desse universo caótico se encontrava em Bishop, o único que sabia de tudo (pois vinha do futuro), e no cristal Mikraan, que era capaz de abrir uma fenda espaço-temporal.

A saga também incluía versões de Hulk, Demolidor, Mulher-Invisível, Rei e alguns outros, o que acabou resultando em uma linha narrativa forçada. Ficou irregular, nem todos precisavam comparecer naquele universo. Vários personagens apareciam do nada e sumiam sem maiores explicações. Provavelmente foi alguma decisão editorial interna da Marvel. Mas de um modo geral, todos os escritores envolvidos trabalharam buscando um só objetivo. Isso acabou rendendo várias seqüências eletrizantes, como Dentes-de-Sabre enfrentando Holocausto mesmo sabendo que não conseguiria vencer, Mercúrio tendo de escolher entre salvar o seu pai e o suposto “salvador” Bishop, o Anjo se redimindo numa manobra crucial para a derrota de Apocalipse, Blink usando toda a sua destreza para lutar em pé de igualdade com Holocausto, e, claro, o arrasador confronto final entre Magneto e Apocalipse.

A Era do Apocalipse não é exatamente um elseworld, afinal, teve reflexos na cronologia normal. A própria Tempestade “oficial” chegou a comentar na conclusão: “sinto que a guerra foi travada em outro campo de batalha”. Personagens provenientes da saga (como Holocausto e X-Man) foram parar no universo regular. Muitas vezes, maxi-séries editadas em vários títulos podem ser perfeitamente acompanhadas em apenas uma publicação principal. Infelizmente, não é o caso aqui. Todas as revistas envolvidas tiveram momentos imperdíveis, com exceção da linha que acompanhava os heróis não-mutantes (realmente muito fraca e desnecessária). Portanto, uma versão encadernada é altamente recomendável - principalmente agora, com a seqüência de A Era do Apocalipse programada para ser lançada em março lá fora (alô Panini!).

Existem muitos outros momentos dignos de um relançamento especial, mas esses já me deixariam pra lá de satisfeito. Ficam aí as sugestões para editoras espertas e descoladas (e que não sejam como a Conrad e seu câmbio ultra-inflacionado). Com certeza, são opções bem melhores do que tosqueiras do calibre de Wolverine – Edição Histórica, lançada pela Mythos.

[Por Doggma]

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